Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6148/17.5T8SNT-D.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO (VICE-PRESIDENTE)
Descritores: SUSPEIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/13/2024
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: SUSPEIÇÃO
Decisão: INDEFERIMENTO
Sumário: I. Do facto de um juiz ter proferido decisões desfavoráveis a uma das partes não pode extrair-se qualquer ilação quanto a eventuais sentimentos de amizade ou inimizade ou, até, de mera simpatia ou antipatia por uma delas, ou ainda de parcialidade.
II. O incidente de suspeição não é o mecanismo adequado para expressar a discordância jurídica ou processual de uma parte sobre o curso processual ou sobre os atos jurisdicionais levados a efeito pelo julgador.
III. Também não se insere no âmbito deste incidente a apreciação sobre a observância/inobservância pelo julgador dos deveres a seu cargo, em particular do dever de diligência, a que se reporta o artigo 7.º-C do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
IV. A posição que uma parte entenda observar relativamente à conduta processual do julgador, incluindo a formulação de participação junto do CSM, da Provedoria de Justiça ou instaurando ação contra o Estado Português (por exemplo, para efetivação de direito indemnizatório pelo exercício da função jurisdicional), não intui, por si só, algum motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, não determinando o afastamento deste para a tramitação do processo onde tal parte tenha intervenção, se nenhuma outra circunstância se denota no sentido de que possa ficar maculada a imparcialidade do julgador relativamente à tramitação e à decisão do processo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I.
1. A, progenitor nos autos de promoção e proteção que, sob o n.º 6148/17.5T8SNT-B correm termos no Juízo de Família e Menores de Sintra – Juiz (…), veio, por requerimento apresentado em juízo em 22-08-2024, requerer incidente de suspeição, nos termos do disposto nos artigos 119.º a 122.º do CPC, relativamente à Sra. Juíza B, alegando, em suma, que:
- No âmbito do processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais “verificou-se um manifesto e reiterado incumprimento de prazos processuais, tanto do douto Tribunal quanto das entidades públicas que estavam vinculadas a colaborar com ele.
3.º Que teve como principal consequência a perpetuação de um regime de convívios desajustado e profundamente injusto, com grave prejuízo aos direitos do requerente e da sua filha.
4.° E que motivou o requerente a apresentar uma exposição, entre outras entidades, ao Conselho Superior da Magistratura e ao Provedor de Justiça, a 01/02/2021.
5.° E, igualmente, a 30/08/2022 o levou a intentar uma ação contra o Estado Português, que sob o n.° (…)/22.6BELSB, corre atualmente termos no Juízo Local Cível de Sintra – Juiz (…), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste.
6.° Ambas as reações supra aduzidas tiveram por objeto, diretamente, a discordância e censura das intervenções da Meritíssima Juiz no processo.
7.° Sem prejuízo dos significativos avanços inicialmente alcançados no processo de promoção e proteção, mantém-se a inação do douto Tribunal na tomada de decisões.
8.° Nesse sentido, não só se encontram, de novo, amplamente esgotados os prazos processuais que obrigariam à tomada de decisão,
9.° Como, uma vez mais, o requerente esbarra com o silêncio do douto Tribunal face aos requerimentos que apresenta, nos quais peticiona tão-só a salvaguarda dos seus direitos parentais nucleares.
10.° Por conseguinte, a 21/08/2024 o requerente apresentou uma queixa junto do Conselho Superior da Magistratura, com fundamento no incumprimento pela Meritíssima Juiz, no âmbito do processo, dos deveres profissionais a que se encontra vinculada.
11.° Ora, é certo que, em concreto, a Meritíssima Juiz não praticou qualquer conduta que haja beliscado a sua imparcialidade.
12.° No entanto, em abstrato, as reações extraprocessuais do requerente, supra enunciadas, são potencialmente suscetíveis de a afetar, colocando em causa a posição supra parte, ainda que de modo inconsciente.
13.° Pois que, com o devido respeito - que é muito - pela Meritíssima Juiz, é indissociável da natureza humana a formulação (voluntária ou involuntária) de juízos perante a crítica de terceiros, ainda mais, quando capaz de gerar consequências pessoais ou profissionais.
14.° Assim, ainda que o requerente circunscreva objetivamente as críticas que aponta, muito dificilmente a Meritíssima Juiz (ou qualquer outra pessoa no seu lugar) as receberá sem despertar sentimentos e formular conclusões quanto ao requerente e à sua postura.
15.° Mais, tratando-se a causa de responsabilidades parentais, a decisão do douto Tribunal não se limita à apreciação de factos e respetiva subsunção ao Direito. Ao invés, as decisões assumem necessariamente uma componente subjetiva, na medida em que a representação que o julgador tem dos progenitores é imprescindível para determinar, no caso concreto, o superior interesse dos menores.
16.° Por um lado, as descritas reações do requerente (última das quais, a queixa junto do Conselho Superior da Magistratura) correspondem ao exercício de um direito legítimo, não lhe sendo exigível que delas se abstenha.
17.° Por outro lado, tais reações são, em abstrato, suficientes a perturbar a neutralidade e equidistância da Meritíssima Juiz em relação ao requerente, no decorrer do litígio.
18.° Por conseguinte, entende o requerente que as razões invocadas constituem motivo superveniente, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade da Meritíssima Juiz, no processo principal e respetivos apensos, nos termos do artigo 120°, n.° 1, do Código de Processo Civil.
19.° Pelo que, face ao contexto descrito, todas as decisões futuras da Meritíssima Juiz no processo, ainda que tomadas com isenção, estariam sempre contaminadas pela desconfiança (…)”.
2. Na sequência do referido em 1., a Sra. Juíza de Direito visada, por despacho de 04-09-2024, veio responder – nos presentes autos – que:
“(…) Da leitura do requerimento de recusa/suspeição em referência não se vislumbra a invocação de qualquer facto que permita configurar fundamento para a suscitada suspeição, reconhecendo-se aliás no teor daquele requerimento que: Ora, é certo que, em concreto, a Meritíssima Juiz não praticou qualquer conduta que haja beliscado a sua imparcialidade (art. 12º).
Alega o requerente que as suas “reacções extraprocessuais”, nomeadamente acção de indemnização contra o Estado por invocada demora e exposições/queixas junto do Conselho Superior da Magistratura e Provedor da Justiça apresentadas contra a signatária são potencialmente suscetíveis de a afetar, colocando em causa a posição supra parte, ainda que de modo inconsciente.
Ora, as considerações contidas nos arts. 13º a 18º do requerimento constituem meras representações subjectivas e juízos de valor por parte do requerente, insusceptíveis de fundar o incidente deduzido, sendo que os procedimentos que o requerente qualifica como suas reacções extraprocessuais configuram tão-só o exercício de um direito, sem prejuízo para a imparcialidade, neutralidade e a objectividade do julgador visado, no caso, a signatária.
Deste modo, entende-se que não se verificam os pressupostos para a suspeição deduzida, a qual se nos afigura infundada (…)”.
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II. Vejamos:
Nos termos do disposto no nº. 1 do artigo 120.º do CPC, as partes podem opôr suspeição ao juiz quando ocorrer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, o que ocorrerá, nomeadamente, nas situações elencadas nas suas alíneas a) a g).
Com efeito, o juiz natural, consagrado na CRP (cfr. artigos 32.º, n.º 9 e 203.º), só pode ser recusado quando se verifiquem circunstâncias assertivas, sérias e graves.
E os motivos sérios e graves, tendentes a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, resultarão da avaliação das circunstâncias invocadas.
O TEDH – na interpretação do segmento inicial do §1 do art.º 6.º da CEDH, (“qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei”) - desde o acórdão Piersack v. Bélgica (8692/79), de 01-10-82 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57557) tem trilhado o caminho da determinação da imparcialidade pela sujeição a um “teste subjetivo”, incidindo sobre a convicção pessoal e o comportamento do concreto juiz, sobre a existência de preconceito (na expressão anglo-saxónica, “bias”) face a determinado caso, e a um “teste objetivo” que atenda à perceção ou dúvida externa legítima sobre a garantia de imparcialidade (cfr., também, os acórdãos Cubber v. Bélgica, de 26-10-84 (https://hudoc.echr.coe.int/ukr?i=001-57465), Borgers v. Bélgica, de 30-10-91, (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57720) e Micallef v. Malte, de 15-10-2009 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-95031) ).
Assim, o TEDH tem vindo a entender que um juiz deve ser e parecer imparcial, devendo abster-se de intervir num assunto, quando existam dúvidas razoáveis da sua imparcialidade, ou porque tenha exteriorizado relativamente ao demandante, juízos antecipados desfavoráveis, ou no processo, tenha emitido algum juízo antecipado de culpabilidade.
A dedução de um incidente de suspeição, pelo que sugere ou implica, deve ser resguardado para casos evidentes que o legislador espelhou no artigo 120.º do CPC, em reforço dos motivos de escusa do juiz, a que se refere o artigo 119.º do CPC.
A imparcialidade do Tribunal constitui um requisito fundamental do processo justo.
“A imparcialidade, como exigência específica de uma verdadeira decisão judicial, define-se, por via de regra, como ausência de qualquer prejuízo ou preconceito, em relação à matéria a decidir ou às pessoas afectadas pela decisão” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-02-2013, Pº 1475/11.8TAMTS.P1-A.S1, rel. SANTOS CABRAL).
O direito a um julgamento justo, não se trata de uma prerrogativa concedida no interesse dos juízes, mas antes, uma garantia de respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, de modo a que, qualquer pessoa tenha confiança no sistema de Justiça.
Do ponto de vista dos intervenientes nos processos, é relevante saber da neutralidade dos juízes face ao objeto da causa.
Com efeito, os motivos sérios e válidos atinentes à imparcialidade de um juiz terão de ser apreciados de um ponto de vista subjetivo e objetivo.
“De acordo com o entendimento uniforme da jurisprudência (…), a imparcialidade pode ser avaliada sob duas vertentes, a subjetiva e a objetiva, radicando a primeira na posição pessoal do juiz perante a causa, caracterizada pela inexistência de qualquer predisposição no sentido de beneficiar ou de prejudicar qualquer das partes, e consistindo a segunda na ausência de circunstâncias externas, no sentido de aparentes, que revelem que o juiz tem um pendor a favor ou contra qualquer das partes, afectando a confiança que os cidadãos depositam nos tribunais” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-05-2024, Pº 5423/22.1JAPRT-A.P1, rel. PAULA PIRES).
Por outra parte, a consideração da existência de motivo sério e grave adequado a pôr em causa a imparcialidade do julgador, há-de fundar-se em concretas circunstâncias e não em juízos ou conjeturas genéricas e imprecisas.
Conforme se referiu na decisão do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora de 08-05-2024 (Pº 254/22.1T8LGS.E1, rel. TOMÉ DE CARVALHO):
“Para que se possa suscitar eficazmente a suspeição de um juiz não basta invocar o receio da existência de uma falta de imparcialidade é necessário que esse receio nasça de alguma das circunstâncias integradas na esfera de protecção da norma.
A aferição da suspeição deve ser extraída de factos ou eventos concretos, inequívocos e concludentes que sejam susceptíveis de colocar em causa a independência e a imparcialidade do julgador e a objectividade do julgamento”.
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III. Colocados os parâmetros enunciados que importa observar, analisemos a situação concreta apreciando se o incidente de suspeição deverá proceder ou improceder.
A Justiça é feita caso a caso, tendo em consideração a real e objetiva situação a dirimir.
O Juiz não é parte nos processos, devendo exercer as suas funções com a maior objetividade e imparcialidade.
Com efeito, os juízes têm por função ser imparciais e objetivos, fundando as suas decisões na lei e na sua consciência.
Como dispõe o artigo 4.º, n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, os juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores.
De acordo com o n.º 2 do artigo 4.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, a independência dos magistrados judiciais manifesta-se na função de julgar, na direção da marcha do processo e na gestão dos processos que lhes forem aleatoriamente atribuídos.
O requerente da suspeição invocou para sustentar o incidente que deduziu, em suma, o seguinte:
- Que no âmbito do processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais “verificou-se um manifesto e reiterado incumprimento de prazos processuais, tanto do douto Tribunal quanto das entidades públicas que estavam vinculadas a colaborar com ele (…) que motivou o requerente a apresentar uma exposição, entre outras entidades, ao Conselho Superior da Magistratura e ao Provedor de Justiça, a 01/02/2021 (…)”, bem como, a instaurar – a 30-08-2022 – uma ação contra o Estado Português, que sob o n.° (…)/22.6BELSB, corre atualmente termos no Juízo Local Cível de Sintra - Juiz (…), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste;
- Que as referidas reações “tiveram por objeto, diretamente, a discordância e censura das intervenções da Meritíssima Juiz no processo”;
- Que “o requerente esbarra com o silêncio do douto Tribunal face aos requerimentos que apresenta, nos quais peticiona tão-só a salvaguarda dos seus direitos parentais nucleares”, pelo que, “a 21/08/2024 o requerente apresentou uma queixa junto do Conselho Superior da Magistratura, com fundamento no incumprimento pela Meritíssima Juiz, no âmbito do processo, dos deveres profissionais a que se encontra vinculada”;
- Que “em concreto, a Meritíssima Juiz não praticou qualquer conduta que haja beliscado a sua imparcialidade”, mas, “em abstrato, as reações extraprocessuais do requerente, supra enunciadas, são potencialmente suscetíveis de a afetar, colocando em causa a posição supra parte, ainda que de modo inconsciente”;
- Que “ainda que o requerente circunscreva objetivamente as críticas que aponta, muito dificilmente a Meritíssima Juiz (ou qualquer outra pessoa no seu lugar) as receberá sem despertar sentimentos e formular conclusões quanto ao requerente e à sua postura”, concluindo que “tais reações são, em abstrato, suficientes a perturbar a neutralidade e equidistância da Meritíssima Juiz em relação ao requerente, no decorrer do litígio”.
Concluiu que as razões invocadas constituem motivo superveniente, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade da julgadora quanto ao processo principal e respetivos apensos.
A Sra. Juíza visada contrapôs, como se viu, que o invocado pelo requerente não comporta a invocação de facto que fundamente a suspeição.
Liminarmente, importa salientar que não se patenteia – não se encontrando preenchida a correspondente previsão normativa - qualquer das circunstâncias a que se referem as alíneas a) a f) do n.º 1, do artigo 120.º do CPC, que determinam o deferimento da suspeição.
Quanto à alínea g) – existência de inimizade grave ou grande intimidade entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários – tem-se entendido que “não constitui fundamento específico de suspeição o mero indeferimento de requerimento probatório (RL, 7-11-12, 5275/09) nem a inoportuna expressão pelo juiz sobre a credibilidade das testemunhas (RG 20-3-06, 458/06)” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 148).
O requerente da suspeição vem referir que as suas reações “extraprocessuais” “tiveram por objeto, diretamente, a discordância e censura das intervenções da Meritíssima Juiz no processo”.
Não concretiza o requerente quais “as intervenções” da Sra. Juíza que motivaram as aludidas reações.
Diga-se que, mesmo não o fazendo, certo é que, tal discordância não pode sustentar a suspeição.
Com efeito, do facto de um juiz ter proferido decisões desfavoráveis a uma das partes não pode extrair-se qualquer ilação quanto a eventuais sentimentos de amizade ou inimizade ou, até, de mera simpatia ou antipatia por uma delas, ou ainda de parcialidade (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-05-2002, Pº 01P3914, rel. SIMAS SANTOS).
A função jurisdicional “implica, pela sua própria natureza e quase sem excepções, a necessidade de dar razão a uma das partes e negá-la à outra, rejeitando as suas pretensões e sacrificando os seus interesses concretos. Daí que não seja possível retirar do facto de alguma, ou algumas, das pretensões formuladas por uma das partes terem sido rejeitadas a conclusão de que o julgador está a ser parcial ou a revelar qualquer inimizade contra a parte que viu tais pretensões indeferidas" (despacho do Presidente da Relação de Lisboa de 14-06-1999, in CJ, XXIV, 3.º, p. 75).
Não se conformando com as decisões judiciais proferidas, o requerente da suspeição tem ao seu dispor todos os mecanismos legais de impugnação que sejam processualmente admissíveis e, bem assim, como salienta que o fez, as aludidas “reações extraprocessuais”.
O incidente de suspeição não é, de facto, o mecanismo adequado para expressar a discordância jurídica ou processual de uma parte sobre o curso processual ou sobre os atos jurisdicionais levados a efeito pelo julgador. A jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem, de forma constante, evidenciado esta asserção (disso são exemplo as decisões expressas nos seguintes acórdãos: TRL de 11-10-2017, Pº 6300/12.0TDLSB-A-3, rel. JOÃO LEE FERREIRA; TRP de 21-02-2018, Pº 406/15.0GAVFR-A.P1, rel. ELSA PAIXÃO; TRP de 11-11-2020, Pº 1155/18.3T9AVR-A.P1, rel. JOSÉ CARRETO; TRE de 08-03-2018, Pº 13/18.6YREVR, rel. JOÃO AMARO).
Também não se insere no âmbito deste incidente a apreciação sobre a observância/inobservância pelo julgador dos deveres a seu cargo, em particular do dever de diligência, a que se reporta o artigo 7.º-C do Estatuto dos Magistrados Judiciais, sendo este o objeto específico dos meios “extrajudiciais” lançados mão pelo requerente.
Sem prejuízo destas considerações, certo é que, todavia, o incidente vem baseado nos efeitos (invocados pelo requerente) na pessoa da Sra. Juíza das circunstâncias de o requerente ter lançado mão (com toda a legitimidade, restando saber se o fez de forma fundada ou não) dos meios “extraprocessuais” que mencionou.
Mas, sobre tais efeitos, o próprio requerente conclui e reconhece que, “em concreto, a Meritíssima Juiz não praticou qualquer conduta que haja beliscado a sua imparcialidade”.
No mais, não concretiza o requerente, de alguma forma, a potencialidade de as “reações extraprocessuais” que deduziu poderem pôr em causa a sua posição processual no processo em apreço.
De todo o modo, conforme se sublinhou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-04-2023 (Pº 16/23.9YFLSB-A, rel. MARIA DO CARMO SILVA DIAS), “as queixas-crime ou mesmo, por exemplo, participações ao CSM, só por si não constituem fundamento bastante de recusa do juiz (…). Se assim fosse, então estaria descoberto um expediente para remover qualquer juiz e suscitar a questão da sua imparcialidade, assim se perturbando a atividade dos tribunais, dando cobertura ao uso indevido do processo e contornando as regras da competência e o princípio do juiz natural”.
Ou seja: Ainda que se reconheça a delicadeza da situação e a posição menos cómoda e até algo desagradável em que se encontram a Sra. Juíza e a parte queixosa, não se vê em que medida está posta em causa a imparcialidade da Sra. Juíza e que estejamos perante uma situação em que deva ser preterido o princípio do juiz natural (em idêntico sentido, em paralela situação, vd. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-02-2016, Pº 109/12.8TACNT-A.C1, rel. LUÍS RAMOS).
A posição que uma parte entenda observar relativamente à conduta processual do julgador, incluindo a formulação de participação junto do CSM, da Provedoria de Justiça ou instaurando ação contra o Estado Português (por exemplo, para efetivação de direito indemnizatório pelo exercício da função jurisdicional), não intui, por si só, algum motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, não determinando o afastamento deste para a tramitação do processo onde tal parte tenha intervenção, se nenhuma outra circunstância se denota no sentido de que possa ficar maculada a imparcialidade do julgador relativamente à tramitação e à decisão do processo.
Assim sendo, entendemos não se encontrarem reunidos os pressupostos que materializam o incidente, o que conduz à sua improcedência.
Não se nos afigura a existência de litigância de má-fé do requerente da suspeição, não se patenteando alguma das circunstâncias a que se reporta o n.º 2 do artigo 542.º do CPC.
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IV. Face ao exposto, indefiro a suspeição deduzida relativamente à Sra. Juíza de Direito B.
Custas a cargo do requerente do incidente.
Notifique.
Lisboa, 13-09-2024,
Carlos Castelo Branco.
(Vice-Presidente, com poderes delegados – cfr. Despacho 2577/2024, de 16-02-2024, D.R., 2.ª Série, n.º 51/2024, de 12 de março).