Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1642/2004-9
Relator: MARGARIDA VIEIRA DE ALMEIDA
Descritores: INDÍCIOS SUFICIENTES
PRONÚNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/11/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa:


I – (A), (B) e (C), inconformados com o despacho de não pronúncia proferido nos autos de processo crime nº 2/04.8TOLSB do 4º Juízo de Instrução Criminal de Lisboa em que é arguido (E), dele vieram interpôr o presente recurso, concluindo que não existe nos autos qualquer prova de que o arguido (OR) se viu impossibilitado de se opôr à comissão dos crimes perpretados pelos demais arguidos através da TVI – Televisão Independente.

Assim sendo, devem os arguidos ser pronunciados, nesse sentido devendo ser decidido o presente recurso.

II – O MºPº na primeira instância entende que o recorrente não tem razão uma vez que as declarações foram efectuadas em directo, pelo arguido e, nessa medida, o substituto do director não podia evitar a situação ou de qualquer maneira intervir na emissão em directo.

III – A questão objecto do presente recurso é apenas a de saber se tendo os recorridos emitido em directo a entrevista que deu origem à acusação contra (E), podiam, e deviam, interromper essa entrevista para evitar a comissão dos ilícitos que aquele terá alegadamente praticado ou se, ao invés, o despacho de não pronúncia em relação a este arguido se deve manter.

Apreciando:

A questão a decidir é de natureza simples já que as afirmações foram feitas durante uma entrevista transmitida no Jornal da Noite pelo arguido já pronunciado, tendo-se a jornalista (AS) limitado a anunciar que ...” (VA) já não está sózinho no caso .... Os elementos que compunham a direcção e o Conselho Fiscal quando das eleições do Benfica, foram constituídos arguidos. (E), assistente no processo e sócio do Benfica suspeita de factos criminosos e, por isso, não hesitou. Os arguidos devem ser notificados a qualquer momento...”

A jornalista não mencionou quaisquer nomes nesta introdução à entrevista que se seguiu e, só por esta afirmação, não é possível concluir que tivesse qualquer intenção de difamar com publicidade e calúnia os recorrentes.

A esta introdução da notícia seguiu-se a entrevista, após o que o jornalista (Q) termina a reportagem dizendo que ...” o sócio do Benfica (E) entende que (B) ficou na Direcção de (VA) porque tinha questões materiais para resolver... (A) e (C) por exposição mediático...”.

Ora, mesmo considerando o contexto global da entrevista, atribuir-se a (B) o facto de ter ficado na direcção de (VA) por ter razões materiais a resolver não é, de per si, uma afirmação ofensiva.
Explicitando melhor: o jornalista concluíu referindo o entendimento do sócio mas as afirmações que reproduziu não são ofensivas.
Ter questões materiais a resolver pode, tão somente, querer dizer que o recorrente actuou querendo acompanhar tudo o que se passava para esclarecer a situação.

Por outro lado, afirmar que (B) e (C) quiseram ficar na direcção por exposição mediática pode não ser uma afirmação agradável de ouvir no sentido de que cada um tem direito a ter motivações que estão na esfera da sua intimidade, fora dos comentários e apreciações de terceiros, mas não é, seguramente, uma afirmação ofensiva.
Gostar de exposição mediática é, para algumas pessoas, natural.
É igualmente natural que quem se movimenta por interesses clubísticos, mais ou menos altruístas, não goste de ver essas opções distorcidas ou classificadas de maneira deselegante ou até mesquinha.
Isso não chega para que essa afirmação seja classificada de difamação com publicidade e calúnia.
Assim, o despacho recorrido não pode merecer a requerida censura porque o autor das afirmações foi pronunciado e é de elementar bom senso concluir que um director de estação, ou, neste caso, aquele que o substituíu, não podem/devem intervir numa emissão de uma entrevista para limitar o direito (?!) de expressão do entrevistado.
A este cabe ter a noção de que no exercício do seu direito á liberdadede expressão está limitado pela obrigação de respeitar, estritamente, os direitos de personalidade das pessoas ou entidades acerca de cujos comportamentos ou actividades se pronuncia ou tece comentários, designadamente, o direito ao crédito e ao bom nome, direito constitucional com tutela directa que obriga entidades públicas e privadas.

Não é igualmente exigível que previnam os casos em que os entrevistados abusem desse direito tecendo considerações ou expressões injuriosas ou difamatórias de terceiros, a menos que surjam situações de tal forma gravosas que se justifique a retirada da entrevista e/ou sua interrupção, o que não foi o caso pois o tema em causa era o futebol, as contas dos clubes, temas esses que inflamam os sócios dos clubes e a opinião pública.

Analisadas as declarações dos jornalistas e a introdução feita à entrevista dada pelo arguido já pronunciado e analisada a “febre” que este tema provoca, as afirmações que lhes são atribuídas não são exageradas e de molde a atingir a honra e consideração dos recorrentes.
Estes sabiam quando concorreram aos referidos cargos, a exposição que os mesmos íam merecer.
Por outro lado, o assunto das contas do Benfica prendia a atenção de todos quantos o acompanharam e não se pode concluir que direito de informar foi excedido, tanto mais que o cidadão médio continua sem perceber como foram exercidas as competências atribuídas por lei aos diversos órgãos do clube.

O despacho recorrido não merece, pois, censura e é de manter.

IV – Termos em que acordam em negar provimento ao recurso interposto e em manter a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, com o mínimo de taxa de justiça e procuradoria.
Notifique, nos termos legais.

Lisboa, 11 de Novembro de 2004

Margarida Vieira de Almeida
Cid Geraldo
Trigo Mesquita