Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | PAULA CARDOSO | ||
| Descritores: | PER HOMOLOGAÇÃO PRINCÍPIO DA IGUALDADE PERDÃO DE DÍVIDAS AVAL | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/29/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | I- Aprovado pelos credores o plano de recuperação, deve depois o juiz decidir se o homologa ou se recusa a sua homologação, tal como resulta do n.º 7 do art.º 17.º-F do CIRE. II- Nesse controle que faz, o juiz está vinculado ao dever de aferir da legalidade do plano aprovado pelos credores, devendo recusar a sua homologação, mesmo oficiosamente, quando ocorrer violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo. III- Dentre as normas de conteúdo aplicáveis ao plano, encontra-se o art.º 194.º do CIRE, que consagra o princípio da igualdade entre os credores, e que, em caso de violação, tratando-se de norma imperativa, ter-se-á como não negligenciável conducente assim à recusa da homologação do aludido plano. IV- Aferindo-se a violação desse princípio na ponderação global de cada caso concreto, viola o princípio da igualdade o plano de recuperação que apenas sustenta na diferente natureza dos créditos o pagamento total dos credores privilegiados e garantidos em 3 anos sem período de carência e o pagamento desproporcional de apenas 50% dos credores comuns em 10 anos e com um período de carência de 12 meses. V- A possibilidade que é concedida pelo n.º 1 do art.º 218.º do CIRE, norma aplicável ao PER por força do consagrado nos arts.º 17.-A n.º 3 e 17.º F n.ºs 7 e 13 do CIRE, de prever no plano disposição expressa em sentido diverso ao ali consignado quanto aos efeitos do incumprimento relativo à moratória ou perdão previstos no plano só faz sentido se forem fixados requisitos mais exigentes dos que ali previstos. VI- Importa, pois, a violação de tal normativo, o plano que prevê um perdão de 50% do crédito dos credores comuns, que totalizam um montante muito considerável no âmbito dos credores reconhecidos, prevendo ainda que, havendo incumprimento desse mesmo plano, os credores ficariam vinculados para o futuro ao perdão e à moratória nele previstos, o que, a ser assim, constitui uma violação não negligenciável do conteúdo do plano, determinante da sua não homologação. VII- O regime jurídico do aval, regulado pela LULL, não permite o afastamento da aplicação do art.º 217.º, n.º 4, do CIRE, ao plano de recuperação no âmbito do PER, aplicável por força do consagrado nos arts.º 17.-A n.º 3 e 17.º-F n.º 7 do CIRE, nomeadamente ali prevendo que as garantias pessoais dadas (avais) possam ser suspensas enquanto o plano de recuperação for cumprido pela devedora principal. VIII- A cláusula que tanto permite, à revelia daquele regime imperativo legal, constitui também uma violação não negligenciável do conteúdo do plano igualmente determinante da sua não homologação, pois que o art.º 215.º do CIRE não consente, em relação a um mesmo plano, uma decisão de homologação em relação a uma parte dele e uma decisão de não homologação em relação a outra. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I-/ Relatório: A sociedade TT, S.A., apresentou-se a processo especial de revitalização. Em 04/03/2024, o Sr. Administrador Judicial Provisório (AJP) nomeado apresentou a lista provisória de créditos relativamente à qual foram apresentadas impugnações, apreciadas por decisão de 18/03/2024. O prazo de dois meses para conclusão das negociações foi prorrogado por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o Sr. AJP nomeado e a devedora, publicitado em 10/05/2024. Concluídas as negociações, em 24/05/2024 foi junta e publicada uma primeira versão do plano de recuperação e, em 03/06/2024, foi junta uma nova versão do plano, publicitada em 04/06/2024. Em 05/06/2024, a credora H…, S.A., veio tomar posição sobre o plano. Para tanto, invoca que o mesmo viola o princípio da igualdade dos credores ao prever o pagamento de apenas 50 % do capital aos credores comuns e 100 % para os restantes. Em 06/06/2024, o credor B…., S.A., veio requerer a não homologação do plano de revitalização apresentado pela devedora por considerar que: (i) o plano prevê um perdão excessivo dos créditos comuns; (ii) o plano não teve em consideração as especificidades dos contratos de locação financeira, ao prever o seu pagamento nos mesmos moldes que os créditos comuns, quando deveria prever que fossem cumpridos nos exatos termos contratados, o que coloca o credor numa situação mais desfavorável do que aquela que existiria na ausência de qualquer plano, pois não podendo a devedora cumprir pontualmente o contrato celebrado com o mesmo, teria que entregar ao Banco o bem objeto daquele, permitindo que este, enquanto proprietário, lhe desse o destino que bem entendesse, podendo reaver, através da venda do mesmo, pelo menos, parte do crédito referente a tal contrato; (iii) o plano pretende derrogar o disposto no artigo 218.º, n.º 1 do CIRE, ao prever que, em caso de incumprimento, a moratória e o perdão previstos não fiquem sem efeito, ainda que a devedora se encontre em mora, fique insolvente ou recorra a um novo PER; (iv) o plano põe em causa a função do aval ao prever que as garantias pessoais prestadas sejam modificadas na mesma medida em que seja modificado o crédito garantido, ficando a sua eficácia suspensa enquanto for cumprido pela devedora, dessa forma violando o disposto nos artigos 102.º, 218.º, n.º 1 e 217.º, n.º 4 do CIRE, bem como no artigo 406.º do Código Civil e no artigo 32.º da Lei Uniforme das Letras e Livranças. Em 07/06/2024, a credora F…, S.A., veio manifestar-se contra o plano. Para tanto considerou inaceitável o perdão de 50% do capital e o pagamento do remanescente em 10 anos, com 12 meses de carência, relativamente aos credores comuns; o que igualmente considerou no que concerne à derrogação do regime previsto no art.º 218.º, n.º 1 do CIRE. Na mesma data, o B…. S.A., veio também pedir a não homologação do plano. Alega que o mesmo viola a norma imperativa do art.º 218.º, n.º 1, al. a), do CIRE, e que as medidas previstas no plano colocam o credor em situação menos favorável porque lhe retira a possibilidade de recorrer à ação executiva para pagamento integral dos seus créditos de uma forma mais célere ao propor o deferimento do respetivo pagamento para daqui a mais de 11 anos (contando com o período de 12 meses de carência), em 108 prestações mensais e com um perdão de capital de 50%. Alega, ainda, que a devedora se encontra em situação de insolvência atual em virtude de o seu passivo ser superior ao ativo. Em 11/06/2024, a credora J….., Lda., veio igualmente pedir a não homologação do plano. Considera inaceitável o perdão de 50% do capital e o pagamento do remanescente em 10 anos, com período de 12 meses de carência, assim como a derrogação do regime previsto no n.º 1 do artigo 218.º do CIRE, em que a devedora mantém a pretensão de afastamento da cominação (perda e perdão de moratória) ali prevista, mesmo que entre em incumprimento, o que revela má-fé. Na mesma data, a credora T…. – Sucursal em Portugal, também se manifestou contra. Para tanto defende não aceitar o perdão de 50% do capital em dívida aos credores comuns e a derrogação do regime do art.º 218.º, do CIRE. Em 12/06/2024, o B…. veio pedir a não homologação do plano de revitalização. Alega que o mesmo é discriminatório, desequilibrado e infundado, ao prever um perdão excessivo da dívida dos credores comuns e também pelo facto de devedora não apresentar qualquer expectativa de recuperação, encontrando-se em situação de insolvência atual. Em 19/06/2024 foi remetido ao Tribunal o resultado da votação pelo Sr. AJP, de acordo com o qual o plano foi aprovado. Na mesma data, o Sr. AJP apresentou o parecer a que alude o art.º 17.º- F, n.º 6, parte final, do CIRE, aí concluindo pela viabilidade do plano. Por sentença proferida nos autos em 11/07/2024, foi recusada a homologação do plano de recuperação. Inconformada, a Requerente interpôs recurso, que finalizou com as seguintes conclusões: «A. O plano de recuperação prevê o pagamento, em 3 anos, de 100% dos créditos privilegiados, o pagamento, em 10 anos, de 50% dos créditos comuns e o perdão total dos créditos subordinados. B. O plano de recuperação viria a ser votado e aprovado pelos seus credores (designadamente, pela credora Fazenda Pública), reunindo a maioria prevista no art.º 17.º-F, n.º 5, alínea a,), ii) do CIRE. C. Atentas as circunstâncias em que se encontra a Apelante, a aprovação e homologação do plano de recuperação afigura-se como a única medida possível para evitar que a mesma seja remetida, inelutavelmente, para uma situação de insolvência. D. Do ponto de vista dos credores, a aprovação e homologação do plano de recuperação apresenta-se como a única via que se coaduna com os seus interesses, porquanto, em cenário de insolvência e liquidação da empresa, prevê-se que apenas uma pequena parte dos credores verá os seus créditos satisfeitos. E. Em cenário de insolvência, estima-se que os credores comuns receberão entre 22% e 29% dos seus créditos, ao passo que os credores subordinados não verão pagos quaisquer dos seus créditos. F. Não obstante a aprovação do plano de recuperação pelos credores da Apelante e o parecer favorável apresentado pelo Sr. Administrador Judicial Provisório, o Tribunal a quo proferiu o Despacho de não homologação do plano de recuperação. G. A decisão recorrida empurra para a insolvência uma empresa que, segundo se concluiu, é viável se o plano de recuperação for homologado. H. A não homologação do plano de recuperação teve por base uma alegada violação do Princípio da Igualdade dos Credores e dos preceitos legais do 218.º, n.º 1, als. a) e b) e 217.º, n.º 4, ambos do CIRE, entendimento este com o qual a Apelante não se pode conformar. I. As medidas previstas no plano de recuperação, ao diferirem consoante a categoria de credores em consideração e tratando de forma rigorosamente paritária os credores inseridos na mesma categoria, asseguram o cabal respeito pelo Princípio da Igualdade dos Credores, tratando de igual forma o que é igual e de diferente forma o que é diferente. J. Acresce existir uma proporção adequada na relação entre os créditos subordinados e comuns (0% e 50%, respetivamente) assim como na relação entre os créditos comuns e garantidos / privilegiados (50% e 100%, respetivamente). K. Não se percebe se, para o Tribunal a quo, o perdão no valor dos créditos era desnecessário para viabilizar a empresa, pois a sentença é totalmente omissa a esse respeito, bem como o é quanto à capacidade da empresa para pagar a totalidade do seu passivo. L. A derrogação do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 218.º do CIRE é uma possibilidade que decorre diretamente do próprio preceito legal, ao aludir a uma eventual “disposição expressa do plano de insolvência em sentido diverso”, entendimento este, de resto, pacificamente aceite pela Doutrina. M. Conforme tem entendido diversa Doutrina, o facto de os garantes (no caso, os administradores da Apelante) terem prestado o seu assentimento expresso à alteração das garantias por si prestadas resultante da cláusula adicional n.º 7 do plano de recuperação, é condição necessária e suficiente, no caso concreto, para julgar cumprido o referido preceito legal. N. Mesmo que se entendesse resultar do plano de recuperação a violação do disposto no artigo 217.º, n.º 4, do CIRE, sempre seria de considerar a cláusula em consideração como não escrita, deixando, assim, de se verificar causa para não homologação do plano de recuperação. NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., DEVERÁ A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE DECLARE A HOMOLOGAÇÃO DA VERSÃO FINAL DO PLANO DE RECUPERAÇÃO APRESENTADO PELA APELANTE, ASSIM SE FAZENDO A ESPERADA JUSTIÇA». Não foram apresentadas contra-alegações. Na sequência da decisão de não homologação do plano de recuperação apresentado, o Sr. AI emitir parecer no sentido de ser decretada a insolvência da empresa devedora, que, notificada, assentiu na insolvência, no âmbito do que entende haver vantagem em apresentar e fazer aprovar um plano de insolvência que preveja a continuidade da exploração da empresa, tudo, contudo, sem prejuízo do recurso de apelação. Nessa conformidade, foi determinada a autuação e distribuição do processo de insolvência, nos termos do disposto no art.º 17.º-G, n.º 7, do CIRE, com apensação deste processo especial de recuperação. Foi ainda, nesse mesmo despacho, admitido o recurso, após o que subiram os autos a este Tribunal da Relação, que, remetidos aos vistos, em conferência, cumpre agora apreciar e decidir. Anota-se, ainda, que tal como resulta da informação solicitada já nesta instância recursiva, autuado o processo de insolvência (sob o n.º 14438/24.4T8SNT, a correr termos no Juízo de Comércio de Sintra (Juiz 1) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, a que estes autos foram apensos), foi ali proferida sentença, em 01/10/2024 (não estando ainda nesta data certificado o seu trânsito em julgado), que declarou a insolvência da aqui recorrente, ali se considerando que, tendo sido interposto recurso da decisão de não homologação do plano de revitalização ficaria suspensa a liquidação e a partilha do activo, sem prejuízo do disposto no art.º 158.º, n.º 2, do CIRE (art.º 40.º, n.º 3, aplicável ex vi do art.º 17.º-F, n.º 10, do mesmo Código). * II-/ Questões a decidir: Estando o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, na apelação interposta, como decorre dos arts.º 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões colocadas à apreciação deste Tribunal consistem em aferir: (i) Se o Plano apresentado nos autos, que viu recusada a sua homologação, viola ou não o princípio da igualdade previsto no art.º 194.º do CIRE, o que constitui violação não negligenciável do conteúdo do plano, susceptível da sua recusa à luz do art.º 215.º do CIRE; (ii) Se viola também o estatuído pelo art.º 218.º n.º 1 als. a) e b) do CIRE, e se tal constitui igualmente violação não negligenciável do conteúdo do plano, também susceptível da sua recusa à luz do art.º 215.º do CIRE; (iii) E, finalmente, se o Plano viola ainda o consagrado no art.º 217.º n.º 4 do CIRE, e se tanto constitui também violação não negligenciável do conteúdo do plano, susceptível da sua recusa à luz do art.º 215.º do CIRE. *** III/- Fundamentação: Com interesse para a decisão da causa, encontram-se provados os factos plasmados no relatório que antecede e cujo teor se dá por reproduzido. Com interesse para a decisão, cumpre ainda registar que: 1/ Do plano apresentado nos autos, entre outros, consta que: «(…) Atenta a categorização dos diferentes tipos de créditos identificados, os planos de pagamentos a apresentar são os seguintes: 7) Pagamento dos créditos privilegiados e garantidos: a) Pagamento de 100% do valor do crédito no prazo de 3 anos, contados do final do mês seguinte ao despacho de homologação do plano, perfazendo um total de 36 prestações, iguais e sucessivas, com o valor mínimo de 25,50€, vencendo-se juros sobre o referido crédito à taxa legal, juros esses que serão pagos simultaneamente com as prestações de capital. Não haverá redução de coimas ou custas. b) Pagamento dos créditos comuns: Pagamento de 50% do valor do crédito no prazo de 10 anos, contados do trânsito em julgado do despacho de homologação do plano, com uma carência no pagamento de capital e juros nos primeiros 12 meses (prevê-se que essa carência dure até junho de 2025, inclusive), perfazendo um total de 108 prestações, iguais e sucessivas, com o valor mínimo de 25,50€, vencendo-se juros sobre o referido crédito à taxa fixa de 3,5% ao ano, juros esses que, não sendo capitalizáveis, serão pagos simultaneamente com as prestações de capital. As prestações mensais de valor inferior a 500,00€ poderão ser agrupadas e pagas num único pagamento trimestral, efetuado até ao final do primeiro mês do trimestre a que disser respeito. c) Pagamento dos créditos subordinados: Perdão total de capital e juros, com extinção dos respetivos créditos. d) Pagamento dos créditos sob condição: Assim que se considere verificada a condição associada ao crédito, o pagamento segue o regime da respetiva categoria de créditos, de acordo com o previsto em a) a c) supra.» Por outro lado, o plano apresenta, ainda, as seguintes cláusulas adicionais ao plano de pagamento: «1. Tratamento igual entre os credores: O princípio da igualdade entre credores foi tido em plena consideração conforme dispõe o art.º 194.º do CIRE, sem prejuízo das diferenciações que sejam justificadas por razões objetivas. No que diz respeito às Entidades Públicas, a sua diferenciação face aos credores comuns resulta do escopo prosseguido por estas entidades, bem assim como da natureza dos respetivos créditos. 2. Antecipação/encurtamento de prazos de pagamento: A TT poderá antecipar os prazos de pagamento aos credores ou encurtar o plano de pagamentos, caso a situação financeira da sociedade o permita. 3. Cessão de Créditos: a) A TT autoriza, irrevogável e incondicionalmente os seus credores bancários a: i. Negociarem, proporem a venda, alienarem ou cederem a terceiro, total ou parcialmente, os créditos (vencidos ou não vencidos) dos referidos credores detidos sobre a sociedade TT, S.A., emergentes de qualquer facilidade de crédito contratada, bem como a transmissão das garantias e outros acessórios dos créditos, incluindo sem limitar os emergentes de contratos de empréstimo ou de mútuo, contratos abertura de crédito, descobertos de conta de depósitos à ordem (contratados ou não contratados), contratos de locação financeira, contratos de factoring e garantias bancárias prestadas, e/ou. ii. Negociarem, proporem a transmissão e transmitirem, sem restrições, a terceiro a sua posição contratual em qualquer contrato de crédito, designadamente nos elencados na anterior subalínea; b) A TT autoriza, de forma expressa e sem reservas, os Bancos / Instituições Financeiras, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1, do artigo 79.º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, a revelarem, prestarem ou transmitirem, direta ou indiretamente, aos potenciais cessionários mencionados na alínea anterior, todas e quaisquer informações, contratos, documentos ou o conteúdo, total ou parcial, dos mesmos, independentemente do meio de transmissão, respeitantes às relações creditícias que os créditos bancários mantêm com a TT. 4. Créditos constituídos na pendência do Plano: Os créditos constituídos na pendência do PER ou da execução do plano de recuperação que se destinem a financiar a atividade da TT, disponibilizando-lhe capital para a sua revitalização, terão prioridade sobre os créditos reconhecidos, nos termos do art.º 17.º-H do CIRE, o mesmo se aplicando a garantias prestadas com essa finalidade. A TT poderá contrair operações de financiamento durante a execução do plano de recuperação sob a forma de locação financeira, venda de ativos e recompra em regime de lease-back, mútuo com hipoteca, entre outras. 5. Incumprimento: O incumprimento do Plano não determinará que a moratória e o perdão previstos no plano fiquem sem efeito, ainda que a TT se encontre em mora, seja declarada insolvente ou recorra a novo PER, derrogando-se o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 218.º do CIRE. 6. Vinculação de terceiros: Caso o Plano de Recuperação seja homologado, ficam vinculados ao nele exarado, mesmo os credores que não tenham reclamado o seu crédito, não tenham participado nas negociações ou tenham manifestado o seu voto desfavorável ao mesmo. 7. Garantias prestadas: Tendo presente, por um lado, que a função primacial do plano é a revitalização da devedora e que, por outro lado, parte da dívida desta se encontra garantida através de garantias pessoais (avais) prestados pelos administradores da devedora X e XX, é condição necessária à aprovação do plano que as garantias pessoais prestadas se mantenham em vigor, sendo modificadas na mesma medida em que seja alterado o crédito garantido, ficando no entanto a sua eficácia suspensa enquanto o plano de recuperação for cumprido pela devedora principal, de forma a que sejam concedidos aos atuais administradores as condições necessários para que possam dedicar todo o seu tempo à efetiva recuperação da sociedade e com isso permitir o ressarcimento dos créditos aos credores (quanto à admissibilidade da presente cláusula, cfr. Carolina Cunha, Aval e Insolvência, Almedina 2018, pp. 206 e 214-225). Os garantes administradores, manifestaram o seu assentimento à presente cláusula de salvaguarda nos termos da declaração junta sob o Anexo III (cfr. art. 192.º / 2 CIRE). Justifica-se a presente salvaguarda, também, atento o facto de a possibilidade de acionamento imediato das garantias pessoais constituídas pelos administradores (ou seja, o cenário sem aprovação do plano) irá previsivelmente proporcionar aos credores afetados apenas uma pequena parte do valor da dívida, sendo de considerar o mais do que certo cenário de insolvência destes, atentos os montantes envolvidos, ao passo que o cumprimento do plano irá permitir o pagamento de uma quantia bastante superior, ainda que mais tarde e mediante a respetiva remuneração a título de juros. Mantêm-se em vigor todas as garantias existentes, nomeadamente, para efeitos do n.º 13 do art.º 199.º do CPPT.» *** IV-/ Do objeto do recurso: O processo especial de revitalização, introduzido no nosso ordenamento jurídico pelo art.º 3.º da Lei 16/2012, de 20/04, tal como resulta do art.º 17.º-A do CIRE, designadamente o seu n.º 1, tem em vista permitir ao devedor - que se encontre numa situação económica difícil, com sérias dificuldades para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito - definição dada pelo seu artigo 17.º-B - ou em situação de insolvência iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação - estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização. Este processo, que tem carácter urgente (art.º 17.º A n.º 3 do CIRE), reveste assim uma natureza negocial, sob a direção do administrador judicial provisório, com o objetivo de encontrar um acordo, materializado no plano de recuperação, que permita a recuperação da empresa em dificuldades económicas. Concluídas que sejam as negociações, depositado o plano e publicado no portal Citius o anúncio advertindo da sua junção, o plano é votado, podendo depois ser, ou não, homologado pelo Tribunal. Com efeito, operada a votação e aprovação do plano de recuperação, por parte dos credores, ao Juiz compete, no prazo de dez dias – art.º 17.º-F, n.º 7 do CIRE - dirimir, homologar ou recusar a sua homologação, vinculando os credores, observando-se, para o efeito, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título ix, em especial o disposto nos arts.º 194.º a 197.º, no n.º 1 do art.º 198.º e nos arts.º 200.º a 202.º, 215.º e 216.º. No caso dos autos, o tribunal recorrido, aprovado que foi o plano de recuperação apresentado pela devedora (à luz do art.º 17.º F, n.º 5, alínea a), ii) do CIRE), recusou a sua homologação por sentença, nos termos do art.º 215.º do CIRE, por, essencialmente, julgar verificada a violação do Princípio da Igualdade dos credores, prevista no art.º 194.º do CIRE e bem assim dos arts.º 218.º, n.º 1, als. a) e b) e 217.º, n.º 4, também do CIRE, considerando existir assim violação não negligenciável do conteúdo do plano. Em recurso, a recorrente insurge-se contra aquela recusa por, na sua tese recursiva, e, em suma: (i) as medidas previstas no plano de recuperação, ao diferirem consoante a categoria de credores em consideração e tratando de forma rigorosamente paritária os credores inseridos na mesma categoria, asseguram o cabal respeito pelo Princípio da Igualdade dos Credores, tratando de igual forma o que é igual e de diferente forma o que é diferente; (ii) resultar do art.º 218.º do CIRE a possibilidade de o próprio plano inserir disposição em sentido diverso ao consagrado naquele preceito; (iii) o facto de os garantes - administradores da apelante - terem prestado o seu assentimento expresso à alteração das garantias por si prestadas é condição necessária e suficiente para se ter por cumprido o consagrado no art.º 217.º do CIRE; e, mesmo que se entendesse resultar do plano de recuperação a violação daquele preceito, sempre seria de considerar a cláusula em consideração como não escrita, deixando, assim, de se verificar causa para não homologação do plano de recuperação. Vejamos então. Decorre do convocado art.º 215.º do CIRE, que «O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação». A lei não define o que são «vícios não negligenciáveis», e tem-se entendido que revestem tal natureza todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza, diversamente se verificando quanto às infrações que afetem tão só as regras de tutela particular, que podem ser afastadas com o consentimento do protegido. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda (no Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, 3.ª edição, QJ, pág. 781), sobre esta temática dizem que «4. Normas procedimentais são, pois, todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhes forem presentes – incluindo, por isso, as relativas à sua própria convocatória e funcionamento – e, bem assim, as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado. Normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez, todas as respeitantes às partes dispositivas do plano, mas, além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar». (i) Da violação do princípio da igualdade: Dentre as normas de conteúdo aplicáveis ao plano e a que o mesmo deve obedecer, encontra-se o art.º 194.º, que, como norma imperativa, consagra o princípio da igualdade de tratamento entre os credores e cuja violação deve, como regra, ter-se como não negligenciável. Regula então o art.º 194.º do CIRE que «1- O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas. 2- O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afetado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável. 3- É nulo qualquer acordo em que o administrador da insolvência, o devedor ou outrem confira vantagens a um credor não incluídas no plano de insolvência em contrapartida de determinado comportamento no âmbito do processo de insolvência, nomeadamente quanto ao exercício do direito de voto.» Ainda que, como decorre da própria formulação daquele princípio, o mesmo não configure um direito absoluto, podendo, num regime de exceção, e em casos de situações objetivamente justificáveis, permitir tratamentos diferenciáveis entre os credores, certo é que, a sua violação, sem justificação que o permita, traduzirá sempre uma violação grave, que não pode ser negligenciada e que terá que conduzir à recusa da homologação do plano. Sobre esta matéria, os autores acima citados, dizem-nos também (na mesma obra, pág. 712) que «O princípio da igualdade dos credores “configura-se como uma trave basilar e estruturante na regulação do plano de insolvência. A sua afetação traduz, por isso, seja qual for a perspetiva, uma violação grave - não negligenciável - das regras aplicáveis» e ainda que «4. A razão objetiva porventura mais clara que fundamenta a diferença de tratamento dos credores assenta na distinta classificação dos créditos, nos termos em que está agora assumida, no art.º 47.º, do Código. (….) Para além disso, dentro da mesma categoria há motivos para destrinçar, conforme o grau hierárquico que couber aos vários créditos. Mas a ponderação das circunstâncias de cada situação pode justificar outros alinhamentos, nomeadamente tendo em conta as fontes do crédito. (…)». Aqui chegados, e como vemos, é consensual que o princípio da igualdade dos credores não proíbe que no plano não se façam distinções entre eles, proibindo-se apenas que essas ditas distinções não tenham fundamento material à luz do plano e não estejam no mesmo devidamente elucidadas e sustentadas em critérios objetivos e razoáveis. Ora, revertendo agora aos autos, da análise do plano apresentado, e numa primeira linha, verificamos que, no seu essencial, e de facto, existe uma discrepância, que não tem qualquer explicação ou motivação exarada no plano, entre o pagamento de 50% do crédito dos credores comuns, com o prolongamento do respetivo prazo de pagamento por 10 anos, contados após 12 meses de carência de capital e juros, por contraponto com os créditos privilegiados e garantidos que serão pagos na sua totalidade, em apenas 3 anos e sem qualquer período de carência. E ainda que os créditos tributários (AT e SS) possam ter restrições legais, em sede de plano de pagamento, não vemos razão para admitir a prevista desproporção, tanto mais que, do Plano apresentado, não se retira nenhuma justificação para a mesma, além da diferente natureza dos créditos. Com efeito, para justificar aquele diferente tratamento, foi unicamente exarado no Plano que «O princípio da igualdade entre credores foi tido em plena consideração conforme dispõe o art.º 194.º do CIRE, sem prejuízo das diferenciações que sejam justificadas por razões objetivas. No que diz respeito às Entidades Públicas, a sua diferenciação face aos credores comuns resulta do escopo prosseguido por estas entidades, bem assim como da natureza dos respetivos créditos». Donde, e a ser assim, o tratamento desigual que é dado aos credores comum da devedora não está, quanto a nós, devidamente alicerçado, como exige a lei; pois que, ainda que possamos admitir um tratamento diferenciado entre credores privilegiados e comuns, dado que na realidade não estão em situação idêntica, tal não significa que aqueles primeiros credores possam forçosamente merecer um tratamento tão diferenciado apenas e tão só justificado na diferente natureza dos seus créditos. Mesmo tendo por consideração o critério previsto no art.º 47.º do CIRE, que consagra a diferença entre créditos garantidos, privilegiados e comuns, a diferenciação estabelecida no Plano em análise afigura-se-nos algo arbitrária e irrazoável, ao prever o pagamento da totalidade dos créditos privilegiados e garantidos, em 3 anos, e apenas 50% dos créditos comuns em 10 anos e com uma carência de 12 meses, sem qualquer outra justificação que não o «escopo prosseguido por estas entidades, bem assim como da natureza dos respetivos créditos». Os referidos créditos pertencem, de facto, a classes diferentes, sendo assim admissível o seu tratamento diferenciado; não obstante, e como tem sido aliás entendimento na jurisprudência, tal diferenciado tratamento não pode justificar um desfavor injustificado e desproporcional aos credores comuns, pois que o princípio da igualdade dos credores, previsto no art.º 194.º n.º 1 do CIRE, tem de ser aferido do ponto de vista substantivo e proporcional. No sentido do aqui vertido e nesta temática temos, entre muitos outros, o acórdão da Relação do Porto, de 14/04/2015, relatado por Vieira e Cunha, no proc. 1529/14.9TBPRD.P1, onde se sumariou, em parte, que «(…) IV- A igualdade dos credores não impede que seja dado tratamento diversificado a credores em função da sua categoria e, designadamente, em face da natureza comum ou privilegiada dos créditos e mesmo entre credores inseridos na mesma classe e dotados de semelhantes garantias creditórias, desde que a estas diferenças não presida a arbitrariedade e fiquem visíveis circunstâncias objetivas que justifiquem o tratamento diferenciado», e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/10/2021, relatado por Arlindo Oliveira, no proc. 1097/21.5T8LRA.C1, que igualmente assinalou «(…) III) Credores de diferentes classes podem ser objeto de tratamento diferenciado no plano de recuperação sem que tal implique, por si, uma violação do princípio da igualdade. IV) Apesar do referido em III), viola o princípio da igualdade e por isso deve ser recusada a sua homologação, o plano de recuperação que mantém incólume um crédito garantido, quer quanto ao montante quer quanto às respetivas garantias, e reduz em 50% um crédito comum, perdoa a totalidade dos correspondentes juros e sujeita-o a um prazo de pagamento de 200 meses». Donde, no caso concreto dos autos, a homologação do Plano nas circunstâncias descritas, implicaria a violação dos n.ºs 1 e 2 do art.º 194.º do CIRE, encerrando em si uma violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do Plano, determinativa da sua não homologação à luz do art.º 215.º do CIRE. Acompanhamos, assim, a argumentação da decisão da 1ª Instância quando refere que «Ora, o plano apresentado e aprovado não apresenta, como já referimos, qualquer justificação bastante (para além da natureza dos créditos) para tão grande diferença de tratamento dos créditos comuns face aos créditos dos trabalhadores, da Autoridade Tributária e da Segurança Social, o que compromete, de forma não negligenciável, o princípio da igualdade plasmado no art.º 194.º, sendo certo que esse tratamento desfavorável não foi consentido pela larga maioria dos credores comuns que votaram desfavoravelmente o acordo, como se constata pelo mapa de votação junto pelo Sr. AJP». (ii) Da violação do art.º 218.º do CIRE: Outro ponto da discórdia da recorrente contra a sentença recorrida é o facto de entender que não foi violado o consagrado no art.º 218.º do CIRE, tanto mais que resulta do próprio normativo a possibilidade de o plano inserir disposição em sentido diverso ao consagrado naquele preceito. Vejamos então. Sob a epígrafe “incumprimento”, estabelece o art.º 218.º, n.º 1, do CIRE, que «1- Salvo disposição expressa do plano de insolvência em sentido diverso, a moratória ou o perdão previstos no plano ficam sem efeito: a) Quanto a crédito relativamente ao qual o devedor se constitua em mora, se a prestação, acrescida dos juros moratórios, não for cumprida no prazo de 15 dias após interpelação escrita pelo credor; b) Quanto a todos os créditos se, antes de finda a execução do plano, o devedor for declarado em situação de insolvência em novo processo.» Nas duas alíneas aqui elencadas estão previstas as situações da cessação dos efeitos da moratória e do perdão em caso de incumprimento do plano. Do teor do preceito resulta, todavia, que os efeitos desse incumprimento apenas valem nos casos em que no plano nada ficou expresso em sentido diverso (ver, nesse sentido, Soveral Martins, in Um Curso de Direito da Insolvência, pág. 108). Não obstante, ainda que o regime do CIRE apenas se aplique se o plano não previr, expressamente, uma solução distinta da ali prevista, certo é que, tal como se salvaguarda no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14/05/2020, proferido no processo n.º 91/18.8T8STS.P1, e relatado por Fernando Batista, a que apela também a sentença recorrida, «(…) a moratória ou perdão previstos no plano só perderão eficácia, independentemente da verificação das circunstâncias referidas nas alíneas daquele número, se disposição expressa do plano de insolvência em sentido diverso fixar requisitos mais exigentes do que os das alíneas a) e b) do n.º 1 do referido artigo 218.º, que constituem as condições mínimas que o preceito prevê para a ineficácia superveniente.». Não é esse, de todo, o caso dos autos, pois que, resulta do Plano apresentado que o seu incumprimento «(…) não determinará que a moratória e o perdão previstos fiquem sem efeito, ainda que a TT se encontre em mora, seja declarada insolvente ou recorra a novo PER, derrogando-se o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 218.º do CIRE.», não se vislumbra assim que o mesmo contemple requisitos mais exigentes dos legalmente previstos. Bem antes pelo contrário. Por isso, consignou a sentença recorrida, e muito bem, que «Destarte, o afastamento, sem mais, do regime jurídico previsto nesta norma no contexto de um plano que prevê um perdão de 50% do crédito dos credores comuns - que totalizam um montante muito considerável (€ 5.041.808,58) por contraponto com os créditos garantidos e privilegiados (€ 940.899,73) -, torna mais flagrante a desproporcionalidade do sacrifício que é exigido àqueles credores, na medida em que, havendo incumprimento do plano ficariam vinculados para o futuro ao perdão e à moratória nele previstos, e partiriam sempre numa situação de desvantagem na eventualidade de um novo PER, por exemplo. O assim descrito põe manifestamente em causa o princípio da proporcionalidade e da boa-fé por referência aos princípios plasmados na Resolução do Conselho de Ministros de 43/2011 de 25/10, designadamente o 2.º [«Durante todo o procedimento, as partes devem atuar de boa-fé, na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos»], pois pode facilmente ser entendido como uma forma de a devedora se exonerar de parte (muito) significativa do seu passivo através da imposição de um prejuízo francamente desproporcional aos seus credores comuns e manifestamente comprometedor de uma solução justa e equitativa para os vários interesses em jogo». Acompanhamos tal raciocínio, pelo que, sem mais, não podemos deixar de concluir pela efetiva violação do art.º 218.º do CIRE, o que, também aqui, constitui uma violação não negligenciável do conteúdo do plano, determinante da sua não homologação, nos termos do art.º 215.º do CIRE ex vi do art.º 17.º-F, n.º 13, do mesmo diploma legal, que determina expressamente ser aplicável o n.º 1 do artigo 218.º ao plano de recuperação. (ii) Da violação do art.º 217.º n.º 4 do CIRE: Finalmente, insurge-se também a apelante contra o facto de a sentença recorrida ter recusado a homologação do plano com base no convocado preceito legal, o que, defende e argumenta, não tem sentido, pois que o facto de os garantes - administradores da apelante - terem prestado o seu assentimento expresso à alteração das garantias por si prestadas é condição necessária e suficiente para se ter por cumprido o consagrado no art.º 217.º do CIRE. Defendendo também que, mesmo que se entendesse resultar do plano de recuperação a violação daquele preceito, sempre seria de considerar a cláusula em consideração como não escrita, deixando, assim, de se verificar causa para não homologação do plano de recuperação. Vejamos então. Dispõe o art.º 217.º, n.º 4, do CIRE, «As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afetam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os codevedores ou os terceiros garantes da obrigação, mas estes sujeitos apenas podem agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os seus direitos». Na situação em apreço, o plano prevê na cláusula adicional n.º 7 sob a epígrafe “Garantias prestadas” o seguinte: «Tendo presente, por um lado, que a função primacial do plano é a revitalização da devedora e que, por outro lado, parte da dívida desta se encontra garantida através de garantias pessoais (avais) prestados pelos administradores da devedora … e …, é condição necessária à aprovação do plano que as garantias pessoais prestadas se mantenham em vigor, sendo modificadas na mesma medida em que seja alterado o crédito garantido, ficando no entanto a sua eficácia suspensa enquanto o plano de recuperação for cumprido pela devedora principal, de forma a que sejam concedidos aos atuais administradores as condições necessários para que possam dedicar todo o seu tempo à efetiva recuperação da sociedade e com isso permitir o ressarcimento dos créditos aos credores (quanto à admissibilidade da presente cláusula, cfr. Carolina Cunha, Aval e Insolvência, Almedina 2018, pp. 206 e 214-225). Os garantes administradores, manifestaram o seu assentimento à presente cláusula de salvaguarda nos termos da declaração junta sob o Anexo III (cfr. art. 192.º / 2 CIRE). Justifica-se a presente salvaguarda, também, atento o facto de a possibilidade de acionamento imediato das garantias pessoais constituídas pelos administradores (ou seja, o cenário sem aprovação do plano) irá previsivelmente proporcionar aos credores afetados apenas uma pequena parte do valor da dívida, sendo de considerar o mais do que certo cenário de insolvência destes, atentos os montantes envolvidos, ao passo que o cumprimento do plano irá permitir o pagamento de uma quantia bastante superior, ainda que mais tarde e mediante a respetiva remuneração a título de juros. Mantêm-se em vigor todas as garantias existentes, nomeadamente, para efeitos do n.º 13 do art.º 199.º do CPPT.» A questão que aqui se coloca é então a de saber se é lícito, à luz do plano, que as garantias prestadas possam ficar “suspensas enquanto o plano de recuperação for cumprido pela devedora principal”, isto é, e em suma, se os credores não podem acionar os avalistas (administradores da devedora) por qualquer das dívidas inseridas no Plano, ou seja, e no fundo, se a moratória quanto ao cumprimento das obrigações vencidas e em incumprimento por parte da devedora principal (empresa que iniciou o PER), enquanto o plano se encontrar em cumprimento, também aproveita aos garantes (os aludidos administradores/avalistas). Não nos suscitando também dúvidas que o art.º 217.º, n.º 4, do CIRE, inserido no Título IX, Capítulo III (que regula a execução do plano de insolvência e seus efeitos) tem aplicação no processo de revitalização, por força do consagrado no art.º 17.º F, n.º 7, do CIRE, e do consagrado no n.º 3 do art.º 17.º-A do mesmo diploma legal, cumpre agora verificar se tal normativo foi violado, de forma não negligenciável, no Plano em apreciação. Tenhamos em mente que este preceito foi introduzido de forma totalmente inovatória no CIRE, pois que o anterior preceito que lhe correspondia no CPEREF (art.º 63º.) dispunha de modo totalmente diverso, impedindo o credor que aprovasse o plano de atuar contra os coobrigados e garantes na exata medida ou modificação do direito. Na lei vigente, contrariamente, o credor, independentemente da posição que adote quanto à votação do plano, mantém incólume os direitos que dispunha contra os codevedores e terceiros garantes, podendo deles tudo exigir em conformidade com o regime obrigacional que resulta das obrigações assumidas e das garantias que prestaram. É o que resulta, de forma clara, do texto do normativo em causa (art.º 217.º n.º 4 do CIRE). Ora, a ser assim, cumpre então perguntar se as garantias prestadas podem ficar suspensas enquanto o plano de recuperação for cumprido pela devedora principal; ou seja, se os credores não podem durante esse período acionar os aludidos avalistas. Estamos em crer que não, isto é, que as aludidas garantias não podem ser suspensas pelo plano. Com efeito, estando em causa avais dos administradores da devedora, cumpre ter em atenção o consagrado a propósito na Lei Uniforme relativa às Letras e livranças (LULL). Sendo o aval o ato pelo qual um terceiro ou um signatário da letra ou de uma livrança garante o pagamento desse título, por parte de um dos respetivos subscritores, assumindo assim uma função de garantia (pessoal) das obrigações cartulares, a sua obrigação subsiste independentemente da obrigação do avalizado, sendo solidária a sua responsabilidade (arts. 30.º e 32.º e 77.º da LULL). Na esteia do assim regulado, o AUJ proferido pelo STJ em 11/12/2012 (e publicado no DR, I Série, n.º 14, de 21/01/2013) consignou que «Tratando-se de uma obrigação autónoma, independente da relação subjacente, não poderá, em nosso juízo, o avalista valer-se da renovação/prorrogação do contrato de abertura de crédito para se desobrigar de uma obrigação que, pela sua abstração e literalidade, se emancipou da relação subjacente para subsistir como obrigação independente e autónoma. O avalista não é responsável ou não se obriga ao cumprimento da obrigação constituída pelo avalizado mas tão só ao pagamento da quantia titulada no título de crédito. A obrigação firmada pelo avalista é perante a obrigação cartular e não perante a relação subjacente. [(33)] Do que ficou dito supra, o avalista não se obriga perante o avalizado mas sim perante o titular da letra ou da livrança, constituindo uma obrigação autónoma e independente e respondendo, como obrigado cartular, pelo pagamento da quantia titulada na letra ou livrança. A circunstância de ocorrerem vicissitudes na relação subjacente não captam a virtualidade de se transmitirem à obrigação cambiária pelo que esta se mantém inalterada e plenamente eficaz, podendo o beneficiário do aval agir, mediante acção cambiária, perante o avalista para obter a satisfação da quantia titulada na letra. A circunstância de a relação subjacente se modificar ou possuir contornos de renovação não induz ou faz seguir que esses efeitos se repercutam ou obtenham incidência jurídica na relação cambiária. A relação cambiária constituída permanece independente às mutações ou alterações que se processem na relação subjacente, não acompanhando as eventuais transformações temporais e/ou de qualidade da obrigação causal. Os efeitos da obrigação cartular assumida pelo avalista destacam-se da obrigação subjacente segregando um feixe de obrigações e deveres que, do nosso ponto de vista, não são passíveis de denúncia». Donde, por ser assim, dado que o que está em causa é uma relação cambiária, o avalista e os demais obrigados cambiários, não podem simplesmente, através de um qualquer acordo (mesmo no âmbito de um PER), alterar a aludida relação cambiária (que é o que está aqui em causa e não a relação fundamental ou subjacente). O portador da letra ou livrança pode sempre exercer o seu direito de ação contra qualquer obrigado cambiário, reclamando o seu pagamento (arts.º 43.º a 48.º da LULL, aplicável ex vi do art.º 77.º do mesmo diploma), E, por ser assim, não pode o credor ser limitado no seu direito de acionar de imediato o avalista desde que haja incumprimento do pagamento por parte do devedor principal e ainda que o mesmo se encontre abrangido por um plano de recuperação no âmbito de um PER (é o se que concluiu, e muito bem, quanto a nós, no acórdão que aqui seguimos de perto, pela sua clareza e objetividade, proferido por Tribunal da Relação de Lisboa, em 28/04/2020, no âmbito do processo n.º 1066/19.5T8VFX.L1-1, relatado por Maria Adelaide Domingos, igualmente citado pela sentença recorrida, onde se sumariou, em parte que «(….) II. Decorre do regime jurídico do aval, enquanto obrigação de garantia da obrigação cartular titulada pela letra ou pela livrança, a inexistência de fundamento válido que justifique o afastamento da aplicação do artigo 217.º, n.º 4, do CIRE, ao plano de recuperação no âmbito do PER quando o mesmo tenha introduzido modificações na estrutura da obrigação do devedor principal, seja quanto à existência e montante dos direitos dos credores, seja apenas quanto aos prazos de cumprimento da obrigação subjacente. III. A cláusula inserida no plano que não leva em consideração a natureza jurídica do aval consagrado na LULL, nomeadamente nos seus artigos 30.º, 32.º, 47.º e 77.º, introduzindo dilações temporais quanto à exigibilidade de pagamento aos avalistas, condicionando o direito de ação dos portadores dos títulos cambiários (livranças avalizadas) ao cumprimento do plano (reembolso aprovado nos termos do plano) à revelia daqueles normativos de cariz imperativo, constitui violação não negligenciável do conteúdo do plano determinante da sua não homologação, nos termos dos artigos 215.º e 217.º, n.º 4, do CIRE ex vi dos artigos 17.º-A, n.º 3 e 17.º-F, n.º 7, do mesmo diploma legal.»). Neste circunstancialismo, impõe-se então concluir que, não existindo fundamento legal válido que justifique o afastamento da aplicação do art.º 217.º, n.º 4, do CIRE, ao plano de recuperação no âmbito do PER, a cláusula adicional n.º 7 do plano, sob a epígrafe “Garantias prestadas”, violando o regime jurídico imperativo sobre a natureza das garantias pessoais (avais) constitui uma violação não negligenciável do conteúdo do plano determinante da sua não homologação, nos termos dos arts.º 215.º e 217.º, n.º 4, do CIRE ex vi do art.º 17.º-F, n.º 7, do mesmo diploma legal. Assim se confirmando, também aqui, a sentença recorrida, não se acompanhando a argumentação aduzida pela apelante no âmbito do presente recurso (sustentada na posição firmada por Carolina Cunha em “Aval e Insolvência” Almedina 2018, pp. 217 e 218), pois, por um lado, entendemos que do texto da lei resulta a aplicação do normativo em causa, pelo n.º 7 do art.º 17.º F do CIRE, ao PER; por outro lado, entendemos ainda que o consagrado no n.º 3 do art.º 17.º-A do mesmo diploma legal, também não o afasta, não sendo aquela previsão normativa incompatível com a natureza do PER. Por isso, a cláusula em causa nestes autos, ao não respeitar a natureza imperativa das normas que regulam a relação cartular decorrente dos avais prestados (arts.º 32.º e sgs. da LULL), sempre teria de determinar a recusa oficiosa da homologação do plano, nos termos dos arts.º 215.º e 217.º, n.º 4, do CIRE ex vi dos arts. 17.º-A, n.º 3 e 17.º-F, n.º 7, do mesmo diploma legal. Para finalizar, argumenta ainda a apelante que, mesmo assim, sempre seria de considerar a cláusula em consideração como não escrita, deixando desse modo de se verificar causa para não homologação do plano de recuperação. Não cremos também que assim seja. Com efeito, sendo o plano um todo que assim é votado, num equilíbrio de interesses ajustados à luz da globalidade do plano, ocorrendo violação não negligenciável de regras procedimentais ou referentes ao conteúdo do plano, o juiz deve simplesmente recusar a sua homologação na globalidade. É, de resto, o que resulta de forma clara do n.º 7 do art.º 17.º-F do CIRE, que simplesmente estipula que o juiz homologa ou recusa a homologação do plano e nada mais. Por isso mesmo, não acompanhamos a tese de que o plano se poderia ajustar com a redução prevista no art.º 292.º do CC, homologando-se o mesmo com a eliminação da referida cláusula ou que simplesmente tal cláusula pudesse ser ineficaz e inoponível em relação aos credores que votaram contra o plano (ver, neste sentido, o acórdão acima citado da RL de 28/04/2020 e ainda o voto de vencido de António Barateiro Martins, lavrado no Acórdão do STJ de 17/10/2023, relatado por Luís Espírito Santo no proc. n.º 2395/22.6T8STR.E1.S1, que acompanhamos, onde se consignou que «… a nosso ver, o art.º 215.º do CIRE não consente, em relação a um mesmo Plano, uma decisão de homologação em relação a uma parte dele e uma decisão de não homologação em relação a outra parte. Ademais, a prolação de duas decisões – uma a homologar parte do Plano e outra a recusar a homologação de outra parte – coloca em causa as formas de satisfação dos credores no processo de insolvência. Efetivamente, segundo o art.º 1.º/1 do CIRE, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores por uma de duas formas: pela forma prevista num plano de insolvência baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente; ou, quando tal não se afigure possível, através da liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores. A ideia do CIRE é a de que todos os credores fiquem sujeitos ou ao regime do plano de insolvência ou ao regime do procedimento de liquidação, não estando prevista uma “terceira via”, nem que o “Plano”, uma vez aprovado, não estenda os seus efeitos a todos os credores”. E, admitindo-se a não homologação parcial do “Plano”, em relação aos credores tributários, tal significaria que a satisfação de tal crédito não seria feita nem pela forma prevista no plano nem através da liquidação do património do devedor insolvente, ou seja, seria feita por uma forma diferente, ao arrepio do prescrito no CIRE (e o objetivo tido em vista com o Plano poderia ser frustrado com a liberdade de que dispunham os credores tributários para exercerem os seus direitos contra o devedor sem quaisquer restrições). Enfim, a questão da homologação ou não do Plano, no seu todo, passa pela aplicação do art.º 215.º do CIRE (…)». Conclui-se, pois, e sem mais, pela improcedência do presente recurso e pela confirmação da decisão recorrida. * V-/ Decisão: Perante o exposto, acordam os Juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação apresentada nos autos, assim confirmando a sentença recorrida. Custas pela recorrente Registe e notifique. Lisboa, 29/10/2024 Paula Cardoso Renata Linhares de Castro Nuno Teixeira |