Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8995/2006-6
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
TAXA DE JUSTIÇA
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/02/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1 A lei atribui eficácia meramente devolutiva à impugnação da decisão administrativa que nega a concessão do benefício de apoio judiciário, pelo que sempre a parte, in casu os Recorrentes, têm que proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pela dedução de oposição;
2 Á face da lei que estabelece o sistema de acesso ao direito e aos Tribunais não se afigura desproporcionada a exigência de imediato pagamento da taxa de justiça na sequência de um efeito devolutivo associado à impugnação, inexistindo, em tal caso, qualquer inconstitucionalidade material da norma aplicada que seja susceptível de determinar a sua não aplicação ou qualquer violação aos princípios consagrados constitucionalmente do exercício do direito de acção e ou de defesa e respectivo acesso aos Tribunais.
3 Nestas circunstâncias, é pois de manter o despacho recorrido que ordenou o desentranhamento da oposição e a extinção da instância por falta de pagamento da taxa de justiça e a multa correspondente por parte dos Agravantes.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – 1. Vieram os executados nos presentes autos, por não se conformar com o despacho proferido pelo Tribunal “a quo”, de fls. 75, que, face à omissão de pagamento da taxa de justiça e acréscimos legais, ordenou que se desentranhasse a petição inicial e que se devolvesse a mesma à parte apresentante – os executados, que deduziram oposição à execução - interpor recurso de agravo de tal decisão.

2. São as seguintes as conclusões dos Agravantes:

a) O Executado – Oponente, ora Agravante, António …, alegou insuficiência económica;
b) Sobre tal alegação não existia decisão final, aquando da liquidação, quer da taxa de justiça inicial, quer do acréscimo legal, quer da multa judicialmente fixada;
c) Tal liquidação ficciona suficiência económica, contrariamente à alegação, ainda em análise e esperando obter decisão definitiva, de insuficiência económica por parte do Recorrente;
d) Tal liquidação é inconstitucional, por violação do nº 1, do art. 20°, da Constituição da República Portuguesa, e da al. b), do nº 5, do art. 29°, da Lei nº 34/2004;
e) O desentranhamento da petição de oposição por falta de pagamento de tal taxa, acréscimo e multa, é também inconstitucional, por violação do nº 1, do art. 20°, da Constituição da República Portuguesa, e dos n°s 3 a 6, do art. 486° - A, do CPC;
f) Devendo, por isso, o Tribunal da Relação revogar a decisão de desentranhamento, bem como a decisão de extinção da instância por carência de objecto, e agora que já está decidida a questão da suficiência económica agir em conformidade com a mesma, abrindo prazo para autoliquidação de taxa de justiça inicial, prosseguindo o processo os seus termos até final.


3. O Tribunal “a quo” proferiu despacho de sustentação da sua decisão.

4. Tudo Visto.
Cumpre Apreciar e Decidir.


II – Os Factos:

- Com relevância para a decisão a proferir, resultam dos autos as seguintes circunstâncias fácticas:

- Em 06/10/2005 - apresentação do requerimento de oposição nestes autos, pelos executados António …, Teresa…e P…, fazendo menção da apresentação de um requerimento comprovativo do pedido de apoio judiciário, que os executados requereram, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
- Em 04/01/2006 - prolação de despacho saneador nestes autos;
- Tendo o Tribunal “a quo” tido conhecimento da junção aos autos de acção executiva, dos quais os presentes autos correm por apenso, em 16/01/2006, da decisão de indeferimento do beneficio de apoio judiciário aos executados/opoentes, proferiu, em 17/03/2006, a convidar os Recorrentes e executados a pagar a taxa de justiça e multa em falta;
- Nesse despacho foram os executados, aqui Recorrentes, advertidos de que ficaria sem efeito o requerimento inicial, caso os mesmos não correspondessem ao referido convite, nos termos que decorrem do despacho proferido a fls. 72;
- Despacho que lhes foi notificado em 20/03/2006;
- Os Recorrentes nada disseram, nem pagaram a taxa de justiça em dívida e os acréscimos legais;
- Em 07/04/2006, o Tribunal “a quo” profere o despacho ora em recurso, ordenando o desentranhamento da oposição e a extinção da instância.
- Em 23/05/2006 foi proferida decisão judicial recusando provimento ao recurso apresentado por António … da decisão administrativa da Segurança Social que lhe indeferiu o pedido de concessão do benefício de apoio judiciário.


III – Enquadramento Jurídico:

1. Está em causa saber se se deve ou não manter o despacho recorrido que ordenou o desentranhamento da oposição e a extinção da instância por falta de pagamento da taxa de justiça e a multa correspondente, por parte dos Agravantes.
E a resposta só pode ser no sentido afirmativo, porquanto não assiste razão aos Agravantes.

2. Com efeito, cotejados os autos constata-se, em síntese, que:
Os Recorrentes solicitaram a concessão do benefício de apoio judiciário, benefício esse que não lhes foi conferido.
Na sequência desse indeferimento os Recorrentes impugnaram judicialmente essa decisão, facto que o Tribunal “a quo”, no âmbito dos presentes autos, desconhecia. E por isso, determinou desde logo que os Recorrentes procedessem ao pagamento da taxa de justiça em falta.
Notificação essa que foi feita com a advertência das consequências legais que daí adviriam caso os executados/Recorrentes não procedessem ao pagamento da taxa de justiça em dívida e da multa correspondente.
Notificados os Recorrentes desse despacho, com o referido conteúdo e advertência, nada disseram ao Tribunal “a quo”, tendo este, então, proferido despacho ordenando o desentranhamento da oposição e a extinção da instância.

Ora, pese embora a decisão recorrida ter sido então proferida tendo por base uma decisão definitiva de indeferimento da concessão do benefício de apoio judiciário que ainda não tinha ocorrido, porquanto os executados/oponentes/Recorrentes tinham, entretanto, interposto recurso, a verdade é que, no caso sub judice, sempre seria de concluir no sentido vertido no despacho recorrido.
Desde logo porque a lei atribui eficácia meramente devolutiva à impugnação da decisão administrativa que nega a concessão do benefício de apoio judiciário, pelo que sempre a parte, in casu os Recorrentes, teriam que proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pela dedução de oposição, por força do preceituado no art. 29º, nº 5, alínea b), da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, que regula o sistema de acesso ao direito e aos Tribunais, com a protecção jurídica através do apoio judiciário, nas modalidades, v.g., de dispensa do pagamento de taxa de justiça e nomeação de patrono.

Acresce que, tendo os Recorrentes sido notificados por parte do Tribunal de que deveriam efectuar o respectivo pagamento, com a advertência para as sanções respectivas, no prazo que lhes foi referido, também nada disseram ou requereram de útil em sentido contrário.
E não se diga que estavam dispensados de o fazer, porquanto o princípio da cooperação (cf. art. 266º do CPC), que se trata afinal, de um poder-dever de natureza funcional, (1) sempre imporia que a parte visada esclarecesse o Tribunal.

Efectivamente, a introdução deste princípio da cooperação no direito processual civil pelo Dec. Lei nº 329-A/95, de 12/12, na sequência da reforma então operada ao processo civil, visou potenciar o diálogo franco entre todos os sujeitos processuais, tendente a alcançar, com brevidade e eficácia, a solução mais ajustada aos casos concretos submetidos à apreciação jurisdicional, numa clara concretização de outras normas de conteúdo geral já com assento nos artºs 265º e 519º, ambos do CPC.
Simultaneamente, o legislador deu realce, autonomizando, o dever de boa fé processual, nos termos do art. 266º-A, do CPC.
Por sua vez, na senda desses princípios, todo o processo se estruturou através da criação de mecanismos processuais para adequação e concretização efectiva desses princípios às exigências da tramitação processual, procurando-se, desta forma, obter uma maior responsabilização das partes e o estabelecimento de um maior rigor na aferição dos comportamentos processuais, com vista ao apuramento da verdade e à definição da justa composição do litígio. (2)
Se tal princípio basilar do nosso sistema jurídico-adjectivo – o princípio da cooperação – se impõe a todas as pessoas, mesmo àquelas que não são partes na causa, por maioria de razão terá de vincular as próprias partes, que estão adstritas ao dever legal de colaborarem com o Tribunal, quer respondendo ao que lhes for perguntado, quer facultando o que lhes for requisitado ou praticando todos os actos que lhes forem determinados pelo Tribunal. (3)
Ora, os Recorrente não só não pagaram as taxas devidas, como também nada disseram ou informaram o Tribunal, não obstante terem sido devidamente notificados.
Sendo certo também que, posteriormente, foi proferida decisão judicial recusando provimento ao recurso apresentado por António … quanto à decisão administrativa da Segurança Social que lhe indeferiu o pedido de concessão do benefício de apoio judiciário.

Destarte, sempre teriam que proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pela dedução de oposição, sob pena de sofrerem as consequências legais daí decorrentes.

3. Quanto à alegada inconstitucionalidade, no que concerne à fixação legal do efeito meramente devolutivo ao processo de impugnação judicial da decisão administrativa, a mesma também não tem razão de ser.
A este propósito refere Salvador da Costa que esta “é uma solução conforme com o efeito não suspensivo da impugnação, mas desconforme com a que decorre do nº 3 do art. 24º deste diploma, em todo o caso insusceptível de afectar o acesso ao direito e aos Tribunais a que alude o art. 20º, nº 1, da CRP, porque, em regra, não obsta ao resultado do exercício do direito de acção e ou de defesa”. (4)
Acresce que, o legislador ordinário goza de uma ampla margem de conformação com o exercício de tais direitos, não se afigurando desproporcionada a exigência de imediato pagamento da taxa de justiça na sequência de um efeito devolutivo associado à impugnação.

É que, conforme se salienta na decisão recorrida, esta eficácia assenta na existência prévia de dois actos praticados pela Administração que concluem ambos pela verificação de uma situação que não justifica o deferimento do beneficio de apoio judiciário por insuficiência económica (5).
Sendo certo que está consagrada a possibilidade de reembolso caso o Tribunal venha a decidir pela procedência da impugnação judicial, deferindo o apoio judiciário e revogando a decisão administrativa.
In casu, sublinha-se que estamos falar de quantias na ordem das 2,75 UC.

Por fim, dir-se-á ainda que, a oposição sobre que versam os presentes autos foi apresentada pelos três executados: António …, Teresa … e P... .
Ora, pela apresentação de cada articulado de oposição apenas é devida uma única taxa de justiça inicial, independentemente do número de pessoas que figuram nessa qualidade de opoentes – cf. art. 13°, n.º 3, do CCJ.
Assim sendo, se apenas uma delas, ou duas, gozam do beneficio de apoio judiciário na modalidade peticionada, a terceira opoente — que não goze daquela dispensa — terá de autoliquidar a totalidade da taxa de justiça inicial e não, apenas, uma terça parte, do valor correspondente, porquanto, havendo pluralidade subjectiva, os respectivos sujeitos processuais são solidariamente responsáveis pelo pagamento de totalidade da taxa de justiça da parte que integram, por força do preceituado no art. 13º, nº 4, do CCJ.

Por outro lado, independentemente da impugnação judicial das decisões administrativas que versaram os pedidos de concessão de apoio judiciário formulados pelos opoentes António … e Teresa …, e a eficácia meramente devolutiva que a lei lhes empresta, o que é certo é que nada nos autos faz supor a inexistência de uma decisão definitiva de indeferimento do pedido de concessão do beneficio de apoio judiciário formulado pela P… , pelo que a questão de inconstitucionalidade com a eventual alteração do decido não se coloca.
Efectivamente, não se encontrando esta dispensada do pagamento daquela taxa de justiça deveria ter procedido à sua autoliquidação, com os legais acréscimos legais.

5. Em Conclusão:

- Entendemos que não existe qualquer inconstitucionalidade material da norma aplicada que seja susceptível de determinar a sua não aplicação, nem qualquer violação aos princípios constitucionais invocados pelo Recorrente, maxime, o do exercício do direito de acção e ou de defesa e respectivo acesso aos Tribunais.


IV – Decisão:

- Termos em que se decide negar provimento ao Agravo e, pelos fundamentos expostos, confirmar a decisão recorrida.


- Custas pelos Agravantes.



Lisboa, 02 de Novembro de 2006.


Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora)
Fátima Galante
Ferreira Lopes



____________________________
1.-A propósito do dever de cooperação cf. Miguel Teixeira de Sousa in ROA, 1995, II, págs. 362 e segts.

2.-Ibidem, obra citada, daquele Autor, pág. 83 e segts.

3.-Assim se decidiu tb. no Acórdão da Relação de Évora, de 25 de Novembro de 1999, in CJ, T. V, pág. 270.

4.-Cf. “Apoio Judiciário”, 5ª ed., pág. 196.

5.-Sendo eles: uma proposta dos serviços da segurança social relativamente à qual o interessado pode exercer o contraditório, carreando para os autos elementos que permitam inverter o sentido da decisão de indeferimento e outra, a própria decisão de indeferimento dos serviços da segurança social após aquela possibilidade dada ao interessado de contraditar os factos.