Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
271/11.7TTPDL.1.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
RETRIBUIÇÃO
SUBSÍDIO
EQUIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - Através do incidente de liquidação visa-se meramente determinar o quantitativo da prestação (no caso o subsídio de polivalência) devido ao trabalhador.
II - Apesar de o art.º 272/1 do Código do Trabalho, que regula a fixação da retribuição pelo Tribunal, não remeter para a equidade mas sim para a prática da empresa e os usos do setor ou locais, não sendo possível liquidar de outro modo a prestação, pode recorrer-se à equidade, nos termos do art.º 566/3, do Código Civil.
III - Para tal, há que lançar mão dos elementos mais objetivos possíveis, nomeadamente a ponderação da situação de outros trabalhadores igualmente credores do subsídio de polivalência.
IV - Em sede de liquidação o Tribunal pode declarar que aquele subsídio, nas circunstâncias em que a atividade é prestada - continuamente desde 2006 - é devido 13 vezes por ano, incluindo férias e subsídio de férias.
V - Não há, neste caso, nulidade por excesso de pronúncia ou outra, estando em causa o conhecimento da mesma questão: o quantum do subsídio de polivalência devido.
(Pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.

I. Relatório
A) Requerente/Recorrido: AAA
Executada/Requerida/Recorrente: BBB
Tendo sido decidido, por sentença transitada em julgado, e para além do mais, condenar a Ré a pagar um subsídio de polivalência, a liquidar em execução de sentença, veio AAA deduzir incidente de liquidação, pedindo a determinação da prestação acima indicada, a título de subsídio de polivalência, e alegando, para o efeito, que tal subsídio deverá corresponder ao valor que resulta da diferença entre o ‘nível de desenvolvimento’ titulado e o ‘nível de desenvolvimento’ imediatamente acima.
Opôs-se a Ré defendendo que:
- o dito subsídio de polivalência não pode ser determinado nos termos requeridos, sendo inadequado o critério apresentado, importando atender às concretas funções exercidas pelo Autor;
- não faz sentido que, sendo exercidas, no âmbito da polivalência, funções relativas a categorias profissionais colocadas num patamar inferior à do A., com menos exigência e qualificações, essa polivalência seja remunerada num valor correspondente ao ‘nível de desenvolvimento’ superior ao seu;
- devendo ter-se em consideração, para além do mais, a frequência e o ‘grau de intensidade’ com que essas funções em polivalência têm vindo a ser exercidas;
- e sendo certo, por outro lado, que a prestação em causa, a ser paga, deverá sê-lo 11 vezes ao ano (e não 14 vezes, como também é requerido), e com observância das restrições previstas na Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2011, aqui aplicáveis, e que se mantiveram nos Orçamentos de Estado seguintes.
Pediu a improcedência do incidente, com a sua absolvição do pedido, ou, em limite, a fixação de uma quantia que não exceda a que resulta da aplicação de todas as particularidades e regras acima apontadas.
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O Tribunal proferiu sentença em que julgou:
a) estando AAA integrado, de 1 de Março de 2006 a 31 de Maio de 007, no ND 1A, é-lhe devido, a título de subsídio de polivalência, neste período, e tendo como referência o ND 2A, a quantia de € 2262,40, correspondente a (€ 404,00 x 35%) x 16 meses;
b) estando AAA integrado, de 1 de Junho de 2007 a 25 de Outubro de 2018, no ND 1B, é-lhe devido, a título de subsídio de polivalência, neste período, e tendo como referência o ND 2B, a quantia de € 22072,05, correspondente a (€ 429,00 x 35%) x 147 meses;
c) estando AAA integrado, de 26 de Outubro a 31 de Dezembro de 2018, no ND 1C, é-lhe devido, a título de subsídio de polivalência, neste período, e tendo como referência o ND 2C, a quantia de €317,80, correspondente a (€454,00 x 35%) x 2 meses;
d) estando AAA integrado, de 1 de Janeiro a 30 de Setembro de 2019, no ND 1C, é-lhe devido, a título de subsídio de polivalência, neste período, e tendo como referência o ND 2C, a quantia de €1589,00, correspondente a (€454,00 x 35%) x 10 meses;
e) os cálculos desta prestação são feitos, nos termos acima definidos, sem prejuízo do regime de redução remuneratória previsto no art.º 19º da Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2011 (Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro), mantido nos Orçamentos de Estado seguintes, desde que preenchidos os seus respectivos pressupostos;
f) independentemente da categoria profissional, do escalão, do ‘nível de desenvolvimento’ ou de alguma alteração aos mesmos, o valor deste subsídio de polivalência, a ser pago 13 vezes por ano, será apurado nos mesmos termos acima definidos: tendo como referência a percentagem de 35% da diferença entre o ‘nível de desenvolvimento’ onde o trabalhador está integrado e o ‘nível de desenvolvimento’ imediatamente acima.
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Inconformada, a requerida apelou para esta Relação, concluindo:
a) A sentença recorrida, na parte em que condenou a Recorrente a pagar o subsídio de polivalência 13 vezes por ano - incluindo-o nas remunerações dos períodos de férias e nos subsídios de férias - é nula, porque excedeu manifestamente os limites de uma liquidação de sentença, tendo violado, designadamente, o disposto nos artigos 609.º e 615.º n.º 1, d) e e) do Código de Processo Civil;
b) Com efeito, na sentença liquidanda não foi afirmado que o subsídio de polivalência, em montante a apurar em sede de liquidação de sentença, deveria ser incluído nestas prestações;
c) Sendo certo que a decisão de um incidente que se destina a liquidar um determinado montante de um subsídio (antes não apurado) complementa a decisão principal condenatória, devendo, pois, conformar-se com o âmbito do título que lhe está subjacente (no caso, a sentença em liquidação);
d) Para além de nula, a sentença recorrida é também ilegal, por erro de julgamento ou de decisão jurídica, justamente nesta parcela em que condenou a Recorrente a pagar o subsídio de polivalência 13 vezes por ano (incluindo-o nas remunerações dos períodos de férias e nos subsídios de férias), quer desde março de 2006 quer para o futuro;
e) Esta condenação não resulta da aplicação do critério da equidade, tal como havia sido indicado na sentença liquidanda, sendo certo que também nunca poderia resultar, quer porque, nalguns casos, não se verifica qualquer similitude de situações que legitime a intervenção do critério da equidade quer porque, noutros, a base factual de que parte é escassa para permitir traçar analogias minimamente consistentes e objetivas;
f) As situações dos trabalhadores (…) e (…), identificadas na sentença recorrida, não são similares à do Recorrido porquanto, nestes dois casos, não se tratou da atribuição de um determinado subsídio para compensar uma específica forma de prestação de trabalho, mas de verdadeiras promoções;
g) O mesmo sucede com os «… acordos “para o exercício temporário de funções num centro de informação regional da BBB”…», tal como é reconhecido pela própria sentença recorrida, sendo certo que também nada foi alegado e, portanto, nada ficou provado, a propósito do número de meses em que este “subsídio especial” é abonado;
h) Nos Arestos identificados pelo Tribunal Recorrido também nada é referido a propósito do número de vezes que, em cada ano, tal subsídio deverá ser abonado, limitando-se os mesmos a utilizar, de forma algo abundante, a expressão “valor mensal”;
i) Saindo do campo da equidade, a sentença recorrida optou por fazer uma aplicação direta e automática das normas legais previstas para estas prestações retributivas;
j) Sucede que, se formulou um juízo de equidade para alcançar a aludida percentagem de 35%, para efeitos de cálculo do subsídio de polivalência, seria necessário que se mantivesse neste mesmo plano para a tomada de uma decisão sobre a sua inclusão ou não nas remunerações de férias e subsídios de férias;
k) Isto porque, por exemplo, tendo o Recorrido direito, em 2019, a um subsídio de polivalência mensal de €158,9, naturalmente que o valor anual será significativamente diferente nas hipóteses de multiplicação por 11 (€1.747,90) ou por 13 (€2.065,70), porquanto esta última hipótese corresponde a um acréscimo de mais de 18% em relação à primeira. Isto significa que, em face do exposto, a própria percentagem aplicada pelo Tribunal a quo (35%) deveria ser revista - para menos, por aplicação das regras da equidade - caso se considerasse que este subsídio deveria ser pago 13 vezes por ano;
l) Tendo decidido pela inclusão do subsídio de polivalência também nas remunerações de férias e respetivos subsídios, sem recurso à aplicação do critério da equidade, acabou por distorcer o próprio Juízo de equidade formulado para decidir pela percentagem de 35%, violando claramente a disposição legal referida na sentença recorrida, ou seja, o artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil;
m) Por outro lado, tendo a regularidade do pagamento deste subsídio resultado da sentença recorrida (e não de qualquer prática seguida pela Recorrente), não poderia a mesma servir como critério para a aplicação do artigo 264.º do Código do Trabalho, o que significa que tal procedimento, adotado na sentença recorrida, traduz igualmente uma errada interpretação e aplicação desta norma do Código do Trabalho;
n) A condenação da Recorrente no pagamento deste subsídio de polivalência, para o futuro, 13 vezes por ano, constitui igualmente uma violação do artigo 264.º do Código do Trabalho, pois o Tribunal não pode garantir que o desempenho de funções nestes moldes (em polivalência) se irá manter no futuro, nem mesmo se terá sempre a mesma configuração, ou seja, se permitirá sequer justificar o seu pagamento 11 vezes por ano, muito menos 13.
Nestes termos - e nos melhores de direito que doutamente se suprirão - deve o presente recurso ser considerado procedente e, consequentemente, deve a sentença recorrida ser substituída por outra que absolva a Recorrente da inclusão do subsídio de polivalência nas remunerações de férias e nos subsídios de férias, determinando que, no máximo, tal subsídio deverá ser abonado 11 vezes por ano, quer desde março de 2006 quer para o futuro, com o que se fará a tão costumada JUSTIÇA!
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O recorrido contra-alegou, pedindo a improcedência do recurso e concluindo:
I – Não existe qualquer nulidade da sentença.
II – Por outro lado, a inclusão do subsídio de polivalência no subsídio de férias e de Natal decorre de lei, pelo que não existe erro de julgamento na sentença que condenou a recorrente a pagar tal subsídio nas férias e respectivo subsídio.
III – Porque a sentença recorrida não violou qualquer normativo legal, nomeadamente os alegados pela recorrente, deve ser mantida.
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O DM do MP emitiu parecer no sentido da confirmação da decisão.
Não houve resposta ao parecer.
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II – Fundamentação
De acordo com as conclusões das alegações as questões submetidas ao conheci-mento deste Tribunal, constituindo assim o objecto do recurso, consistem em saber se há nulidade da sentença, por conhecer questão que lhe estava vedada, e se há erro de julgamento por ter condenado a R. a pagar o subsídio de polivalência 13 vezes por ano, quando, no máximo, segundo esta, não poderá ser ultrapassar as 11 vezes por ano.
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O Tribunal a quo considerou os seguintes factos provados (reproduzindo-se outrossim as considerações genéricas prévias):
Tendo em atenção o teor da sentença proferida, e especificamente com relevância na presente liquidação, constam aí como provados, recapitulando, os seguintes factos:
1. O Autor AAA entrou ao serviço da BBB, em 1/5/1990, como assistente de operações, passando a exercer a partir desta data, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, em cumprimento de horário semanal de 40 horas, as funções de montagem de equipamentos, tais como câmaras, projectores, tripés, passagem de cabos, entre outras, mediante o recebimento de retribuição.
2. Em 1992 a (…) foi transformada em (…), em 2003, esta empresa foi transformada em sociedade anónima gestora de participações sociais, ao mesmo que foi criada uma nova sociedade anónima para exploração do serviço público – (…) por cisão da (…) e em 2007 a (…) foi incorporada na (…), passando a denominar-se BBB
3. O Autor AAA foi promovido a ‘responsável operacional’ a 1 de Março de 2006, data em que começou a desempenhar funções de coordenação, a saber: a) no exterior – planeamento, execução e controlo técnico-operacional de produção de programas de televisão, bem como dos meios técnicos necessários, assegurando a gestão das actividades da equipa/profissional, distribuindo tarefas, procedimentos e horários;  b) no interior/estúdio – responsável pela preparação, execução e controlo técnico/operacional.
4. A integração nos diversos níveis de avaliação depende dos seguintes factores:
- Grau de responsabilidade na sua área de actuação;
- Impacto das decisões na respectiva estrutura organizacional;
- Formação e conhecimentos requeridos para o desempenho da função;
- Experiência requerida para a função;
- Grau de exigência da coordenação e da supervisão.
5. A Ré apreciou o nível de responsabilidade e o grau de exigência da coordenação cometidos ao Autor AAA no contexto de trabalho em que os mesmos se inserem, e concluiu que o exercício de funções de coordenação no Centro Regional dos Açores, onde os autores gerem equipas de cerca de 10 pessoas, não é comparável com o exercício de tais funções no continente, onde um coordenador pode ter que gerir equipas de 20 ou 30.
6. Além das funções acima descritas, os Autores desempenham, em simultâneo, tarefas da categoria de técnico de imagem (alinhamento das saídas das fontes de imagem antes da produção, controlo e vigilância da qualidade técnica da imagem durante a produção, harmonização do tempo, natureza das transições e selecção das fontes), da categoria de técnico de iluminação (concepção e elaboração de desenho de luz e das respectivas memórias descritivas necessárias à produção de programas; escolha dos equipamentos para utilização em situações em estúdio e/ou exterior) e da categoria de técnico de gestão de sistemas (planeamento, análise, comutação e endereçamento e o encaminhamento das fontes de sinal e a transmissão e emissão de sinais de vídeo e áudio; identificação de anomalias técnicas e operacionais, quando necessário, apresentando sugestões e soluções; elaboração de relatórios técnicos).
7. Pelas funções polivalentes exercidas pelos Autores a Ré não lhes atribuiu a subida de um nível de desenvolvimento superior.
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No estrito âmbito do presente incidente de liquidação, e após apreciação dos elementos de prova apresentados, também se apurou que:
a) desde, pelo menos, 1 de Março de 2006 até ao presente, o Autor AAA, para além das funções descritas em 3), tem também exercido as funções descritas em 6).
b) assim actuando ‘em permanência’;
c) em 18 de Junho de 2009 a Ré ajustou com o seu funcionário (…), por escrito, um denominado “acordo de promoção”, ao abrigo do qual este último, a partir de 1 de Janeiro de 2008, mantendo a mesma categoria (técnico de gestão de emissão), passou do ‘nível de desenvolvimento’ 2A para o ‘nível de desenvolvimento’ 3A.
d) segundo consta acordo: “…as partes reconhecem e acordam no exercício pleno da função e de polivalência de funções, quer de nível inferior, quer de nível superior, nos moldes e termos que têm vindo a ser desempenhados ao longo de muitos anos com carácter de regularidade…”;
e) em 18 de Junho de 2009 a Ré ajustou com o seu funcionário (…), por escrito, um denominado “acordo de promoção”, ao abrigo do qual este último, a partir de 1 de Janeiro de 2008, mantendo a mesma categoria (técnico de gestão de emissão), passou do ‘nível de desenvolvimento’ 2A para o ‘nível de desenvolvimento’ 3A.
f) segundo consta acordo: “…as partes reconhecem e acordam no exercício pleno da função e de polivalência de funções, quer de nível inferior, quer de nível superior, nos moldes e termos que têm vindo a ser desempenhados ao longo de muitos anos com carácter de regularidade…”;
g) no decurso do ano de 2006, a Ré ajustou com os seus funcionários (…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…) e (…), por escrito, um acordo denominado “Acordo para o Exercício Temporário de Funções no Centro de Informação Regional da BBB”, com as seguintes menções: “a BBB pretende que o trabalhador desempenhe temporariamente a sua actividade no Centro de Informação Regional de …”, “a BBB pretende que o trabalhador desempenhe as actividades inerentes à operação de equipamentos de controlo e mistura, iluminação de pequenos espaços cénicos de programas e comutação e encaminhamento da informação produzida (…), para além de quaisquer outras actividades que concorram para a emissão da informação (…) o trabalhador poderá ainda ser chamado a colaborar com jornalistas da (…) a fim de produzir informação para a (…)(…)”, “pelo presente acordo, o trabalhador é integrado no Nível de Desenvolvimento …”, “pelo exercício das funções referidas na cláusula anterior, o trabalhador auferirá uma remuneração mensal que integra as seguintes componentes: (…) subsídio especial, correspondente ao exercício de funções no Centro de Informação Regional, no valor de …”;
h) no incidente de liquidação que correu, neste Juízo do Trabalho, com o nº 71/10.1TTPDL.1, requerido por (…)(…)(…)(…)(…)(…) e (…) contra BBB por sentença proferida em 7 de Março de 2016, transitada em julgado, foi proferida a seguinte decisão:
a) estando (…)(…)(…)(…)(…) e (…)integrados no ‘nível de desenvolvimento’ 1A, fixa-se em € 260,00 o valor mensal do subsídio de polivalência vencido no período de 1 de Junho a 31 de Dezembro de 2007, e de € 265,00 o valor mensal deste subsídio vencido no período de 1 de Janeiro de 2008 a 31 de Outubro de 2013;
b) estando (…) integrada no ‘nível de desenvolvimento’ 2A, fixa-se em €377,50 o valor mensal do subsídio de polivalência vencido no período de 1 de Junho a 31 de Dezembro de 2007, e de €386,00 o valor mensal deste subsídio vencido no período de 1 de Janeiro de 2008 a 31 de Outubro de 2013;
c) independentemente da categoria profissional, do escalão, do ‘nível de desenvolvimento’ ou de alguma alteração aos mesmos, o valor deste subsídio de polivalência será apurado tendo como referência a diferença entre o ‘nível de desenvolvimento’ onde cada trabalhador está integrado e o ‘nível de desenvolvimento’ imediatamente acima”;
i) no incidente de liquidação que correu, neste Juízo do Trabalho, com o nº 74/10.6TTPDL.1, requerido por (…) e (…) contra BBB, em 25 de Janeiro de 2017 foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, transitado em julgado, de acordo com o qual:
Estando assente nos autos o pagamento pela ré de subsídio de polivalência, independentemente das tarefas executadas pertencerem, ou não, a categoria ‘inferior’, o que se vê como plenamente justificado pois tal tipo de desempenho, se com alguma duração, tem tendência a desvalorizar funcionalmente o trabalhador, e tendo o referido subsídio de corresponder a alguma valor pecuniário, entende-se como adequado que o montante de tal subsídio se situe nos 35% da diferença remuneratória entre o escalão que os trabalhadores tinham direito (…) e o imediatamente superior”.
j) o Autor AAA, com a categoria profissional de ‘responsável operacional’, tem sido posicionado nos seguintes ‘níveis de desenvolvimento’ (ND):
- ND 1A, de 1 de Março de 2006 a 31 de Maio de 2007;
- ND 1B, de 1 de Junho de 2007 a 25 de Outubro de 2018,
- ND 1C, de 26 de Outubro de 2018 até ao presente.
l) com a seguinte retribuição base:
- ND 1A, no ano de 2006 até 31 de Maio de 2007 - €1.542,00;
- ND 1B, de 1 de Junho de 2007 a 25 de Outubro de 2018 - €1.634,00;
- ND 1C, de 26 de Outubro a 31 de Dezembro de 2018 - €1.731,00;
- ND 1C, no ano de 2019 - €1746,00;
m) estando ainda fixados os seguintes valores a título de retribuição base:
- ND 2A, de 1 de Janeiro de 2006 a 31 de Dezembro de 2018 - €1.946,00;
- ND 2B, de 1 de Janeiro de 2006 a 31 de Dezembro de 2018 - €2.063,00;
- ND 2C, no ano de 2018 - €2.185,00;
- ND 2C, no ano de 2019 - €2.200,00.
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De Direito
1. Da nulidade
A recorrente entende que a sentença é nula por violação do disposto no artigo 615/1, al. d), e também e), do CPC, porquanto conheceu questões de que não podia tomar conhecimento, já que decidiu que o subsídio de polivalência deveria ser pago 13 vezes por ano, incluindo férias e subsidio de férias, quando só poderia, quanto muito, ter dito que tal subsidio seria devido quando o trabalhador prestasse a atividade em regime de polivalência. Decidindo como decidiu o Tribunal condenou inclusivamente em quantidade superior ao pedido (e aqui estaria a nulidade prevista no art.º 615/1/e).
A isto responde a contraparte que a condenação em 13 prestações anuais decorre da lei, já que desde 2006 - como se provou - o trabalhador exerce de forma permanente funções compreendidas em várias categorias profissionais.
Vejamos.
Está em causa a liquidação da sentença no que toca ao subsídio de polivalência.
Foi isso que a sentença fez (se bem ou não, veremos infra).
Nem se invoque o trecho em que a sentença remete para a liquidação [conforme transcreve a própria recorrente: “No que respeita à quantificação deste subsídio, se é certo que só deve ser relegado para execução de sentença o que de todo em todo não puder ser resolvido na acção declarativa, se necessário com recurso à ponderação de factores de equidade, também é inquestionável que no caso concreto não dispõe o tribunal de quaisquer elementos que lhe permitam quantificar o subsídio de polivalência. Pelo exposto, relega-se para execução de sentença a liquidação deste subsídio, de harmonia com o disposto no art.º 564º. n.º 2, parte final, do Código Civil”], que se limita exatamente a isso - remeter para liquidação -, não aludindo a qualquer  numero de vezes em que seria pago nem vedando tal apuramento (o que também não faria sentido: a decisão remeter para liquidação e ao mesmo tempo estabelecer limites suscetíveis de frustrar a liquidação).
Assim sendo, não se vislumbra como é que pode condenar para além do pedido ou em maior quantidade - o que existiria se liquidasse indevidamente outras verbas, mas não esta que esta precisamente em causa.
Não se verifica, pois, a nulidade prevista no art.º 615/1/e, Código de Processo Civil.
No que toca ao conhecimento de questões que não podia conhecer, cabe referir que as questões submetidas são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e todas as excepções invocadas, bem assim todas as excepções que caiba ao tribunal conhecer oficiosamente. Não relevam para este efeito, por exemplo, linhas de fundamentação jurídica adiantadas para fundar juízos formulados acerca das referidas questões, diferentes ou não das suscitadas pelas partes (cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 2, 2.ª edição, páginas 704 e 705).
Estando em causa a liquidação, e tendo sido isso que o Tribunal a quo fez, também aqui é manifesto que conheceu aquilo que tinha a conhecer. Trata-se de liquidar uma prestação, que foi liquidada, embora de forma que não satisfez a R.
Isto não consubstancia excesso de pronúncia.
Aliás, a discussão relativa ao erro de julgamento mostra-o bem: pode discutir-se o acerto da solução, mas não o conhecimento de um pedido não deduzido.
Pelo que se julgam improcedente as arguidas nulidades.
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2. Do erro de julgamento
Está em causa a liquidação efetuada com recurso, na terminologia da sentença principal, a factores de equidade, nos termos do disposto no art.º 566/3 do Código Civil.
Há que notar que o art.º 272/1 do Código do Trabalho, que regula a fixação da retribuição pelo Tribunal, não remete para a equidade mas sim para a prática da empresa e os usos do setor ou locais (no sentido de que a remissão não é para a equidade cfr., por todos, Júlio Gomes, Direito do Trabalho, vol I, 768).
Compreende-se, no entanto, a alusão a "fatores de equidade" quando inexistem elementos seguros na prática da empresa ou nos usos que permitam ultrapassar a dificuldade.
Foi o que aconteceu exatamente nos casos referidos nas al. h) e i) da matéria de facto.
E é pelas mesmas razões que nem se discute o uso de "fatores de equidade".
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Para a melhor circunscrição dos termos da questão é conveniente transcrever, no essencial, os termos que o Tribunal a quo invocou no saneador sentença, para decidir, a saber:
(...) Porque importa fixar um critério objectivo com base no qual tal subsídio seja quantificado, o Tribunal, procedendo a um cálculo baseado em regras de equida-de, nos termos do art.º 566º, nº 3, do Código Civil, toma como referência o único ele-mento concreto e objectivo que, apesar de tudo, foi possível apurar acerca desta materia: os denominados “acordos de promoção” que a Ré celebrou com outros funcionários, nos quais, fazendo-se menção à polivalência de funções, os trabalhadores são mantidos com a mesma categoria profissional (e o mesmo escalão), mas confere-se-lhes um estatuto remuneratório correspondente ao ‘nível de desenvolvimento’ (ND) imediatamente acima. De resto, nos também apurados acordos “para o exercício temporário de funções num centro de informação regional da BBB”, que a Ré celebrou com outros trabalhadores, embora as situações aí referidas sejam distintas daquelas que agora são dadas a apreciar, não deixa de se associar o exercício de determinadas funções extra ao pagamento de um “subsídio especial”, tendo como referência a integração num determinado ‘nível de desenvolvimento’.
Esta foi também a orientação seguida nos incidentes de liquidação que correram, neste Juízo, sob os nº 71/10.1TTPDL.1 e nº 74/10.6TTPDL.1, já com decisões transitadas, muito embora neste último processo, mediante Acórdão da Relação de Lisboa de 25 de Janeiro de 2017, mantendo-se esse critério, entendeu-se, ainda assim, que o cálculo deveria tomar como referência, não o valor integral do ND superior, mas sim uma percentagem de 35% da diferença remuneratória entre ambos os “escalões” (o titulado e o imediatamente acima). Este Juízo do Trabalho (...) decidiu de forma diferente, no Ac. do proc. nº 71/10.1TTPDL.1, concretamente no sentido de atender, no cálculo deste subsídio, ao valor integral da diferença remuneratória entre ambos os ‘níveis de desenvolvimento’ (e não a qualquer percentagem), mas, evoluindo no seu pensamento (...) reconhece agora que esta orientação definida no referido ac. (...) nº 74/10.6TTPDL.1, é mais equilibrada e equitativa. Pois se, como acontece neste caso, as funções efectivamente exercidas em regime de polivalência (de técnico de imagem, de técnico de iluminação e de técnico de gestão de sistemas) são inerentes a categorias profissionais funcional e hierarquicamente ‘inferiores’ à que é titulada pelo A., responsável operacional, se essas funções exigem menos qualificações e uma menor exigência, todo o sentido faz, segundo os critérios de equidade, que o subsídio de polivalência pelo exercício dessas funções, seja calculado numa determinada percentagem da diferença remuneratória entre ambos os ‘níveis de desenvolvimento’. Neste caso, e até para assegurar a harmonização possível nesta matéria na mesma empresa: 35% de tal diferença entre ambos os ND.
Neste sentido, fazendo-se o cálculo do subsídio de polivalência com apelo às referidas regras da equidade, mas assegurando-se a aplicação de um critério objectivo, simultaneamente equilibrado, considera-se que este subsídio deverá ser quantificado, em favor de AAA, com o valor correspondente a 35% da diferença entre o ‘nível de desenvolvimento’ (ND) em que o mesmo está concretamente integrado e o ‘nível de desenvolvimento’ imediatamente acima. Quer isto dizer que, estando o trabalhador integrado num determinado ‘nível de desenvolvimento’, ele, ainda que mantendo, obviamente, a mesma categoria profissional (e o mesmo escalão), receberá o subsídio de polivalência de que é credor num valor mensal correspondente a 35% da diferença entre esse ‘nível de desenvolvimento’ e o que está logo acima.
Nos termos (... dos) art.º 258º e 264º, nºs 1 e 2, do Código do Trabalho, sendo este subsídio de polivalência uma prestação pecuniária a ser paga de forma regular e periódica, todos os meses, por permanente exercício de funções em regime de polivalência, assim sucedendo desde o ano de 2006, (...) esta prestação deverá integrar quer a retribuição do período de férias quer o subsídio de férias. Com efeito, esta prestação não só é regular e periódica, também constitui uma contrapartida específica pelo trabalho prestado, pelas concretas funções exercidas, visando compensar o trabalhador pelo facto de exercer, quer as funções relativas à sua categoria profissional, quer outras funções, inerentes a outras categorias profissionais, pelo que, nestas condições, deverá integrar o cálculo das prestações previstas no art.º 264º, nº 1 e 2. De forma diferente, tendo presente o disposto nos art.ºs 262º e 263º, nº 1, do CT, e cingindo-se o cálculo do subsídio de Natal, salvo disposição legal, convencional ou contratual em contrário, à retribuição base e às diuturnidades, no cômputo do valor deste subsídio não deverá relevar o subsídio de polivalência. Pelo que, em suma, a prestação sobre a qual incide a presente liquidação deverá ser paga 13 vezes por ano" (...).
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Como escreve Sousa Antunes, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações Das Obrigações em Geral, Univ. Cat. Edit., 570, nota 7 ao art.º 566, "a fixação da indemnização segundo a equidade deve tomar por referência o principio geral estabelecido no art.º 562. O lesado deve beneficiar de uma indemnização orientada para a materialização da situação hipotética em que estaria se não tivesse sofrido a lesão. O que significa, nesta sede, mutatis mutandis, que o trabalhador deve auferir o valor mais próximo possível (isto precisamente atentas as dúvidas existentes no caso) aquilo que normalmente perceberia em função da prática da empresa e dos usos do setor ou locais, assim se realizando a justiça do caso concreto.
É questão de direito, ainda na anotação de Sousa Antunes, seguindo jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, "a verificação dos pressupostos normativos da utilização da equidade e a apreciação da razoabilidade da decisão obtida" (idem, pág. 571).
Ora, não havendo dúvida quanto à necessidade de aplicação dos ditos fatores equitativos, resta-nos ponderar a razoabilidade da decisão, face às críticas dirigidas à sentença.
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A R. insurge-se contra a fixação do subsídio em 13 vezes (o que na sua ótica iria até além do que é a mera liquidação).
Responde o recorrido que tem vindo a prestar atividades de mais de uma categoria desde 2006; portanto, e necessariamente, tem direito a que tal valor entre para a retribuição das férias (art.º 264/1), o mesmo se passando com o subsídio de férias.
Não vemos que tal seja desrazoável, face ao disposto no art.º 264/1 e 2, do Código do Trabalho, referindo o n.º 1 expressamente que a retribuição do período de férias corresponde àquela que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo).
Nem se diga que isto já não é liquidação. É que é assim que se apura o valor devido anualmente (e a omissão desta indicação redundaria provavelmente em mais conflitualidade, mostrando o recurso exatamente que não há acordo das partes aqui).
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Rebela-se a R. contra a invocação da situação dos trabalhadores (…) e (…), já que aí havia verdadeiras promoções.
Porém, como referiu obiter dicta o acórdão desta Relação de Lisboa de 15.3.16 (cit. proc. 71/10, relat. Paula Santos) "é precisamente por o Tribunal não ter encontrado situações exatamente iguais às dos requerentes que decidiu de acordo com a equidade, mas fundado em situações com alguma similitude, por expressamente enquadrarem os trabalhadores na polivalência".
Defende ainda que "o recurso à equidade, para ser legitimado, tem de assentar na avaliação de todos os elementos essenciais das situações em comparação", comparação que, na sua ótica, o Tribunal recorrido não aprofundou.
Esta crítica é formulada ainda a propósito da fixação do valor mensal do subsídio de polivalência, devido 13 vezes por ano, insurgindo-se a R. a propósito, ainda, da invocação do dispositivo legal a propósito da 12ª e 13ª prestação, que assim já não seriam produto da liquidação por via da equidade.
Ora, todo esta argumentação afigura-se prejudicada pelo referido no apartado (entre asteriscos) anterior, vindo os preceitos legais a propósito da motivação jurídica da decisão.
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Argumenta ainda a recorrente que a situação de futuro pode vir a alterar-se, não fazendo sentido ficar vinculada ao pagamento de 13 prestações anuais deste subsídio.
Ou seja: pode haver uma alteração de circunstâncias no futuro.
Não se afigura que tenha razão. Primeiro, alteração no futuro há de sempre haver, nem que seja no dia em que o contrato de trabalho do autor caduque por força da idade, com todas as consequências para as partes. Isso não obsta à definição dos direitos e deveres das partes discutidos nos autos. Depois, a liquidação parte exatamente do pressuposto da existência de uma determinada situação de facto (nomeadamente a prestação contínua de atividades de várias categorias desde 2006). Enfim, tanto quanto se vê, a liquidação encontra-se feita nas al. a) a d) da parte decisória, limitando-se a al. f) a indicar critérios para futuro, até aos limites temporais em que a própria sentença liquidada se pode projetar.
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Em suma, não se vislumbra qualquer desrazoabilidade que ponha em cheque a liquidação efetuada.
Pelo que improcede o recurso.
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III. Decisão
Termos em que o Tribunal julga improcedente o recurso e confirma a decisão recorrida 
Custas do recurso pela recorrente.

Lisboa, 13 de julho de 2020
Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega