Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | EDUARDO AZEVEDO | ||
Descritores: | PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS PERSONALIDADE JUDICIÁRIA ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/10/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | SUMÁRIO (do relator)
Julgando-se não ter a ré personalidade judiciária e não sendo possível a respectiva sanação, a par da absolvição da instância da mesma deve ser ordenado o desentranhamento da contestação que deduziu. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO A em 22.05.2013, deduziu injunção contra B pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 300.000,00€, acrescida de juros de mora no montante de 87.604,11€, em virtude de fornecimento de bens e prestação de serviços, no exercício da sua actividade, não pagos. A reqª contestou, em síntese, além do mais, invocando falta de personalidade jurídica e capacidade judiciária, na medida em que cumprido o seu objecto social e não ter qualquer activo nem passivo se encontrava dissolvida e encerrada a sua liquidação desde 10.02.2012, com a matrícula cancelada desde então; e, a acção foi interposta mais de um ano depois de estar extinta, contrariando o disposto no artº 162º, nº 1 do CSC; por tudo isto, devendo ser absolvida da instância, nos termos dos artºs 576º, nº 2 e 577º, alª c) do CPC. Termina reconvindo. A reqe respondeu, em súmula, no que interessa por ora alegando que “fiscalmente”, a reqª jamais esteve encerrada e liquidada na data por si declarada. Por despacho de 07.01.2014, dispensando-se audiência prévia, foi proferido este despacho: “(…) III. – Dispensa da audiência prévia: Como resulta dos autos, as excepções deduzidas já se mostram debatidas entre as partes, sendo que, a realização da audiência prévia apenas teria por efeito a prolação de despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (imediatamente aplicável, nesta fase processual, atento o disposto no artigo 5.º, n.º 1, da referida Lei). Assim, dispenso a realização de audiência prévia. * * * IV. - Despacho saneador: Tendo sido dispensada a audiência prévia e devendo os autos prosseguir, deve ser proferido o devido despacho a que alude o n.º 1 do artigo 595.º do CPC. Cumpre, pois, proferir o seguinte: * DESPACHO SANEADOR * * * A) Saneamento: * O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia. * O processo não apresenta nulidades que o invalidem totalmente. * * * 1) Da excepção de falta de personalidade/capacidade judiciária da ré: Alegou a ré, nomeadamente, que se encontra dissolvida e encerrada e sua liquidação desde 10/02/2012, encontrando-se desde essa data cancelada a sua matrícula, sendo que, o procedimento de dissolução e liquidação se fundou no facto de ter cumprido o seu objecto social, não tendo qualquer activo nem passivo, pelo que, a mesma carece de personalidade jurídica e de capacidade judiciária, devendo ser absolvida da instância. A autora replicou dizendo que a ré não foi liquidada (cfr. artigo 11.º da réplica), concluindo pela condenação da ré no valor peticionado. Cumpre apreciar e decidir: Conforme resulta dos autos – cfr. fls. 2 – a presente acção deu entrada em juízo em 22 de Maio de 2013. Aquando da citação da ré foi obtida nos autos certidão permanente do registo comercial da ré – cfr. fls. 6 e ss. – de onde consta registado – cfr. Ap. 52/20120210 – registo de inscrição de «DISSOLUÇÃO E ENCERRAMENTO DA LIQUIDAÇÃO» (cfr. fls. 8) e, na mesma data, de «CANCELAMENTO DA MATRÍCULA» (cf. Ap. N.º 52/20120210). Ora, com o registo do encerramento da liquidação, terminou o processo de liquidação da sociedade, considerando-se extinta a referida sociedade (cfr. Artigo 160.º do Código das Sociedades Comerciais). É certo que, relativamente às acções (declarativas ou executivas) pendentes em que é parte a sociedade extinta, as mesmas «continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164º, n.ºs 2 e 5», sendo que, a instância não se suspende, nem é necessário promover o incidente de habilitação (assim, o artigo 162º do Código das Sociedades Comerciais). Sucede que, como resulta patente do supra referenciado, a presente acção não se encontrava pendente na data em que se operou o encerramento da liquidação da ré. Assim, não pode ter operatividade o mecanismo processual de substituição da extinta sociedade, supra aludido, dado que este pressuporia, como é óbvio, a existente actuação daquela ou a pendência processual dos autos na data de extinção da respectiva pessoa jurídica. De facto, como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27/03/2008 (disponível em http://www.dgsi.pt, proferido no processo n.º 0831264, relatado por FERNANDO BAPTISTA): «I – A dissolução da sociedade é a modificação da relação jurídica constituída pelo contrato de sociedade consistente em ela entrar na fase da liquidação do respectivo património, dando-se a cessação gradativa da sua existência, tratando-se, assim, de uma modificação e não da sua extinção, já que, não obstante a sua dissolução, a sociedade conserva a sua personalidade jurídica até ao registo do encerramento da liquidação, continuando, durante a fase da liquidação, temporariamente, a exercer a actividade social, passando, porém, os administradores a ser os liquidatários. II – Só concluída a liquidação e feito o registo de encerramento desta, cessa a personalidade jurídica da sociedade, só então se podendo considerar extinta, não podendo, então, a sociedade regressar à actividade. III – Não tendo personalidade jurídica, a sociedade não tem personalidade judiciária (“ut” art. 5º do CPC), não sendo tal falta passível de sanação, maxime ao abrigo do disposto no art. 8º do CPC». A falta de personalidade judiciária da ré obsta, pois, à continuação da lide, sendo que, importa a absolvição da instância da ré – cfr. artigos 11.º, 576.º, n.º 2 e 577.º, al. c) do CPC. A procedência desta excepção determina, igualmente, que a pretensão reconvencional fique prejudicada na sua apreciação, a qual suporia, como é óbvio, a aludida (e inexistente) personalidade e capacidade da ré (sendo que a esta consideração não obsta o carácter limitado da previsão contida no actual artigo 266.º, n.º 6 do CPC, correspondente ao anterior artigo 274.º, n.º 6 (CPC anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho). De facto, o aludido n.º 6 «prevê tão só, como causa de exclusão da apreciação do pedido reconvencional, a dependência entre este e o pedido do autor; mas também no caso de procedência de excepção com ele incompatível, por natureza ou por vontade do réu, está excluída a apreciação do pedido reconvencional» (cfr. Lebre de Freitas et al; Código de Processo Civil, anotado, vol. 1.º, Coimbra Editora, p. 491). Ora, a verificação de falta de personalidade da ré determina a impossibilidade da lide relativamente à reconvenção deduzida. Sobre a autora, que ficou vencida nos presentes autos, incumbirá a responsabilidade tributária inerente – cfr. artigos 527.º e 536.º, n.º 3 do CPC – não resultando dos autos que a impossibilidade da lide seja imputável a conduta da ré. Nestes termos, de acordo com o exposto e de harmonia com os preceitos legais supra citados: a) Absolvo a ré da instância, em virtude da verificação da falta da sua personalidade judiciária; e b) Julgo extinta a instância reconvencional por impossibilidade da sua apreciação. (…)” A reqe recorreu, recurso admitido a ser processado como apelação, a subir imediatamente, nos autos e com efeito meramente devolutivo. Das respectivas alegações a apelante extraiu as seguintes conclusões: 1) Se a Ré inexiste juridicamente, não poderia ter apresentado em Juízo, qualquer articulado, no caso uma Contestação. 2) Desde logo, não tem capacidade para constituir Mandatário, 3) Porque não tem forma de lavrar uma Procuração. 4) Logo a contestação apresentada deveria ter sido rejeitada. 5) Resulta igualmente dos Autos, que o encerramento da sociedade Ré, resulta das declarações do seu Legal Representante em acta lavrada. 6) No entanto, as mesmas, não correspondem à verdade. 7) Conforme aliás resulta da diversa documentação junta aos Autos. 8) Deveria pois o douto tribunal ter ordenado o prosseguimento dos Autos, com a consequente rejeição da contestação apresentada. 9) Por tudo o que fica exposto, resulta pois que, a douta Sentença decidiu mal, violando assim, entre outros o disposto no artº 15º, 590º, 595º do Cód. Proc. Civil. Termina pretendendo o provimento do recurso com a revogação da decisão recorrida em conformidade as alegações. A reqª respondeu, concluindo do seguinte modo: 1. A rejeição da apresentação da Contestação põe em causa princípios fundamentais, tais como o do acesso ao direito, tutela jurisdicional efectiva e o do contraditório, constitucionalmente previstos (artigo 20.º da CRP) e, também, na Lei Processual Civil (artigos 2.º e 3.º do CPC). 2. O prosseguimento dos autos só poderá ocorrer considerando a Contestação da ré e como decidiu o tribunal a quo a falta de personalidade judiciária da ré obsta à continuação da lide e importa a absolvição da instância da ré (cf. artigos 11.º, 576.º, n.º 2 e 577.º, al. c) do CPC.). 3. A representação em juízo é feita obrigatoriamente por advogado com poderes de representação para o efeito, conforme disposto no artigo 40.º, n.º 1, alínea a) do CPC. O juiz oficiosamente ordenaria a sua constituição caso a ré não tivesse constituído mandatário (cf. artigo 41.º do CPC) 4. A conformação das Partes (autor e réu) é feita pelo Autor, pelo que, foi a Recorrente que decidiu aquando da interposição da presente ação que a Recorrida é que seria a ré da acção. 5. A Recorrida utilizou uma das formas de possíveis de extinção das sociedades comerciais que não detenham activo nem passivo, ou seja, a dissolução e a liquidação da Sociedade (ré) feitas em simultâneo, com o consequente cancelamento da matrícula junto da Conservatória do Registo Comercial. 6. Concluída a liquidação e feito o registo de encerramento, cessa a personalidade jurídica da sociedade, só então se podendo considerar extinta, nos termos e para os efeitos do artigo 160.º do Código das Sociedades Comerciais. Termina pretendendo a confirmação da decisão impugnada. Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir, sabendo-se que os recursos são meios de impugnação de decisões com vista ao reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida e o tribunal de recurso não deve conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. Para além disso, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões do recorrente, só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo tratando-se de questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente (artºs 608º, nº 2, ex vi artº 663º, nº 2, 635º, nºs 3 e 4 e 639º do CPC). Averiguar-se-á sobre a verificação da citada excepção (personalidade judiciária). Fundamentação A matéria de facto a considerar será aquela que objectivamente resulta do relatório. Posto isto. Em princípio, a questão da personalidade judiciária e se for caso disso as demais matérias que as partes trazem à colação serão analisadas sob o prisma do regime adjectivo em vigor na ocasião da propositura da lide (artº 5º, nºs 1 a 3 da Lei nº 41/2013, de 26.06). A recorrente pretende a revogação do despacho sob censura e, simultaneamente, a rejeição da contestação. Assim, partindo do pressuposto de que a recorrida inexiste juridicamente, formalmente sanciona o despacho no que concerne à absolvição da instância da recorrida. No entanto, pretende que a lide prossiga os seus termos referindo que o encerramento da mesma se deve a declarações do “seu legal representante em acta lavrada” que não correspondem à verdade. Ou seja, questiona a dissolução dessa pessoa colectiva, o que, de certo modo, está na mesma linha de raciocínio exposto na resposta, depois da recorrida, na contestação, ter excepcionado a própria falta de personalidade jurídica e capacidade judiciária por dissolução e encerramento sendo averbados ao registo. Ora, estes objectivos são inconciliáveis. Isso igualmente aconteceu com o exercício da oposição, contestando e juntando-se mandato judicial quem, simultaneamente, faz assentar a defesa na própria falta de personalidade judiciária e capacidade judiciária. Acontece ainda, ressalvando o predito sobre a acta, a recorrente propriamente não questiona os fundamentos nos planos quer material quer jurídico do despacho pelos quais nele se concluiu por essa falta de personalidade judiciária e a absolvição da instância da recorrida. Recorde-se que os mesmos filiaram-se no disposto nos artºs 160º, 163º, nºs 2, 4 e 5 e 164º, nºs 2 e 5 do CSC, devendo-se considerar extinta a recorrida. A recorrente na acção sequer deduz pretensão contra a eventual invalidade da deliberação social que deu azo à dissolução e encerramento da recorrida, bem como contra o registo através do qual se encontram publicitados (artºs 3º, nº 1 alª t), 9º, alªs e) f) e h), 22º, nºs 1, alª a) e 3, 79º-A e 82º do CRComercial). Nestes termos, não se pode deixar de concordar com o despacho impugnado, ademais que também a falta de personalidade judiciária é excepção dilatória de conhecimento oficioso, pelo que o tribunal a quo sempre dela devia conhecer, daí retirando as devidas consequências, como aconteceu em boa medida (artº 5º, 8º, 288º, 493º, 494º alª c), 495º do CPC). Porém, nesse despacho não se retiraram todas as consequências desta conclusão, designadamente quanto à sorte do articulado denominado como contestação. Ora, como consequência necessária e em conformidade, oficiosamente, deveria ter sido decidido que após trânsito do despacho a contestação fosse desentranhada e entregue. Por seu turno, uma vez que esta é uma solução mais abrangente e prévia a qualquer outra relativamente à sorte do pedido reconvencional, sempre ficaria prejudicada qualquer decisão que se afigurasse útil sobre este. Nestes termos, cumpre agora também ordenar esse desentranhamento, sendo certo que fica prejudicado qualquer outra determinação sobre a procuração junta com a contestação. Pelo sobredito a decisão recorrida deve manter-se parcialmente intangível, e se bem que o recurso seja nesses termos procedente, como de qualquer forma foi a recorrente que deu causa à lide e não obteve dela qualquer vencimento as custas serão suportadas por si. Sumário (artº 663º, nº 7 do CPC, da única responsabilidade do relator) Julgando-se não ter a ré personalidade judiciária e não sendo possível a respectiva sanação, a par da absolvição da instância da mesma deve ser ordenado o desentranhamento da contestação que deduziu. Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgando parcialmente procedente o recurso, manter a decisão impugnada na parte em que se absolveu a recorrida da instância, em virtude da verificação da falta da sua personalidade judiciária, e ordenar-se o desentranhamento e entrega da contestação após trânsito em julgado deste acórdão, revogando-se tal decisão no mais que se mostrar contrário ao ora decidido. Custas pela recorrente. *****
Lisboa, 10.07.2014 Eduardo José Oliveira Azevedo Olindo Santos Geraldes Lucia Sousa |