Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA DO CARMO FERREIRA | ||
Descritores: | CONVENÇÃO DE AUXÍLIO JUDICIÁRIO EM MATÉRIA PENAL ESTADOS MEMBROS DA CPLP CARTA ROGATÓRIA PEDIDO DE COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL LIMITES E EXECUÇÃO DO PEDIDO DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/25/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | 1- Tendo o pedido de cooperação sido executado, em conformidade com a legislação nacional, este tem de ser cumprido sem que as autoridades do Estado requerido- Portuguesas, façam qualquer valoração sobre a lei do Estado requerente, ou sobre a aplicação das diligências solicitadas no âmbito do processo onde se fundou o pedido de cooperação; II-Embora se refira no Relatório da P.J. a verificação de elementos relacionados com outro ilícito de crime de branqueamento, praticado por outros agentes em Portugal e, eventualmente com ligações ao processo brasileiro que originou a carta rogatória, tal não concede competência às autoridades Portuguesas para ampliar o pedido de cooperação em execução da carta rogatória; III-Ou seja na execução do pedido pelas autoridades portuguesas, o mesmo foi ampliado no seu objecto e alargado a pessoa diversa da inicial a quem se dirigia a diligência. E, foi nessa execução do pedido e à luz do nosso Código de Processo Penal (diploma aplicável ao caso), que se verifica a prática de actos não permitidos no âmbito da carta rogatória proveniente das autoridades brasileiras no âmbito da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa; IV-A consequência de tal excesso conduz ao facto inquestionável de ter sido praticada uma nulidade insanável, prevista nas alíneas d) e e) do artigo 119 do C.P.P. que fulmina o despacho recorrido e concomitantemente faz proceder o recurso interposto que visava exactamente o cometimento de tal excesso que estava omisso na Carta Rogatória vindo da República Federativa do Brasil. | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa. I-RELATÓRIO. No processo supra identificado do Tribunal Central de Instrução Criminal, Secção Única, foi interposto recurso de despacho judicial, proferido no âmbito daquele processo, originado por carta rogatória proveniente do Brasil, e, ao abrigo das disposições legais da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinada na Cidade da Praia em 23 de Novembro de 2005- Resolução da A.R. nº. 46/2008 de 12 de Setembro. O Despacho recorrido. (transcreve-se) Fls. 1318 a 1343 - Tomei conhecimento do estado dos presentes autos de carta rogatória e, bem assim, da douta promoção que antecede. No tocante aos pedidos de consulta dos autos, tomei conhecimento da não oposição por parte do M.° P.°, posição com a qual se concorda. Sem embargo, uma vez que o titular da acção penal não se opõe à consulta dos autos, poderá e deverá disponibilizar essa consulta, na secretaria do DCIAP, onde os autos pendem, não se afigurando necessária a intervenção do JIC, neste tocante. Notifique o M.° P.°. *** No tocante ao pedido de interrogatório formulado por AA, concordamos, na íntegra, a posição manifestada pelo detentor da acção penal, na douta promoção em apreciação, que aqui se dá por reproduzida. Assim, subscrevendo o entendimento sancionado pelo titular da acção penal de que, a circunstância de se ter concedido o estatuto de arguido a AA, não implica o seu interrogatório nesta sede, nem a apreciação de indícios e meios de prova que só ao processo brasileiro dizem respeito e que não são sindicáveis nesta sede, indefere-se o requerido interrogatório. Notifique. *** Da medida de congelamento de activos financeiros Como bem refere o detentor da acção penal, encontra-se vigente nos presentes autos, medida de suspensão temporária de execução de operações financeiras desde 27/04/2020, prorrogada até ao dia 27/10/2020 por despacho judicial proferido a fls.1098. No âmbito dessa medida, além de contas bancárias do SANTANDER e da CGD, cuja informação em relação ao valor dos ativos ainda não foi remetida aos autos, encontram-se bloqueados os seguintes valores: - Conta à ordem ……………….. do Millennium BCP (BB- €13.093,50; - Conta à ordem ……………….. do Millennium BCP (AA) -€8.016,02; - Depósito a prazo n.° ……………….do Millennium BCP (AA) - €70.000,00; - Conta à ordem n.° …………… do Novo Banco (AA) - €14.741,83; - Conta à ordem n.° …………… do Novo Banco (BB) - €38.671,31 (este valor encontra-se parcialmente apreendido à ordem do processo com o NUIPC 10594/17.6T9LSB); - Depósito poupança n.° …………. do Novo Banco BB) - €41.288,64 (este valor encontra-se parcialmente apreendido à ordem do processo com o NUIPC 10594/17.6T9LSB); - Depósito à ordem n.° ……………… do Novo Banco (CC-AA- €3.117,11; - Depósito poupança n.° ………….. do NOVO BANCO (CC-AA) - €115.124, 54; - Conta …………………. do ABANCA (BB) - €6.804,57; - Conta ……………. do ABANCA (BB) - €5.413,08; - Cartão de crédito associado ao IBAN ………………… (ABANCA) com valor utilizado de €435,02 pendente de debitar em conta (BB); - Conta ……………….. do ABANCA (AA) - €11,92; - Conta …………………. do ABANCA (AA) - €28.087,74; - Conta ……………………… do ABANCA (AA) -€135.000,00; - Cartão de crédito associado ao IBAN ……………….. (ABANCA) com valor utilizado de €1.919,14 pendente de debitar em conta (AA); - Contrato de Fundo de Investimento n.° …………… (ABANCA) com o IS1N ………………., total das UP 147.443,427, valor total de valorização emb15.06.2020 de €1.430.201,24 com um penhor associado (AA) - Contrato de Fundo de Investimento n.° ………….. (ABANCA) com o ISIN ……………, total das UP 150.960,512, valor total de valorização em 15.06.2020 de €1.414.500,24 com um penhor associado (AA); - Contrato de Fundo de Investimento n.° …………….ABANCA) com o ISIN …………….., total das UP 31.725,888, valor total de valorização em 15.06.2020 de €253.088,83 (AA); - Contrato de Fundo de Investimento n.° ……………… (ABANCA) com o IS1N …………………, total das UP 2.751,183, valor total de valorização em 15.06.2020 de €241.636,40 (AA); - Conta …………………..do ABANCA (LCFA) - €71.880,99; - Conta …………………do ABANCA (LCFA) - €1.207,92; - Conta PT50017008060304000447676 do ABANCA (DD) - €25.646,25. O detentor da acção penal, veio promover a substituição da supra referida medida de suspensão, pelo congelamento do saldo das referidas contas bancárias, nos termos e com os fundamentos constantes da douta promoção antecedente a fls. 1324 a 1340, que aqui se dá por integralmente reproduzida, por mera economia processual. Compulsados os autos e, atenta a douta promoção antecedente, entendemos que continuam a manterem-se válidos e actuais todos os pressupostos de facto e de direito que fundamentaram a determinação da medida vigente, inexistindo, até ao momento, quaisquer elementos nos autos que permitam infirmar, com segurança, as suspeitas iniciais. Como já antes referido, a medida aqui em referência configura natureza cautelar, cuja imposição resulta, aliás, das próprias Directivas da EU, relativas à prevenção do branqueamento de capitais (actuais Directivas 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e Directiva 2006/70/CE, da Comissão). Consigna-se que, o TCIC tem vindo a louvar-se no douto aresto do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa — 5a Secção, datado de 10-01-2012, P° 169/10.6TELSB-A.L1, o qual nos ensina que a medida aqui em causa, sendo um instrumento de recolha de prova, não pressupõe obrigatoriamente a existência de fortes indícios da prática do crime de "catálogo" e de quem é ou são os seus agentes, isto porque o recurso à imposição de tal medida não depende da existência de fortes indícios da prática de um crime de "catálogo", como a seguir se transcreve: (...) " Importa deixar claro que o recurso a tal - medida não depende da existência de fortes indícios da prática de um crime do catálogo. Com efeito, sendo um instrumento de recolha de prova, não faria sentido que fosse legalmente exigida a existência dessa forte indiciação, sob pena de se contrariar, ou submeter a uma inversão intolerável, a lógica da reconstrução material- da verdade factual levada a cabo pela investigação criminal: semelhança do que acontece com outros meios de obtenção de provas (v.g. as intercepções telefónicos), basta que haja suspeitas da prática do crime (de catálogo) e de quem é ou são os seus agentes. (...) Vai mais longe o supracitado Acórdão do TRL, quando nos aclara: (...) "não se trata de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial mas essencialmente de um meio de recolha de prova na investigação do branqueamento, não se lhe pode negar uma certa função cautelar ("prevenir a prática de crime de branqueamento de capitais9. Mas não podem restar dúvidas de que se trata de um dos instrumentos do regime específico de obtenção de prova instituído para superar alguns pontos de bloqueio na investigação da criminalidade económico financeira organizada. A suspensão de movimentos sobre contas de depósitos é, pois, uma medida que se integra no recentemente criado instituto de controlo ou vigilância de contas bancárias e os traços essenciais do seu regime são os seguintes: 5 tem de ser ordenada ou autorizada pelo juiz (caso em que será incluída no despacho judiciar que ordena ou autoriza o controlo da(s) conta(s) bancária(s)) ou, sendo da iniciativa de uma "entidade sujeita" ao dever de abstenção, nos termos do disposto no n.° 1 do art.° 17.° da Lei n.° 25/2008, de 5 de Junho, tem de ser confirmada pelo juiz de instrução criminal no prazo de dois dias úteis a contar da comunicação daquela entidade; J a sua aplicação terá lugar quando se revelar necessária a prevenir a prática de crime de branqueamento de capitais e tiver grande interesse para a descoberta da verdade." (...) (sic.) Corrobora-se o entendimento sancionado pelo titular da acção penal de que o circunstancialismo descrito na douta promoção em apreciação é susceptível de demonstrar que, caso os referidos i móveis e os activos financeiros detectados, relativamente aos quais se indicia fortemente que constituem produto da prática do crime, não sejam, de imediato, objecto de medidas que obstem à sua alienação, facilmente poderão ser vendidos e dissipados através das ligações internacionais e financeiras que os intervenientes dominam, ficando definitivamente fora do alcance da Justiça Aliás, resulta indiciado que os valores objecto da medida de suspensão aplicada são provenientes ou estão relacionados com a prática das actividades ilícitas imputadas aos visados, pelo que, verificando-se o perigo de serem dispersos na economia legítima, importa determinar o seu congelamento previsto no artigo 49°, n° 6 da Lei 83/2017. Face ao supra exposto, concordando, na integra, com a douta e bem elaborada promoção em apreciação, que aqui se dá por integralmente reproduzida, não por falta de ponderação própria da questão, mas por simples economia processual e, indiciando-se que os valores objecto da medida de suspensão aplicada são provenientes ou estão relacionados com a prática de actividades criminosas, somos a concordar que, por forma a impedir que os fundos se dissipem pela economia legitima enquanto não se apura cabalmente a verdade dos factos, seja determinada a medida de congelamento desses fundos, pelo que, atento o objecto dos autos, em substituição da referida suspensão, determino, ao abrigo do disposto no art.° 49.°, n.° 6, da Lei n.° 83/2017, de 18 de Agosto, o imediato congelamento do saldo de todas as contas bancárias/ carteiras de títulos e quaisquer outros activos existentes nas instituições de crédito infra indicadas, em que sejam intervenientes a qualquer título: - BB (NIF ………………); - AA (NIF ……………………); (………………………………..) Comunique, via fax, às referidas instituições bancárias. Notifique e D.N.. *** No tocante ao pedido formulado por AA, para que seja autorizada a movimentação das suas contas bancárias para efeitos de possibilitar o pagamento das responsabilidades fiscais e bancárias, assim como o levantamento da quantia de €50.000,00 para satisfação de responsabilidades com fornecedores e prestadores de serviços e encargos correntes, tendo presente o aduzido pelo detentor da acção penal, com o qual se concorda, decide-se: - Por ora, apenas se autoriza o levantamento do valor correspondente ao pagamento do IRS no montante de €525.222,09, devendo AA vir aos autos indicar o n.° de conta bancária titulada por si de onde deverá ser debitado e, no prazo de 15 dias após tal débito, juntar aos autos comprovativo do pagamento desse encargo fiscal. - Em resposta ao oficio enviado pelo Abanca com data de entrada de 7.08.2020 e ao requerido por AA, por ora e porque consubstancia a oneração de valores objeto de medida de indisponibilidade, não se autoriza a renovação desse financiamento, solicitando-se a essa instituição de crédito o envio de toda a documentação contratual e outra referente à conta caucionada, com indicação de eventuais valores que não se encontrem liquidados referentes ao período anterior a 18.08.2020, das garantias desse financiamento e da finalidade do mesmo, a fim de poder ser ponderada a sua eventual renovação futura. Notifique. D.N. 4 de Setembro de 2020. * Deste despacho, vieram AA, CC. E DD., interpor recurso, do qual constam as conclusões que vão transcritas: A. No início do mês de Junho, o Arguido e as Sociedades Interessadas, ora Recorrentes, foram notificados, pela Polícia Judiciária, da suspensão temporária de operações financeiras, ao abrigo dos arts. 48.° e 49.° da Lei n.° 83/2017, de 18/08, tal como fora promovido pelo Ministério Público em 24/04/2020 e deferido por despacho do Juiz de Instrução Criminal do TCIC em 27/04/2020, o que determinou o bloqueio de todas as contas e de quaisquer outros activos existentes nas instituições de crédito de que os ora Recorrentes são titulares. B. Não lhes foi então facultado nem a promoção do Ministério Público, nem o despacho do Juiz de Instrução Criminal do TCIC, o que só veio a acontecer em 7 de Julho de 2020, data em que o 1.° Recorrente foi constituído Arguido e lhe foi igualmente comunicada, na qualidade de representante das sociedades ora Recorrentes, a apreensão de participações sociais e de imóveis titulados por estas. C. Apesar do pedido formulado pelos Recorrentes para serem ouvidos e das explicações dadas acerca da origem dos fundos depositados nas suas contas bancárias, nada mais lhes foi comunicado até ser proferido o despacho ora recorrido, o qual determinou, na parte que ora releva, ao abrigo do disposto no art. 49.°, n.° 6, da Lei n.° 83/2017, de 18 de Agosto, o seguinte: • No tocante ao pedido de interrogatório formulado por AA, concordamos, na íntegra, a posição manifestada pelo detentor da acção penal, na douta promoção em apreciação, que aqui se dá por reproduzida. Assim, subscrevendo o entendimento sancionado pelo titular da acção penal de que, a circunstância de se ter concedido o estatuto de arguido a AA, não implica o seu interrogatório nesta sede, nem a apreciação de indícios e meios de prova que só ao processo brasileiro dizem respeito e que não são sindicáveis nesta sede, indefere-se o requerido interrogatório. • o imediato congelamento do saldo de todas as contas bancárias/carteiras de títulos e quaisquer outros activos existentes nas instituições de crédito infra indicadas, em que sejam intervenientes a qualquer título: - BB; - AA; - …………………..; - ……………………...; - CC.; - DD." D. Entretanto, já após a prolacção do despacho ora recorrido, os Recorrentes consultaram os autos, tendo apurado o seguinte: • O pedido de Cooperação Judiciária n.° FTLJ 238/2019 data de 16/07/2019, e, como já supra referido, no n.° 6, tinha por objectivo o arresto dos bens e activos de propriedade do Arguido BB e da sua empresa EE, bem como de quaisquer outras empresas de que o primeiro seja titular e estejam localizadas em Portugal; • Nesse âmbito, a Polícia Judiciária apurou que existiriam fluxos financeiros e operações jurídicas entre o ora 1.° Recorrente e o co-Arguido BB, que são casados um com o outro, razão pela qual, no relatório intercalar de 20/03/2020, considerou que existiriam "fortes indícios do envolvimento em práticas de branqueamento, em conjugação de esforços com BB, do seu cônjuge AA, actuando em nome próprio ou com recurso às sociedades CC e DD."; • Foi assim que a Polícia Judiciária colocou à consideração superior, "após se apurar junto das autoridades brasileiras se AA e as sociedades CC e DD. se encontram a ser objecto de investigação e por que crimes, a instauração de procedimento criminal autónomo à presente Carta Rogatória"; • Em 22/06/2020, o Ministério Público promoveu a constituição como Arguido do 1.° Recorrente; • Porém, só por decisão de 22/07/2020 (remetida aos autos em 14/08/2020), é que as autoridades judiciárias brasileiras remeteram a Portugal um pedido de cooperação internacional complementar, o qual tem por objecto o "arresto dos bens, móveis, imóveis e activos, mantidos, formalmente, em nome de AA, …………., CC e DD". E. O Arguido compreende a preocupação do Ministério Público em combater o branqueamento de capitais de origem ilícita. E acha que essa tarefa é primordial no quadro do Estado de Direito. F. Acontece, porém, que nem o Arguido, nem nenhuma das Sociedades ora Recorrentes, se envolveu na prática de qualquer ilícito criminal. G. Estes autos revelam um percurso sinuoso, arbitrário e indigno de um Estado de Direito. H. Nestes autos, cruzam-se afinal três procedimentos diferentes: • um, uma carta rogatória proveniente do Brasil onde era pedido o arresto de bens de BB e de sociedades a ele ligadas; • dois, medidas adoptadas pelo Ministério Público ao abrigo dos arts. 48.° e 49.° da Lei n.° 83/2017, de 18/08, ao abrigo da qual foi proferido o despacho recorrido; • três, uma investigação que visa os ora Recorrentes, por alegado envolvimento num crime de branqueamento de capitais, o que levou à constituição do 1.° Recorrente como Arguido. I. Estes três procedimentos não são compatíveis entre si: . por um lado, porque as medidas de suspensão, e depois congelamento, dos bens dos ora Recorrentes foram decretadas ao abrigo de uma carta rogatória em que se pedia o arresto de bens de BB e de sociedades a ele ligadas; • por outro lado, porque, nesse âmbito, o 1.° Recorrente foi constituído Arguido num processo em que é dito que ele não tem direito a ser interrogado, porque a matéria em apreço seria da competência das autoridades brasileiras, as quais, todavia, emitiram um carta rogatória em que ele não era visado. J. É certo que, já depois de decretada a suspensão das operações bancárias e do 1.° Recorrente ser constituído Arguido, apareceu nos autos — como "por milagre" —um pedido de cooperação complementar das autoridades judiciárias brasileiras a sancionar as medidas cautelares que haviam sido decretadas contra os Recorrentes; tal pedido complementar demonstra bem que a primitiva carta rogatória não visava os ora Recorrentes, porque, se assim não fosse, não teria sido necessário o pedido complementar. K. É, de resto, o que confessam as autoridades brasileiras (cfr. supra n.° 30). L. Mesmo sem terem acesso aos autos, e um pouco "às cegas", os Recorrentes exerceram a sua defesa do requerimento apresentado em 22/07/2020, no qual também foi solicitada a audição do 1.° Recorrente que havia sido constituído como Arguido. M. Contudo, o despacho ora recorrido, na esteira do Ministério Público, não só entendeu que não tinha que se pronunciar sobre a defesa exercida no aludido requerimento, como nem tinha que interrogar o Arguido, porque essa seria matéria que só interessaria às autoridades brasileiras!! N. Então — pergunta elementar — porque é que o 1.° Recorrente foi constituído Arguido?! Não é direito fundamental do arguido ser ouvido e intervir no procedimento, oferecendo provas e requerendo diligências? O. Neste emaranhado de actos encadeados sem nexo foram cometidas graves ilegalidades, as quais, salvo melhor opinião, estão mesmo no limiar do abuso de poder. P. Em primeiro lugar, é ilegal que as autoridades judiciárias portuguesas tenham decretado a suspensão das operações financeiras dos ora Recorrentes e procedido ao arresto dos seus bens, no âmbito de uma carta rogatória em que eles não eram visados, pelo que, inobservando o objecto da carta rogatória, infringiram o art. 1.° da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (aprovada pela Resolução da AR n.° 46/2008, publicada em 12/09/2008), bem como o art. 145.° da Lei de Cooperação Judiciária em Matéria Penal (Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto). Q. Tal ilegalidade acarreta igualmente a ilegalidade dos actos subsequentes, designadamente do despacho ora recorrido, mesmo que entretanto tenha vindo "em seu socorro" um pedido de cooperação complementar, uma vez que a primitiva ilegalidade não é susceptível de ratificação. R. Se as autoridades judiciárias portuguesas, no âmbito do cumprimento da carta rogatória, detectaram matéria susceptível de merecer tutela criminal por parte das autoridades brasileiras, aquilo que tinham a fazer era prestar essa informação a tais autoridades e agir no âmbito do que, eventualmente, lhes fosse solicitado. Mas não podiam avançar para os procedimentos em causa por sua conta e risco, para o que não tinham competência, nem legitimidade. S. Em segundo lugar, é ilegal que as autoridades judiciárias portuguesas tenham constituído o 1.° Recorrente como Arguido, imputando-lhe a ele e às demais Recorrentes a prática de crimes de branqueamento de capitais, com a consequente instauração de procedimento criminal autónomo, com base em informações provenientes da Carta Rogatória em apreço, o que lhes estava vedado fazer, nos termos do art. 148.°, n.° 1, da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto, afectando a validade do despacho recorrido. T. Em terceiro lugar, é ilegal que, decretada a medida de suspensão provisória por despacho de 27/04/2020, não tenha sido respeitado o direito de defesa previsto no art. 49.°, n.° 4, da Lei n.° 83/2017, de 18/08, o que se consubstanciou na desconsideração absoluta pelo despacho ora recorrido daquilo que pelos ora Recorrentes fora alegado no seu requerimento de 22/07/2020. U. Em quarto lugar, é ilegal que, tendo o 1.° Recorrente sido constituído Arguido, lhe tenha sido negado o direito a ser ouvido antes de ter sido proferido o despacho ora recorrido, como por si requerido através do requerimento de 22/07/2020, em afrontosa violação dos seus direitos previstos no art. 61.° do CPP, bem como no art. 6.°, n.° 3, als. a), b), c) e d) da CEDH. V. Em quinto lugar, é ilegal, por manifesta violação do art. 194.°, n.° 6, do CPP, que tenha sido decretado o congelamento do saldo das contas bancárias e demais bens dos Recorrentes, ao abrigo do art. 49.°, n.° 6, da Lei n.° 83/2017, de 18/08, sem que tenha sido comunicada aos visados a descrição dos factos que lhes são imputados e a enunciação dos elementos do processo que os indiciam. W. Pelo exposto, o despacho recorrido fez uma errónea e abusiva aplicação do regime previsto no art. 49.º, n.° 6, da Lei n.° 83/2017, de 18/08, violando os arts. 61.°, n.° 1, als. b) e g) e 194.°, n.° 6, ambos do CPP, o art. 49.°, n.° 4 da Lei n.° 83/2017, de 18/08, e os arts. 145.° e 148.°, n.° 1, da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto, bem como o art. 1.° da Convenção de Auxílio Judiciário e o art. 6.° da CEDH. X. Ademais, tais ilegalidades acarretam ainda a nulidade do despacho recorrido, nos termos dos arts. 119.°, e), e 120.°, n.° 2, d), ambos do CPP. Termos em que o recurso merece provimento, com as legais consequências. * O Mº.Pº. respondeu ao recurso, concluindo, na sua motivação junta aos autos, como se transcreve: 1. Por ter sido solicitado pelas Autoridades Judiciárias Brasileiras, com base em decisões judiciais, no âmbito do presente pedido de cooperação judiciária internacional enviado ao abrigo da Convenção CPLP, porque os ativos financeiros em causa são titulados pelos Recorrentes e se mostram relacionados com os factos ilícitos cometidos no Brasil, porque se indicia a prática de crime de branqueamento em Portugal e porque, caso tais valores sejam devolvidos, serão, definitivamente colocados fora do alcance da Justiça, encontram-se cumpridos todos os requisitos formais e materiais da medida de congelamento decretada, nos termos do disposto no art.49°, n.° 6 da Lei n.° 83/2017 de 18 de agosto. 2. Considerando os ilícitos e os valores pecuniários em causa, tal medida mostra-se proporcional e adequada. 3. A realização de interrogatório judicial ao Recorrente AA no âmbito da presente carta rogatória, por extravasar os poderes do Mmo. JIC, seria ilegal e contrária ao estipulado na Convenção CPLP. 4. No despacho a quo não se verificam quaisquer nulidades, nomeadamente as previstas no art.119°, alinea e) 120°, n.° 2, alinea d) do Cód. Penal. Por todo o exposto, afigura-se que o douto despacho a quo não enferma de qualquer ilegalidade e/ou inconstitucionalidade, nem merece qualquer reparo, devendo ser mantido nos seus precisos termos. Vs. Exas., no entanto, apreciarão e decidirão como for de JUSTIÇA * Neste Tribunal o Ex.m.º Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos, em cumprimento do disposto no artigo 416 do C.P.P. Colhidos os vistos, cumpre decidir. II-MOTIVAÇÃO. Breve histórico do processado. A. - Em 10/Junho/2019 os presentes autos iniciaram-se em Portugal como um Pedido de Colaboração Internacional em matéria penal, dirigido pelas autoridades brasileiras às autoridades portuguesas, tendo por isso estes autos sido autuados como uma Carta Rogatória proveniente do Brasil, no âmbito da denominada "Operação Lava Jato". B. - 1) Consta da carta rogatória o que a seguir transcrevemos na parte mais relevante para a presente decisão de recurso: “Base legal: Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa; Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo); e Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida). 2) Destinatário: Procuradoria da República de Portugal 3) Autoridade Central remetente: Procuradoria-Geral da República. 4) Autoridade requerente: Procuradoria da República no Estado do Paraná, Ministério Público Federal. Procuradores da República que atuam no caso: Isabel Cristina Groba Vieira (isabelgroba@mpf.mp.br), Antonio Carlos Welter (awelter@mpf.mp.br), Deltan Martinazzo Dallagnol (deltan@mpf.mp.br): Rua Marechal Deodoro, 933, Centro, Curitiba, Paraná, CEP 80060-010, Brasil. Telefones: +55 41 3219-8767; +55 41 3219¬8732. 5) Referência: Caso Lava Jato: autos n° 5026206-02.2019.4.04.7000 (medida assecuratória de arresto e sequestro), 5059586-50.2018.4.04.7000 (ação penal) c conexos, todos em trâmite perante o Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, Paraná, Brasil. 6) Sumário: O presente pedido de auxílio mútuo em matéria penal tem por objectivo o sequestro (arresto) dos bens e ativos de propriedade do arguido BB, brasileiro, economista, filho de TT; nascido em ……./1961, passaporte n° ………………, residente na ……………, Lisboa — Portugal, e de sua empresa EE (pessoa jurídica de direito privado, NIPC …………., com sede na ………………………….Lisboa — Portugal), bem como de quaisquer outras empresas de que o primeiro seja titular e estejam localizadas em Portugal. O presente pedido de auxílio tem por escopo o sequestro de bens e ativos até a quantia de R$ 156.000.000,00 (aproximadamente € 35.000.000,00), valor limite estabelecido pela decisão do Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, Paraná, Brasil, que decretou a medida constritiva. BB é réu no Brasil no âmbito da Operação Lava Jato, acusado da prática de crimes de integrar organização criminosa, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta de instituição financeira. Há fortes indícios de que os bens e ativos do investigado, localizados em Portugal, tenham sido adquiridos com valores ilícitos obtidos em crimes praticados contra a Fundação Petrobras de Seguridade Social (Fundo de Pensão PETROS) e da empresa estatal brasileira Petróleo Brasileiro S.A (PETROBRAS), razão pela qual foi decretado. (…) 9) Descrição da assistência solicitada: assim, solicita-se o auxílio das digníssimas Autoridades de Portugal para: — promover o sequestro (arresto) dos bens, móveis e imóveis, e ativos de propriedade de fato de BB, de sua sociedade EE, bem como de quaisquer outras empresas de que o primeiro seja titular, que estejam localizados em território português, até o valor de € 35.000.000,00; — promover o sequestro (arresto) das quotas da sociedade EE, NIPC …………; — promover, especialmente, o sequestro (arresto) dos seguintes bens imóveis já identificados, localizados em território português: a) (…………………………………………) 10) Objetivo da solicitação: O presente requerimento visa o sequestro de bens e ativos de BB com a finalidade promover o confisco criminal e garantir a recuperação do produto do crime. Curitiba, 10 de junho de 2019.” C. -Dos 21 artigos que constituem a descrição da “imputação” dos factos descritos no documento de cooperação judiciária não há qualquer alusão aos aqui recorrentes. D. As diligências para satisfação do pedido das autoridades brasileiras foram solicitadas à Polícia Judiciária, que fez constar do relatório que enviou aos autos: (…) 5. No decurso das diligências desenvolvidas, apurou-se ainda que BB é casado, desde ……………..2017, em regime de separação de bens, com um indivíduo de nome AA, doravante designado AA, natural do Brasil, de nacionalidade italiana, nascido a ………….1963 e titular do Passaporte n.° ……………… (cfr. fls. 309 e 316). 6. Tal como o seu cônjuge, AA tem adquirido inúmeros imóveis em Portugal, desde 2013, em seu nome e em nome das duas sociedades que aqui constituiu e das quais é gerente: a CC., doravante designada CC, constituída em ………….2015 (a mesma data em que foi constituída a sociedade EE) e a sociedade DD (anteriormente ……………….), doravante designada DD, constituída a ………2019. (…) 6. É neste contexto, que se considera existirem fortes indícios de que AA, atuando em nome próprio ou com recurso às sociedades CC e DD., pode ter tido ou manter intervenção no branqueamento dos proventos gerados e obtidos indevidamente pela atividade criminosa prosseguida por BB no Brasil e cuja investigação desencadeou a Carta Rogatória expedida. 7. Perante o circunstancialismo descrito, e tendo presente o douto Despacho exarado pela Digníssima Procuradora da República a fls. 180, segundo o qual "tendo em consideração a possibilidade de factos suscetíveis de integrar a prática de crime de branqueamento de capitais terem sido cometidos em Portugal, oportunamente, será ponderada a extração de certidão a fim de ser instaurado procedimento criminal autónomo em território nacional, atento o disposto no art. 368.°-A, n.° 4 do CP", coloca-se à consideração superior, após se apurar junto das autoridades brasileiras se AA e as sociedades CC e DD se encontram a ser objeto de investigação e porque crimes, a instauração de procedimento criminal autónomo à presente Carta Rogatória por factos suscetíveis de integrar o crime de branqueamento, no qual seria de todo conveniente que as diligências de obtenção de prova se realizassem em simultâneo com o cumprimento da presente carta rogatória. Lisboa, 20/03/2020. D. Em despacho seguido ao relatório da P.J. o Mº.Pº fez constar que: Importa, igualmente, ter em consideração que os factos descritos são suscetíveis de configurar a prática de crime de branqueamento, p. e p. pelo art.368° A do Cód. Penal porBB e AA em Portugal, ilícito que possui total autonomia relativamente aos que são objeto das investigações brasileiras. (…)Uma vez que, como acima se viu, se indicia que os imóveis em causa constituem produto do crime e que as sociedades comerciais TT, CC e DD foram constituídas com o propósito de deter parte desse património, constituindo os proventos do mesmo produto do crime, nos termos do disposto nos arts.178°, n.° 1 e 3 do Cód. Processo Penal e 109° e 110° do Cód. Penal e, por outro lado, existe perigo de dissipação de tal vantagem que obstará à sua recuperação futura e à reparação do dano causado com a atividade criminosa no Brasil e em Portugal, encontram-se preenchidos os pressupostos para que seja decretada a sua apreensão. Em conformidade, nos termos do disposto no art.178°, n.° 1 e 3 do Cód. Processo Penal, com referência aos art.109° e 110° do Cód. Penal e ao disposto nos arts.4° e 16° da Convenção CPLP (aprovada pela Resolução da AR n.° 46/2008 de 12 de setembro), determina-se a apreensão dos seguintes imóveis: 1. Sito………. até 14 ……………….. Assim como das participações sociais das seguintes sociedades: - EE, CCe DD E dos seguintes veículos: - Veículo de matrícula …………….. - Veículo de matrícula ……………….) II. DA SUSPENSÃO PROVISÓRIA DE EXECUÇÃO DE OPERAÇÕES FINANCEIRAS O circunstancialismo descrito é suscetível de demonstrar que caso os fundos e outros ativos financeiros detetados, relativamente aos quais se indicia fortemente que constituem produto da prática de crime, não sejam, de imediato, objeto de medida que obste à sua alienação, facilmente serão dissipados para outras contas bancárias, sediadas em locais inacessíveis e tituladas por novas sociedades não conhecidas, através das ligações internacionais e financeiras que os intervenientes BB e AA revelam dominar, ficando definitivamente fora do alcance da Justiça. Acresce que existe a séria probabilidade de BB no Brasil vir a ser condenado no perdimento a favor do Estado da vantagem do crime, em pena pecuniária e no pagamento de custas que, de acordo, com sentença já proferida que se cifra em valor superior a €27.000.000,00. Importa, igualmente, ter em consideração que os factos descritos são suscetíveis de configurar a prática de crime de branqueamento, p. e p. pelo art.368° A do Cód. Penal, por BB e AA em Portugal, ilícito que assume total autonomia, relativamente aos que são objeto das investigações brasileiras. Atendendo aos fins de prevenção e de investigação que importa prosseguir, impõe-se impedir que os fundos em causa se dissipem e sejam utilizados em benefícios dos agentes dos factos na economia legítima. Caso não sejam objeto de medida de suspensão temporária de execução de operação financeira, nos termos do disposto no art.48° da Lei n.° 83/2017 de 18 de agosto, tais quantias ficarão definitivamente fora do alcance da Justiça. Afigura-se, assim, que a aplicação de medida de suspensão de execução temporária de operações financeiras, de modo a permitir o prosseguimento da investigação com vista a melhor delimitar os circuitos financeiros e origem dos fundos, garantindo a não dissipação desses ativos, se afigura adequada e proporcional. Em conformidade, nos termos do disposto no art.48°, n.° 2, alínea b) e 3 da Lei n.° 83/2017 de 18 de agosto, determina-se a suspensão de execução temporária de operações a débito relativamente a todas as contas bancárias/ carteiras de títulos e quaisquer outros ativos existentes nas instituições de crédito abaixo identificadas, designadamente, as identificadas de fls.448 a 456, incluindo operações realizadas através de home banking, em que sejam intervenientes, a qualquer título: - AA,BB,TT, TT, DD e e CC (……………. Instituições de crédito: - NOVO BANCO - BANCO COMERCIAL PORTI JGI JES - CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS - DEUTSCHE BANK - ABANCA CORPORACIÓN BANCARIA - SANTANDER E Em 7/07/2020 foi constituído arguido, o aqui recorrente, e simultaneamente notificado da apreensão ordenada. ** Iniciaram-se os presentes autos, como carta rogatória com a finalidade de dar execução ao pedido de cooperação formulado pelo Brasil às autoridades portuguesas, no âmbito da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa- Resolução da A.R. nº. 46/2008 de 12 de Setembro. Rege-se assim a diligência requerida pelas disposições dos artigos 3º, 4º e 9º daquele diploma: A recusa do cumprimento do pedido tem lugar: Artigo 3.º Recusa de auxílio 1 - O Estado requerido pode recusar o auxílio quando considere: a) Que o pedido se refere a uma infracção de natureza política ou com ela conexa; b) Haver fundadas razões para crer que o auxílio é solicitado para fins de procedimento criminal ou de cumprimento de pena por parte de uma pessoa, em virtude da sua raça, sexo, religião, nacionalidade, língua, ou das suas convicções políticas e ideológicas, ascendência, instrução, situação económica ou condição social, ou existir risco de agravamento da situação processual da pessoa por estes motivos; c) Que o auxílio possa conduzir a julgamento por um tribunal de excepção ou respeitar a execução de sentença proferida por um tribunal dessa natureza; d) Que a prestação do auxílio solicitado prejudica um procedimento penal pendente no território do Estado requerido ou afecta a segurança de qualquer pessoa envolvida naquele auxílio; e) Que o cumprimento do pedido ofende a sua segurança, a sua ordem pública ou outros princípios fundamentais. 2 - Antes de recusar um pedido de auxílio, o Estado requerido deve considerar a possibilidade de subordinar a concessão desse auxílio às condições que julgue necessárias. Se o Estado requerente aceitar o auxílio sujeito a essas condições, deve cumpri-las. 3 - O Estado requerido deve informar imediatamente o Estado requerente da sua decisão de não dar cumprimento, no todo ou em parte, a um pedido de auxílio, e das razões dessa decisão. 4 - Para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 não se consideram infracções de natureza política ou com elas conexas: a) Os crimes contra a vida de titulares de órgãos de soberania ou de altos cargos públicos ou de pessoas a quem for devida especial protecção segundo o direito internacional; b) Os actos de pirataria aérea e marítima; c) Os actos a que seja retirada natureza de infracção política por convenções internacionais de que seja parte o Estado requerido; d) O genocídio, os crimes contra a Humanidade, os crimes de guerra e infracções graves segundo as Convenções de Genebra de 1949; e) Os actos referidos na Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1984. Já que, o direito aplicável à execução do pedido é, conforme estabelece: Artigo 4.º Direito aplicável 1 - O pedido de auxílio é cumprido em conformidade com o direito do Estado requerido. 2 - Quando o Estado requerente o solicite expressamente, o pedido de auxílio pode ser cumprido em conformidade com as exigências da legislação deste, desde que não contrarie os princípios fundamentais do Estado requerido e não cause graves prejuízos aos intervenientes no processo. Sendo os requisitos do pedido os estabelecidos no artigo 9º: Artigo 9.º Requisitos do pedido de auxílio 1 - O pedido de auxílio deve indicar, nomeadamente: a) A autoridade de que emana e a autoridade a quem se dirige; b) Uma descrição precisa do auxílio que se solicita, indicando o objecto e motivos do pedido formulado, assim como a qualificação jurídica dos factos que motivam o procedimento; c) Uma descrição sumária dos factos e indicação da data e local em que ocorreram; d) Os dados relativos à identidade e nacionalidade da pessoa sujeita ao processo a que se refere o pedido, quando conhecidos; e) No caso de notificação, menção do nome e residência do destinatário ou de outro local em que possa ser notificado, a sua qualidade processual e a natureza do documento a notificar; f) Nos casos de revista, busca, perda, apreensão, congelamento, entrega de objectos ou valores, exames e perícias, uma declaração certificando que são admitidos pela lei do Estado requerente; g) A menção de determinadas particularidades do processo ou de requisitos que o Estado requerente deseje que sejam observados, incluindo a confidencialidade e os prazos de cumprimento; h) Qualquer outra informação, documental ou outra, que possa ser útil ao Estado requerido e que vise facilitar o cumprimento do pedido. 2 - Os documentos transmitidos nos termos da presente Convenção não carecem de legalização. 3 - A autoridade competente do Estado requerido pode exigir que um pedido formalmente irregular ou incompleto seja modificado ou completado, sem prejuízo da adopção de medidas provisórias quando estas não possam esperar pela regularização. Não se verificando fundamentos para a recusa, e, agora no que ao caso respeita, deveria o pedido de cooperação ter sido executado, em conformidade com a legislação nacional, mas sem que as autoridades do Estado requerido- Portuguesas- fizessem qualquer valoração sobre a lei do Estado requerente, ou sobre a aplicação das diligências solicitadas no âmbito do processo onde se fundou o pedido de cooperação.[1] É que, muito embora se refira no Relatório da P.J. a verificação de elementos relacionados com outro ilícito de crime de branqueamento, praticado por outros agentes em Portugal e, eventualmente com ligações ao processo brasileiro que originou a carta rogatória, tal não concede competência às autoridades Portuguesas para ampliar o pedido de cooperação em execução da carta rogatória. Aliás esse parece ter sido o entendimento do MºPº. acima citado, quando refere, a propósito do relatório e informações da PJ: Importa, igualmente, ter em consideração que os factos descritos são suscetíveis de configurar a prática de crime de branqueamento, p. e p. pelo art.368° A do Cód. Penal por BB e AA em Portugal, ilícito que possui total autonomia relativamente aos que são objeto das investigações brasileiras.[2] Não obstante, procedeu a apreensões que não faziam parte do objecto da carta rogatória e contra quem, nem tão pouco, ali figurava como destinatário do arresto solicitado. É certo que posteriormente encontramos um aditamento proveniente das autoridades brasileiras, mas, aditamento este simples, ou seja, sem que se fundamente a ligação dos novos destinatários do arresto em complemento, com o processo original brasileiro, em clara violação da disposição do artigo 9º da Resolução, acima transcrita. Se podemos dizer que, inicialmente foram confirmados os requisitos do pedido (art. 9.° da Convenção), que não há motivos para recusa e que a diligência é processualmente admitida pela lei portuguesa para os fins consignados no pedido, nada obstando à realização das diligências pedidas pelas autoridades brasileiras, o mesmo não aconteceu a quando da execução do pedido pelas autoridades portuguesas, já que o mesmo foi ampliado no seu objecto e alargado a pessoa diversa da inicial a quem se dirigia a diligência. E, foi nessa execução do pedido e à luz do nosso Código de Processo Penal (diploma aplicável ao caso), que verificamos a prática de actos não permitidos no âmbito da carta rogatória proveniente das autoridades brasileiras no âmbito da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Entendemos assim ter sido praticada nulidade insanável, prevista nas alíneas d) e e) do artigo 119 do C.P.P. que atinge o despacho recorrido e faz proceder o recurso. E, assim se concluindo, pela nulidade insanável do despacho que atingiu o património dos recorrentes, consideramos prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas sob recurso. III – DECISÃO. Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 9ª Secção Criminal desta Relação, em dar provimento ao recurso, decretando a nulidade do despacho sob recurso, nos termos e fundamentos acima expostos. Elaborado em computador e revisto pela relatora (art.º 94º/2 do CPP). Lisboa, 25/02/2021 Maria do Carmo Ferreira Cristina Pego Branco [1] Ac.RL. de 14.07.2016- acessível no site da PGDL. [2] O sublinhado é da nossa autoria. | ||
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Decisão Texto Integral: |