Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2391/20.8T8VFX.L1-4
Relator: MARIA LUZIA CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO PLURILOCALIZADO
LEI APLICÁVEL
NORMA IMPERATIVA
CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE
RETRIBUIÇÃO
RETRIBUIÇÃO DE FÉRIAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - A comparação ente a lei aplicável ao contrato de trabalho por escolha das partes e a lei subsidiariamente aplicável nos termos do art.º 8.º, n.º 2 do Regulamento Roma I, não tem que ser efetuada em função do quantum remuneratório correspondente à prestação normal de trabalho em cada jurisdição, mas em função da existência ou inexistência de tais subsídios na lei irlandesa, a aplicável por escolha das partes, mas com a limitação substancial supra referida.
II - A natureza imperativa do art.º 160.º do Código do Trabalho, afasta a aplicação da lei escolhida pelas partes, na medida em que da mesma resulte que nos períodos de inatividade o trabalhador não teria direito a qualquer remuneração paga pela empregadora.
III – Nos contratos de trabalho intermitente, o facto de o trabalhador ter períodos de inatividade em execução do contrato de trabalho, não determina a redução do período anual de férias a que o mesmo tem direito em cada ano completo de trabalho, nem a perda da correspondente remuneração.
(sumário da autoria da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 4.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
AA intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum demandando Ryanair DAC, formulando o seguinte pedido:
a) Ser julgado procedente por provado o pedido apresentado pela Autora, sendo a Ré condenada no pagamento do valor global de € 160.940,34 relativos aos seguintes montantes:
- €19.558,28 a título de subsídio de férias;
- €11.503,48 a título de subsídio de natal;
- €743,40 a título de formação contínua não ministrada:
- €4.977,90 a título de retribuição ilicitamente não paga durante os períodos de inatividade impostos pela Ré;
- €2.551,50 a título de férias não gozadas;
- €2.622,35 a título de diferenças salariais no pagamento dos dias de férias;
- €1.016,57 a título de diferenças salariais não pagas nos dias trabalhados em feriado;
- €7.340,59 a título de diferenças salariais de vencimento variável;
- €61.198,06 a título de horas não pagas de “homestandby”;
- €48.619,11 a título de horas suplementares não pagas;
- €25,40 a título de deslocações para reuniões não pagas e
- €743,70 a título das horas voadas durante o mês de Março e não pagas.
b) Ser a Ré notificada para juntar aos autos duty plan de 2010 e cópia dos recibos de vencimento por forma a liquidar os valores dos créditos em falta desse ano, uma vez que se trata de documentos na posse da Ré
c) Ser a Ré condenada no pagamento do valor de €10.000,00 (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais acrescidos dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento;
d) Ser a Ré ser condenada no pagamento das custas e procuradoria.
Para tanto alegou, em síntese, que celebrou com a Ré contrato de trabalho para o exercício das funções de tripulante de cabine tendo prestado a sua atividade nas bases de Faro e Lisboa, mantendo-se nesta última em execução do contrato, sempre nos termos definidos pela Ré; não obstante a Ré ter feito constar no contrato subscrito que a lei aplicável ao contrato era a lei irlandesa, tal cláusula não foi negociada com a autora, que nunca a aceitaria, pelo que sustenta ser, nos termos do Regulamento (CE) 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17-6-2008, aplicável a lei portuguesa; daí que entenda ser credora da ré com referência a créditos não liquidados ou não integralmente liquidados entre 2010 e 2019 os quais reclama, sustentando ainda que o incumprimento da ré lhe causou danos na sua qualidade de vida cuja reparação, a título de danos não patrimoniais, igualmente reclama.
A Ré contestou, pugnando pela improcedência da ação alegando, em síntese, que a escolha da lei irlandesa foi aceite pela Autora devendo a mesma ser considerada até 2019 data em que a ré acordou com o Sindicato Nacional de Pessoal de Aviação Civil a aplicação da lei portuguesa ao pessoal afecto a bases portuguesas; em face da realização da prestação da autora numa pluralidade de países, em regra a bordo de aviões registados na Irlanda, a partir de instruções determinadas e transmitidas a partir deste país, sempre seria, de acordo com o Regulamento invocado pela autora, aplicável a lei irlandesa, sendo certo, sem conceder, que mesmo entendendo que tal aplicação privava a autora da aplicação de normas inderrogáveis que lhe conferiam maior protecção que a lei escolhida, a aplicação de outro ordenamento seria limitado às matérias em que tal sucedesse.
No mais, impugnando a data de início da relação contratual e a primeira afetação da autora à base de Faro impugna que sejam devidos os créditos salariais reclamados ou a existência de danos não patrimoniais da autora dos quais seja responsável.
Alegou ainda que, caso se não entenda ser aplicável a lei irlandesa, remetendo esta para uma aplicação subsidiária, seja determinado o reenvio prejudicial, nos termos do art.º 267º al. b) do Tratado de Funcionamento da União Europeia, com vista ao esclarecimento dos termos de confronto das leis aplicáveis para efeitos do art.º 8.º nº 1 do Regulamento (CE) 593/2008.
Foi realizada audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, foi identificado o objeto do processo e foram enunciados os temas de prova.
Procedeu-se à realização de audiência de julgamento, na sequência da qual foi proferida sentença que, indeferindo o pedido de reenvio prejudicial, julgou a ação parcialmente procedente e em consequência, decidiu:
a) condenar a Ré a pagar à autora os subsídios de férias e de natal devidos entre 2010 e 2019 cujo montante, nos termos do art.º 609º nº 2 do Código de Processo Civil, se relega para liquidação de execução de sentença e a efetuar de acordo com os termos de execução da relação contratual em cada período de vencimento dos mesmos;
b) condenar a Ré a pagar à autora 20% da remuneração base em cada momento auferida e cuja determinação, nos termos do art.º 609.º nº 2 do Código de Processo Civil, se relega para liquidação de execução de sentença, com referência a 59 (cinquenta e nove) dias de inatividade em 2011, 34 (trinta e quatro) dias de inatividade em 2012, 43 (quarenta e três) dias de inatividade em 2013 e 12 (doze) dias de inatividade em 2014;
c) condenar a Ré a pagar à autora a remuneração devida por 17 (dezassete) dias de férias em 2011, 9 (nove) dias de férias em 2012, 7 (sete) dias de férias em 2013, 1 (um) dia de férias em 2015, 5 (cinco) dias de férias em 2016 e 2 (dois) dias de férias em 2018 e 2 (dois) dias de férias em 2019 não gozadas e as diferenças entre os valores liquidados e os devidos em relação aos dias de férias gozados, tudo montantes cuja determinação, nos termos do art.º 609.º nº 2 do Código de Processo Civil, se relega para liquidação de execução de sentença;
d) julgar quanto ao mais a acção improcedente por não provada absolvendo a ré do mais nela contra si peticionado;
e) condenar, em partes iguais, autora e ré nas custas da acção.
Inconformada, a Ré interpôs o presente recurso, pretendendo que a matéria de facto seja alterada e, em conformidade, seja a sentença em crise revogada, absolvendo-a dos pedidos, formulando as seguintes conclusões:
«A. pagamento de subsídios de férias e de Natal, dias de inatividade e dias de férias não gozadas dado que a Apelante entende que o Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação que fez dos factos e do Direito.
Alteração à Matéria de Facto
Aditamento aos Factos Provados
B. A Ré alegou, no art. 114. da Contestação, que: “Com efeito, foi acordada pelas partes uma remuneração anual global tal qual ocorre bastas vezes mesmo sob a legislação nacional portuguesa, e sob a qual qualquer destinatário médio compreenderia, e como compreendeu a A., que se incluíam todas as rúbricas salariais devidas num ano.”
C. O próprio depoimento de Parte da Apelada, ao minuto 00:54:05.4, confirma que a mesma compreendeu que o valor acordado incluía todas as rúbricas salariais devidas num ano.
D. Pelo que se requer o aditamento de tal factualidade aos factos dados como provados, sugerindo-se a sua inserção sistemática como Facto Provado 15A, sob a seguinte redação, que se propõe:
Ao longo dos vários contratos celebrados foi sendo acordada uma remuneração anual global que incluía todas as rúbricas salariais devidas num ano, o que foi compreendido, claramente, pela A.
E. A este facto essencial, deve-se, nos termos do artigo 5.º n.º 2, a), do CPC, aditar um facto instrumental adquirido na fase de instrução, que demonstra que a A. nunca reclamou, ao longo da relação laboral, o pagamento dos subsídios de férias e de Natal que agora reclama, conhecimento que se adquiriu através do depoimento da testemunha CC, ao minuto 00:33:45.4.
F. Pelo que se requer o aditamento à matéria assento de facto que se sugere adote a sua inserção sistemática como Facto Provado 15B, com a seguinte redação: 
Até o ano de 2019, a Autora nunca reclamou o pagamento dos subsídios de férias e de Natal reclamados na presente ação.
G. Acresce que a Ré alegou (cfr. artigo 26.º da Contestação) que as aeronaves onde a apelada prestava trabalho estavam registadas na Irlanda, o que não foi dado como provado, apesar de ter sido expressamente confirmado pelo depoimento da testemunha CC, ao minuto 00:11:48.1.
H. Pelo exposto, requer-se o aditamento de tal factualidade aos factos dados como provados, sugerindo-se a sua inserção sistemática como Facto Provado 24A, sob a mesma redação prevista no art. 26. da Contestação:
No âmbito da execução do seu trabalho diário, a A. prestava a esmagadora maioria do seu trabalho num avião registado na Irlanda e que, de acordo com a legislação aplicável é território irlandês.
Alteração aos Factos Provados
I. Sob o Facto Provado 17, o Tribunal a quo considerou que os contratos estipulavam um valor anual de remuneração base.
J. No entanto, esse facto resulta da errada apreensão de que, ao referir-se a basic salary no contrato celebrado entre as Partes se poderia traduzir esse conceito para a "remuneração base" ao abrigo do Direito Português, quando é consabido que a lei escolhida para regular o contrato era a lei irlandesa.
K. Na verdade, o que resulta claro dos elementos em presença é que essa rúbrica se refere à remuneração fixa, a que se somariam rúbricas variáveis como o pagamento SBH, prémios de vendas etc...
L. Assentando na ideia de que as Partes acordaram um salário base anual, conforme interpretado à luz do Direito Português, a sentença conclui sob o Direito que, tendo acordado, um salário base, as Partes teriam pretendido deixar de fora subsídios, como os de férias e de natal, que poderiam ser aplicáveis, o que não é verdade.
M. Assim, nos termos mais densificados entre as alegações 17 a 22, deve o Facto Provado 17, ser alterado para a seguinte redação:
Em todos os contratos foi fixado um valor anual de remuneração global fixa, o qual era pagável em doze prestações mensais de igual valor no dia 28 de cada mês por transferência para conta bancária.
N. Por identidade de razão, deverão os Factos Provados 14. e 21. ser alterados, propondo- se a seguinte redação, respetivamente:
A partir de 1-4-2014 em diante, a autora teve como base de alocação em Lisboa, na sequência de contrato celebrado em Março e no qual foi estabelecida uma remuneração anual global de €13.770,00 a que acresceria uma remuneração variável por bónus de venda.
e
A ré nunca pagou qualquer prestação além das doze mensais do valor anual da remuneração global acordada, designadamente a título de subsídio de natal ou férias.
O. Sob o Facto Provado 20, o Tribunal a quo deu como provado que a Apelada esteve inscrita na Segurança Social até final de 2018, no entanto a própria esclareceu, no seu depoimento ao minuto 01:15:44.2, que esteve inscrita até 30 de abril de 2020, e o mesmo foi reforçado pelo depoimento da testemunha CC ao minuto 00:17:46.0.
P. Acresce que o Facto Provado 20 não incluiu, como devia, o facto instrumental à proteção concedida nas unpaid leaves. Com efeito, a sentença reconhece que a A. beneficiou da proteção social concedida pelo sistema Irlandês, mas deveria ter ido mais longe e, tendo adquirido conhecimento do facto instrumental relativo ao valor pago à A. na proteção social, ter aditado o mesmo, conforme resultou do próprio depoimento da Apelada ao minuto 01:49:50.2, de que beneficiava
Q. Assim, o Facto Provado 20 de verá ser alterado para refletir a prova produzida, propondo-se a seguinte redação:
Até 30 de abril de 2020 esteve inscrita na Segurança Social Irlandesa, beneficiando da respectiva protecção social concedida, designadamente nos períodos de inactividade (unpaid leave), períodos pelos quais recebia € 180 líquidos por semana.
Factos a Expurgar da Matéria de Facto
R. O Tribunal a quo deu como provado, sob o Facto provado 11, que: "Sendo esses períodos de inactividade escolhidos pela autora dentro dos espaços temporais pré-determinados pela ré, ou escolhidos por esta caso a autora não o fizesse."
S. Para dar como provado tal facto, o Tribunal a quo, valorou o depoimento da testemunha BB, o qual se pronunciou nesse sentido, mas sem que nunca tenha obtido conhecimento direito desses factos pois, ao minuto 00:27:9 revelou que nunca trabalhou na Apelante, além de que quando foi representante sindical entre 2017 a 2019, a Apelada há muito que não tinha unpaid leaves, as quais ocorreram entre 2011 e 2014.
T. A isto acresce que, mesmo o conhecimento indireto daquela testemunha relativo à prestação da trabalho pela Apelada se resumiria ao período entre 2008 e 2012, pelo que não se pode replicar para todo o período em que a Apelada se encontrou em situação de licença sem vencimento as quais ocorreram até 2014.
U. A Apelada não apresentou qualquer outra suposta prova dos factos que alegou quanto aos períodos de inatividade (unpaid leaves como eram designados), pelo que deve o Facto Provado 11 ser dado como não provado.
Dos Subsídios de Férias e de Natal Da Vontade das Partes
V. A matéria assente torna evidente que a Apelada compreendeu, à data da celebração dos respetivos contratos, que pactuou e estipulou, de forma livre, consciente e válida, a aplicação da lei laboral irlandesa ao contrato e o pagamento de uma remuneração anual global que integrava todas as rúbricas remunerativas que poderia esperar auferir.
W. O Tribunal a quo andou mal ao interpretar a declaração negocial com base numa tradução direta dos termos previstos no contrato de trabalho, concluindo que os subsídios de férias e de Natal são distintos de remuneração base e que o que foi acordado entre as partes foi um valor anual a título de remuneração base.
X. Ora, na verdade, é perfeitamente percetível que a vontade das Partes foi a de acordar um valor global anual da remuneração fixa, ao que acresceriam apenas rúbricas variáveis, dado que o contexto da relação laboral assim o dita e assim o disse ter entendido a própria Apelada.
Y. Os próprios contratos de trabalho da Apelada, até 2019, sempre acolheram a aplicação da lei irlandesa, naturalmente não se faria representar o pagamento de dois subsídios adicionais - Natal e de férias - que essa legislação não prevê e a Apelada nunca sequer reclamou o pagamento de tais subsídios nem mesmo questionou sobre os mesmos até 2019 (como resultaria normal na falta de pagamento de uma qualquer rúbrica salarial).
Z. Acresce que, como apoio à interpretação da vontade das partes relativa ao salário acordado, o acordo de empresa celebrado entre a Apelante e o STTAMP (que representa mais de 90% dos tripulantes de cabine) prevê, específica e expressamente, que o valor anual pago inclui tudo o que os trabalhadores podem esperar receber, incluindo subsídios:
2.2- «Retribuição base» significa vencimento de base bruto, que está especificado como montante anual indicado nos contratos de trabalho celebrados com os tripulantes de cabine e pago mensalmente em 14 prestações iguais, incluindo subsídio de férias e subsídio de Natal.
3.1- Todos os tripulantes de cabine em Portugal irão receber o seu salário fixo anual bruto existente (conforme refletido e acordado nos contratos escritos atualmente em vigor), pago mensalmente em 14 prestações, que já inclui subsídios de Férias e de Natal.
3.2- O pequeno número de tripulantes que optou por ter o seu salário anual pago ao longo de 12 meses incluindo os subsídios de férias e de Natal (conforme indicado nos seus recibos de vencimento e em total conformidade com a legislação portuguesa), irá passar para a estrutura de pagamento de 14 meses com vigência a partir de julho de 2021 (ou seja, o salário base anual agora dividido por 14 em vez de 12, sem custos adicionais para a Ryanair).
AA. Se dúvidas subsistissem, haveria que aplicar o artigo 237.º do CC, concluindo que deverá prevalecer a interpretação que um destinatário médio, na mesma situação, retiraria da declaração negocial para se concluir que: (i) no contexto de uma trabalhadora que celebrou um contrato com uma remuneração anual; (ii) que no início da relação laboral pactuou essa retribuição noutro país que não integra subsídios de férias e de Natal; e que (iii) sujeitou o contrato à lei irlandesa, sabendo que a mesma não contempla tais subsídios, sem nunca ter sequer questionado a suposta falta de pagamento dos mesmos; as Partes negociaram uma remuneração global anual que incluiria toda a contrapartida que a trabalhadora teria a receber pelo trabalho prestado.
Exercício comparativo determinado pelo Regulamento Roma I quanto à lei aplicável aos contratos
BB. Quando exista divergência entre a lei subsidiariamente aplicável e a lei escolhida pelas Partes no contrato, impõe um exercício comparativo ex ante entre as leis em confronto e, posteriormente apenas, a aplicação ao caso concreto da lei que se apure conceder o maior nível de proteção na matéria em causa.
CC. Conforme impõe o TJUE:
"a aplicação correta do artigo 8.º do Regulamento Roma I implica, em consequência, num primeiro momento, que o órgão jurisdicional nacional identifique a lei que teria sido aplicável na falta de escolha e determine, segundo esta, as regras não derrogáveis por acordo e, num segundo momento, que esse órgão jurisdicional compare o nível de proteção de que beneficia o trabalhador por força dessas regras com o previsto pela lei escolhida pelas partes. Se o nível previsto pelas referidas regras assegurar uma melhor proteção, há que aplicar essas mesmas regras (...) o artigo 8º, n.º 1, do Regulamento Roma I deve ser interpretado no sentido de que, quando a lei que rege o contrato individual de trabalho tiver sido escolhida pelas partes nesse contrato, e seja diferente da aplicável por força dos n.ºs 2, 3 ou 4 deste artigo, há que excluir a aplicação desta última, com exceção das «disposições não derrogáveis por acordo» por força da mesma, na aceção do artigo 8.º, n.º 1, deste regulamento".
DD. Entende-se que o exercício comparativo se deve apurar num âmbito material sobrelevando os equilíbrios quanto a cada matéria acolhidos em cada ordenamento, sendo que nesta opinião (cfr.: alegação 85) convergem a doutrina internacional, legislador europeu e mesmo, pensa-se, a jurisprudência nacional, pois que subscrevem a tese de optar por um escopo de comparação substancial centrado sobre um conjunto de normas incindíveis, pois como bem escrevem "separar normas incindíveis é puro irrealismo: equivale a abdicar de, na comparação, apurar resultados materiais.
EE. No caso concreto, está em causa a proteção de um determinado quantum remuneratório, e o ponto assente é que, para a mesma prestação a tempo completo e no mesmo período normal de trabalho, o sistema irlandês protege uma remuneração muito superior.
FF. Noutro plano, com o devido respeito por opinião diversa, não fará sentido defender que os subsídios têm uma natureza diversa da retribuição mensal pelo que não são englobados com a demais retribuição neste exercício.
GG. Uma apurada investigação demonstra que não é assim dado que, antes de mais, a génese destes meses de salário adicionais encontra-se simplesmente na falta de cabimentação orçamental para aumentar os funcionários públicos no ido ano de 1972, tendo mais tarde vindo a sedimentar-se, alargar-se e estender-se ao setor privado.
HH. Na verdade, os subsídios de férias e de Natal são componentes remunerativas do trabalho sendo que "nelas concorrem todos os outros elementos do conceito técnico- jurídico de retribuição (ou seja, constituem um direito do trabalhador, têm a sua base na lei, têm carácter patrimonial e são atribuídas de modo regular e periódico, sendo neste caso a periodicidade anual), nos termos da presunção de retribuição constante do art.º 258º nº 3 do CT, elas devem ser qualificadas como complementos remuneratórios de índole retributiva, ou seja, como parte integrante da retribuição do trabalhador."
II. Em face do exposto, o exercício comparativo exigível não se poderia nunca resumir a verificar se existem subsídios correspetivos aos de Natal e de férias na lei irlandesa, o que seria uma comparação imaterial e sem substância, que ignora balanço sistemático das normas relacionáveis com a matéria em discussão, dentro de cada um dos sistemas jurídicos em confronto.
JJ. É por isso necessário, no caso sub judice, alargar o escopo da comparação às normas incindíveis entre si e verificar o escopo de proteção conferido ao quantum remuneratório correspetivo da prestação normal de trabalho em cada uma das jurisdições, como bem defendem os Pareceres dos doutos jurisconsultos juntos aos autos, Professores Milena Rouxinol, João Leal Amado e Maria do Rosário Palma Ramalho.
KK. O Tribunal a quo, tenta liminarmente evitar esta conclusão óbvia, defendendo que o escopo de comparação não pode ser o salário mínimo protegido em cada país, pois as Partes não estipularam o pagamento do salário mínimo, no entanto desconhece-se que outra norma estabeleça no direito nacional ou estrangeiro proteção ao valor a auferir pelo trabalhador.
LL. Existisse, eventualmente, contratação coletiva aplicável, naturalmente a mesma estabeleceria montantes mínimo a respeitar que poderiam superar o salário mínimo mas isso não sucedia in casu, pelo que apenas os salários mínimos nas jurisdições em confronto poderão ser comparados como normas de proteção do valor económico que o trabalhador recebe pelo seu trabalho, para apurar se a aplicação da lei escolhida pelas Partes priva o trabalhador da proteção concedida pela lei nacional.
MM. Esse, aliás, foi o exercício aplicado pelo Tribunal da Relação do Porto, Processos n.º 4800/16.1T8MTS.P1 e 888/14.9TTPNF.P1:
"Ou seja, no que ao caso importa, a remuneração do trabalhador/sinistrado não pode ser inferior aos aludidos €ll,25/hora, estabelecidos legalmente na Baviera/Alemanha, sendo que, ainda por aplicação do critério da aplicação da lei mais favorável, acolhido pelo nosso ordenamento jurídico, incluindo legislação laboral, é aquela lei, como se viu enquanto norma especial, chamada no caso à aplicação, pois que da consideração da remuneração mínima garantida, mesmo com referência apenas a um salário mensal de 1950,00 x 12 (com exclusão pois de subsídios de Natal e de férias que apenas se podem ter como obrigatórios em Portugal), acrescido o valor pago de subsídio de alimentação de 124,30 x 11), resulta o montante anual de €24.767,30, indicado pelo Ministério Público nas suas alegações, superior pois quer ao salário mínimo estabelecido em Portugal quer ainda ao que era pago ao sinistrado
NN. Em resultado do exposto, a estipulação de um montante anual global a título de retribuição foi válida e nele incluíram-se todas as rúbricas retributivas que a Apelada poderia esperar receber, sendo que face à aplicação do método comparativo apresentado pela Apelante e defendido pela doutrina e jurisprudência citadas, tal estipulação não privou a Apelada da proteção conferida por normas imperativas portuguesas, razão pela qual não lhe são devidos quaisquer subsídios de férias ou Natal, devendo a Sentença em crise ser revogada e substituída por uma que absolva a Apelante do pedido.
Dos períodos de Inatividade (Licenças Sem Vencimento) Alegadamente impostos
O. À relação laboral entre as partes era aplicável a lei irlandesa, pelo que não logrando a Apelada demonstrar, ou sequer alegar, de que forma a escolha desta lei a privou de qualquer proteção, deveria o pedido ter sido julgado manifestamente improcedente.
PP. Como resulta da alegação quanto à matéria de facto, não se pode dar como provado que a Apelante tenha imposto tais períodos de licença sem vencimento (ou unpaid leaves) pelo que, desde logo, também por aqui improcederia a pretensão da Apelada, devendo por isso revogar-se a sentença também nesta Parte, absolvendo a Apelante.
QQ. Acresce que, em todo o caso, tendo-se provado que a Apelada recebeu nesses períodos 180 euros líquidos por semana, por via da sua inclusão no sistema de segurança social irlandês aplicável, sempre haveria que, no mínimo, descontar os montantes recebido a esse título ao valor que a Apelante foi condenada a pagar, o que se requer em caso, que por mero dever de patrocínio se concede, se mantenha a sentença nesta parte.
Dos Alegados Dias de Férias por Pagar
RR. O Tribunal a quo condenou a Apelante no pagamento do número de dias de férias a que a Apelada teria, supostamente, direito ao abrigo da lei portuguesa.
SS. Ora, antes de mais é aplicável a lei irlandesa por escolha das Partes não tendo sido infringido qualquer direito ao abrigo dessa lei, ao que acresce que, mesmo admitindo a lei portuguesa como subsidiariamente aplicável, é perfeitamente possível ao trabalhador renunciar ao gozo de dois dias de férias por ano pelo que não se estaria perante direitos inderrogáveis na asserção do artigo 8.º n.º 1 do Regulamento Roma I, logo não haveria razão para afastar a aplicabilidade da lei escolhida pelas Partes.
TT. Acresce que, em Portugal, à relação de trabalho com o pessoal móvel da aviação civil, aplicava-se à data dos factos em causa o DL 139/2004, que no seu artigo 20.º estipula um período de 22 dias de férias por ano, mas este diploma apenas é aplicável aos operadores nacionais, situação em que não se enquadra a Apelante.
UU. Assim, em linha com a Diretiva e regulamentos europeus e lei irlandesa aplicáveis, é aplicável um período mínimo de 4 semanas, inteiramente respeitado pela lei irlandesa aplicável ao atribuir 20 dias de férias por ano.
VV. Por outro lado, não se pode admitir que nos períodos em que a Apelada trabalhou ao abrigo de um contrato intermitente, teria também direito aos mesmos 22 dias de férias, dado que nesses períodos tinha significativos períodos de inatividade. 
WW. Nos termos do artigo 157.º e ss. do Código do Trabalho, regula de forma diferente - como não poderia deixar de ser - um contrato de trabalho celebrado nos termos gerais de um contrato de trabalho intermitente pelo que, do mesmo modo, a lei trata de forma diferente - como também não poderia deixar de ser - o período de trabalho e o período de inatividade, nomeadamente em matéria retributiva.
XX. De acordo com a tese da sentença recorrida, um trabalhador que celebrasse dois contratos de trabalho intermitentes que previssem um período de prestação de trabalho de 6 meses cada, cada período para empregador diverso, teria num ano direito a gozar um total de 44 dias de férias remuneradas.
YY. Assim, mesmo que se entendesse que a Apelada teria direito a 22 dias de férias por ano, pelo menos os dias de férias reclamados relativamente aos anos em que a Apelada trabalhou ao abrigo de contrato de trabalho intermitente - 2012, 2013 e 2014, cfr.: Facto Provado 10 - deverão ser descontados do pedido, de modo a ajustar o período de férias para a duração de um contrato intermitente com 9 meses de atividade, atribuindo-se um direito a férias proporcional à duração do período de atividade contratada.»
A Autora apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, formulando as seguintes conclusões:
«A. Efetivamente parece-nos indiscutível que a lei irlandesa priva o trabalhador da proteção que lhe é conferida pela lei portuguesa por disposições não derrogáveis, no que concerne aos subsídios de férias e de natal.
B. Com efeito as disposições do Código do Trabalho que preveem os subsídios de férias e de Natal revestem natureza imperativa e não podem ser afastadas por vontade das partes, a não ser em sentido mais favorável, constituindo prestações obrigatórias (artigo 3.º n.º 4 do C.T.)
C. Assim, sem dúvida que a lei laboral portuguesa confere ao trabalhador uma proteção mais ampla do que aquela que resultaria da aplicação da lei irlandesa que nem sequer prevê qualquer tipo de pagamento a título de subsídios de férias e de natal.
D. Também não se aceita que se considere mais favorável a lei que assegura ao trabalhador um maior rendimento pois nesse caso estamos a falar de matérias retributivas que constituem o sinalagma do trabalho prestado o que não se coaduna com a natureza dos subsídios.
E. Quanto ao subsídio de férias, sendo as férias concebidas como um facto de equilíbrio bio psíquico do trabalhador, implicando uma ruptura no quotidiano laboral e extralaboral que redunda num acréscimo de despesas para o trabalhador e respetiva família, o respetivo subsídio surge para possibilitar que o trabalhador enfrente este previsível aumento de gastos.
F. Quanto ao subsídio de natal consiste o mesmo numa prestação pecuniária paga ao trabalhador durante a quadra natalícia, visando assegurar a este último uma disponibilidade financeira que lhe permita enfrentar o acréscimo de despesas tradicionalmente associado a esta época do ano.
G. Assim, tendo estas prestações previstas nos artigos 263.º e 264.º do C.T. uma natureza distinta da retribuição mensal paga como contrapartida do trabalho prestado nos termos do artigo 258.º do mesmo Código, e sendo apenas a esta que se refere a retribuição mensal garantida (a qual não dispensa no sistema jurídico português o pagamento de um valor igual nas alturas próprias a título de subsídio de férias e de natal) não pode a comparação de regimes ser efetuada apenas por reporte à retribuição mínima mensal garantida prevista em cada um dos sistemas jurídicos.
H. As normas que consagram aqueles subsídios são normas imperativas mínimas, na medida que delas decorre a obrigatoriedade do seu pagamento, e a sua correspondência a, pelo menos, a retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador.
I. Porque assim é, julgamos que a Recorrente não logrou demonstrar que o regime jurídico irlandês é mais favorável à aqui Recorrida do que a aplicação do regime jurídico português, no que tange à (não) aplicação do subsídio de férias e subsídio e Natal, sendo reconhecido por todos que estes estão consagrados em normas de natureza imperativa que, salvo o devido respeito, caracterizam a ordem jurídica laboral do Estado Português e a individualizam face às demais ordens jurídicas laborais dos diversos Estados que compõem a mapa mundial.
J. Nestes termos, inexistem dúvidas de que a Lei irlandesa “escolhida” pelas partes priva efetivamente o trabalhador da vantagem pecuniária que lhe é conferida por disposições da Lei Portuguesa não derrogáveis por acordo, em matéria de subsídios de férias e de natal pelo que andou mal o tribunal “a quo” ao decidir em sentido contrário.
K. O mesmo se diga relativamente à remuneração devida pelos dias de férias, que são matéria irrenunciável.
L. As partes estão de acordo quanto ao n.º de dias de férias que ficaram por gozar, discordando apenas no tocante ao direito ao pagamento.
M. Não obstante, considerando o núcleo de matérias de natureza imperativa, dúvidas não restam de que a Recorrida tem direito ao pagamento dos dias de férias que não gozou.
N. Merece, ainda, tutela constitucional os períodos de inatividade impostos pela Recorrente à Recorrida, protegendo assim o direito à retribuição, motivo pelo qual esta tem direito a receber 20% da sua remuneração base, como se de um contrato de trabalho intermitente se tratasse.
O. Face ao exposto, deve manter-se a sentença recorrida, condenando-se a Recorrente nos seus exatos termos.»
O recurso foi admitido e recebidos os autos neste tribunal, foram ao parecer do Ministério Público que se pronunciou no sentido da manutenção da decisão recorrida.
Apenas a recorrente se pronunciou sobre o referido parecer, considerando que o mesmo não serve o seu propósito de assistir na análise do litígio em causa, pelo que deve ser desatendido.
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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Delimitação do objeto do recurso
Resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões  suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
Assim, são as seguintes as questões a decidir:
1ª – se a matéria de facto deve ser alterada;
2.ª – se, face à lei aplicável à relação laboral entre as partes, são devidas à autora as quantias que a ré foi condenada a pagar.
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Fundamentação de facto
Foi a seguinte a decisão da matéria de facto em 1.ª instância:
«1. Em 1-12-2009 a autora iniciou relação laboral com a ré, sendo admitida ao serviço desta como tripulante de cabine e com a categoria interna de Costumer Service Agent.
2. Em contrato de trabalho celebrado entre a autora e ré, celebrado 19-11-2009, com efeitos a partir de 27-4-2010, foi prevista uma remuneração anual de £9.850,00, a que acresceria uma remuneração variável por bónus de vendas e alocação da trabalhadora à base de Stansted.
3. De 1-12-2009 a 26-4-2010 a autora tinha como base de alocação Stansted, no Reino Unido.
4. Por acordo celebrado a 10-3-2010, com efeitos a partir de 27-4-2010, foi prevista uma remuneração anual de 10.020,00€, a que acresceria uma remuneração variável por bónus de vendas e alocação da trabalhadora à base de Faro.
5. Em 14-5-2010, a autora acordou assumir a posição de Temporary Customer Services Supervisor tendo passado o seu vencimento anual para 12.270,00€, a que acresceria uma remuneração variável por bónus de vendas, entre 1-7-2010 e 31-8-2010.
6. Em 1-2-2011 a autora voltou a aceitar assumir a posição de Temporary Customer Services Supervisor, nas mesmas condições anteriores, entre 1-4-2011 e 31-10-2011.
7. Em 2012, com invocação de necessidades organizativas da empresa foi, em alternativa, proposta à autora a mudança para um contrato sazonal ou a alteração da base de alocação.
8. A autora optou por celebrar um contrato sazonal.
9. Em 10-3-2012, a autora celebrou novo acordo no qual assumiu a função de Seasonal Junior Customer Service.
 10. Entre 28-3-2012 e 1-4-2014 a autora, na sequência de contrato que subscreveu com a ré, manteve contrato denominado de sazonal no qual era previsto um período de execução da prestação laboral durante nove meses e a possibilidade de a autora ficar, até três meses, em regime de licença sem vencimento (“unpaid leave”) nos meses de menor procura de serviço da ré.
11. Sendo esses períodos de inactividade escolhidos pela autora dentro dos espaços temporais pré-determinados pela ré, ou escolhidos por esta caso a autora o não fizesse.
12. A autora esteve em inactividade durante 59 dias em 2011, 34 dias em 2012, 43 dias em 2013 e 12 dias em 2014.
13. De 27-4-2010 a 31-3-2014 a autora teve como base de alocação Faro.
14. A partir de 1-4-2014 em diante, a autora teve como base de alocação em Lisboa, na sequência de contrato celerado em Março e no qual foi estabelecida uma remuneração anual de 13 770,00€ a que acresceria uma remuneração variável por bónus de vendas.
15. Todos os contratos foram elaborados pela ré e celebrados em língua inglesa, língua que a autora domina e que lhe permitiu apreender o conteúdo dos contratos.
16. Em todos os contratos constava expressa escolha da lei irlandesa como lei aos mesmos aplicável, tendo sido justificado pela ré à autora a razão de tal menção.
17. Em todos os contratos em que era fixado um valor anual de remuneração base, o mesmo era pagável em doze prestações mensais de igual valor no dia 28 de cada mês por transferência para conta bancária.
18. Em todos eles era feita menção que a remuneração havia sido calculada tomando em consideração um prémio por todas as horas associadas ao serviço de voo; incluindo, mas não se limitando a, relatórios pré e pós-voo, atrasos e todas as tarefas a bordo, incluindo o uso do sistema portátil EPOS e ainda que o valor pago a título de remuneração inclui um prémio pelo trabalho aos domingos e feriados.
19. A autora abriu uma conta bancária em instituição bancária irlandesa na qual recebia a sua remuneração.
20. Até ao final de 2018 esteve inscrita na Segurança Social Irlandesa, beneficiando da respectiva protecção social concedida, designadamente nos períodos de inactividade (unpaid leave).
21. A ré nunca pagou qualquer prestação além das doze mensais do valor anual da remuneração base, designadamente a título de subsídio de natal ou de férias.
22. À data de instauração da acção a autora exerce as funções de Tripulante de Cabine ao serviço da ré, encontrando-se alocada à base aérea do Aeroporto de Lisboa.
23. A autora fixou a sua residência habitual em Portugal, mais concretamente em Vila Franca de Xira, sendo este o local onde habitualmente goza as suas folgas e onde tem inserida o seu centro de vida e família.
24. Os aviões da ré nos quais a autora exerce a sua actividade encontram- se estacionados no aeroporto de Lisboa.
25. Na base de Lisboa a ré dispõe de uma sala dos tripulantes (“crew room”), onde os seus trabalhadores se apresentam para prestação de funções.
26. Na referida sala a autora regista a sua entrada ao serviço em computador destinado para o efeito, bem como, regista a sua saída no final de cada dia de trabalho, sob pena de marcação de falta não o fazendo.
27. Quando da realização de registo na dita sala, são comunicadas alterações ao seu horário de trabalho, instruções de trabalho com proposta de organização do serviço a bordo da aeronave, na indicação dos produtos a destacar no dia e na recepção e discussão dos resultados e relatórios do dia.
28. O que tem lugar segundo um planeamento de actividade que é determinado pela ré a partir da Irlanda e transmitido pelos supervisores da base na dita sala seguindo a instruções recebidas
29. Após a aterragem a autora regressa à sala de tripulantes onde redige os relatórios necessários, deposita os mesmos em local destinado para o efeito ou introduzindo-os electronicamente em computador existente na sala, de acordo com a categoria de cada um dos relatórios.
30. No computador sito na sala de tripulantes (“crew room”) é feito o sign-in do trabalhador, bem como é ali que se encontra disponível a ferramenta de avaliação “Top Class".
31. Em caso de atraso ou falta ao serviço a autora através de uma ferramenta informática, controlada a partir de Dublin, comunica e justifica a sua impossibilidade junto dos serviços centrais de “crew room”, sitos na Irlanda, informando o supervisor de base.
32. Todas as trocas de horário acordadas entre tripulantes, bem como, os requerimentos de licença da autora são presentes ao supervisor da base, em Lisboa, que os remete para Dublin onde são aprovados, sempre através de uma ferramenta informática e controlada a partir de Dublin
33. As restantes tarefas de execução da função de como tripulante de cabine, eram cumpridas dentro de aeronaves da ré.
34. A execução da prestação da autora tem lugar com realização de 5 dias de prestação efectiva de trabalho, seguidos de 3 dias de descanso.
35. Nos dias em que o serviço da autora consista em voos programados, a mesma deve apresentar-se e registar a sua entrada 45 minutos antes de cada voo.
36. Reunindo com a restante tripulação nos 45 minutos que antecediam o voo, com vista a programar e configurar o dia de trabalho.
37. Bem como, consultando tabelas de objectivos de vendas das rotas a operar previamente definidos pelos supervisores da base e documentos publicados periodicamente pela ré, constantes em arquivos existentes na sala de “crew room”.
38. Nos dias em que se encontre de prevenção presencial deve permanecer em tal sala durante oito horas, executando diversas tarefas, tais como, preparação de documentos, recolha de correio interno, arrumação e reabastecimento de material.
39. Nos dias em que se encontre de prevenção não presencial (“home standby”), a autora não é obrigada a permanecer no aeroporto, tendo de estar, em determinado período (normalmente onze horas), alerta e atenta ao telemóvel, pronta para receber chamada de urgência e disponível para se apresentar, devidamente fardada e pronta para prestar trabalho, na mencionada sala de tripulantes em sessenta minutos.
40. A autora executa os serviços de prevenção (Homestandby) dentro dos períodos de 5 dias de trabalho.
41. Toda a acção disciplinar da ré tem lugar na Irlanda, sendo aí que que decorre qualquer procedimento disciplinar.
42. As marcações de férias ocorrem em Portugal, na sala de tripulantes ou em computador com ligação à internet, sempre através de aplicação informática.
43. Todas as baixas, licenças e demais pedidos eram submetidos através de uma ferramenta informática e controlada a partir de Dublin.
44. A autora gozou 171 dias de férias entre 2010 a 2019, sendo 5 dias em 2011, 13 dias em 2012, 15 dias em 2013, 29 dias em 2014, 21 dias em 2015, 17 dias em 2016, 25 dias em 2017, 20 dias em 2018 e 20 dias em 2019.
45. A ré, até 2018, pagava os dias de férias e os feriados com referência a um valor fixo que era: 35,52€ de 2010 a 2012; 42,62€ em 2013; 29,64€ em 2014; 35,57€ de 2015 a 2018.
46. A ré estabeleceu uma quantia variável fixa por cada hora voada (SBH - “schedule block hours”), a qual é paga apenas por cada hora efectivamente voada, não compreendendo atrasos ou irregularidades operacionais.
47. O SBH é atribuído à tripulação por número de horas de voo realizadas, como incentivo à produtividade, estando o seu valor sujeito a variações anuais e de base para base, reflectindo a variação de produtividade de cada base, a concorrência, o custo e a disponibilidade dos trabalhadores de prestarem trabalho a partir de cada base.
48. A ré paga valores de SBH aos trabalhadores das suas bases de Faro e do Porto superiores aos pagos na base de Lisboa e pagos à autora desde que em 2014 passou a estar alocada esta base.
49. A ré regista dificuldade na alocação de trabalhadores disponíveis para a base de Faro, base esta na qual, principalmente fora do período de alta procura estival, são realizados menos horas de voo no aeroporto de Faro fixando na referida base valores de SBH superiores para atrair trabalhadores.
50. Em 31-1-2019 a ré enviou à autora carta dando-lhe conhecimento que na sequência do acordo que estabelecera com o SNPVAC passava a aplicar a Lei portuguesa e que se pretendesse passar a receber a remuneração anual acordado em catorze prestações, com montante mensal inferior ao que se encontrava a receber, devia comunicar tal opção.
51. Em 2020 a ré processava a remuneração anual acordada com a autora em doze prestações mensais nas quais discriminava verbas de duodécimos de subsídios de férias e de natal.
52. Em 07 e 26 de Novembro de 2019, a autora deslocou-se a Dublin para reuniões determinadas pela ré.
53. Em 15 de Março de 2020 a autora foi informada, por carta, pela ré, de que iria iniciar um processo de lay-off em Portugal,
54. É procedimento habitual seguido pela ré as horas voadas no mês anterior serem validadas pelos trabalhadores, na plataforma informática destinada para o efeito, até ao dia 10 do mês seguinte, sendo o valor da prestação de SBH incluída no recibo do mês de validação.
55. Durante o mês de Março de 2020 os tripulantes não tiveram a hipótese de submeter na plataforma as horas voadas durante o mês de Fevereiro.
56. A ré informou a autora que as horas voadas em Fevereiro estavam incluídas no valor pago a título de lay-off.
57. A autora trabalhou 1 feriado em 2011; 8 feriados em 2012 ;4 feriados em 2013; 7 feriados em 2014; 10 feriados em 2015; 7 feriados em 2016; 6 feriados em 2017; 4 feriados em 2018; 8 feriados em 2019.
58. A autora realizou formação de “Une Check” em 24-1-2017, em 4-12- 2017, em 23-11-2018, em 22-10-2019 e em 1-10-2020.
59. A autora efectuou formação de CRMS em 16-3-2017, 23-3-2018, em 14-3-2019 e 7-7-2020.
60. A autora efectuou formação Recurrent security/cabin crew recurrent training and checking” em 30-4-2017, em 21-3-2018, em 30-3-2020, em 4-4-2020 e em 7-7-2020.
61. A autora efectuou formação “cabin crew diferences training” em 11-9- 2019.
62. A autora efectuou formação “Triennial Recurrent Training” em 30-4- 2017.
 63. A autora efectuou formação “Malta air operator conversion course” em 29-3-2020.
Não se provou:
1. Quando em prevenção não presencial (“home standby”) a autora não é remunerada.
2. Quando a autora se atrasa ou falta é convocada para reunião na base Lisboa e com o supervisor desta.
3. A ré recusou explicar à autora os termos dos contratos que lhe apresentava.
4. No contrato celebrado em 3-2012 no qual a autora assumiu a função de Seasonal Junior Customer Service foi fixado um rendimento anual de 10.990,00€.
5. A autora auferiu renumeração mensal média de 1.097,51€ em 2010, de 1.722,37€ em 2011, de 1.572,64€ em 2012, de 1.438,34€ em 2013, de 1.829,24€ em 2014, de 2.288,73€ em 2015, de 261,40€ em 2016, de 2.315,41€ em 2017, de 2.285,56€ em 2018 e de 2.647,08€ em 2019.
6. Entre 2010 e 2019 a remuneração base da autora enquanto tripulante de cabine era de 896,77€ em 2010; 991,95€ em 2011; 1.069,92€ em 2012; 1.147,50€ em 2013; 1.189,17€ em 2014; 1.218,33€ em 2015; 1.247,50€ em 2016; 1.247,50€ em 2017; 1.247,50€ em 2018; 1.247,50€ em 2019.
7. A autora trabalhou, horas em voo e horas de trabalho além do voo, um total de 432:17 horas em 2011, 1 245:00 horas em 2012, 666:32 horas em 2013, 1 231:59 horas em 2014, 1 478:30 horas em 2015, 1 235:38 horas em 2016, 1 039:59 horas em 2017, 971:45 horas em 2018 e 1 218:50 horas em 2019.
8. A autora durante o mês de Fevereiro de 2020 voou um total de 67h00 minutos.
 9. Qual a duração, em horas ou dias, das formações referidas em 58 a 63 dos factos provados.
10. A ré não pagou os encargos de deslocação às reuniões ocorridas em 7 e 26 de Novembro de 2019.
11. Que as reuniões tiveram uma duração de duas horas de trabalho ou que a viagem tenha sido realizada pela autora como tripulante de cabine.
12. A autora esteve em constante conflito com a ré fundado em incumprimento desta.
13. A autora sofreu frustração, desgosto e ansiedade com a execução da relação com a ré.»
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Apreciação
1.ª questão: alteração da decisão da matéria de facto
Nos termos do disposto pelo art.º 662.º, n.º 1 Código de Processo Civil «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»
A Relação tem efectivamente poderes de reapreciação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância, impondo-se-lhe a (re)análise dos meios de prova produzidos, no que respeita à prova sujeita à livre apreciação do julgador, desde que o recorrente cumpra os ónus definidos pelo art.º 640.º Código de Processo Civil.
De facto, decorre da conjugação dos art.º 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 640º, nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que estão errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respetiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão.
No caso mostram-se suficientemente cumpridos os requisitos supra assinalados, pelo que nada obsta à apreciação da impugnação.
Pretende a recorrente que sejam aditados aos factos provados os que alegou nos art.ºs 114.º e 26.º da contestação e ainda um facto instrumental, que seja alterada a redação dos factos dados como provados sob os pontos 17), 14), 21) e 20) e que seja considerado como não provado o ponto 11) dos factos dados como provados.
Vejamos, pois!
No art.º 114.º da contestação a recorrente alegou que «Com efeito, foi acordada pelas partes uma remuneração anual global tal qual ocorre bastas vezes mesmo sob a legislação nacional portuguesa, e sob a qual qualquer destinatário médio compreenderia, e como compreendeu a A., que se incluíam todas as rúbricas salariais devidas num ano.»
Pretende a recorrente que seja considerado provado que «Ao longo dos vários contratos celebrados foi sendo acordada uma remuneração anual global que incluía todas as rúbricas salariais devidas num ano, o que foi compreendido, claramente, pela A.»
Tal pretensão não pode ser julgada procedente na medida em que a matéria alegada no referido art.º 114.º da contestação é manifestamente conclusiva. Que a autora compreendeu o que foi acordado resulta já da matéria de facto provada em 15), salientando-se que mais não tem suporte na prova produzida, nomeadamente nas declarações de autora em depoimento de parte, já que a mesma referiu que compreendeu o teor do contrato, mas não as suas implicações jurídicas.
Por sua vez, saber se a remuneração anual acordada pelas partes nos sucessivos contratos incluía todas as rubricas salariais devidas num ano é a questão que se discute nos autos.
Pretende também a recorrente que seja aditado o seguinte facto instrumental:
«Até o ano de 2019, a Autora nunca reclamou o pagamento dos subsídios de férias e de Natal reclamados na presente ação.»
Alega que tal facto foi adquirido na fase de instrução, através do depoimento da testemunha CC, ao minuto 00:33:45.4.
Ora, sendo os factos instrumentais aqueles que permitem a afirmação, por indução, de outros factos de cuja prova depende o reconhecimento do direito ou da exceção, aqueles que possam servir para a formação da convicção sobre os demais factos[1], os mesmos não carecem de um juízo probatório específico, estando o seu relevo limitado à motivação da decisão sobre os restantes factos[2].
Nessa medida, improcede a pretensão da recorrente.
A recorrente requer ainda o aditamento da matéria alegada no art.º 26.º da contestação.
É a seguinte a redação do dito art.º 26.º: «Em grande parte do seu tempo de trabalho, encontrava-se nesse território a sobrevoar o espaço aéreo de diferentes países e espaço aéreo internacional, dado que o espaço do avião registado na Irlanda constitui território irlandês».
E a recorrente propõe que se dê como provado o seguinte: «No âmbito da execução do seu trabalho diário, a A. prestava a esmagadora maioria do seu trabalho num avião registado na Irlanda e que, de acordo com a legislação aplicável é território irlandês.»
A alegação da recorrente, em causa, contém matéria de três diferentes naturezas: matéria conclusiva, na parte em que refere que a autora prestava a esmagadora maioria do seu trabalho; matéria de direito, na parte em que refere que um avião registado na Irlanda de acordo com a legislação aplicável é território irlandês e matéria de facto na parte em que se refere que a autora prestava trabalho num avião registado na Irlanda.
Ora, quer a matéria conclusiva, quer a matéria de direito, estão subtraídas ao juízo probatório e enquanto tal não devem constar da matéria de facto provado.
A matéria de facto alegada quanto ao registo na Irlanda do avião em que a recorrida trabalhava, não é suscetível de prova por testemunhas, carecendo de ser documentalmente demonstrada, pelo que, são irrelevantes as declarações da testemunha CC que a recorrente invoca para sustentar a sua pretensão. E na falta de qualquer documento que demonstre o alegado registo, a pretensão da recorrente improcede.
Inexiste assim, qualquer matéria de facto a aditar.
A recorrente pugna, por outro lado, pela alteração da redação dos pontos 17), 14) e 21) e 20) da matéria de facto provada.
É a seguinte a redação dos pontos 17), 14) e 21) da matéria de facto provada:
«14. A partir de 1-4-2014 em diante, a autora teve como base de alocação em Lisboa, na sequência de contrato celerado em Março e no qual foi estabelecida uma remuneração anual de 13.770,00€ a que acresceria uma remuneração variável por bónus de vendas.
(…)
17. Em todos os contratos em que era fixado um valor anual de remuneração base, o mesmo era pagável em doze prestações mensais de igual valor no dia 28 de cada mês por transferência para conta bancária.
(…)
21. A ré nunca pagou qualquer prestação além das doze mensais do valor anual da remuneração base, designadamente a título de subsídio de natal ou de férias.»
A recorrente propõe a seguinte redação:
14. A partir de 1-4-2014 em diante, a autora teve como base de alocação em Lisboa, na sequência de contrato celebrado em Março e no qual foi estabelecida uma remuneração anual global de € 13.770,00 a que acresceria uma remuneração variável por bónus de venda.
17. Em todos os contratos foi fixado um valor anual de remuneração global fixa, o qual era pagável em doze prestações mensais de igual valor no dia 28 de cada mês por transferência para conta bancária.
21. A ré nunca pagou qualquer prestação além das doze mensais do valor anual da remuneração global acordada, designadamente a título de subsídio de natal ou férias.
Reconduz-se esta pretensão da recorrente à eliminação da referência à retribuição base e à inclusão do conceito de remuneração global, com fundamento na alegação de que a referência pelo tribunal a quo à retribuição base resulta da errada apreensão de que, ao referir-se “basic salary” no contrato celebrado entre as partes se poderia traduzir esse conceito para a "remuneração base" ao abrigo do Direito Português, quando é consabido que a lei escolhida para regular o contrato era a lei irlandesa, sendo claro que a rubrica “basic salary” constante dos contratos se refere à remuneração fixa, a que se somariam rúbricas variáveis como o pagamento SBH, prémios de vendas etc.
Do nosso ponto de vista a recorrente não tem razão. Não se vislumbra qualquer motivo para que a referência feita nos contratos celebrados entre as partes relativa a “basic salary” fosse necessariamente traduzida para “remuneração fixa” e não para remuneração base.
Por outro lado, no caso concreto, a alteração pretendida pela recorrente afigura-se totalmente irrelevante, já que analisada a decisão da matéria de facto no seu todo, verifica-se que a expressão “remuneração base” foi utilizada pelo tribunal a quo exatamente no sentido de remuneração, à qual acresciam remunerações variáveis e não no sentido jurídico do conceito. Isso mesmo decorre do confronto ente o ponto 17) e os pontos 2), 4), 5) e 18), com particular ênfase neste último no qual foi explicitado, o que nos termos dos contratos, se considerava incluído na remuneração, nada mais podendo ser considerado face à omissão da recorrida de alegação das parcelas de valores pecuniários que foram consideradas nos valores anuais pagos pela recorrida, como se salientou na decisão da 1.ª instância.
Acresce que a pretendida introdução na redação dos pontos 14), 17) e 21) da referência à remuneração global é, se não conclusiva nos exatos termos já referidos a propósito do aditamento da matéria alegada no art.º 114.º da contestação, pelo menos irrelevante face à discriminação na matéria de facto provada das parcelas incluídas na remuneração contratada.
O ponto 20) da matéria de facto provada tem a seguinte redação: «Até ao final de 2018 esteve inscrita na Segurança Social Irlandesa, beneficiando da respectiva protecção social concedida, designadamente nos períodos de inactividade (unpaid leave).»
Pretende a recorrente que, face ao depoimento de parte da autora e ao depoimento da testemunha CC, seja alterada para 30/04/2020 a data limite da inscrição da recorrida na Segurança Social irlandesa e que seja aditado o valor líquido recebido pela autora, de € 180,00 por semana.
No que que respeita à data até à qual a autora esteve inscrita na Segurança Social irlandesa, foi a própria ré que a balizou temporalmente, quando alegou na contestação que a mesma se manteve até ao final de 2018, tendo a autora daí em diante sido inscrita na Segurança Social portuguesa (art.ºs 33º e 62.º da contestação).
Por outro lado, é totalmente irrelevante se a autora esteve inscrita na Segurança Social irlandesa até 30/04/2020, já que o pedido relativo à remuneração dos períodos de inatividade [(para o qual releva a matéria do ponto 20)] é relativo aos anos de 2011 a 2014.
Quanto ao valor recebido pela recorrida, de resto não alegado na contestação, ouvida a prova gravada, nomeadamente o depoimento de parte e o depoimento da testemunha BB, invocados pela recorrente como fundamento da alteração pretendida, mas também o depoimento da testemunha DD, conclui-se que não é possível considerar provado o concreto valor auferido.
Na verdade, a recorrida referiu no seu depoimento, a instâncias da Mma. Juiz a quo, ter recebido da Segurança Social irlandesa 180,00 libras por semana e depois, a instâncias do ilustre mandatário da recorrente referiu que recebia 180,00 euros, ficando sem se saber afinal qual o valor efetivamente recebido. A testemunha BB apenas referiu que recebiam um valor fixo semanal, pago pela Segurança Social irlandesa, sem concretizar o exato valor e a testemunha DD referiu que os trabalhadores recebiam da Segurança Social irlandesa um valor líquido mensal de 1.000,00 euros.
Assim, da conjugação de tais meios de prova, apenas é possível, com o mínimo de segurança exigível, perceber que nos períodos de inatividade a autora terá recebido da Segurança Social irlandesa um valor, mas não qual a periodicidade, nem o concreto valor.
Consequentemente, não se descortina fundamento para alterar a redação do ponto 20) da matéria de facto provada.
Finalmente pretende a recorrente que seja eliminado do acervo dos factos proados o ponto 11), por considerar que a decisão relativa ao mesmo se fundou apenas no depoimento da testemunha BB, o qual não tem conhecimento direto e que mesmo o conhecimento indireto daquela testemunha relativo à prestação da trabalho pela recorrida se resumiria ao período entre 2008 e 2012, pelo que não se pode replicar para todo o período em que a Apelada se encontrou em situação de licença sem vencimento as quais ocorreram até 2014.
O teor do ponto 11) dos factos provados é o seguinte: «Sendo esses períodos de inactividade escolhidos pela autora dentro dos espaços temporais pré-determinados pela ré, ou escolhidos por esta caso a autora o não fizesse.»
A decisão relativa a tal facto mostra-se fundamentada nos seguintes termos «Quer a testemunha BB, quer a autora esclareceram sobre o modo como eram escolhidos os períodos de inactividade e que tal escolha estava condicionada aos períodos em que a ré o permitia.»
Ora, antes de mais, importa referir que a decisão relativa aquele ponto da matéria de facto não se fundou apenas no depoimento da testemunha BB, como alega a recorrente, mas também nas declarações da recorrida. E, ouvidos os dois depoimentos, verifica-se que, os dois depoimentos foram, no essencial coincidentes e no sentido que foi considerado provado.
É certo que a testemunha BB, revelou apenas um conhecimento indireto da questão, no que respeita à concreta situação da autora, até porque nunca trabalhou diretamente para a recorrida, mas para a Crewlink, em voos Ryanair. Trabalhou, contudo, juntamente com a autora na base de Faro e revelou que o teor dos contratos era idêntico. Também, não se pode ignorar que a testemunha se referiu à matéria em causa como sendo um procedimento generalizado para todos os tripulantes de cabine e não é, de resto, crível que houvesse um procedimento diferente entre eles, considerando que as tripulações integram necessariamente vários tripulantes e que é imprescindível em cada momento o conhecimento dos trabalhadores disponíveis para integrar cada voo.
Acresce que, o facto de a testemunha ter referido que a partir de 2012 saiu da empresa, não determina uma decisão diferente quanto à matéria do ponto 11), pois, não há notícia nos autos, nem tal resultou de qualquer dos meios de prova produzidos, que tenha havido qualquer alteração do procedimento em causa desse ano em diante. De resto, a alteração ocorreu exatamente em 2012 e foi um dos motivos que levou a testemunha BB a deixar a empresa para a qual trabalhava.
Acresce que em sentido idêntico milita o teor do documento n.º 12 junto com a petição inicial, nomeadamente a comunicação interna quanto às licenças sem vencimento, assinado por EE, Director of Inflight & Personal e o contrato assinado pela autora com data de 03/02/2012, em particular a sua cláusula 3, 3.1.
Considerando o referido, nenhuma censura merece a decisão do tribunal a quo de considerar provada a matéria do ponto 11).
Improcede, assim, na totalidade a impugnação da matéria de facto deduzida pela recorrente.
*
A 2.ª questão a decidir, depende necessariamente da decisão relativa à lei aplicável à relação laboral entre a recorrida e a recorrida.
A este propósito referiu o tribunal a quo de forma exaustiva e acertada, com apelo às normas legais aplicáveis e à interpretação das da jurisprudência comunitária relevante, à qual pouco ou nada haverá a acrescentar, que:
«Com efeito, afigura-se pacífico que a relação estabelecida entre a autora e a ré é uma relação de contrato de trabalho entre uma empresa irlandesa e uma trabalhadora portuguesa e a sua execução envolve o exercício de funções de tripulante de cabine.
Estas funções, pela sua natureza e definição, não são exercidas num local fixo, mas sim em diversos locais, com partida de um local físico para outro local físico, locais situados em diferentes países, sendo o trajecto em que a prestação tem lugar realizada a bordo de aeronaves que podem estar registadas em locais distintos dos pontos de partida e de chegada.
Trata-se, pois, de um contrato de trabalho internacional no qual existem elementos de conexão com mais do que um ordenamento jurídico “em função da nacionalidade, residência habitual ou estabelecimento das partes contratantes, do lugar do cumprimento ou execução das obrigações assumidas, do lugar de celebração do contrato” que “convoca de imediato, na ausência de direito material uniforme e universal aplicável, um conflito de leis que se resolve, primacialmente, pela selecção de um desses elementos de conexão ou de contacto com um ordenamento jurídico cuja lei será, então, aplicável” - Helena Mota em O Contrato Individual de Trabalho Internacional, publicado em Prontuário de Direito do Trabalho, 2020 -1, a pág. 271 e ss.
Em causa o Regulamento CE 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) concede às partes ampla liberdade de escolha da lei aplicável - cfr o seu art.º 3º - com excepção dos contratos a que se reportam os seus art.ºs 5º a 8º.
 O art.º 8º do referido Regulamento reporta-se expressamente aos “Contratos individuais de trabalho” estabelecendo que:
“1. O contrato individual de trabalho é regulado pela lei escolhida pelas partes nos termos do artigo 3º. Esta escolha da lei não pode, porém, ter como consequência privar o trabalhador da protecção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do presente artigo.
2. Se a lei aplicável ao contrato individual de trabalho não tiver sido escolhida pelas partes, o contrato é regulado pela lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato ou, na sua falta, a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato. Não se considera que o país onde o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho mude quando o trabalhador estiver temporariamente empregado noutro país.
3. Se não for possível determinar a lei aplicável nos termos do n.º 2, o contrato é regulado pela lei do país onde se situa o estabelecimento que contratou o trabalhador.
4. Se resultar do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com um país diferente do indicado nos n.ºs 2 ou 3, é aplicável a lei desse outro país.”.
Nestes casos a autonomia das partes, reconhecida no art.º 3º, é “limitada substancialmente, nos termos do art.º 8º, nº 1, 2ª parte, para proteger o trabalhador que não poderá ficar privado das disposições imperativas mais protectoras da lei supletivamente aplicável.
É sacrificada a segurança jurídica pela protecção da parte mais fraca evitando que o potencial ascendente da entidade patronal no momento da celebração do contrato resulte na aplicação de uma lei que seja mais desfavorável ao trabalhador; é uma regra de conflitos substancial favor laboris pois só se aplicará se em concreto for mais favorável para o trabalhador do que a lei escolhida” - uit aut e ioc cit a pág. 276 e, no mesmo sentido, Anabela Sousa Gonçalves em Os casos Crewlink e Ryanair e o contrato de trabalho internacional, Prontuário de Direito do Trabalho 2018-1, pág. 246.
No caso dos autos as partes celebraram contratos, foram vários os celebrados durante o período em questão, nos quais estabeleceram, sempre, que a legislação aplicável era a irlandesa.
(…)
(…) no caso concreto, importa determinar qual a lei que seria aplicável na ausência de pronúncia dos contraentes sobre a mesma e verificar se normas inderrogáveis da mesma foram afastadas na escolha efectuada pelas partes.
De acordo com o art.º 8º do Regulamento, não tendo as partes escolhido qual a lei aplicável, segue-se a determinação da mesma em primeiro lugar de acordo com o seu nº 2 e, na impossibilidade de determinação de acordo com este segmento do preceito, de acordo com o seu nº 3 - sempre sem prejuízo do estatuído no seu nº 4.
 Começando pelo nº 2 importa determinar o “país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato ou, na sua falta, a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato”.»
Quanto à determinação do local onde a autora presta habitualmente trabalho ou do local a partir do qual tal trabalho é executado, a recorrente não manifestou qualquer discordância quanto ao decidido pelo tribunal a quo, no sentido de que dos factos apurados resulta que a execução material da autora tem lugar a partir de Lisboa, seguindo instruções emanadas de instalações da ré sitas na Irlanda.
Nestes pressupostos que reiteramos, concorda-se igualmente com a conclusão do tribunal a quo, segundo a qual:
«Donde que, determinável a lei aplicável nos termos do nº 2 do art.º 8º, -- o que afasta a ponderação da previsão do nº 3 - inexistindo qualquer factualidade que permita estabelecer conexão com outro país - para efeitos do nº 4 do art.º 8º -- se tenha de considerar que na falta de escolha de lei aplicável pelas partes seria a lei portuguesa a aplicável.
Tal não determina a invalidade da escolha consignada nos contratos, sendo certo que a autora não logrou demonstrar que ao subscrever os mesmos não estava ciente que os mesmos tinham essa estipulação, mas tão só que as normas inderrogáveis da legislação portuguesa se sobrepõem às escolhidas no contrato quando estas privarem a autora da protecção daquelas outras.»
Importava, pois, perceber se relativamente a cada um dos pedidos formulados pela autora a lei irlandesa priva a autora da proteção de normas inderrogáveis da lei portuguesa, já que, em caso afirmativo estas se sobrepõem aquela.
A recorrente discorda da solução alcançada pelo tribunal a quo, que a condenou a pagar à autora os subsídios de férias e de Natal ao abrigo do Código de Trabalho português, por entender que tendo sido contratualmente acordada uma remuneração anual global ela inclui todas as quantias que a autora poderia esperar receber e que a comparação a efetuar entre níveis de protecção não se pode limitar à questão da existência ou não na legislação irlandesa dos subsídios em causa, devendo a comparação ser feita em função do valor do salário mínimo consagrado pelas duas legislações.
Antes de mais, importa referir que nada na matéria de facto apurada permite a conclusão da recorrente quanto à vontade das partes de englobarem na retribuição anual todas as quantias que a autora poderia esperar receber, concordando-se na íntegra com os fundamentos constantes da decisão recorrida que se reiteram.
Por outro lado, a existência de um acordo com o alcance pretendido pela recorrente, só poderia ser considerado relevante se fosse interpretado no sentido de que o valor anual da retribuição convencionado incluía uma parcela relativa ao pagamento de subsídio de férias e de subsídio de Natal, o que não também não qualquer suporte na matéria de facto provada.
Caso contrário, isto é, se interpretado no sentido de que o pagamento de tais subsídios não estava incluído no valor anual da remuneração, e não consagrando a lei irlandesa a obrigatoriedade de pagamento de tais subsídios, aquele acordo colidiria com preceitos inderrogáveis da lei portuguesa que consagram a obrigatoriedade do seu pagamento e que, enquanto tal, concedem aos trabalhadores um maior nível de proteção.
É que, ao contrário do afirmado pela recorrente a comparação ente a lei irlandesa e a lei portuguesa não tem que ser efetuada em função do quantum remuneratório correspondente à prestação normal de trabalho em cada jurisdição, mas em função da existência ou inexistência de tais subsídios na lei irlandesa, a aplicável por escolha das partes, mas com a limitação substancial suprarreferida.
O que deve ser posto em confronto é mesmo a existência da obrigatoriedade de pagamento de tais subsídios nas duas legislações, pois, o que é inderrogável face à lei portuguesa não é a forma de pagamento de tais subsídios ou apenas o seu quantum, mas o próprio direito do trabalhador a que às demais prestações retributivas acresçam tais subsídios.
Nesse sentido se pronunciou o STJ no Ac. de 07/07/2023[3], no qual se pode ler o seguinte: «As disposições do Código do Trabalho que preveem os subsídios de férias e de Natal são imperativas e não podem ser derrogadas por acordo das partes, constituindo as mesmas prestações obrigatórias - cfr. o artigo 3.º, n.º 4 do Código do Trabalho.
Este STJ tem entendido, de forma pacífica, que é obrigatório o pagamento a trabalhadores cujo contrato de trabalho está a ser executado em Portugal de subsídio de férias e de Natal. Se a base de afectação do trabalhador se situa em território português, se o acordo das partes quanto à lei aplicável ao contrato de trabalho afastou a lei portuguesa, que de outro modo seria aplicável, à luz do artigo 8.º n.º 1 do Regulamento Roma I (Regulamento CE n.º 593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável ás obrigações contratuais), tal não pode lograr o resultado de afastar as normas inderrogáveis da lei portuguesa, mormente as que respeitam à própria existência de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal- cfr. acórdãos 27-10-2021, proc. n. º 19733/19.1T8LSB.L1.S2, de 22-02-2022, proc. n. º 2191/19.8T8PDL.L1.S2, de 7/9/2022, proc. 1644/19.2T8TVD.L1.S2, e de 29-11-2022, proc. n. º 2440/19.2T8BRR.L1.S2.
Daí a conclusão retirada, a nível do respectivo sumário, de que são normas inderrogáveis da lei portuguesa, mormente para efeitos de aplicação do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento Roma I, as que respeitam à própria existência de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal.
Dada tal obrigatoriedade, estas prestações são sempre devidas, independentemente do valor anual fixado da retribuição do trabalhador, não sendo legítimo fazer qualquer exercício de comparação como pretende a Recorrente.
Não está em causa a natureza jurídica dos subsídios de férias e de Natal, mas outrossim a da sua obrigatoriedade ou inderrogabilidade, que inquestionavelmente existe.
Como se afirma no acórdão recorrido, estabelecendo a lei (leia-se Código do Trabalho) o direito a subsídio de férias (art.º 264º do Código do Trabalho) e o direito a um subsídio de Natal (art.º 263º do Código do Trabalho), não podem por via contratual ser eliminados ou reduzidos esses direitos reconhecidos ao trabalhador pelo legislador.
E utilizando as palavras da recorrida, a tónica deve ser colocada na obrigatoriedade de pagamento de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal, constante da lei nacional.»
Pelos mesmo motivos, irreleva para os efeitos em análise (diferentes dos que estavam em causa nas situações a que se reportam os acórdãos invocados pela recorrente, proferidos em processos de acidente de trabalho, com vista à determinação da retribuição relevante para o cálculo das prestações devidas e cujos critérios de determinação são específicos), a comparação em função do valor do salário mínimo garantido por cada uma das legislações, pois, seja qual for o seu valor, face à legislação portuguesa e seja qual for o valor da retribuição convencionada, os subsídios de férias e de Natal deverão sempre acrescer ao valor pago a título de retribuição.
Acrescenta-se ainda que é até abusiva a conclusão da recorrente de que não estaria em causa a derrogação de qualquer norma nacional que confere maior proteção ao trabalhador, porque apesar de os subsídios não terem consagração legal na Irlanda (o que é pacífico[4]), a retribuição contratualmente estipulada no caso é maior que a retribuição mensal mínima portuguesa.
De facto, repete-se não está em causa o valor anual pago, mas o não pagamento de prestações obrigatórias face à lei portuguesa e nada nos autos permite a conclusão de que em Portugal, a autora receberia retribuição mínima mensal garantida. Ainda que assim fosse, para que tal comparação fosse relevante seria necessário considerar também todas as demais prestações a auferir, já que conforme resulta dos factos provados, os contratos continham uma cláusula da qual resultava que a remuneração havia sido calculada tomando em consideração um prémio por todas as horas associadas ao serviço de voo; incluindo, mas não se limitando a, relatórios pré e pós-voo, atrasos e todas as tarefas a bordo, incluindo o uso do sistema portátil EPOS e ainda que o valor pago a título de remuneração inclui um prémio pelo trabalho aos domingos e feriados.
Não se vislumbra, por tudo, qualquer motivo de censura da douta sentença recorrida na parte em que condenou a recorrente no pagamento à autora dos subsídios de férias e de Natal com base nas disposições do Código de Trabalho português.
No que respeita à remuneração dos períodos de inatividade concorda-se integralmente com a fundamentação e a conclusão da sentença, incluindo quanto à lei aplicável.
Ali se consignou a este propósito que:
«A remuneração é um elemento essencial do contrato de trabalho e durante a execução do mesmo, recorde-se que não foi alegada qualquer cessação da relação laborai entre as partes, afigura-se incontroverso que o trabalhador não renunciar à mesma.
Com efeito a função alimentar da remuneração do trabalho determina que a tutela legal da mesma tenha reconhecimento ao nível constitucional - art.º 59º da Constituição da República Portuguesa - determinando-se que “Os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei” - cfr nº 3 do citado preceito.
Do regime legal da tutela salarial e das regras referentes às garantias e cumprimento do salário resulta que o trabalhador não pode renunciar à remuneração que lhe é devida e que mesmo em situações em que não tem lugar a prestação a mesma é devida.
 Tal é, entre outros, o caso das situações de em que a prestação do trabalhador não tem lugar por motivos relacionados com a empregadora - cfr art.º 298º e ss do Código do Trabalho - sendo a obrigatoriedade de pagamento expressão das “consequências dos critérios específicos próprios do Direito Laboral quanto à distribuição do risco pela inexecução da prestação” - B Lobo Xavier, em Manual de Direito do Trabalho, pág. 619, da 2a ed.
Assim, sendo afigura-se que, à luz da lei aplicável nos termos do nº 2 do art.º 8º do Regulamento 598/2007 e nos termos antes expostos, as partes não podiam ter celebrado ou executado contrato de trabalho em que existem períodos durante os quais a autora não prestava a sua normal prestação e nada recebia a titulo de remuneração o que, considerando que ocorria nos períodos em que a ré tinha menos serviço na base à qual a autora estava alocada, se traduzia em fazer recair sobre esta última os riscos da exploração económica que a ré desenvolvia.
Ambas as partes, excluída a sujeição destes períodos e execução do contrato à legislação consignada nos contratos, enquadram a situação de facto ocorrida no contexto da previsão do contrato de trabalho intermitente previsto nos art.ºs 157º a 160º do Código do Trabalho.
Partindo da descontinuidade ou variável intensidade das necessidades de trabalho decorrentes da natureza das actividades económicas e das oscilações de mercados destas, a previsão legal de contrato de trabalho intermitente rompe com regra de continuidade, regularidade e linearidade da execução do contrato de trabalho - vd Monteiro Fernandes, em Direito do Trabalho, pág. 195 e ss da 18ª ed  O art.º 157º do Código do Trabalho estatui, no seu nº 1, que “Em empresa que exerça actividade com descontinuidade ou intensidade variável, as partes podem acordar que a prestação de trabalho seja intercalada por um ou mais períodos de inactividade”.
O contrato em questão encontra-se sujeito a forma escrita, sendo estabelecidos períodos mínimos de trabalho (seis meses, sendo quatro consecutivos) de execução - cfr art.ºs 158º e 159º do Código do Trabalho.
 O contrato foi celebrado por escrito e os períodos de execução previsto respeita os períodos mínimos legais.
Nada obsta, assim, a que o contrato celebrado seja considerado com um contrato intermitente nos termos do art.º 157º do Código do Trabalho.
Quanto à remuneração devida pela execução deste contrato e tendo-se apurado que a autora esteve sem qualquer actividade durante 59 dias em 2011, 34 dias em 2012, 43 dias em 2013 e 12 dias em 2014, períodos nos quais a ré nada lhe pagou, importa determinar qual a remuneração que lhe é devida.
Dispõe o art.º 160º do Código do Trabalho, no que a tal questão respeita e na sua redacção à data dos factos (cfr art.º 11º nº 1, parte final, da Lei 93/2019, de 4-9, que “1 - Durante o período de inactividade, o trabalhador tem direito a compensação retributiva em valor estabelecido em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou, na sua falta, de 20 % da retribuição base, a pagar pelo empregador com periodicidade igual à da retribuição. 2 - Os subsídios de férias e de Natal são calculados com base na média dos valores de retribuições e compensações retributivas auferidas nos últimos 12 meses, ou no período de duração do contrato se esta for inferior. 3 - Durante o período de inactividade, o trabalhador pode exercer outra actividade. 4 - Durante o período de inactividade, mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho.”.
Assim, impõe-se concluir que à autora é devido o valor da remuneração estabelecida em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou, na sua falta, a 20% da sua remuneração base - decorrendo ainda desta modalidade de contrato consequências na determinação quantitativa dos valores de subsídios de férias e de natal, como previsto no art.º 160º nº 2.»
Portanto, a natureza imperativa (mínima) do art.º 160.º do Código do Trabalho, afasta a aplicação da lei irlandesa, na medida em que da mesma resulta que nos períodos de inatividade a autora não teria direito a qualquer remuneração paga pela empregadora, improcedendo, por isso, o recurso na parte em que se fundamenta na aplicação da lei irlandesa.
No que respeita à dedução aos valores a pagar pela ré à autora da quantia de € 180,00 por semana, que a ré reclama, a improcedência do recurso resulta de não ter ficado provado qual a quantia efetivamente recebida pela autora da Segurança Social irlandesa nos períodos em causa, atenta a improcedência da impugnação da matéria de facto. 
E o recurso improcede também no que respeita à remuneração devida pelas férias, subscrevendo-se na íntegra o teor da sentença recorrida, na qual se escreveu o seguinte, que reiteramos:
«O direito a férias é, à luz do Código do Trabalho e nos termos do seu art.º 237º nº 3, um direito irrenunciável.
Daí que, tal como sucedeu com os reclamados créditos de subsidio de ferias e de natal, se imponha ponderar ao estabelecer a aplicação da lei irlandesa a autora foi privada deste direito, nos termos em que se encontra reconhecida na lei aplicável nos termos do nº 2 do art.º 8º do Regulamento 593/2008.
De acordo com o art.º 238º do Código do Trabalho o direito a férias compreende uma duração mínima de 22 dias, não estando o mesmo condicionado à assiduidade ou efectividade de serviço - cfr art.º 237º nº 2 do Código do Trabalho.
Daí que se entenda, ponderado ainda o disposto no art.º 160º nº 4 do mesmo diploma, que o facto de durante alguns períodos a autora ter estado inactiva, por via da configuração do contrato como contrato intermitente - que é uma forma de execução do contrato de trabalho e não uma suspensão do contrato não afecta o seu direito aos vinte e dois dias de férias.
A iniquidade que a ré aponta parte da equiparação dos períodos de inactividade a gozo de férias, equiparação que não se descortina no regime legal o qual até admite a possibilidade de o trabalhador exercer outra actividade (cfr art.º 160º nº 1) e se limita a reduzir a medida das obrigações de natureza pecuniária.
Note-se que mesmo nas situações em que a lei reconhece a suspensão ou redução do contrato por motivos imputáveis ao empregador a duração e vencimento das férias não é afectado -- cfr artºs 298º e 306º do Código do Trabalho.
Registe-se igualmente que a situação de execução de contrato intermitente não é equiparável a qualquer das situações previstas no art.º 239º do Código do Trabalho, nem está em causa uma cessação de contrato após impedimento prolongado do trabalhador que permita a ponderação proporcional que a ré defende - cfr art.º 245º do Código do Trabalho.
A autora gozou entre 2010 e 2019 um total de 171 dias, sendo 5 dias em 2011, 13 dias em 2012, 15 dias em 2013, 29 dias em 2014, 21 dias em 2015, 17 dias em 2016, 25 dias em 2017, 20 dias em 2018 e 20 dias em 2019.
Em relação aos anos de 2011 a 2013, 2015, 2016, 2018 e 2019 é possível afirmar que a autora não gozou a totalidade dos dias de férias que a aplicação da lei portuguesa lhe reconhece como direito irrenunciável, estando em falta 17 dias em 2011, 9 dias em 2012, 7 dias em 2013, 1 dia em 2015, 5 dias em 2016 e dois dias em cada um dos anos de 2018 e 2019.
As férias são férias remuneradas, remuneração como se o trabalhador estivesse em serviço efectivo - cfr art.º 264º nº 1 do Código do Trabalho.»
Em abono da sua tese a recorrente alega que é aplicável a lei irlandesa por escolha das partes não tendo sido infringido qualquer direito ao abrigo dessa lei, o que não colhe face à inevitável conclusão de que a lei irlandesa cede perante a lei portuguesa, também nesta matéria, já que quer o direito a férias, quer o direito a férias remuneradas são irrenunciáveis e inderrogáveis (art.º 237.º, n.º 3 e art.º 3., n.º 3, al. h), conferindo a lei portuguesa maior proteção que a irlandesa.
A recorrente alega ainda que, mesmo admitindo a lei portuguesa como subsidiariamente aplicável, é perfeitamente possível ao trabalhador renunciar ao gozo de dois dias de férias por ano pelo que não se estaria perante direitos inderrogáveis na asserção do artigo 8.º, n.º 1 do Regulamento Roma I, logo não haveria razão para afastar a aplicabilidade da lei escolhida pelas partes.
Também aqui não tem razão. De facto, nos termos do disposto pelo art.º 238.º, n.º 2 do Código do Trabalho, o trabalhador pode renunciar ao gozo de 2 (dois) dias de férias, mas é-lhe, no entanto, devido o pagamento da retribuição correspondente a esses dias, a acrescer à retribuição do trabalho que então efetivamente prestou. Pelo que, sempre será devida a retribuição correspondente a 22 (vinte e dois) dias de férias.
Finalmente alega a recorrida que não se pode admitir que nos períodos em que a Apelada trabalhou ao abrigo de um contrato intermitente, teria também direito aos mesmos 22 (vinte e dois) dias de férias, dado que nesses períodos tinha significativos períodos de inatividade, devendo ser descontados do pedido, de modo a ajustar o período de férias para a duração de um contrato intermitente com 9 meses de atividade, atribuindo-se um direito a férias proporcional à duração do período de atividade contratada.
A este propósito, para além do que já consta da sentença recorrida, importa considerar que nos termos do art.º 237.º do Código do Trabalho o direito a férias não está condicionado à efetividade de serviço e que nos termos do art.º 160.º, n.º 5 do Código do Trabalho «Durante o período de inatividade, mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho.
Socorremo-nos das palavras de João Lela Amado[5], a propósito da manutenção, durante o período de inatividade, dos direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efetiva prestação de serviço, nos contratos intermitentes. Refere este autor o seguinte: «Com efeito, no período de inactividade laboral o contrato não se extingue, não se interrompe nem, dir-se-ia, se suspende. Verdadeiramente, ele cumpre-se dessa forma, a inactividade do trabalhador corresponde a um dos seus modos de ser, à normal execução do contrato, à mais peculiar das suas facetas. A estrutura bifásica deste contrato significa, justamente que, por vezes, o trabalhador se encontrará inactivo.»
O facto de o trabalhador ter períodos de inatividade em execução do contrato de trabalho, não pode, pois, determinar a redução do período de férias a que o trabalhador tem direito em cada ano completo de trabalho, nem a perda da correspondente remuneração.
Improcede, pois, o recurso, nesta parte e, por conseguinte, na totalidade.
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Decisão
Por todo o exposto acorda-se julgar o recurso totalmente improcedente mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.
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Custas pela recorrente – art.º 527.º do Código de Processo Civil.
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Nos termos do art.º 663.º, n.º 7 CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.
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Notifique.
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Lisboa, 24/01/2024
Maria Luzia Carvalho
Alda Martins
Sérgio Almeida

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[1] António Abrantes Geral e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pag. 32.
[2] Idem, pag. 744.
[3] Acessível em www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Organisation of Working Time Act 1997 (Lei de Organização de Tempo de Trabalho de 1997), passível de consulta em Organisation of Working Time Act, 1997, Section 19 (irishstatutebook.ie).
[5] Contrato de Trabalho, 4.ª ed. Pag. 151.