Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1102/13.9TBTVD-B.L1-1
Relator: AMÉLIA SOFIA REBELO
Descritores: LEGITIMIDADE RECURSÓRIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
MASSA INSOLVENTE
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário:
1. O dever processual de elaboração e apresentação da lista de créditos a que alude o art. 129º do CIRE e a faculdade de responder às impugnações que à mesma sejam deduzidas, são atos funcionais que o administrador judicial está adstrito a exercer pessoalmente no cumprimento da legal tramitação do apenso de reclamação de créditos (cfr. art. 55, nº 2 do CIRE).
2. O administrador da insolvência e a massa insolvente por ele representada não têm, por regra, legitimidade para recorrer da sentença de verificação e de graduação de créditos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I - Relatório
1. Nos autos de reclamação de créditos que correm por apenso ao processo de insolvência de “Válvotor – Válvulas e Tornearias, Ldª”, por sentença de verificação e graduação de créditos de 25.10.2024 foram julgadas procedentes as impugnações à lista de créditos deduzidas em 19 e 20.09.2013 por credores laborais inscritos na lista de créditos reconhecidos pela Sr.ª administradora da insolvência (AI), pedindo o reconhecimento dos seus créditos (reconhecidos na lista como comuns) como créditos com privilégio imobiliário especial sobre os imóveis apreendidos[1], e o credor P1 mais pedindo o reconhecimento do seu crédito por valor superior ao inscrito na lista, com prolação a final da seguinte decisão:
“Em face do exposto decido:
Homologar a lista de credores reconhecidos, com as modificações decorrentes da procedência das impugnações apresentadas em 19/9/13 e 20/9/13;
e
Graduar os créditos reconhecidos, para pagamento após as dívidas da massa, nos seguintes termos:
1.º - Serão pagos os créditos laborais, incluindo de P1, enquanto crédito no valor de €183.055,15, e do Fundo de Garantia Salarial, todos com privilégio imobiliário especial e mobiliário geral;
2.º- Pelo produto da venda do bem garantido, serão pagos os créditos garantidos por hipoteca que incidam sobre o respetivo bem id. na lista, atendendo-se à prioridade de registo e valor máximo da garantia;
3.º - Será pago o crédito privilegiado do ISS;
4.º- Do remanescente, dar-se-á pagamento aos credores comuns, na respetiva proporção.
Inexistem créditos sob condição, embora os créditos devidos enquanto empregador plural de P1 se possam vir a considerar extintos por pagamento se entretanto vierem a ser efetivamente pagos por terceiro empregador pertencente ao mesmo grupo da ora Insolvente.
2. A massa insolvente, representada por mandatária constituída nos autos pelo administrador da insolvência, apresentou requerimento de recurso pelo qual requereu a revogação daquela sentença e “a sua substituição por outra que permita a efetiva realização da justiça.
Arguiu a nulidade da sentença por vício de excesso de pronúncia com fundamento em violação de caso julgado formal e a inconstitucionalidade do art. 131º, nº 3 do CIRE quando interpretado como estabelecendo efeito cominatório pleno, e identificou o objeto do recurso nos seguintes termos:
A. RAZÃO DE ORDEM
Vem o presente recurso interposto da Douta sentença de verificação e graduação de créditos proferida pelo Tribunal a quo, datada de 25.10.2024 (ref.ª 16248977), porquanto a ora Recorrente Massa Insolvente não se poderá conformar com os erros manifestos de Direito cometidos pelo Tribunal a quo, que, conforme se demonstrará, designadamente, violação do caso julgado, erro no efeito cominatório previsto no artigo 131 do CIRE, permitindo assim, a prevalência de uma verdade meramente formal sob a verdade material dos factos, cometendo, ademais, graves violações da Justiça material que se impunha nos presentes autos.
3. Admitido o recurso e remetidos os autos a este tribunal, por despacho da relatora de 10.03.2025 foi suscitada a questão da ilegitimidade da massa insolvente para recorrer da sentença de verificação e de graduação de créditos e ordenada a notificação prevista pelos arts. 652º, nº 2, al. b) e 655º do CPC e, por decisão singular de 07.04.2025, a relatora decidiu pelo não conhecimento do recurso por falta de legitimidade da recorrente para o mesmo.
4. Remetido os autos à 1ª instância com baixa definitiva em 28.04.2025, foram devolvidos a esta instância com requerimento da recorrente de 14.07.2025 dirigido ao relator dos autos, arguindo a nulidade da notificação do despacho de 10.03 por não ter sido cumprida na pessoa da mandatária da recorrente e requerendo a anulação da decisão singular e o cumprimento da notificação em falta. Cautelar e simultaneamente mais deduziu pedido de submissão da matéria da decisão singular à conferência.
Por despacho da relatora foi verificada e confirmada a irregularidade processual invocada, bem como a ausência de notificação da decisão singular aos mandatários da recorrente e do recorrido, indeferido o cumprimento da notificação do despacho de 10.03 e, nessas circunstâncias processuais, julgada tempestiva e admitida a conferência requerida nos termos do art. 652º, nº 3 do CPC.

II - Da decisão singular e dos fundamentos da reclamação
A decisão reclamada concluiu pela ilegitimidade da recorrente para o presente recurso, com os seguintes fundamentos, que se transcrevem:
“Estabelece o art. 631º do CPC que:
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.
2 - As pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.
3 – (…)
A legitimidade ad recursum constitui um pressuposto processual nominado do direito a impugnar por via de recurso uma decisão judicial desfavorável aos interesses ou posição jurídica do recorrente, que não se confunde com a noção de legitimidade processual a que refere o artigo 30º do Código de Processo Civil. Nesse sentido, acórdãos do STJ de 29.06.2017 -, A parte considera-se vencida quando a sua pretensão jurisdicional é afetada ou prejudicada pela decisão judicial, podendo o critério ser material ou formal, os quais, em geral, coincidem na legitimidade ad recursum. - , de 15.02.2017 - A expressão “tenha ficado vencido” usada no artigo 631º, nº 1, do CPC, deve interpretar-se com o sentido de que pode recorrer a parte principal que tenha ficado “afetada ou prejudicada” pela decisão e que a pretenda impugnar para o tribunal hierarquicamente superior, não se confundindo o conceito de legitimidade para efeito de recurso com a noção de legitimidade processual a que se refere o artigo 30º do CPC (Neste sentido, Castro Mendes, Direito Processual Civil III, pág. 16, e Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág.19.).
Nas palavras de Abrantes Geraldes[2], “o vencimento ou o decaimento devem ser aferidos em face da pretensão formulada ou da posição assumida pela parte relativamente à questão que foi objeto de decisão. É parte vencida aquela que é objetivamente afetada pela decisão, ou seja, a que não obteve a decisão mais favorável aos seus interesses, independentemente da posição assumida nos autos.[3] O mecanismo de recurso pressupõe que se aperceba a existência de uma utilidade na posterior intervenção de um tribunal hierarquicamente superior, traduzida na alteração, revogação ou anulação da decisão, com o cortejo de efeitos que daí emanam (…)”. Interesse ou utilidade que são aferidos por um critério formal ou por um critério material: de acordo com o primeiro, a qualidade de parte principal no processo constitui a regra geral na determinação da legitimidade recursiva, sendo que é parte quem se apresenta do lado ativo ou do lado passivo da ação e detém legitimidade aquela que não obteve ou obteve menos do que pediu; de acordo com o segundo, a legitimidade é aferida pelo prejuízo causado ao recorrente pela decisão desfavorável, independentemente da atividade por ele produzida na tramitação dos autos. “[P]or por via deste critério material e objectivo, só pode considerar-se como parte vencida aquela que não obteve a decisão mais favorável aos seus interesses objectivados, independentemente da procedência ou improcedência das razões esgrimidas sobre a matéria litigiosa»[4]. No mesmo sentido, acórdão do STJ de 01.07.2008 (tirado no âmbito de processo de execução singular): “Todos estão de acordo que por parte vencida deve entender-se aquela a quem a decisão causa prejuízo, a aferir por um critério prático, em regra de natureza económica, e não puramente teórico, sendo que o que releva é «o benefício que a decisão assegura à parte e não a razão por que lho assegura», vale dizer, os fundamentos por que o faz.//«Parte vencida e parte prejudicada são, assim, conceitos equivalentes» (A. DOS REIS, “CPC, Anotado”, V, 265/266).//Como faz notar o mesmo Autor, “a legitimidade para recorrer é um aspecto particular da legitimidade das partes. O interesse directo é o requisito essencial da legitimidade (art. 27º); pergunta-se: quem tem interesse directo em impugnar a decisão por via de recurso?[5]”//Ou, como escreve AMÂNCIO FERREIRA (“Manual dos Recursos em Processo Civil”, 4ª ed. 127), “pressuposto necessário à legitimidade para recorrer é o gravame ou prejuízo real sofrido. Sem este não há o interesse em agir, suporte do pedido de impugnação”.//Do critério proposto resulta que legitimidade para recorrer, pressupondo um interesse directo e um prejuízo real, medida da utilidade decorrente da procedência do recurso, conduz à exclusão da parte a quem a decisão não cause um prejuízo directo e efectivo, ou seja, que apenas seja passível de sofrer prejuízo indirecto ou reflexo, eventual ou incerto.//Um tal critério acaba por não divergir do consagrado no n.º 2 do art. 680º[6], o que nem sequer será de estranhar, pois que esta norma visa exigir a quem não seja parte principal no processo um interesse em recorrer idêntico ao que as partes principais, em regra e pelo facto de o serem, já detêm.[7]
Para aferir do interesse ou utilidade do recurso para o sujeito que dele lança mão importa atender ao objeto do processo e, mais especificamente, ao objeto do recurso.
Na apreciação que nos ocupa importa ter presente e considerar que o processo de insolvência liquidatário assume-se teleológica e processualmente como uma ação executiva para pagamento de quantia certa - coletiva ou concursal e genérica ou universal -, através de um processo judicial especial que visa a satisfação de todos os direitos de crédito por recurso ao património do devedor (massa insolvente) com prévia adoção de medidas cautelares definitivas (apreensão) e executórias (venda, cobranças de créditos, resolução de negócios e/ou reivindicação de bens ou direitos do devedor insolvente em benefício da massa, etc), em ordem à liquidação desse património para satisfação do passivo do devedor, que é executado pelo administrador da insolvência (AI) nomeado no processo e cumprido através da afetação do produto da liquidação massa insolvente ao pagamento dos créditos reconhecidos e graduados por sentença no incidente de verificação e graduação de créditos apenso ao processo de insolvência, e de acordo com a ordem nela definida, no que se traduz o objetivo ou fim último do processo de insolvência liquidatário, por referência ao qual fica exposta a natureza instrumental dos procedimentos de verificação de créditos por apenso ao processo de insolvência.
O AI, a par com os deveres e/ou ónus processuais que lhes são legalmente atribuídos na regulamentação da tramitação processual, mais exerce/deve exercer o poder-dever público em que é legalmente investido em representação e no interesse da massa insolvente[8] e, nessa medida, do coletivo dos credores, dispondo dos poderes de atuação necessários e adequados a promover esse interesse, com a qual, por isso, se confunde a atuação da massa insolvente, e que coexiste com deveres, ónus ou faculdades processuais que o CIRE expressamente prevê na regulação da tramitação do processo. No âmbito da identificação, definição e qualificação do passivo – através do reconhecimento judicial de créditos e definição judicial da grelha de pagamentos - o AI, assume, não a qualidade de parte, mas de colaborador com a ação da justiça em ordem ao cumprimento da atividade jurisdicional que ao tribunal cumpre exercer no processo de insolvência e, com essa finalidade, investido de poder público vinculado ao cumprimento de deveres processuais expressamente previstos, no que se inclui o dever de apresentação nos autos de lista de créditos[9] nos termos do art. 129º do CIRE e, agora sem caráter obrigatório[10], a faculdade de responder às impugnações que à mesma sejam deduzidas nos termos previstos pelo art. 131º, nº1. São funções que o administrador judicial está adstrito a exercer pessoalmente no cumprimento da legal tramitação do próprio processo de insolvência, abrangendo processo principal e apensos naturais do processo de insolvência, como o são os apensos de apreensão de bens, liquidação, reclamação de créditos e incidente de qualificação da insolvência, conforme o determina o art. 55º, nº 2 do CIRE, com a possibilidade apenas de substabelecer a prática de concretos atos em outro administrador judicial.
É no âmbito desta qualidade funcional - de servidor da justiça em colaboração com a atividade do juiz da insolvência - que se enquadra a elaboração da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos pelo AI e, também, a faculdade que expressamente lhe é atribuída, de responder às impugnações que à mesma sejam deduzidas. A apresentação da lista de créditos pelo AI consubstancia ato obrigatório não jurisdicional processualmente predestinado a integrar o âmbito da decisão judicial de verificação de créditos através da prolação de sentença homologatória da lista de créditos reconhecidos, mas que é passível de ser previamente modificada em função do resultado da apreciação judicial das impugnações que à lista sejam apresentadas (cfr. arts. 130º e 131º) e/ou da apreciação oficiosa de erro que nela se manifeste (art. 130º, nº 3 do CIRE). A resposta à impugnação consubstancia colaboração facultativa do AI para a subsequente apreciação judicial da impugnação, colaboração com o órgão jurisdicional da insolvência que ainda se justifica nesta fase do incidente porque foi o AI quem recebeu e analisou todos os requerimentos de reclamação de créditos, consultou os elementos da contabilidade da insolvente e, com base nesses elementos e valoração que deles fez, elaborou a lista que é objeto de impugnação e sobre a qual vai incidir a apreciação e a decisão judicial a proferir.
Efetivamente é o AI o sujeito processual funcionalmente vinculado a apresentar as listas de credores mas, quem figura do lado ativo do incidente não é o AI, mas sim os credores reclamantes e outros por ele conhecidos e incluídos na lista (subl. nosso). Com a apresentação das listas o AI nada pede ao tribunal; apenas cumpre dever funcional, de colaboração com a ação da justiça, e fá-lo através da apresentação de um projeto de decisão – de verificação e graduação de créditos – e, eventualmente, da resposta às impugnações deduzidas pela devedora ou por qualquer credor a esse projeto de decisão, num propósito de simplificação da atividade jurisdicional subsequente pelo juiz titular do processo que, na ausência de impugnações ou de erro manifesto sindicado pelo juiz, fica ‘dispensado’ de analisar todos os requerimentos de reclamação de créditos apresentados para aferir da sua tempestividade e de outros requisitos formais e para identificar e descrever o crédito por cada um reclamado; labor que é suprimido ou, pelo menos, abreviado, pelo projeto de decisão em que se consubstancia a lista de créditos que vai integrar a sentença homologatória, com ou sem alterações decorrentes do resultado das impugnações ou da sindicância oficiosa de erro manifesto
Por outro lado, da legitimidade processual que a lei expressamente atribui ao administrador da insolvência para no prazo perentório legalmente previsto no art. 131º, nº3 responder às impugnações (com a virtualidade de impedir a produção do efeito ali previsto para a falta de resposta), não decorre nem a sua qualidade de parte no incidente nem, muito menos, o reconhecimento da legitimidade para recorrer da sentença de verificação de créditos porque, como se disse, a legitimidade recursiva não se confunde com a legitimidade processual. Nesse sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.10.2016: “(…) a legitimidade ad recursum resultante do artigo 631º, nº1 do CPCivil, é uma coisa, e, coisa outra é o direito à impugnação da lista de credores reconhecidos, a que alude o normativo inserto no artigo 130º do CIRE (…).  Como se disse, a legitimidade para recorrer exige o interesse próprio e direto do recorrente na anulação, revogação ou modificação da sentença, interesse que, ainda que em determinadas e concretas circunstâncias possa também assistir ao devedor insolvente[11], localiza-se por princípio nos credores que concorrem à satisfação dos respetivos créditos pelas forças do produto da massa, por serem estes os sujeitos processuais da insolvência que, perante a (por regra) insuficiência da massa para satisfazer a totalidade do passivo, serão ou poderão ser afetados pelo reconhecimento de outros e determinados créditos, seja quanto à sua existência, seja apenas quanto à sua qualificação e/ou montante. Qualidade de interessado que o art. 131º, nº 1 não reconheceu ao AI posto que, na previsão do leque dos sujeitos com legitimidade processual para responder às impugnações - Pode responder a qualquer das impugnações o administrador da insolvência e qualquer interessado que assuma posição contrária –, o legislador distinguiu o sujeito processual AI da categoria dos interessados, sendo certo que, se não lhe fosse expressamente atribuída, não se vê como poderia enquadrar no conceito geral de legitimidade processual geral previsto pelo art. 30º do CPC[12]. De resto, da conjugação dos termos dos arts. 129º, nº4, 130º, nº2 e 131º, nº2 resulta que a qualidade de parte/interessado é aferida caso a caso, por referência à posição e ao benefício ou prejuízo que das impugnações deduzidas podem resultar para os autores da impugnação e da resposta no âmbito da relação processual plúrima constituída na insolvência, que surge particularmente evidenciada na fase de verificação e graduação dos créditos. 
Com efeito, “Parte principal «é aquela que pode dispor da instância e do objeto do processo, determinando a sua abertura e fecho» , ou seja, e transpondo, qualquer dos credores que pode reclamar créditos sobre a insolvência e pode dispor desse objeto do processo, concorrente com os demais credores mas processualmente autónomo (pode desistir da instância ou do pedido, mesmo nos casos em que os seus créditos tenham sido reconhecidos sem terem sido reclamados, nos termos do nº4 do art. 129º do CIRE, mas apenas quanto aos créditos de que seja titular, ou quanto à impugnação ou resposta que tenha deduzido).[13] Ora, depois de apresentada a lista de créditos, o AI dispõe da faculdade legal de responder às impugnações e o dever funcional de responder às solicitações que casuisticamente lhe sejam endereçadas pelo tribunal, mas já não dispõe de legitimidade para dispor da instância, de, por sua iniciativa e vontade unilateral, desistir ou de dar sem efeito a apresentação das listas, ou de desistir do ‘pedido’ de reconhecimento de qualquer um dos créditos nela inscritos, faculdade que assiste apenas ao titular de cada crédito (reclamado, não reclamado, reconhecido ou não reconhecido, impugnado ou não impugnado).
Retornando à natureza do cargo do AI, cumpre anotar que o caráter pessoal do seu exercício não é afastado pela possibilidade legal de ser coadjuvado (coadjuvado, note-se, não representado) por profissionais de outras áreas nos termos do nº 3 da citada norma, mas com o que não se confunde a constituição de mandatário forense para instauração, contestação ou intervenção processual da massa insolvente em ações ou incidentes cujo resultado possa influir no acervo dos bens que a integram ou possam vir ou a deixar de integrar e, assim, no interesse do coletivo dos credores, caso em que a massa insolvente representada pelo AI assume a qualidade de parte (originariamente ou em substituição da insolvente). Conforme dispõe o art. 85º, nº1 do CIRE, (…) as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência (…) com fundamento na conveniência para os fins do processo. -, caso em que a massa insolvente assume a qualidade de parte (originariamente ou em substituição da insolvente), no que se incluem as ações instauradas contra a massa para reconhecimento ou cobrança de dívidas da própria massa (cfr. art. 89º do CIRE) na qualidade de sujeito titular da relação jurídica em discussão.  
Já no âmbito da verificação de créditos, como se disse, o AI e a massa insolvente por ele representada não enquadram na definição de parte processual. Com efeito, “As partes são as entidades que pedem ou contra as quais é pedida em juízo a tutela de uma situação jurídica[14], no que não se enquadra a atuação do AI nos procedimentos de verificação e de graduação de créditos, no qual intervém no interesse do coletivo dos credores, e não para assumir e exercer a defesa da posição e ou interesse de alguns credores contra a posição e em detrimento do interesse de outros, atividade que não se enquadra no conceito de defesa do universo dos credores. Tão pouco intervém para exercer direitos ou interesses próprios da massa insolvente, exceto se estiver em discussão um pedido de restituição e separação de bem da massa insolvente nos termos (procedimentais) previstos pelos arts. 128º e ss. (para os quais remete o art. 141º, nºs 1[15] e 2) ou 146º. Como se disse, os titulares dos interesses objeto de apreciação no âmbito da verificação de créditos são o devedor e os credores que, na qualidade de titulares das relações jurídicas fundamento dos créditos reconhecidos e dos não reconhecidos (reclamados ou não reclamados), enquadram na definição e assumem a qualidade de parte principal por serem esses os únicos suscetíveis de ser direta e efetivamente afetados pela sentença de verificação (e de graduação) de créditos, com destaque para cada um dos credores porque são estes - e apenas estes - os protagonistas da natureza e vocação concursal do processo de insolvência, com a qual sintonizam os princípios da plenitude da instância insolvencial e do par conditio creditorum característicos do regime insolvencial, particularmente, em sede de verificação de créditos. Ora, no âmbito do concurso ao produto da massa insolvente, nem esta nem o AI surgem como titulares de qualquer relação jurídica incompatível com a relação definida pela sentença de verificação e graduação de créditos, nem o património autónomo em que se consubstancia a massa insolvente é suscetível de ser afetada pela sentença de verificação de créditos. De entre os sujeitos processuais ‘naturais’ do processo de insolvência, para além do devedor (eventualmente), os únicos interessados que são necessária, direta, e negativamente afetados pela sentença que julga verificado e gradua um crédito, são os credores que por este sejam preteridos na graduação de pagamentos (como ocorre suceder com os créditos hipotecários face aos créditos laborais com privilegio imobiliário sobre o bem objeto da hipoteca[16]), ou que com ele concorram ao produto de determinado bem no âmbito da mesma classe de créditos.
A massa insolvente, que nasce com a declaração da insolvência, configura património autónomo de afetação destinado à satisfação do coletivo dos credores da insolvência (cfr. arts. 51º, 172º, nº 1 e 219º do CIRE), abrangendo todo o património do devedor à data da declaração da insolvência e os bens e direitos adquiridos na pendência do processo (cfr. art. 46º, nº 1 do CIRE), e substituindo a pessoa objeto de declaração da insolvência no âmbito das relações jurídicas patrimoniais que sejam suscetíveis de afetar a composição desse património. Como tal, a massa insolvente é sujeito processual de direito e deveres e titular de interesses próprio, sendo que estes coincidem com o interesse do coletivo dos credores, que é o da máxima integração do acervo dos bens e direitos na massa e a otimização do produto dos mesmos em benefício do universo dos credores da insolvência, independentemente de quais venham a ser reconhecidos. O que vale por dizer que os interesses da massa insolvente autonomizam-se e não se circunscrevem ou confundem com o interesse de cada credor individualmente considerado por referência ao concreto crédito que cada um se arroga sobre a insolvência (nem tão pouco com os interesses do devedor) e, no que aqui mais releva, que o conteúdo ou a massa patrimonial que a constituem (os bens e direitos que a integram) não é afetado pela sentença de verificação dos créditos. Efetivamente, da procedência ou improcedência deste recurso não resulta qualquer vantagem ou prejuízo (direto ou sequer indireto) na esfera jurídica patrimonial da massa insolvente, mas apenas na dos titulares dos créditos graduados a par ou depois dos créditos laborais contra o reconhecimento dos quais a massa insolvente se insurge.
Neste particular importa reiterar que a massa insolvente existe no interesse do universo dos credores da insolvência e por isso tem legitimidade para o representar enquanto coletivo, mas já não para representar uma parte dos credores contra outro ou outros credores como tal reconhecidos por sentença na precisa medida em que, sendo estes os únicos titulares dos interesses visados tutelar com a sua impugnação, é sobre eles que recai o ónus de a exercer nos autos. (subl. nosso) Com efeito, e como a jurisprudência tem vindo a realçar, as especificidades processuais[17] do procedimento de verificação e graduação de créditos por apenso a processo de insolvência não precludem, antes coexistem com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, que se aplica ao devedor[18] e a cada um dos credores inscritos nas listas[19], sobre os quis recai não só o ónus de alegação (e se for o caso, a prova) dos factos fundamento do pedido ou da defesa, mas também o ónus de impugnação de pedido e de sentença que lhes sejam desfavoráveis[20], destacando-se no caso a ausência de qualquer reação dos credores à sentença de verificação e graduação de créditos, em particular, do(s) credores imediata e concretamente afetados pela mesma, desde logo, os reconhecidos com hipoteca sobre o(s) imóvel(eis) sobre os quais a sentença reconheceu valores e privilégios creditórios mas que a AI, litigando no presente recurso como representante da massa, pretendia fossem objeto de instrução e/ou de julgamento distinto do operado pela sentença recorrida. Ora, como qualquer outra decisão judicial – ato que assume vestes de comando com eficácia vinculativa na concretização e declaração do efeito jurídico no caso ou situação que dela é objeto de acordo com a lei aplicável -,  a sentença de verificação e de graduação de créditos também julga e decide no confronto com os titulares dos interesses concretamente envolvidos e/ou por ela jurídica e processualmente afetados o que, no incidente de verificação de créditos, serão sempre os credores e, em algumas circunstâncias, o devedor.
Efetivamente, o incidente de verificação e graduação de créditos regulado pelos arts. 128º e ss. do CIRE é um processo de partes no qual o AI ou a massa insolvente por este representada não figura como parte ou, pelo menos, não com a qualidade de interessado direto; ‘apenas’ como colaborador do órgão jurisdicional em ordem à apreciação das listas e das impugnações à mesma deduzidas e, por isso, sem legitimidade para interpor recurso da sentença que sobre estas recaia. Admitir o contrário seria subverter a natureza da massa insolvente, de património de afetação, e a intervenção que nessa qualidade lhe é reconhecida no interesse do universo dos credores, quem quer que seja cada um que o integra, nível (individual) em que já não está em causa o interesse comum do coletivo dos credores mas relações jurídicas perfeitamente individualizadas e os respetivos titulares concretamente identificados, e sem que o resultado do litígio que a tenha por objeto afete a composição da massa e o cumprimento da finalidade a que se destina – a distribuição do seu produto pelos credores reconhecidos por sentença transitada em julgado, quaisquer que eles sejam.
Acresce que uma interpretação dos arts. 46º, nº1 129º, 131º, nº 1, 141º, nº1 e 146º, nº1 que confira à massa insolvente legitimidade para interpor recurso jurisdicional de decisão de verificação e graduação de créditos seria apta a fundamentar a violação do princípio constitucional da igualdade de armas e do direito a um processo equitativo, que deixaria de estar assegurado se um terceiro a cada um dos credores - a massa insolvente - pudesse litigar contra ou a favor de determinado(s) credor(es) em benefício ou em prejuízo de todos os outros ou, mais particularmente, como sucede no caso, em benefício dos credores que, em função da sua posição na lista e do montante do produto da liquidação da massa insolvente, resultariam diretamente afetados com a procedência da posição assumida, defendida e reclamada pela AI (independentemente de se apresentar como tal ou em representação da massa insolvente, que para o efeito é o mesmo), em prejuízo dos credores a que diretamente respeitam os fundamentos do recurso e em benefício dos credores. Na senda dos referidos princípio e direito processuais fundamentais (igualdade de armas e processo equitativo), a admitir-se a legitimidade da massa insolvente para recorrer da decisão de verificação de determinado créditos (que não admitimos), seriamos igualmente forçados a admitir a sua legitimidade para recorrer de decisão de não verificação de determinado(s) crédito(s), intervenção que estamos em crer, ninguém conceberá sem norma legal expressa que a legitime.
Legitimidade que constava expressamente prevista no art.1195º do regime falimentar do Código de Processo Civil de 1939 nos seguintes termos: Da sentença de verificação e graduação só podem apelar os reclamantes, contestantes, falido, administrador da massa e Ministério Público. Norma que foi tal qual transposta para o art. 1236º do Código de Processo Civil de 1961 (aqui sob a epígrafe Legitimidade para recorrer), na vigência do qual foi proferido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.03.1981[21], mas com voto de vencido (de Abel de Campos), defendendo entendimento que aqui perfilhamos: “Vencido, visto o processo de falência ser de liquidação em benefício dos credores, podendo estes, em geral, dispor deles – não obstante, em nome dos interesses públicos, e só destes, existirem as figuras jurídicas do síndico e do administrador – e em nada poder prejudicar a massa falida, que o administrador representa, certo crédito ser graduado de uma forma ou de outra.” Norma que veio a ser posteriormente eliminada pelo legislador do CPEREF (aprovado pelo Dec. Lei nº132/93 de 23.04) que, em sede verificação do passivo, resumiu a intervenção do liquidatário ao dever de apresentar nos autos uma relação de todos os credores reclamantes, à possibilidade de acrescentar relação de créditos não reclamados que se lhe afigurassem existir e notificação dos respetivos titulares para, querendo, os reclamarem (art. 191º), à apresentação de parecer final sobre os créditos reclamados (195º), e à possibilidade de o tribunal determinar a sua audição em sede de audiência (art. 199º, al. b). Note-se que o legislador do CPEREF eliminou a anterior previsão da legitimidade do liquidatário para contestar os créditos reclamados (art. 1185º do CPC de 1939, e art. 1225º do CPC de 1961) e, no âmbito dos pedidos de restituição e separação de bens (apresentados no prazo para reclamação de créditos, nos termos do art. 201, nº 1 - equivalente ao atual 141º -, ou depois de findo esse prazo, nos termos do art. 203º - equivalente ao atual 144º - ou do art. 205º - equivalente ao atual 146º), também o não incluiu no elenco dos sujeitos processuais com legitimidade para os contestar, que atribuiu única e exclusivamente aos credores (cfr. arts. 201º, em conjugação com o 191º, nº 1, e arts. 203º e 205º), em perfeito contraste com os arts. 1196º do CPC de 1939 e 1241º, nº1 do CPC de 1961, que previam a instauração da ação ulterior para verificação de crédito ou do direito à restituição de bens também contra o administrador.
É também por referência a este elemento histórico-sistemático – a previsão legal expressa da legitimidade do administrador judicial para recorrer da sentença de verificação de créditos no regime legal falimentar anterior ao CPEREF, e a sua eliminação pelo CPEREF a par com a simultânea eliminação da legitimidade do liquidatário para contestar qualquer uma das ações, incluindo a de separação de bens; a recuperação, pelo legislador do CIRE, da legitimidade do administrador judicial para responder às impugnações à lista e para contestar a ação ulterior para verificação ulterior de créditos e do direito à separação de bens, mas sem que tenha recuperado a norma que no regime legal anterior ao CPEREF atribuía legitimidade ao administrador judicial para recorrer da sentença de verificação de créditos; e a atribuição ao AI, pelo legislador do CIRE, da qualidade de operador judiciário em colaboração com o órgão jurisdicional do processo de insolvência - que se impõe interpretar a indistinta inclusão da massa falida no elenco dos sujeitos com legitimidade para contestar qualquer uma daquelas ações agora previstas no art. 146º, no sentido de, sem prejuízo dos efeitos processuais gerais que decorrem da contestação que a massa insolvente apresente em qualquer uma delas (cfr. art. 574º do CPC ex vi art. 148º do CIRE), restringir a legitimidade para recorrer das sentenças que nelas venham a ser proferidas apenas às que julgam total ou parcialmente procedentes os pedidos de separação e restituição de bens da massa insolvente, por apenas nestas a massa insolvente assumir a qualidade de parte no verdadeiro sentido jurídico-processual do termo, e apresentar-se como titular do objeto em discussão e, assim, do interesse direta e imediatamente por ela afetado/prejudicado.
Com o que se reitera e conclui que, por referência aos pressupostos da legitimidade recursiva previstos no art. 631º – qualidade de parte principal (critério formal), e prejuízo direto e efetivo causado pela decisão na esfera jurídica do recorrente (critério material) –, nem o AI nem a massa insolvente por este representada são titulares das relações jurídicas fontes dos direitos de créditos reconhecidos ou não reconhecidos, e que a natureza funcional da intervenção processual que a lei atribui ao AI no âmbito do incidente de verificação e graduação de créditos e a definição e interesse jurídico que objetivamente caracterizam a natureza e atuação da massa insolvente não enquadram no conceito e qualidade de parte ou sujeito processual interessado no resultado do incidente de verificação de créditos e que por este possa ficar vencido/prejudicado, falecendo por isso legitimidade ao AI ou à massa insolvente por ele representada para recorrer da sentença de verificação e graduação de créditos.
Em conformidade, e retomando a conclusão supra, decide-se pelo não conhecimento do recurso por falta de legitimidade da recorrente para o mesmo.”
ii) A estes fundamentos a recorrente, ora reclamante, opõe que:
- a massa insolvente decaiu na sentença de verificação de créditos porque o que está em causa é o exercício de um direito exercido pelo administrador da insolvência - a tempestividade da resposta à impugnação à lista que apresentou nos autos depois de ter sido notificada para o efeito por despacho de 19.05.2014, transitado em julgado;
- a sentença recorrida viola o caso julgado deste despacho;
- a legitimidade reconhecida ao AI pelo art. 131º, nº1 do CIRE para apresentar resposta à impugnação à lista de credores impõe que lhe seja reconhecida legitimidade para apresentação de recurso quando está em causa a tempestividade da resposta por si apresentada à impugnação da lista de créditos;
- ao desconsiderar esta resposta a sentença está a prejudicar a massa insolvente representada pelo AI e a pôr em causa a atuação deste;
- impedir o AI de recorrer é limitar os seus poderes e esta limitação é violadora da Constituição da República Portuguesa, dos poderes do AI que enquanto servidor da justiça não pode permitir que coloquem em causa a sua atuação, e do direito de defender a sua atuação perante os tribunais superiores.
iii) Apreciando, adianta-se desde já a adesão do coletivo aos fundamentos e sentido da decisão singular, com os quais se concorda e que não são postos em causa nem enfraquecidos pelos fundamentos que a recorrente lhes opõe posto que sobre eles não incidem. Desde logo, o âmbito do conceito de interessado juridicamente relevante para aferição da legitimidade recursiva analisado pela decisão singular e que, para obviar à reprodução do que nela consta, se sintetiza nos termos analisados por acórdão do STJ que cita: “Todos estão de acordo que por parte vencida deve entender-se aquela a quem a decisão causa prejuízo, a aferir por um critério prático, em regra de natureza económica, e não puramente teórico, sendo que o que releva é «o benefício que a decisão assegura à parte e não a razão por que lho assegura», vale dizer, os fundamentos por que o faz.//«Parte vencida e parte prejudicada são, assim, conceitos equivalentes.»
Com efeito, e agora por referência à concreta argumentação exposta na reclamação, dúvida não há que, tal como a recorrente indicou e identificou no requerimento de recurso, o objeto do recurso é a sentença de verificação e graduação de créditos, sendo que o objeto desta é a apreciação, reconhecimento e qualificação de créditos sobre a insolvência, com o qual não se confunde um qualquer dever ou faculdade processual legalmente reconhecidos ao AI. Mais especificamente, o objeto do recurso interposto pela AI em representação da massa insolvente é a decisão de reconhecimento dos créditos laborais conforme às impugnações por estes deduzidas à lista de créditos e que, por via do recurso, a recorrente pretende venham a ser reconhecidos em termos distintos. Decisão e pretensão relativamente às quais é instrumental a questão da tempestividade da resposta que apresentou à impugnação nos termos do art. 131º, nº 3 do CPC, que constitui fundamento do recurso mas que não altera a matéria objeto do processo, do recurso e da pretensão nele expressamente identificados pela recorrente – a sentença de verificação e graduação de créditos.
Ora, conforme foi amplamente justificado na decisão singular e que aqui se reproduz, a recorrente – massa insolvente e/ou AI - não é parte no incidente de verificação de créditos e, por referência ao objeto desta sentença, não é titular de interesse objetiva e juridicamente atendível que lhe confira legitimidade para impugnar o resultado decisório por ela alcançado. Conforme ali consta, “no âmbito do concurso ao produto da massa insolvente, nem esta nem o AI surgem como titulares de qualquer relação jurídica incompatível com a relação definida pela sentença de verificação e graduação de créditos, nem o património autónomo em que se consubstancia a massa insolvente é suscetível de ser afetada pela sentença de verificação de créditos.” Não sendo o AI nem a massa insolvente titular do interesse afetado pela decisão, o AI, enquanto colaborador ao serviço da justiça aquele deve e (só) tem legitimidade para cumprir e exercer as faculdades processuais que a lei lhe impõe e reconhece no âmbito do processo de verificação e graduação de créditos, no que não se inclui o direito de recorrer da sentença neste proferida por não reunir os requisitos legais de que depende. Limitação que não contende com um qualquer princípio ou direito constitucionalmente consagrado – que a recorrente também não identifica -, mais não seja, porque não está e causa a defesa de interesses próprios objetivos e juridicamente atendíveis do AI. No tocante à massa insolvente, por ele representada mas que com ele não se confunde, apenas num caso em que esteja devidamente identificado o prejuízo para esta enquanto património de afetação – o que claramente não sucede no caso concreto – se poderá hipotizar a respetiva legitimidade recursiva.
Desde logo porque não se vislumbra que da questão da tempestividade ou intempestividade da apresentação da resposta que o AI apresentou à impugnação à lista de credores possa resultar um direito ou interesse objetivamente relevante na defesa da sua atuação como AI – e como representante do coletivo dos credores e da massa insolvente nos termos e alcance expostos na decisão singular, para a qual se remete - na medida em que não se vislumbra sequer que a total omissão desse ato seja apta a pô-la em causa e, muito menos, a responsabilizar aquele pelos efeitos processuais dessa omissão quando se constata que a mesma foi omitida pelos que teriam inequívoco e direto interesse em responder às impugnações - os credores titulares dos créditos suscetíveis de ser afetados pela impugnação – e que, tendo o direito como parte e como interessados para a responder à impugnação, não o fizeram. Mas ainda que assim não fosse, o incidente de verificação e graduação de créditos não tem por objeto a apreciação da atuação do AI e, muito menos, qualquer responsabilização pela mesma, o que bastaria para arredar a pertinência jurídico-processual do direito de defesa da sua atuação como fundamento para o reconhecimento da legitimidade para recorrer a que aqui se arroga.
Acresce referir que do facto de o AI não ter legitimidade para recorrer da sentença de verificação de créditos não resulta a ausência de reconhecimento do valor ou efeito processual que a lei reconhece à reposta que por ele tenha sido deduzida à impugnação à lista (nos termos a contrario previstos na parte final do nº 3 do art. 131º do CIRE). Com efeito, uma vez apresentada e aceite a resposta apresentada pelo AI não subsistirão condições legais para que a impugnação seja julgada procedente nos termos daquela norma na medida em que passa a impor que os autos prossigam para instrução dos factos que por ela sejam impugnados e/ou que recaia apreciação sobre os fundamentos de direito opostos à impugnação[22] e, assim sendo, qualquer credor (mesmo que não tenha apresentado impugnação) poderá recorrer da sentença que julgue a procedência da impugnação em termos não consentidos pelo art. 131º, nº 3 se dela resultar prejuízo para a posição e oportuna satisfação do crédito que lhe foi reconhecido pelas disponibilidades da massa; ou seja, se for titular de interesse objetivo juridicamente atendível que resulte afetado pelo julgamento da procedência da impugnação.
Finalmente, a questão e o resultado da apreciação da legitimidade recursiva da massa insolvente para recorrer da sentença de verificação de créditos não são prejudicados por eventual violação do caso julgado formal por ela acobertada e que vem invocado como fundamento do recurso, questão que, além do mais, só poderia ser objeto de apreciação em sede de recurso se este fosse admissível, o que não é o caso.

III - Decisão:
 Em conformidade com o exposto, acordam as juízas que integram a 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a reclamação apresentada pela recorrente improcedente, com consequente manutenção da decisão singular dela objeto.

IV – Das custas
Atendendo a que a apreciação sobre a admissibilidade e rejeição do recurso é em primeira linha da competência do relator dos autos (cfr. arts. 652º, nº1, al. b) e 655º do CPC), a reclamação para a conferência nos termos do art. 652º nº 3 do CPC é objeto de tributação autónoma do recurso.
Em conformidade, custas da reclamação a cargo da recorrente-reclamante (cfr. art. 527º nº 2 do CPC).

Lisboa, 16.09.2025
Amélia Sofia Rebelo
Susana Santos Silva
Fátima Reis Silva
                       
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[1] Sobre este pedido recaiu a seguinte fundamentação: “(…) a controvérsia sobre o âmbito do privilégio especial dos trabalhadores, previsto no art. 333.º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho ser restrito ao concreto imóvel onde exerciam atividade ou aos vários imóveis apreendidos que sejam integrantes da estrutura organizativa da empresa é questão hoje pacífica na jurisprudência, sendo entendido que o privilégio imobiliário incide sobre todo o imóvel integrante da estrutura organizativa da empresa, excluindo-se os imóveis em que seja alegado e provado que foram adquiridos com o específico propósito de arrendamento ou comercialização. Veja-se a este propósito o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/16, de 23/2/16 (publicado no DR I-Série A de 15/4/16).//Assim, é indiferente o concreto imóvel onde cada trabalhador exercia a atividade e se o trabalhador tiver vários empregadores (v.g. em caso de empregador plural, empresas em relação de grupo ou outra, ou trabalho a tempo parcial), o trabalhador poderá reclamar os seus créditos em diferentes processos de insolvência e ver o seu crédito reconhecido como garantido, com privilégio especial sobre os imóveis integrantes da estrutura produtiva de cada empregador.
[2] Recursos em Processo Civil, 6ª ed., pp. 10f3 e 106.
[3] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Sousa, CPC Anotado – GPS, Vol. I, 2ª ed., p. 783.
[4] Acórdão o STJ de 28.03.2019.
[5] Prossegue o ilustre professor ali citado que “A resposta vem naturalmente: é a parte prejudicada pela decisão. Nesse sentido se deve entender, portanto, o segundo requisito exigido pelo art.º 680º. Parte vencida e parte prejudicada são conceitos equivalentes.” (Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. I, anotação ao art. 680º do CPC promulgado pelo Decreto-Lei n.º 29637, de 28 de maio de 1939).
[6] Corresponde ao atual art. 631º,nº 2 do CPC.
[7] No mesmo sentido, acórdão do STJ de 15.02.2018, ambos disponíveis na página da dgsi.
[8] Cfr. prevê o art. 2º, nº 1 do EAJ, é a pessoa incumbida da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência.
[9] Em substituição da junção aos autos dos requerimentos de reclamação de créditos que ao AI tenham sido endereçados pelos credores nos termos do art. 128º do CIRE; procedimento que, a par com o regime de prazos legais sucessivos e a prolação de sentença homologatória em caso de ausência de impugnações ou de ausência de resposta às impugnações, conduz a óbvia simplificação processual.
[10] Mas sem prejuízo do dever de prestar os esclarecimentos que lhe sejam solicitados pelo juiz.
[11] Sujeito passivo de uma relação processual que, no lado oposto, se caracteriza por uma pluralidade de sujeitos titulares de direitos conflituantes ou em concurso entre si, o que, por sua vez, dá origem a novas e distintas relações processuais manifestadas na legitimidade que cada um dos credores tem para impugnar os créditos dos demais.
[12] Nos termos do qual:
1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
[13] Acórdão de 26.04.2022 desta secção, relatado por Fátima Reis Silva e subscrito pela relatora como adjunta no processo nº1079/08.2TYLSB-X.L1, desconhecendo-se que tenha sido objeto de publicação.
[14] J. de Castro Mendes e M. Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, AAFDL, Vol. I, p. 19.
[15] Sob a epígrafe Aplicabilidade das disposições relativas à reclamação e verificação de créditos, estabelece que:
1 - As disposições relativas à reclamação e verificação de créditos são igualmente aplicáveis:
a) À reclamação e verificação do direito de restituição, a seus donos, dos bens apreendidos para a massa insolvente, mas de que o insolvente fosse mero possuidor em nome alheio;
b) À reclamação e verificação do direito que tenha o cônjuge a separar da massa insolvente os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns;
c) À reclamação destinada a separar da massa os bens de terceiro indevidamente apreendidos e quaisquer outros bens, dos quais o insolvente não tenha a plena e exclusiva propriedade, ou sejam estranhos à insolvência ou insusceptíveis de apreensão para a massa.
[16] Como sucede in casu posto que da consulta do apenso de prestação de contas da liquidação (já prestadas pela AI em 15.02.2021 mas a esta data ainda não julgada) resulta que o produto da liquidação ascende a €624.000,00 e as despesas relacionadas a cerca de €78.350,00, sendo que a soma dos créditos laborais reconhecidos na lista com o demais reclamado e reconhecido pela sentença recorrida ao recorrido P1 ascende a cerca de €600.000,00, para concluir que no caso os únicos credores afetados pela sentença objeto do recurso interposto pela massa insolvente são os reconhecidos como titulares de créditos hipotecários sobre os imóveis apreendidos mas que, não obstante, se conformaram com o resultado definido pela sentença de verificação e graduação de créditos pois dela não recorreram, o que constitui exemplo paradigmático do que acima se expôs por não se vislumbrar justificação - legal, funcional ou estatutária - para que, por referência ao coletivo dos credores identificado nos autos, a massa insolvente tutele os interesses individuais e disponíveis de uns contra os interesses individuais e disponíveis de outros, e à custa dos recursos da massa insolvente, sobre a qual recai o pagamento devido pela constituição obrigatória de advogado em sede de recurso (cfr. art. 40º, nº 1, al. c) do CPC) e, se for o caso, as custas da apelação se nela decair.
[17] Designadamente: a instauração do incidente com a já referida apresentação, não dos requerimentos de reclamação de créditos, mas de uma lista que os substitui; a possibilidade de o AI inscrever nas listas créditos não reclamados; o regime e ónus consultivo que recai sobre os sujeitos processuais (cfr. arts. 25º, nº 2 e 134º do CIRE), ao qual se associa o regime legal dos prazos sucessivos (sem hiatos entre o termo de um e o início do seguinte) e a regra da dispensa de notificações, que comporta apenas as exceções legalmente previstas (arts. 129º, nº 4 e 131º, nº 3).
[18] Que no âmbito do próprio processo de insolvência não é representado pelo AI (cfr. art. 81º, nº 4 do CIRE).
[19] A limitação do exercício e reconhecimento dos direitos dos credores ao processo de insolvência imposta pelo art. 90º do CIRE, incluindo os que tenham o seu crédito reconhecido por decisão anterior, visa precisamente garantir a cada um dos credores o poder de interferir na sindicância e na verificação de cada um dos demais créditos que consigo concorrem ao produto do património do devedor/da massa insolvente.
[20] No pressuposto, intrínseco ao procedimento concursal, de a medida de pagamento que a cada credor cabe pelo produto da massa insolvente depender da medida e da preferência de pagamento reconhecida a cada um dos demais credores, pelo que o crédito de um credor afeta inelutavelmente o interesse que os demais credores exercem e pretendem satisfazer no processo de insolvência, relação e inerente interesse/prejuízo que se inscreve na esfera jurídica de cada um dos credores, individualmente considerados, e não na esfera jurídica da massa insolvente, cujo conteúdo e finalidade - património de afetação ao pagamento das dívidas reconhecidas sobre a insolvência - permanecem inalterados independentemente dos termos/proporções em que seja determinada a sua distribuição pelos credores.
[21] Revista nº069046 (nº convencional JSTJ00008477, in BMJ nº305, Ano 1981, p. 320-322.
[22] Apreciação que a sentença fez quanto ao privilégio creditório imobiliário que os credores laborais reclamaram pelas impugnações que apresentaram à lista, e âmbito do mesmo.