Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CELINA NÓBREGA | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO ESTETICISTA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/11/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | A subordinação jurídica, traço característico e distintivo do contrato de trabalho de outras figuras contratuais, traduz-se na dependência e sujeição do prestador da actividade face às ordens, autoridade e instruções de quem contrata essa actividade. Ou seja, no contrato de trabalho o credor da prestação impõe dentro dos parâmetros e regras do contrato e sobre o prestador da actividade recai a obrigação de acatar em consonância com essa imposição. (Sumário da Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: Relatório A, intentou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra B, pedindo que a acção seja julgada procedente e, em consequência: 1. Seja declarada a existência de um contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré, em 1 de Setembro de 2018, válido e eficaz; 2. Seja a Ré condenada ao pagamento das seguintes quantias: € 2 806,80, a título de remunerações e comissões; € 2.352,01, a título de subsídio de alimentação; € 251,51 a título de subsídio de férias de 2018; € 251,51, a título de subsídio de Natal de 2018; € 600,00, a título de subsídio de férias de 2019; € 600,00, a título de subsídio de Natal de 2019; € 600,00, a título de subsídio de Natal de 2020; € 600,00, a título de subsídio de férias de 2020; € 296,72, a título de proporcionais de férias 2020; € 296,72, a título de proporcionais de subsídio de Natal 2020; €296,72, a título de proporcionais de subsídio de férias 2020; e €639,00, a título de indemnização. 3. Seja a Ré condenada no pagamento à Autora da sanção pecuniária compulsória, no valor de € 50,00, por cada dia de atraso no pagamento de qualquer dos valores devidos. 4. Tudo acrescido de juros moratórios. Para tanto alegou, em resumo, que: trabalhou por conta da Ré sob a sua direcção e fiscalização desde 1 de Setembro de 2018 e até 30 de junho de 2020; exercia as suas funções de esteticista no local de trabalho estipulado pela Ré, usando para o efeito vestuário (t-shirt) fornecida pela Ré; a farda, equipamentos, utensílios e demais materiais utilizados pela Autora, pertenciam à Ré e eram por esta disponibilizados; estava obrigada a cumprir um horário de trabalho de 40 horas semanais da forma que indica; os horários e as folgas eram estabelecidos pela Ré; estava obrigada a justificar as faltas dadas ao serviço ou a informar quando estava doente ou a prestar assistência à família; auferia o valor base de € 600,00 acrescido de comissões pelos resultados e pela venda de pacotes de tratamentos; para além das funções inerentes às da actividade profissional, ainda estava obrigada a assegurar a limpeza do espaço e equipamentos, bem como a preparar e a lavar todo o material quando estava no horário de fecho; diariamente, a Ré estipulava, organizava e supervisionava o trabalho da Autora e das suas colegas; a Ré não lhe pagou as férias e o correspondente subsídio de férias, o subsídio de Natal, o subsídio de refeição, nem a remuneração e comissões que identifica; e em 01.07.2020 a Ré comunicou-lhe que não trabalhava mais para ela. Realizou-se a audiência de partes não se conseguindo a sua conciliação. A Ré contestou por excepção e por impugnação. Por excepção, invocou a prescrição dos créditos laborais reclamados pela Autora e o pagamento parcial da obrigação, caso se considere ter existido uma relação laboral. Por impugnação, negou a existência de um contrato de trabalho com a Autora, afirmando ter vigorado entre as partes um contrato de prestação de serviços, que o acordo celebrado consistia na obrigação da Ré no pagamento de uma percentagem sobre todas as intervenções realizadas no espaço desta, cabendo à Autora prestar o serviço e recorrer aos materiais próprios para alcançar tal desiderato, que a Autora nunca quis subordinar-se a um contrato de trabalho, pois que beneficiava largamente do ponto de vista fiscal e de Segurança Social, não serem devidas à Autora as quantias que reclama a título de subsídio de alimentação, de férias, subsídio de férias e de alegadas comissões, não ser aplicável ao caso a sanção pecuniária compulsória e que a Autora litiga com má-fé. Finalizou pedindo que a acção seja julgada improcedente e que, em consequência, seja a Ré absolvida do pedido por verificação da exceçção peremptória de prescrição; caso assim não se entenda, seja a Ré absolvida totalmente do pedido, por não se verificar a existência de um contrato de trabalho entre a Autora e a Ré; caso assim não se entenda, seja a Ré absolvida parcialmente do pedido, na quantia de €2.854,80; em qualquer caso, seja a Ré absolvida dos pedidos referentes aos valores a título de subsídio de refeição, férias não gozadas e comissões; em qualquer caso, seja a ré absolvida do pedido de aplicação da sanção pecuniária compulsória; e seja a Autora condenada no valor que for prudentemente arbitrado pelo Tribunal, em quantia nunca inferior a €2.500,00, por litigar com má-fé. A Autora respondeu pugnando pela improcedência da excepção. Dispensada a convocação da audiência prévia e fixado o valor da causa, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção da prescrição dos créditos laborais. Fixou-se o objecto do litígio e dispensou-se a enunciação dos temas da prova. Procedeu-se a julgamento e após foi proferida a sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré de todos os pedidos contra si formulados, bem como considerou não estar verificado que as partes litigaram de má-fé. Não se conformando com a sentença, a Autora recorreu e sintetizou as alegações nas seguintes conclusões: (…) Não foram apresentadas contra-alegações. O recurso foi admitido na espécie, modo de subida e efeito adequados. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. Não houve resposta ao parecer. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. Objecto do recurso Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º nº 2 do CPC), no presente recurso importa apreciar as seguintes questões: 1.ª- Se a decisão que recaiu sobre a matéria de facto deve ser alterada. 2.ª- Se entre a Autora e a Ré vigorou um contrato de trabalho e, consequentemente são devidas à Autora as quantias que reclama. Fundamentação de facto A sentença considerou provados os seguintes factos: 1. A Ré é proprietária do Centro de Estética C, sito no centro comercial D. 2. No dia 01 de Setembro de 2018, mediante acordo verbal, foi a ora Autora admitida para exercer a actividade de esteticista nas instalações da Ré, referidas em 1). 3. Actividade essa que exerceu até 30 de Junho de 2020. 4. Para o efeito, usava farda (t-shirt com o logótipo da loja), equipamentos, utensílios e demais materiais pertencentes à Ré e que a mesma disponibilizava, para o exercício da sua actividade. 5. Por acordo firmado entre a Autora e a Ré a actividade referida em 2) foi prestada da seguinte forma: a. De setembro de 2018 até meados de setembro de 2019 das 13h00 às 22h00, o turno do fecho; b. de outubro de 2019 até ao término do contrato era das 09h00 às 18h00. Com folga semanal às terças-feiras. 6. A Autora informava a Ré quando faltava, mormente se estivesse doente ou em assistência à família. 7. A Autora e as outras funcionárias marcavam numa agenda, diariamente, todos os trabalhos que realizavam e, no final do mês, a Ré calculava o valor que tinham a receber como contrapartida dos serviços prestados. 8. A Autora, para além do exercício da actividade de esteticista, assegurava ainda a limpeza do espaço e equipamentos, bem como, preparava e lavava todo material por si utilizado. 9. A Ré nunca pagou à Autora, as férias e o correspondente subsídio de férias. 10. A Ré nunca pagou à Autora o subsídio de Natal. 11. A Ré nunca pagou à Autora quaisquer importâncias a título de subsídio de refeição no valor diário de € 4,77. 12. No dia 29.06.2020, a Ré disse à Autora que não precisava de voltar depois da folga, isto é, no dia 01.07.2020. 13. Porém, quando a Autora pediu à Ré créditos em falta, a Ré respondeu que aquela não tinha qualquer valor a receber, nos precisos termos constantes 11v e 12, cujo teor se dá integralmente por reproduzido. 14. Ao longo da relação contratual existente entre as partes, a Ré pagou à Autora as seguintes quantias: - €500,00 em 03-12-2018; - €615,00 em 24-12-2018 - €640,00 em 05-02-2019; - €611,00 em 04-03-2019; - € 839,00 em 30-03-2019; - €1.068, em 30-04-2019; - €426,00 em 31-05-2019; - €600,00 em 31-05-2019; - €1.000,00em 04-07-2019; - €1.000,00 em 01-08-2019; - €1.000,00 em 29-08-2019; - €1.000,00 em 07-10-2019; - €900,00 em 30-10-2019; - €700,00 em 03-12-2019; - €700,00 em 26-01-2020; - €300,00 em 05-02-2020; - €780,00 em 04-03-2020; - €1.000,00 em 31-03-2020; - €252,00 em 08-05-2020 - €639,00 em 29-05-2020; 15. No período referido em 2), a Autora emitiu recibos, seguindo o regime específico dos rendimentos do trabalho autónomo ou independente. 16. Os catálogos apresentados aos clientes com produtos de estética e higiene eram propriedade da autora. 17. Os tempos em que a autora prestava serviços eram ditados pelas marcações feitas por esta directamente com as clientes da Ré, mediante a disponibilidade daquela. 18. A ré não se encontrava sempre nas dependências do estabelecimento, pelo que impendia sobre a autora planificar e gerir a sua agenda, segundo o seu próprio critério. 19. No que concerne à limpeza e manutenção do espaço, apenas lhe cabia tal tarefa na estrita medida da decorrência dos serviços que prestava. 20. Não foi exigida pela Ré exclusividade à Autora. 21. O acordo celebrado entre as partes consistia na obrigação da aqui ré de pagamento de uma percentagem sobre as intervenções realizadas no espaço desta, cabendo à aqui autora prestar o serviço. 22. Em data anterior a 29-06-2020 nunca a Autora reclamou junto da Ré subsídio de Natal e de Férias referentes ao ano de 2019. 23. A autora deixou vários serviços por prestar (que deveriam ter sido prestados até à data da cessação da relação contratual), recebendo inclusivamente valores dos clientes finais cuja entrega à ré omitiu. 24. Tendo a ré a necessidade de adjudicar tais serviços a outra pessoa, para que os clientes com que a autora se comprometeu não ficassem lesados. * Nos termos do disposto no artigo 72.º, n.º1, in fine, do Código de Processo do Trabalho, ainda foi considerado provado: 25. Em caso de falta da Autora, o serviço agendado seria assegurado por outra colega, caso a mesma tivesse disponibilidade de agenda. * Foram considerados não provados, designadamente, os seguintes factos: a) A Autora, começou a estagiar para a Ré, em julho e agosto de 2018, logo após terminar o curso de estética. b) A Ré sempre prometeu celebrar com a Autora um contrato de trabalho, mas que nunca o celebrou, e como era o seu primeiro emprego, a Autora aceitou. c) A Ré impôs à Autora o cumprimento de um horário de trabalho de 40 horas semanais. d) Os horários e as folgas de todas as funcionárias, incluindo os da Autora, eram estabelecidos pela Ré. e) A Autora estava obrigada a justificar as faltas dadas ao serviço. f) A Autora auferia o valor base de € 600,00 acrescido de comissões pelos resultados e pela venda de pacotes de tratamentos. g) O valor de €600,00 foi a contrapartida pecuniária certa, estabelecida pela Ré. h) A comissão pelo resultado era calculada da seguinte forma: quando os trabalhos realizados durante o mês ultrapassavam o montante de €1.500,00 (objectivo), recebiam uma comissão de 20% desse valor, o qual era pago no mês seguinte ao que dizia respeito. i) O Valor referido em 7) era pago a título de comissão e calculado nos termos referidos em i). j) Como este foi o primeiro emprego da Autora, ela confiava tanto na Ré que, nunca pôs em causa os valores que a mesma lhe dizia que tinha de receber a título de comissão; k) Durante o ano de 2019, era a Ré que no computador do local de trabalho emitia os recibos verdes da Autora, que devido a sua inexperiência, e por pensar que era só até ter contrato, sempre aceitou. l) A Ré ao requerer a emissão de recibos verdes à Autora, mais não quis que lubridiar a lei, lesando os direitos e garantias da Autora como trabalhadora. m) Diariamente, a Ré estipulava, organizava e supervisionava o trabalho da Autora e das suas colegas. n) Em abril de 2020, quando o estabelecimento comercial da Ré foi obrigado a encerrar, devido à situação pandémica vivida no país, a Ré não pagou à Autora qualquer quantia a título de vencimento base. o) Durante o tempo em que esteve a trabalhar para Ré, a Autora gozou 6 dias de férias no ano de 2018, e 22 dias de férias distribuídos pelo ano de 2019. p) Em maio de 2020, a Autora tinha a receber o montante de € 1.529,60, referente a € 600,00 de vencimento base e € 929,60 a título de comissão que deveria ser pago no mês de junho de 2020, e apenas recebeu o montante de € 639,00. q) Em junho de 2020, a Autora tinha a receber o montante de € 1.246,20, mas não recebeu qualquer valor. r) Na data referida em 12), a Ré pediu à Autora para apresentar as contas, dos valores em falta. s) A Ré ainda disse à Autora que no mês seguinte, deixaria de fazer os tratamentos de laser, os quais, eram realizados quase em exclusivo pela Autora e eram uma boa fonte de rendimentos, pois, são tratamentos com valor mais elevado. t) Bem como, deixaria de receber o valor base, e passaria a receber os valores a título de comissão. u) Perante tal informação a Autora disse que não aceitava a alteração das condições que tinham acordado, quando começou a trabalhar para a Ré, pois o prometido foi sempre o contrato de trabalho e não trabalhar à comissão. v) E por total desconhecimento, até há pouco tempo, sempre pensou que por não ter contrato escrito, não teria como exigir judicialmente esses valores à Ré. w) Motivo pelo qual, apenas agora deu entrada da presente acção. x) A actividade prestada pela Autora importava o pagamento a esta, por parte da Ré, das quantias referidas em 42) e 43) da petição inicial. y) A autora utilizava a roupa e fardamento que bem entendia, variando na indumentária motu proprio, nunca ostentando qualquer insígnia referente ao negócio da ré. z) Cabia à autora o planeamento e prossecução da sua formação, conforme comprova o curso por esta detido. aa) A autora recebia quantias monetárias em estrita correspetividade com os serviços prestados, e à medida em que o fossem. bb) Se os serviços de estética a determinado cliente não fossem prestados, a autora não receberia a quantia que lhe seria devida. cc) A Autora era obrigada a permanecer no estabelecimento da Ré no horário referido em 5 sem que existissem marcações que justificassem a sua presença. dd) Durante a relação contratual que vigorou entre as partes, a Autora prestava os mesmos serviços para outro centro de estética. ee) Se a qualidade e eficiência que se exigiam em determinado serviço não correspondessem aos mínimos da legis artis aplicável à intervenção, a autora não receberia a quantia que lhe seria devida. ff) A Ré dava instruções de como deveria ser desempenhada a intervenção estética, ou instruiu a Autora sobre como conduzir as suas tarefas. gg) Foi a autora que livremente apresentou perante a Autoridade Tributária uma declaração de início de atividade (cfr. documento com o n.º 7). hh) Cabia à autora fixar livremente os dias em que entendia “gozar férias”. ii) Autora nunca quis subordinar-se a um contrato de trabalho, pois que beneficiava largamente do ponto de vista fiscal e de Segurança Social (tendo em conta a ausência de retenção na fonte e isenção de pagamentos à Segurança Social no primeiro ano de atividade). jj) A autora subtraiu sub-repticiamente notas bancárias da caixa da ré). Fundamentação de direito Comecemos por responder à questão de saber se a decisão que recaiu sobre a matéria de facto deve ser alterada. (…) Por conseguinte, face ao teor do depoimento da testemunha RC impõe-se alterar o facto provado 18 que passa a ter a seguinte redacção: “18. A ré não se encontrava sempre nas dependências do estabelecimento.” (…) No ponto 5 dos factos provados consta: “5. Por acordo firmado entre a Autora e a Ré a actividade referida em 2) foi prestada da seguinte forma: a. De setembro de 2018 até meados de setembro de 2019 das 13h00 às 22h00, o turno do fecho; b. de outubro de 2019 até ao término do contrato era das 09h00 às 18h00. Com folga semanal às terças-feiras” E no ponto 17 dos factos provados consta: “17. Os tempos em que a autora prestava serviços eram ditados pelas marcações feitas por esta directamente com as clientes da Ré, mediante a disponibilidade daquela.” Há contradição entre estes factos. Com efeito, ou a Autora exercia a sua actividade no horário estipulado por acordo com a Ré, como decorre do facto provado 5 ou então exercia a sua actividade de acordo com as marcações feitas directamente por esta com as clientes e apenas de acordo com a sua disponibilidade e que, obviamente, poderia não implicar o cumprimento do horário referido no facto provado 5. Os dois factos têm potencialidade para se excluírem mutuamente. Contudo, a prova produzida permite sanar a mencionada contradição (cfr.art.662.º n.º 2 al.c) e n.º 1 do CPC). Com efeito, do depoimento das testemunhas E e F, resulta que a Recorrente, tal como estas, cumpria um horário, o que já consta do facto provado 5, e que todas preenchiam a agenda fazendo as marcações de acordo com a preferência dos clientes e, caso não houvesse preferência, de acordo com as vagas existentes na agenda, o que determinava que as colegas da Autora também lhe marcassem clientes sempre que não tivesse serviço agendado. Consequentemente, impõe-se alterar o facto provado 17 nos termos seguintes: “17. Os tempos em que a autora prestava a sua actividade, eram ditados pelas marcações feitas por esta directamente com as clientes da Ré e pelas marcações que lhe eram efectuadas pelas suas colegas. * Apreciemos, por fim, se entre a Autora e a Ré vigorou um contrato de trabalho e, consequentemente, se são devidas à Autora as quantias que reclama. Sobre a questão, após traçar o regime legal aplicável ao caso, pronunciou-se o Tribunal a quo assim: “(…). Da factualidade dada por provada, resulta desde logo que a Autora realizava a sua actividade nas instalações da ré, utilizando para o efeito instrumentos e equipamentos pertencentes à mesma. Estão assim verificados os indícios a que aludem as al. a) e b), do n.º1, do art. 12.º, do CTrabalho. Contudo, a verificação de duas dessas características tem, apesar de tudo, de ser enquadrada num ambiente contratual genético e de execução que não permita dúvidas consistentes sobre a qualificação. Só assim a presunção revestirá uma operação útil, na medida em que tais indícios são compatíveis com a existência de um contrato de prestação de serviços. No caso concreto, os factos não revelam, desde logo, com suficiente densidade e especificidade qual foi a vontade das partes na génese da relação. Já na sua execução, podemos verificar que a prestação da Autora estava inserida numa organização da Ré e era feita mediante retribuição. Podemos, no entanto, concluir pela existência de indícios de subordinação jurídica? Ressalta, desde logo, a específica forma de remuneração acordada, a qual se relaciona com o serviço efectivamente prestado pela Autora, e não com o tempo de permanência da Autora nas instalações da Ré. Relevante é ainda o facto de não existir um período de tempo durante o qual a Autora deveria prestava o seu serviço, por imposição da Ré. Ora, no contrato de trabalho, o empregador adquire o direito não apenas à prestação efectiva da actividade por parte do trabalhador, mas também à sua disponibilidade para essa actividade, sendo que, por regra, o que é contratado e executado é a efectiva prestação de trabalho, no horário acordado e em regime de presença física no local onde a prestação deva ser exercida, e não já a mera disponibilidade do trabalhador para essa actividade. A disponibilização da força de trabalho no vínculo laboral significa, por excelência, que o empregador possa dispor, da forma que entender (mas dentro, naturalmente, do condicionalismo legal), da actividade do trabalhador e, bem assim que, designadamente, não deixará o empregador de estar adstrito à obrigação de lhe pagar a contrapartida pecuniária (retribuição), caso, porventura, não possa assegurar ao trabalhador a efectiva prestação do trabalho. Mas a verdade é que, pese embora a “aquisição” da disponibilidade para o trabalho, tal não significa que não tenha o trabalhador (no vínculo contratual) o direito à ocupação efectiva, o qual poderá ser exigido pelo trabalhador ao empregador, apenas podendo ser inobservado nas situações legalmente previstas. Ou seja, no contrato de trabalho a situação normal e típica é que este tenha por objecto a efectiva prestação laboral no período e horário normal de trabalho que haja sido acordado. Ora, in casu, além de não ser exigido à Autora a sua presença física nos moldes referidos, e embora nada se tenha apurado quanto a um eventual poder disciplinar da Ré sobre aquela, o certo é que a mesma comunicava as suas faltas à Ré. Releva ainda o facto de a Ré não canalizar e/ou atribuir à Autora os trabalhos de estética, existindo contemporaneamente com a Autora, quem igualmente exercesse tais funções, o que revela a natureza fungível da sua prestação, a qual, podia ser prestada por outro trabalhador. Relativamente à própria execução do trabalho, tal como se apurou, não era a Ré quem determinava o serviço que à Autora competia realizar. Relevante é ainda a circunstância de a Autora não receber quantia mensal igual e certa, na medida em que meses houve em que recebeu valores monetários duas vezes e outros, nenhum, como contrapartida pela actividade prestada, sendo ainda certo que a referida quantia mensal variava em função dos serviços que efectivamente realizava. Neste contexto, há ainda que sopesar o facto de a Autora, ter emitido recibos verdes, com valores distintos dos efectivamente recebidos pela Ré, tendo ainda assegurado o pagamento das suas contribuições à Segurança Social. Intui-se, assim, que não era a disponibilidade organizada (a actividade) que era solicitada à Autora mas antes, um resultado concreto na prestação. Pelo exposto, é possível concluir que a Autora não estava inserida numa estrutura hierarquizada, isto é, que exercia as suas funções sob autoridade e direcção da Ré. Acresce que, não podemos lançar mão do nomen iuris que as partes deram ao acordo entre si outorgado, nem às cláusulas nele inseridas, por inexistente, a fim de ponderar se os mesmos se harmonizam com o contrato de prestação de serviço, conforme alegado pela Ré, ou com o contrato de trabalho, como alegado pela Autora, na medida em que, embora não sendo tais indícios decisivos para a qualificação do contrato não deixam de assumir especial relevo, já que a vontade negocial assim expressa no documento não poderá deixar de assumir relevância decisiva na qualificação do mesmo, salvo nos casos em que a matéria de facto provada permita concluir, com razoável certeza, que outra foi realmente a vontade negocial que esteve subjacente à execução do contrato. Ora não se tendo as partes acautelado com a redução a escrito da vontade negocial, sibi imputet. Assim, da conjugação de todos os indícios internos supra analisados quando concatenados com os indícios externos igualmente apurados e interpretados num contexto de execução continuada do contrato entre as partes, necessariamente teremos que concluir que a Autora não exercia a sua actividade profissional por conta, autoridade e direcção da Ré. Dito de outro modo, conseguiu a Ré ilidir a presunção legal de que a Autora beneficia. Pelo exposto, teremos que concluir pela inexistência de um contrato de trabalho entre as partes.” Discorda a Recorrente deste entendimento e sustenta, em síntese, que ficaram provados os indícios de subordinação jurídica a que aludem as alíneas a) a d) do artigo 12.º do CT e que a Recorrida não ilidiu a presunção de laboralidade, devendo concluir-se pela existência de um contrato de trabalho com as demais consequências. Apreciando: De acordo com o artigo 1152º do Código Civil, “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”. No caso, pretendendo a Recorrente que lhe seja reconhecida uma relação laboral celebrada com a Ré em 1 de Setembro de 2018, a qualificação da relação contratual deverá efectuar-se à luz do regime consagrado no Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro e sucessivas alterações. Nos termos do artigo 11.º do CT “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.” Sobre a noção legal de contrato de trabalho escreve António Monteiro Fernandes in “Direito do Trabalho”, 16ª edição, Almedina, pags.107 e 108,“ O primeiro elemento a salientar consiste na natureza da prestação a que se obriga o trabalhador. Trata-se de uma prestação de actividade, que se concretiza, pois, em fazer algo que é justamente a aplicação ou exteriorização da força de trabalho tornada disponível, para a outra parte, por este negócio. Este traço característico constitui um primeiro elemento da distinção entre as relações de trabalho subordinado e as relações de trabalho autónomo: nestas, precisamente porque o fornecedor da força de trabalho mantém o controlo da aplicação dela, isto é, da actividade correspondente, o objecto do seu compromisso é apenas o resultado da mesma actividade -só este é devido nos termos pré-determinados no contrato; os meios necessários para o tornar efectivo em tempo útil estão, em regra, fora do contrato, são de livre escolha e organização por parte do trabalhador. No contrato de trabalho, pelo contrário, o que está em causa é a própria actividade do trabalhador, que a outra parte organiza e dirige no sentido de um resultado que (aí) está por seu turno fora do contrato; assim, nomeadamente, e por princípio (…), o trabalhador que tenha cumprido diligentemente a sua prestação não pode ser responsabilizado pela frustração do resultado pretendido. Cabe no entanto salientar que o dizer-se que a actividade do trabalhador que preenche, do seu lado, o objecto do contrato não esgota a realidade. Em certas situações, o trabalhador cumpre a sua obrigação contratual embora esteja inactivo. (…). Na verdade, aquilo a que o trabalhador se obriga é, fundamentalmente, a colocar e a manter a sua força de trabalho (conjunto de aptidões psíquicas e físicas) disponível pela entidade patronal em certos termos e dentro de certos limites qualitativos e quantitativos, enquanto o contrato vigorar”. Por outro lado, o contrato de prestação de serviços está definido no artigo 1154º do Código Civil, nos seguintes termos: “ Contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”. E como vem sendo entendido, o que verdadeiramente diferencia o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços é a existência de subordinação jurídica que enforma aquele e não este. Com efeito, como se afirma no Acórdão do STJ de 08.10.2015, Proc. n.º 292/13.5TTCLD.C1.S1 “I –A diferenciação entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço centra-se, essencialmente, em dois elementos distintivos: no objecto do contrato (no contrato de trabalho existe uma obrigação de meios, de prestação de uma actividade intelectual ou manual, e no contrato de prestação de serviço uma obrigação de apresentar um resultado) e no relacionamento entre as partes: com a subordinação jurídica a caracterizar o contrato de trabalho e a autonomia do trabalho a imperar no contrato de prestação de serviço.” Sobre a figura da subordinação jurídica, escreve António Monteiro Fernandes, na pag.114 da obra citada: “A subordinação jurídica consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das regras que o regem”. Assim, a subordinação jurídica, traço característico e distintivo do contrato de trabalho de outras figuras contratuais, traduz-se na dependência e sujeição do prestador da actividade face às ordens, autoridade e instruções de quem contrata essa actividade. Ou seja, no contrato de trabalho o credor da prestação impõe dentro dos parâmetros e regras do contrato e sobre o prestador da actividade recai a obrigação de acatar em consonância com essa imposição. Sucede, porém, que, na maioria das vezes, a realidade da vida não permite que, facilmente, se consiga apreender, nas relações contratuais, o elemento subordinação jurídica daí que a jurisprudência e a doutrina se tenham socorrido, ao longo dos anos, do denominado método indiciário para aferir da existência de um contrato de trabalho. O Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2002 de 27 de Agosto, veio introduzir no seu artigo 12.º a denominada presunção de laboralidade, determinando presumir-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente, se verificassem as cinco circunstâncias que enuncia. A mencionada norma foi alterada pela Lei n.º 9/2006 de 20 de Março, passando a estatuir que “Existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição. Ou seja, tal como a norma anterior, a alteração também não facilitou a questão da qualificação do contrato de trabalho, posto que a verificarem-se os requisitos a que alude estaríamos perante um contrato de trabalho e não perante uma presunção de laboralidade. Posteriormente, o Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, vigente à data da celebração do contrato entre a Autora e a Ré, manteve a presunção de laboralidade dispondo o artigo 12.º o seguinte: “1- Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. (…).” Perante o vocábulo “algumas”, temos entendido que, para que opere a presunção de laboralidade basta que se verifiquem, pelo menos, duas das circunstâncias que a norma enuncia. E como se refere no sumário do Acórdão do STJ citado supra, “II – A existência do contrato de trabalho presume-se desde que se verifiquem algumas das circunstâncias – e bastam duas – elencadas no nº 1, do art. 12º, do Código de Trabalho de 2009. Presunção em benefício exclusivo do trabalhador, uma vez que, quem tem a seu favor a presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz, por força do estatuído no nº 1 do art. 350º, do Código Civil. III – Tratando-se, porém, de uma presunção iuris tantum admite prova em contrário, nos termos do nº 2, do art. 350º, do Código Civil. Prova a cargo do empregador, se pretender ilidir a presunção. Caso em que lhe caberá provar que a situação em causa não constitui um contrato de trabalho, antes reveste as características de um contrato de prestação de serviço, dada a autonomia com que é exercida.” No caso presente, entendeu a sentença recorrida que, apesar de estarem verificadas algumas das circunstâncias a que alude o artigo 12.º do CT, a empregadora ilidiu a presunção de laboralidade. Será assim? Atentemos no quadro factual: A Autora foi admitida, mediante acordo verbal, para exercer a actividade de esteticista (facto provado1). Fazia-o nas instalações da Ré (facto provado 2). Usava farda (t-shirt com logótipo da loja), equipamentos, utensílios e demais materiais pertencentes à Ré e que a mesma disponibilizava para o exercício da sua actividade (facto provado 4). Não temos dúvidas, como não teve a sentença recorrida, que a mencionada factualidade integra as caraterísticas previstas nas als.a) e b) do n.º 1 do artigo 12.º do CT. E a circunstância de a Autora usar farda com logótipo da Ré aponta no sentido de que estava inserida numa organização empresarial, a da Ré, o que também é reconhecido pela sentença. Provou-se ainda que a actividade acordada entre as partes foi prestada de Setembro de 2018 até meados de Setembro de 2019 das 13h00 às 22h00, o turno do fecho e de Outubro de 2019 até ao término do contrato das 09h00 às 18h00, com folga semanal às terças-feiras. Ou seja, a Autora tinha um horário de trabalho. Mas diferentemente da carcterística da alínea c) do n.º 1 do artigo 12.º do CT, apesar de a Autora observar um horário de trabalho, a verdade é que também resultou provado que este foi acordado pelas partes e não que foi imposto pela Ré. Donde, entendemos não ser possível extrair da existência do referido horário de trabalho uma emanação dos poderes de autoridade da Ré. Também ficou provado que a Autora informava a Ré quando faltava, mormente se estivesse doente ou em assistência à família (facto provado 6). Contudo, não se provou que a Autora estava obrigada a justificar as faltas dadas ao serviço (al.e) dos factos não provados), pelo que não podemos concluir que a comunicação das faltas à Ré se impunha como uma obrigação cujo incumprimento redundaria em faltas injustificadas e possível procedimento disciplinar. Além disso, como consta do facto provado 25, em caso de falta da Autora, o serviço agendado seria assegurado por outra colega, caso a mesma tivesse disponibilidade de agenda, sendo, pois, substituída nas tarefas contratadas. Quanto às contrapartidas monetárias auferidas pela Recorrente, conforme decorre do facto provado 14, aquelas não foram pagas todos os meses do ano e meses houve em que foram pagas mais de uma vez. Por outro lado, a quantia paga não foi certa, pelo que não podemos acompanhar a Recorrente quando afirma que está verificada a característica da alínea d) do n.º 1 do art.º 12.º do CT. Relativamente ao modo de apuramento dos valores pagos, a Ré provou, por um lado, que a Autora e as outras funcionárias marcavam numa agenda, diariamente, todos os trabalhos que realizavam e, no final do mês, a Ré calculava o valor que tinham a receber como contrapartida dos serviços prestados (facto provado 7) e, por outro lado, apurou-se que o acordo celebrado entre as partes consistia na obrigação da aqui ré de pagamento de uma percentagem sobre as intervenções realizadas no espaço desta, cabendo à aqui autora prestar o serviço (facto provado 21). E de acordo com o facto provado 17 (alterado), os tempos em que a autora prestava a sua actividade, eram ditados pelas marcações feitas por esta directamente com as clientes da Ré e pelas marcações que lhe eram efectuadas pelas suas colegas. Por isso, era vantajoso para a Recorrente que, sempre que tivesse vaga, as colegas agendassem serviço para ela. Ora, perante esta factualidade, não é possível dela retirar a versão da Autora de que foi acordada uma retribuição fixa, no valor de €600,00 mensais e uma retribuição variável em função dos serviços prestados (cfr. factos não provados g), h) e i) não impugnados pela Recorrente). Por outro lado, decorrendo da factualidade provada que as marcações dos serviços eram feitas directamente pela Autora e pelas suas colegas, o que significa que era a Autora e as colegas que geriam a agenda e exclui a intervenção da Ré na determinação da prestação e cingindo-se a obrigação da Ré ao pagamento de uma percentagem dos serviços realizados, que não foi paga todos os meses e em alguns foi paga mais de uma vez, entendemos que tais circunstâncias neutralizam as relativas à prestação da actividade nas instalações da Ré, com equipamentos da Ré e usando uma farda com o logótipo da Ré, o que nos leva a concluir, como concluiu a sentença recorrida, no sentido de que a Ré ilidiu a presunção de laboralidade que destas resultava. Em consequência, improcede o recurso devendo ser confirmada a sentença recorrida. Decisão Face ao exposto, acordam as Juízas deste Tribunal e Secção em: - Julgar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto nos termos supra mencionados. - Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida. Custas pela Recorrente, tendo-se em atenção o apoio judiciário que lhe foi concedido. Registe e notifique. Lisboa, 11 de Outubro de 2023 Maria Celina de Jesus de Nóbrega Paula de Jesus Jorge dos Santos Alda Martins |