Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2772/2006-8
Relator: SILVA SANTOS
Descritores: CLÁUSULA PENAL
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/01/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I - Mostra-se válida a cláusula estipulada num contrato de aluguer de longa duração com o seguinte teor: “ no caso de, cessando o aluguer, seja por o contrato ter expirado normalmente, seja por ele ter sido resolvido, o cliente não devolver atempadamente o veículo, a […] terá direito, a título de cláusula penal por esta mora na devolução, a receber uma quantia igual ao dobro daquela a que teria direito se o aluguer permanecesse em vigor por um lapso de tempo igual ao da mora”.
II - A referida cláusula está em consonância com o disposto no artigo 1045.º do Código Civil, não violando o regime das cláusulas contratuais gerais constante do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, designadamente o artigo 19.º, alínea c) que proíbe cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.
III - É que, face aos riscos que a actividade económica de aluguer de veículos de longa duração comporta, resultantes, a um tempo, do próprio desgaste dos veículos e, a outro, da vultuosa mobilização de capitais que a sua aquisição implica, a aludida cláusula não se afigura desproporcionada.
(SC)
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA – SECÇÃO CÍVEL:

I.
A. […] Lda.,  intentou, no tribunal judicial de Lisboa, a presente acção declarativa de condenação com processo sumário, contra A. […] M. […] e L.[…]

Em síntese, alegou que alugou e entregou ao primeiro Réu um veículo automóvel, pelo período de 60 meses, tendo os segundo e terceiro Réus prestado fiança para garantia das obrigações resultantes do contrato para este. Todavia, após o 19.° aluguer, o Réu deixou de pagar os alugueres vencidos, sem entregar, contudo, o veículo, o que levou a Autora a declarar resolvido o contrato.

Concluiu pedindo que seja declarado resolvido o contrato e, por via disso, declarado o direito à restituição do veículo bem como a condenação solidária dos Réus no pagamento da quantia de € 2.257,47, correspondente ao valor dos alugueres vencidos e não pagos, acrescidos de juros de mora à taxa legal, bem como no pagamento da indemnização contratualmente prevista para o atraso na entrega do veículo, esta última a liquidar em execução de sentença.

Os Réus contestaram, alegando, em síntese, que a partir do vencimento do 20.° aluguer, como o primeiro Réu não pudesse continuar a pagar, enviou um fax à ora autora, pedindo a rescisão do contrato, com o pagamento dos valores em dívida, tendo enviado depois uma carta registada com A/R questionando a primeira sobre o lugar onde podia restituir o veículo, o que nunca foi indicado pela autora.

Por outro lado, não obstante o contrato celebrado ter sido de aluguer, aquilo que as partes pretendiam era a transferência da propriedade do veículo, com o pagamento rateado do preço, pelo que o valor da indemnização deve ser equitativamente reduzido, por forma a que a Autora não fique colocada em posição mais vantajosa do que a que obteria com o cumprimento do contrato.

Por último, quanto ao segundo e terceiro Réus, nunca lhes foi comunicado o conteúdo do contrato, composto por cláusulas contratuais gerais, pelo que o mesmo é ineficaz em relação a eles, excepto quanto à quantia equivalente ao valor das prestações em atraso à data da rescisão.

Houve resposta.

II.
Após instrução, seguiu-se o julgamento.

III.
São os seguintes os factos provados:

1. A A., que é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio e aluguer de veículos sem condutor, tem inscrita a seu favor, na competente Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa, a propriedade do veículo […](cf. documento de fls. 7 dos autos de providência cautelar).

2. No exercício da sua actividade, a A. celebrou com o R. .[…]s, em 08/10/1998, o acordo escrito que se encontra junto a fls. 8 dos autos de providência cautelar, que as partes denominaram de «contrato de aluguer n.°[…]», que se dá por reproduzido.

3. Tal contrato destinava-se a vigorar por 60 meses, obrigando-se o mesmo R. a pagar à A. alugueres mensais e sucessivos, sendo o primeiro - de Esc. 1.028.152$00 - devido em 08/10/1998, e os subsequentes no valor de Esc. 50.287$00 cada, incluindo IVA à taxa legal em vigor.

4. Os RR. M.[…] e L. […] subscreveram, na mesma data, a declaração que se encontra junta a fls. 5 dos presentes autos.

5. O dito veículo foi entregue ao 1.° R., que passou a utilizá-lo.

6. O 1.° R. apenas pagou 19 alugueres, nada mais pagando.

7. A A. interpelou o 1.° R. por carta registada com aviso de recepção, exigindo a devolução imediata da viatura.

8. Através dos seus advogados, a A. enviou ao 1.° R., por carta registada com aviso de recepção, a comunicação cuja cópia se encontra a fls. 12 dos autos de providência cautelar.

9. Aquando da celebração do contrato identificado em 2), o 1.° R. subscreveu a proposta de compra da referida viatura, pré-redigida e aceite pela A., nos termos constantes de fls. 35, que integralmente se reproduz.

10. A A. retomou o sobredito veículo em 14/03/2003 (cf. documento de fls. 41).

11. Na sequência do que se menciona em 7), o 1.° R. não efectuou qualquer pagamento, nem devolveu a viatura.

12. A A. nunca indicou o local exacto onde a viatura deveria ser depositada, nem promoveu à sua remoção.

13. Em 14/03/2003, o veículo identificado em 1) valia pelo menos € 4.000,00 (quatro mil euros).

IV.
Perante tais factos decidiu-se:

a) Declara-se validamente resolvido o contrato de aluguer de veículo sem condutor n.° 24628 celebrado entre a Autora e o Réu A. […] e, por via disso, reconhece-se o direito desta à restituição do veículo […]
b) Condenam-se os Réus, solidariamente, a pagarem à Autora a quantia de G 2.257,47, referente aos alugueres vencidos e não pagos desde Junho de 2001 a Fevereiro 2002, acrescidos de juros de mora à taxa as taxas sucessivamente em vigor, desde a data de vencimento de cada um deles, até efectivo e integral pagamento.
c) Julgando-se nula a cláusula 15.a das Condições Gerais do contrato, absolvem-se os Réus do demais pedido.

V.
Desta decisão apela agora a A. pretendendo a sua alteração, uma vez que:

1) Entre a DATA DE RESOLUÇÃO do contrato (Fevereiro de 2002) e DATA DA RESTITUIÇÃO da viatura, decorreu um período de TREZE MESES em que o Réu, ora Recorrido, utilizou a viatura SEM NADA PAGAR.

2) Em obediência ao princípio da equidade contratual, das duas uma: ou o locatário é obrigado a pagar os correspondentes alugueres vencidos ou aplica-se o regime da indemnização pela mora na restituição da viatura fixada pelas partes no contrato.

3) As partes contratantes fixaram livremente o critério do montante indemnizatório, estipulando na cláusula 15a do contrato que a indemnização pela mora na restituição seria igual ao dobro dos alugueres.

4) Aquela cláusula penal é válida ao abrigo do disposto nos art°s 405° e 810° do C.C., não sendo sequer desproporcionada atendendo aos riscos próprios da actividade locadora e ao elevado capital aplicado (vide acórdão do STJ de 09.03.93, in Col. Jur. Acórdãos do STJ, Tomo ll, pág. 10).

5) A nulidade daquela cláusula nem foi alegada pelos Réus nem é de conhecimento oficioso.

6) Com o uso do veículo pelo ora Recorrido, este perdeu o seu valor comercial não compensado de todo pelos alugueres efectivamente pagos, facto que é de senso comum e, como tal, público e notório.

7) Com a mora, ficou o ora Recorrido obrigado a indemnizar a ora Recorrente, precisamente nos termos do contrato que livremente subscreveu, destinando-se a indemnização a colocar a locadora na posição em que ela se encontraria se não tivesse contratado com ele, incluindo a perda de benefícios que poderia ter auferido, se houvesse negociado com outrem (cf. Ac. STJ proc° 96B615).

8) Conforme doutamente se decidiu no acórdão da Relação do Porto de 93..11.23, C.J. de 1993, V, 255, o juízo sobre proibição de cláusulas contratuais gerais, deve efectuar-se previamente, de acordo com a sua adequação ao sector de actividade a que pertencem e não perante cada negócio concreto em que as cláusulas foram inseridas.

9) In casu, os ora Recorridos não podiam deixar de ter conhecido as cláusulas contratuais constantes do contrato que não são gerais mas muito específicas, nenhuma dúvida razoável podendo emergir para o locador e seus fiadores de que, em caso de mora na entrega do veículo, seria devida à locadora, uma indemnização equivalente ao dobro dos alugueres fixados, o que constitui uso e costume corrente e unanimemente aceite pelo mercado, visando, aliás, desincentivar o incumprimento.

10) Mesmo que, sem condescender, se admitisse a nulidade da citada cláusula, impunha-se ao Julgador o dever de fazer justiça, quiçá recorrendo à analogia ou ao espírito do sistema.

11) O entendimento vertido na douta sentença recorrida, salvo o devido respeito, incorre em erro de julgamento, faz errada interpretação dos art°s 12°, 13°, 14° e 19°, do DL n° 446/85 e viola os princípios constitucionais da proporcionalidade ou da proibição do excesso e da defesa dos direitos patrimoniais (art°s. 18°, n° 2 e 62°, n° 1 da C.R.P.)

Deve dar-se provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se sentença recorrida e, consequentemente, julgando-se procedentes e provados todos os pedidos formulados pela Autora.

Contra alegaram os apelados entendendo que deve o presente recurso ser julgado improcedente, devendo, em consequência, a decisão do Tribunal "a quo" ser integralmente mantida.

VI.

É sabido e tem sido jurisprudência dos nossos tribunais superiores a conclusão de que o objecto do recurso é limitado pelas conclusões insertas nas alegações do recorrente pelo que em princípio só abrange as questões aí contidas, como resulta aliás do disposto no art. 690 do CPC.

Assim, face às conclusões das alegações da apelante o objecto do recurso resume-se:

É ou não devida a indemnização prevista na clausula 15ª, indemnização essa que deve avaliar-se como correspondendo ao dobro dos alugueres fixados, na situação como a presente em que ocorreu resolução do contrato e a entrega do veiculo ocorreu muito tempo depois dessa data?

VII.

Não está em causa a qualificação jurídica do contrato.

Trata-se um contrato de aluguer de longa duração o qual configura um contrato, de natureza especial, regulado, no essencial, pelas normas particulares do DL n.º 354/86, de 23.10, pelas normas gerais da locação (arts. 1022 e segs. do CC), pelas disposições gerais dos contratos e pelas estabelecidas pelos contraentes que não estiverem em contradição com aquelas, quando de ordem imperativa.

A questão fundamental a ter em consideração resulta da interpretação – que na sentença se alude – da cláusula nº 15 do contrato em questão.

Anote-se, antes de mais, que o contrato de que se vem falando não se encontra junto a estes autos de recurso uma vez que, segundo consta, teria sido junto à providência cautelar que a esta acção deveria estar apensa.

A cláusula em questão não foi convenientemente consignada na base instrutória e apenas dela se tem notícia na fundamentação da sentença ora impugnada.

Esse pormenor não foi questionado ou sequer sindicado.

Por isso se considera, tal como foi ali foi expresso, não se antevendo necessidade de averiguação mais séria.

Assim, é do seguinte teor tal clausula: «no caso de, cessando o aluguer, seja por o contrato ter expirado normalmente, seja por ele ter sido resolvido, o cliente não devolver atempadamente o veículo, a […] terá direito, a título de cláusula penal por esta mora na devolução, a receber uma quantia igual ao dobro daquela a que teria direito se o aluguer permanecesse em vigor por um lapso de tempo igual ao da mora»

A decisão impugnada admitiu (e bem) a resolução do contrato.

E realce-se que todo o raciocínio lógico jurídico utilizado na sentença impugnada se mostra bem elaborado e bem fundamentado.

Não obstante dele discordamos.

VIII.

A questão prende-se com a necessidade de articular o regime jurídico das consequências e efeitos da resolução do contrato com o hipotético pedido de indemnização pela utilização do veículo durante um certo período de tempo.

É que, como muito bem relembra a recorrente …«entre a data de resolução do contrato (Fevereiro de 2002) e data da restituição da viatura, decorreu um período de treze meses em que o réu, ora recorrido, utilizou a viatura sem nada pagar. Em obediência ao princípio da equidade contratual, das duas uma: ou o locatário é obrigado a pagar os correspondentes alugueres vencidos ou aplica-se o regime da indemnização pela mora na restituição da viatura fixada pelas partes no contrato».

Ora, se porventura o contrato se mantivesses válido tal período de tempo deveria ser pago pela renda devida. Então se assim é, não parece apresentar lógica o seu contrário.
Isto é, se por culpa do locatário ocorreu a resolução do contrato, precisamente pela falta de pagamento do respectivo aluguer, não parece fazer sentido (lógico/jurídico) que durante o período de tempo em que ainda utilizou o veículo fique «dispensado» desse pagamento de aluguer.

A sentença decidiu-se pela não aplicação ao caso do art. 1045 do C. C. e concluiu pela nulidade de tal clausula face ao estatuído no D. L. nº 446/85 – regime das clausulas contratuais gerais.

A indemnização pedida corresponde à satisfação de um “interesse positivo” ou de “cumprimento”, o que, aparentemente, é de todo incompatível com a destruição do contrato, antes pressupondo a sua manutenção, sendo que, para aquela outra situação (destruição do contrato, v.g., resolução), o interesse a proteger será o “negativo” ou de “confiança”, equivalendo a indemnização ao prejuízo que o credor não teria sofrido, caso o contrato não tivesse sido celebrado – estes são os termos em que, no caso de resolução, é, a nosso ver, sustentável a possibilidade de atribuição de indemnização, na interpretação conjugada dos arts. 801 e 564 do CC.

Não sendo de afastar a atribuição de indemnização para uma situação de resolução de contrato bilateral, ainda que dentro dos parâmetros acabados de enunciar, o certo é que, no caso de que nos ocupamos, nos defrontamos perante a aludida cláusula a prever uma indemnização para a não restituição do veículo, uma vez considerada a resolução.

Quando o n.º4 do art. 17º do D.L. 354/86 de 23 de Outubro fala em “rescindir o contrato nos termos da lei” deve entender-se que se remete para as normas do Código Civil relativamente aos contratos em geral e, especificadamente, os artigos 432º, n.º1 e 436º, n.º1 do Código Civil.

A indemnização que aqui importa considerar, uma vez resolvido o contrato, corresponde ao dano de confiança, ou seja, ao interesse contratual negativo que nomeadamente "corresponde ao lucro que o credor teria tido, se não fora a celebração do contrato resolvido" (ver Código Civil Anotado, Antunes Varela, 4ª edição, pág. 58) ou, numa outra formulação, " o dano que a parte sofreu por ter confiado na validade do contrato" ("Culpa do Devedor ou do Agente" Vaz Serra, B.M.J.Nº 68, Julho de 1957, pág. 119).

Assim, impõe-se analisar a referida cláusula, indubitavelmente uma cláusula contratual geral, à luz das regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto do contrato singular em que se inclui (artigo 10º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro), o que se compreende pela necessidade de se acentuar a vertente de uma "justiça individualizadora" .

De acordo com a teoria da impressão do destinatário, adaptada nos termos do referido artigo 10º, o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, alcança lendo a cláusula em causa, contextualizada nos termos referidos, outro não se nos afigura que não seja o de ele ter de suportar a título de prejuízos, no caso de resolução do contrato, o pagamento do dobro da «renda» mensal que negociara pagar pela utilização do veículo em causa.

IX.

Porém, a sentença em causa afastou a aplicação do art. 1045 do CC e construiu uma interpretação no sentido de que aquela clausula 15ª é nula concluindo …«a consagração em contrato de adesão deste tipo de cláusula contratual de idêntico sentido material importa a estipulação de uma cláusula penal desproporcionada ao dano a ressarcir, porquanto, como já se aludiu, não existe correspondência entre a perda do valor locativo e o montante dos alugueres fixado no contrato, sendo certo que a desproporção será tanto maior quando exista - como sucede no contrato dos autos - uma outra cláusula penal destinada a reparar o lucro cessante ocasionado com o incumprimento antes do termo previsto do contrato….»

Vejamos:

Uma das obrigações do locatário é precisamente restituir a coisa locada findo o contrato (artº 1038º, al. b. do CC).
O art. 1045 do C. C. prevê a indemnização que o locatário deve pagar ao locador no caso de não entregar a coisa locada logo que finde o contrato (Embora essa indemnização não seja obviamente devida se o locatário tiver fundamento para consignar em depósito a coisa devida, como resulta da parte final do seu nº 1; neste caso o locatário não é responsável pela não entrega).

Estamos, pois, perante uma indemnização devida pelo atraso na restituição da coisa, a qual consiste no pagamento de um valor igual ao da renda, que será elevado para o dobro logo que o locatário se constitua em mora.

E válida face ao artigo 810º nº 1 do Código Civil: “as partes podem (…) fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal”.

A cláusula penal é, como o foi no caso presente, uma estipulação que faz parte integrante de um contrato livremente celebrado e através da qual as partes visam, normalmente, dois objectivos:
o reforço do direito do credor ao cumprimento da obrigação principal;
e a fixação antecipada do valor da indemnização em caso de incumprimento de uma das partes, dispensando o credor de provar a existência e o montante dos prejuízos efectivamente sofridos.

E esta indemnização pelo atraso na restituição nada tem a ver com o atraso do cumprimento das obrigações inerentes ao próprio contrato.

X.

A lei fixa assim o montante da indemnização devida porque, em regra, não é estabelecida contratualmente qualquer sanção para a não restituição da coisa, findo o contrato. E, por isso, bem se justifica que seja previamente determinado, via legal, o montante da indemnização a pagar pelo faltoso.

Portanto, se, por qualquer razão, a coisa locada não for restituída ao proprietário, logo que extinto o contrato, o arrendatário é obrigado a pagar-lhe quantia igual à renda que vinha sendo paga, como se o contrato continuasse em vigor, mas agora a título de indemnização. E não repugna que tal valor se eleve para o dobro considerado o incumprimento.

Não se pode esquecer que sempre haveria fundamento para consignar em depósito a coisa devida, o que não aconteceu.

E bem se compreende esta solução uma vez que o locatário continua a utilizar a coisa locada, sem justo motivo, bem sabendo que a deve entregar (por isso se trata de uma indemnização específica pela não restituição do bem, portanto, de natureza contratual)

XI.

Por outro lado, a sentença afastou, como se disse, também a aplicação de tal cláusula com fundamento na sua nulidade face ao regime das clausulas contratuais gerais.

Face ao disposto no artigo 16.º do D. L. nº 446/85 e como princípio geral são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé.

No art. 17 concretiza-se que … na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente: a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis; b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.
O art. 19º, al. c), deste diploma legal proíbe, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas gerais desproporcionadas aos danos a ressarcir.

Antes de mais, dir-se-á que o normativo em análise, quando alude ao conteúdo das cláusulas e aos danos indemnizáveis, não visa a desproporção em concreto, face aos prejuízos efectivamente sofridos, mas a desproporção em abstracto.

É por isso que o juízo valorativo atinente à desproporção não se dirige aos contratos “ uti singuli”, mas às cláusulas abstractamente predispostas, encaradas no mesmo universo contratual (cf. Almeida Costa e Menezes Cordeiro, in Cláusulas Contratuais Gerais, 1986, paga. 46 e Pinto Monteiro, in Cláusula Penal e Indemnização, 1990, pags. 593 e 594).

É por isso também que a assinalada desproporção não se traduz na simples superioridade das penas pré-estabelecidas em relação aos danos, antes importará só tê-la por verificada quando essa desproporção, face aos factos provados, for manifesta ou sensível ( v. obra cit. de Almeida Costa e Menezes Cordeiro, pag. 47).  

A actividade económica do aluguer de veículos de longa duração comporta  riscos elevados para as locadoras, resultantes, a um tempo, do próprio desgaste dos veículos e, a outro, da vultosa mobilização de capitais que a sua aquisição implica.

E, para além do referido desgaste, não raro a própria evolução da técnica torna os veículos obsoletos quando se atinge o termo contratual.

Se o locatário incumprir, o locador terá necessariamente de suportar os encargos acrescidos inerentes à realização do seu direito de crédito, quiçá recorrendo ela própria ao crédito.

Para além disso, importará não olvidar o tempo que necessariamente decorre entre a comunicação da resolução contratual e a efectiva recuperação dos veículos e o recebimento das quantias em dívida, durante o qual a locadora está desembolsada dos alugueres, enquanto o locatário continua a utilizar o veículo locado.

Perante o condicionalismo sumariamente exposto, devemos concluir que a assinalada cláusula não se revela em abstracto desproporcionada aos danos que visa ressarcir, mostrando-se a sua inclusão contratual perfeitamente justificada à luz do princípio da autonomia da vontade – art. 405º do C. Civil.

E bem se compreende esta solução uma vez que o locatário continua a utilizar a coisa locada, sem justo motivo, bem sabendo que a deve entregar.

A indemnização fixada corresponde a um valor objectivo e conhecido, afastando qualquer subjectividade e excluindo a insegurança jurídica bem como a incerteza do quantum indemnizatório.

XII.
É evidente no caso dos autos a falta de cumprimento das obrigações por parte do apelado.

A resolução do contrato é uma consequência directa de tal incumprimento que de resto não se questiona.

Perante tal,

A apelante pedia o montante das prestações não pagas até à data da resolução e os respectivos juros.

Ainda, a título de indemnização, o valor das prestações em dobro proveniente da circunstância do apelado não ter entregue a respectiva viatura desde a data da resolução e durante precisamente esse período de tempo.

Por conseguinte, face a todos os fundamentos jurídicos  supra expostos tem fundamento legal tal pedido.

Nessa perspectiva procedem as conclusões da apelante.

XIII.
Deste modo e, pelo exposto, julga-se procedente a apelação, revoga-se a sentença, condenando-se também os RR., a título de indemnização, no montante correspondente ao dobro do valor dos aluguer desde a data de resolução do contrato até à entrega do veículo à A., que se apurar em liquidação de execução de sentença, mantendo-se no mais a decisão.

Custas pelos RR. sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que beneficiam

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                                                                                            Lisboa,01/06/06
                                                                                   (Silva Santos)
(Bruto da Costa)
(Catarina Manso)