Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
43610/22.0YIPRT.L1-8
Relator: CARLA CRISTINA FIGUEIRA MATOS
Descritores: UNIÃO DE CONTRATOS
PARCERIA
COMPRA E VENDA
COISA DEFEITUOSA
DENÚNCIA
RESOLUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. O exercício dos direitos legalmente conferidos ao comprador de coisa defeituosa não é aleatório.
II. No âmbito da compra e venda estava a Requerida obrigada a denunciar os defeitos da coisa vendida e a exercer previamente outros direitos antes de poder exercer o direito de resolução contratual.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
IBTK, Unipessoal Lda, com sede na Zona Industrial de Vagos, Lote 6 instaurou procedimento de injunção, que seguiu a forma de processo comum contra;
Concluobra- Construções, Ldª com sede em Rua Florbela Espanca, 10 A, Pontinha.
Peticionando o pagamento das facturas emitidas e já vencidas no valor de 38. 311, 86 euros acrescido de juros de mora, e bem assim do pedido de condenação da Ré a pagar as despesas legais inerentes aos autos.
***
A Requerida deduziu oposição, impugnando a veracidade dos factos tendo deduzido pedido reconvencional no valor de 8.376,30 Euros.
***
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“ IV. Decisão:
a. a) Em face do que acima fica dito, o tribunal considera a ação improcedente porque provada e, em consequência; absolve a Concluobra do pedido formulado, condenando a IBTK no pedido reconvencional.
b. b) Ao valor do pedido reconvencional, acrescerão juros de mora, à taxa legal em vigor, contabilizados desde a citação para deduzir oposição até efetivo pagamento.
***
Custas a cargo da requerente IBTK, atento o seu decaimento.
Valor da causa: 50.325,70 Euros.
Registe e Notifique.”
***
Inconformada, veio a requerente intentar recurso de apelação, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
“1.
Iniciaram-se os autos do processo com a apresentação de requerimento de injunção pela Recorrente, no qual peticionou à Recorrida o pagamento do valor de 42.102,40 euros, emergente do fornecimento de bens e equipamentos em 23.02.2021, que aquela aceitou sem que, no entanto, tivesse pago o respetivo preço, acrescido de taxa de justiça paga, juros de mora e “outras quantias” despendidas com as tentativas de cobrança extrajudicial.
2.
As faturas emitidas pela Recorrente encontram-se vencidas, em dívida e não foram pagas pela Recorrida como é da sua responsabilidade.
3.
Salvo o devido respeito, a Meritíssima Juíza “a quo” decidiu contra a prova produzida nos autos, extravasando amplamente o objeto do litígio e as questões legais a decidir.
4.
Da prova produzida resultam os seguintes factos provados e não provados:
a. A Recorrente e a Confortclickhouse são entidades juridicamente distintas e os contratos em apreço, um de compra e venda de bens e o outro de franquia, são independentes.
b. Trata-se de negócios jurídicos distintos, com prestações distintas.
c. A Recorrida entregou as casas modulares aos donos de obra/ clientes e recebeu deles o respetivo preço pelas obras realizadas com os bens fornecidos da Recorrente;
d. A Recorrente apenas vende os bens para a construção das casas modulares, não tem qualquer interferência ou responsabilidade na execução do contrato de parceria;
e. A Recorrida encomendou e recebeu o fornecimento de bens da Recorrente a que correspondem as faturas peticionadas.
f. A Recorrida não pagou as faturas.
g. A Recorrida não denunciou defeitos relativos aos bens fornecidos pela Recorrente.
h. A Recorrida concluiu as casas modulares nas quais foram incorporados os bens fornecidos pela Recorrente;
i. A Recorrida entregou as casas modulares aos donos de obra/ clientes e recebeu deles o respetivo preço pelas obras realizadas com os bens fornecidos da Recorrente;
j. A responsabilidade pelos projetos de estabilidade e estrutura que dão entrada na Câmara Municipal, assim como a própria montagem dos painéis é da responsabilidade de profissionais técnicos especializados contratados pelo dono da obra ou diretamente pela Recorrida, cabendo aos técnicos especializados instruir o processo com o respetivo projeto, assinar um termo de responsabilidade a declarar a conformidade legal e regulamentar, antes do processo dar entrada na Câmara Municipal competente para legalização;
k. As desconformidades detetadas pela Câmara foram todas resolvidas pelos técnicos especializados responsáveis pelo projeto que deu entrada e o processo de licenciamento foi concluído;
l. As edilidades locais não impediram a Recorrida de prosseguir a sua atividade;
m. Não é da responsabilidade da Recorrente o licenciamento da casa modular, nem a elaboração de qualquer projeto para esse pretendido fim;
n. A responsabilidade pela eventual recusa de licenciamento não é imputável à Recorrente, mesmo que se admita que possa ser à Confortclickhouse;
o. Os bens fornecidos pela Recorrente não padeciam de qualquer vício;
p. A Recorrente não provocou qualquer dano à Recorrida;
q. A Recorrida não provou que a quantia de € 8.376,30 tivesse tido como causa o incumprimento contratual da Recorrente;
r. Os documentos 5 a 14 apresentados pela Recorrida com a oposição correspondem a fotografias da construção das casas modulares, não comprovando qualquer desconformidade dos bens vendidos pela Recorrente nem sequer que os mesmos tenham provocado infiltrações e entrada de água.
5.
Da matéria de facto provado e não provada elencada no ponto precedente decorre que não existe “união de contratos” entre o contrato de compra e venda e o contrato de franquia.
6.
Admitindo-se, por mero exercício académico, o entendimento do Tribunal a quo, segundo o qual os contratos de compra e venda e de franquia estão ligados entre si, ainda assim o respetivo regime jurídico não determina que a responsabilidade das partes é comunicável ou solidária.
7.
Noutra mão, o facto de o contrato de parceria obrigar à aquisição de bens à Recorrente não consubstancia fundamento de desresponsabilização da Recorrida no pagamento das faturas peticionadas, por bens que lhe foram fornecidos, sem defeitos, que incorporou nas casas modulares que construiu, que vendeu, recebendo o respetivo preço!!
8.
Sublinha-se que, ao abrigo da autonomia e da liberdade contratual, as partes não estabeleceram no contrato de franquia qualquer responsabilidade solidária entre a Recorrente e a Conforclikhouse.
9.
O eventual incumprimento (não provado) pela Confortclickhouse, nomeadamente a eventual falta de certificação de homologação do sistema construtivo, não pode ser imputado à Recorrente, nem pode justificar a falta de pagamento das faturas peticionadas.
10.
Do entendimento do tribunal resulta necessariamente que a Confortclickhouse deveria ser parte no processo. Dito de outro modo, o entendimento do Tribunal exigia a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, constituindo a falta de qualquer deles motivo de ilegitimidade. (litisconsórcio necessário)
11.
No que se refere à carta de resolução enviada pela Recorrida à Confortclickhouse, também não releva a mesma para a boa decisão da causa, pois o litígio resulta da falta de pagamento de faturas da responsabilidade da Recorrida e não do incumprimento do contrato de parceria.
12.
Não existe qualquer correlação entre o descritivo que consta da fatura emitida pela Recorrida, cujo pagamento reclama a título de pedido reconvencional, no valor de € 8.376,30, e os danos que a Recorrida alega ter sofrido resultantes da alegada entrada de água e infiltrações, a saber:
Execução de trabalhos de construção civil Demolição e transporte a vazadouro de gesso cartonado – 2.890,50;
Execução de trabalhos de limpeza – 799,50;
Execução de trabalhos de construção civil tetos novos em gesso cartonado – 3.148,80;
Execução de trabalhos de construção civil novas paredes devido à espessura diferente da janelas – 1.537,50”
(cfr. doc. 15 da oposição)
13.
Acresce que a Recorrida não denunciou à Recorrente quaisquer defeitos relativos aos bens objeto das faturas.
14.
A resolução do contrato de parceria operada pela Recorrida, enviada para a Confortclickhouse por carta registada em 15.06.2022 e apresentada nos autos em 27.05.2024, ou seja, após a entrada da injunção que deu origem aos presentes autos, não denuncia quaisquer defeitos relativos aos bens objeto das faturas peticionadas. (Cfr. Doc. n.º 1 do requerimento apresentado em 27 de maio de 2024).
15.
Caso se entenda que a carta de resolução do contrato de parceria denuncia defeitos relativos aos bens fornecidos objeto das faturas peticionadas, é a mesma intempestiva em razão da Recorrida não ter dado cumprimento aos artigos 916.º e 917.º do Código Civil.
16.
A interpretação do tribunal e a correspondente decisão recorrida viola, nomeadamente o disposto nos artigos 405º, 406º, 512º, 513º, 514º, 798º, 799º, 916º, 917º, todos do Código Civil e do artigo 33º do CPC.
17.
Não existe fundamento de facto ou direito que justifique a condenação da Recorrente no pagamento do pedido reconvencional, imperando que dele seja absolvida.
18.
A condenação da Recorrente no pagamento do pedido reconvencional constitui um manifesto enriquecimento sem causa da Recorrida.
Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, sendo a sentença recorrida revogada e substituída por outra que condene a Recorrida nos termos peticionados pela Recorrente e absolva esta do pedido reconvencional, assim se fazendo Justiça!
Mais requer a V. Exas. que, à presente apelação, seja atribuído efeito suspensivo, com dispensa da prestação de caução, na medida em que a Recorrente não dispõe de meios que permitam constituir garantia e na medida em que a execução da decisão causar-lhe-á prejuízo irreparável.”
A parte contrária contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
“1-O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC).
2- A recorrente não impugna a matéria de facto nos termos do artigo 640 do referido código, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (nº 1) e os concretos meios probatórios constantes do processo, registo ou gravação, que impunham decisão diversa da recorrida.
2- Assim, o presente recurso apenas poderá versar sobre matéria de direito.
3- Lendo e relendo as conclusões do recurso apresentado, não de vislumbra nenhum argumento susceptível de pôr em causa esta decisão ou que possa configurar a violação de qualquer norma jurídica.
4- A recorrente refere um conjunto de alegações que não constam dos factos dados como provados e que não passam de meras efabulações.
5- Os segmentos dos depoimentos das testemunhas estão descontextualizados não se podendo extrair qualquer nexo com o alegado no recurso.
6- Está provado documentalmente que pese embora a IBTK, LDA e a CONFORTCLICKHOUSE, LDA, sejam pessoas colectivas distintas, são detidas pela mesma pessoa: AA, sendo que os fornecimentos são indissociáveis a este universo.
7- Não estando a decisão recorrida compreendida nas excepções previstas na lei (artigo 647º, nº 3 do Código de Processo Civil), só seria possível atribuir efeito suspensivo ao recurso mediante prestação de caução.
8- A lei não prevê a dispensa de caução seja a que título for, pelo que não tendo a recorrente prestado caução, o recurso terá de ter efeito meramente devolutivo.
9- A Douta sentença proferida, objecto do presente recurso, não merece qualquer reparo e deverá manter-se valorado de forma correcta a matéria de facto dada como provada, bem como aplicou correctamente as normas legais aos factos.
Termos em que se requer a V.Exª que não seja concedido provimento ao presente recurso, para que se faça JUSTIÇA!”
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O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata e nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
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II – Objeto do recurso:
Segundo as conclusões do recurso, que delimitam o respetivo objeto, as questões a apreciar no recurso são as seguintes:
- Impugnação da decisão da matéria de facto;
- Aferir se a recorrida (requerida) se encontra obrigada a pagar à recorrente (requerente) o valor peticionado na injunção, e se esta última se encontra a pagar à primeira o valor peticionado em reconvenção.
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III. Fundamentação de facto:
Factos Provados:
O Tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:
“1- A Concluobra- Construções Ldª, dedica-se à construção civil. Obras públicas e empreitadas. Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim – doc. nº 1.
2- Em 01 de Novembro de 2020, assinou um contrato de parceria com a CONFORTCLICKHOUSE, LDA – doc. nº 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3- Esta sociedade tem sede na Zona Industrial de Vagos, Lote 6, Aveiro, sendo seu gerente AA.
4- É sócia desta sociedade a IBTK, UNIPESSOAL LDA, a qual, é uma sociedade unipessoal detida por AA, na qualidade de sócio único e gerente.
5- A IBTK dedica-se à construção civil, ao fabrico, montagem e construção de casas modulares em estruturas metálicas.
6- No âmbito da sua actividade comercial e a pedido da Concluobra-Construções, Ldª aquela IBTK forneceu-lhe os equipamentos e prestou os serviços descritos nas faturas que foram apresentadas a pagamento e que se encontram todas elas já vencidas, conforme descrito no requerimento de injunção, no valor total 38.311,86 euros.
7- A Concluobra não procedeu ao pagamento das referidas facturas.
8- A Concluobra- Construções Ldª, dedica-se à “Construção civil. Obras públicas e empreitadas. Compra, venda e arrendamento dos imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; recolha, tratamento e eliminação de resíduos perigosos e não perigosos; valorização de materiais, incluindo resíduos seleccionados. Promoção imobiliária e construção de edifícios. Engenharia civil. Atividades especializadas de construção. Atividade imobiliárias, incluindo a mediação, angariação e avaliação imobiliária. Administração de imóveis por conta de outrém e de condominios. Atividades de arquitectura, de engenharia e técnicas afins; atividades de ensaios e de análises técnicas. Outras atividades educativas, designadamnete o ensino desportivo e recreativo, o ensino de atividades culturais, de condução e pilotagem. Formação profissional, escola de línguas” – doc. nº 1.
9- No âmbito do contrato de parceria celebrado com a CONFORTCLICKHOUSE, LDA, a Concluobra -Construções Ldª, aceitou explorar em Portugal uma unidade sob a insígnia da CLICKHOUSE, que se traduz na venda e construção de casas modulares por catálogo ou à medida, acabamentos exteriores e venda e instalação de janelas PVC.
10- Para esse efeito, os equipamentos seriam adquiridos à requerente- IBTK.
11- A requerida, após a receção dos equipamentos, veio a constatar que as casas modulares fornecidas pela requerente, não possuíam certificado de homologação do sistema construtivo – doc. nº 3 e também não possuem projeto de estrutura que valide o cumprimento de regulamentos de construção em vigor em Portugal, nomeadamente, estrutura aprovada contra o sismo e o vento.
12- Diversas edilidades, nomeadamente, a Câmara Municipal de Almada, tem exigido a homologação deste sistema construtivo, para que possam licenciar as casas.
13- A inexistência de homologação do sistema construtivo impediu a empresa de laborar devidamente e cumprir os prazos de entrega aos seus clientes.
14- Para o que a Concluobra teve de contratar profissionais para elaborarem os projectos de estabilidade das casas modulares.
15- A factura nº 21000106 no montante de 23.731,58 € referia-se à casa que estaria em exibição, como amostra, no denominado “showroom”.
16- Aquando da receção do material para a montagem da “casa showroom”, a Concluobra constatou que um dos caixilhos não foi chegara, o que implicou que a janela tivesse ficado aberta e sem proteção, exposta às condições climatéricas (inverno), tendo provocado infiltrações e entrada de água (doc. nº 4).
17- Foram ainda detectadas as seguintes patologias/desconformidades no material fornecido:
- Ausência do vão
- Pórticos metálicos a comprometer a arquitetura
- Água pela ausência do vão e dos vidros
- Material usado
- Reparações dos tetos
- Rebentamento dos painéis exteriores
- Caixas de derivação acima dos tetos
- Largura diferente do vão (mais trabalhos de pladur)
- Novas alterações pós aplicação do vão
- Não infraestruturação técnica
- Soleiras frágeis e não de acordo com previsto (docs nºs 5 a 14).
18- Face à situação referida em 16), a requerida viu-se obrigada a resolver as desconformidades e os danos provocados pela água (infiltrações e entrada de água), o que importou o pagamento da quantia de 8.376,30 € (doc. nº 15).
19- Durante a relação comercial entre as partes, ocorreram por diversas vezes, atrasos na entrega de orçamentos solicitados para os Kits, falta de resposta a orçamentos da Clickhouse e de material, bem como, entregas de materiais em desconformidade com os projetos, o que provocou paragem de obras, com danos materiais e financeiros associados, para além da insatisfação dos clientes (pórticos das casas e soleiras).
20- Designadamente, as facturas nºs 21000197, 21000234, 21000286, 21000299, 21000326 e 21000339 referem-se a orçamentos personalizados que não foram entregues e a tempo tendo levado mais de dois meses, o que inviabilizou a sua utilização, acrescendo ainda a sua inutilidade por falta de homologação do sistema construtivo.
21- Por carta registada com A/R endereçada ao legal representante da ClickHouse, o legal representante da Concluobra procedeu à “rescisão do contrato de parceria” aludido em 2) nos termos documento junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos efeitos legais.”
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IV- Fundamentação de Direito:
Da impugnação da decisão da matéria de facto:
Dispõe o art. 640º do CPC, com a epigrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido pelo STJ em 17.10.2023 no proc. 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:
“Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”
Assim, embora tenha que constar nas conclusões do recurso a indicação dos concretos factos incorretamente julgados, já não tem necessariamente que constar nas mesmas a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, do corpo das alegações do recurso. E também não tem que constar nas conclusões a indicação dos meios probatórios de suporte à pretendida decisão alternativa, podendo tal indicação ser efetuada no corpo das alegações.
Para além do cumprimento dos ónus referidos no art 640º do CPC, o recurso da decisão sobre a matéria de facto pressupõe ainda a utilidade ou pertinência da pretendida alteração da matéria de facto, de acordo com a regra prevista no art 130º do CPC, aplicável a todos os atos processuais, segundo a qual “Não é lícito realizar no processo atos inúteis.”
Ou seja, a alteração pretendida deverá ser relevante para a decisão da causa.
Veja-se, a este propósito, o Ac. do STJ de 19.05.2021 proferido no Proc. 1429/18.3T8VLG.P1.S1, onde se sumaria que: “O Tribunal da Relação pode recusar-se a conhecer do recurso de impugnação da matéria de facto relativamente àqueles factos concretos objeto da impugnação, que careçam de maneira evidente de relevância jurídica à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito, evitando, de acordo com o artigo 130.o do CPC, a prática de um ato inútil.”
Uma última nota:
Conforme referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa in CPC Anotado, Vol. I, Almedina, 3ª ed., pag. 858, na anot. 5 ao art. 662º, desde que se mostrem cumpridos os requisitos formais que constam do art. 640º, a Relação não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (art 413º) sem exclusão sequer da possibilidade de efetuar a audição de toda a gravação se esta se revelar oportuna para a concreta decisão. Mais acrescentam os referidos Autores que tendo a Relação reapreciado os meios de prova indicados relativamente aos pontos de facto impugnados pelo recorrente, não está o Tribunal da Relação impedido de alterar outros pontos da matéria de facto, cuja apreciação não foi requerida, desde que essa alteração tenha por finalidade ou por efeito evitar contradição entre a factualidade que se pretendia alterar e foi alterada e outros factos dados como assentes em sede de julgamento.
Feito este enquadramento, passemos a apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto que integra o objeto do recurso.
Impugnação da decisão da matéria de facto que se retira da conclusão 4 do recurso, onde se apresenta uma versão alternativa da matéria de facto que a recorrente entende ter sido provada/não provada.
Todavia, não consta nas conclusões do recurso a especificação dos concretos pontos da matéria de facto que a recorrente considera incorretamente julgados, conforme impõe o art. 640 nº1 al a) do CPC.
Note-se que no já citado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido pelo STJ em 17.10.2023 no proc. 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 se considerou, entre o mais, que:
“(…)Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso. (…)”.
É, pois, indiscutível que tem que figurar nas conclusões do recurso a especificação dos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do recurso, ainda que tal especificação possa constar na motivação do recurso.
In casu, como já se disse, as conclusões não contêm a referida especificação dos concretos pontos de facto que a recorrente considera incorretamente julgados.
Razão pela qual se rejeita o recurso da decisão da matéria de facto (art. 640 nº1 al. a) do CPC.
Aferir se a recorrida (requerida) se encontra obrigada a pagar à recorrente (requerente) o valor peticionado na injunção, e se esta última se encontra a pagar à primeira o valor peticionado em reconvenção.
A decisão recorrida considerou, entre o mais, que:
“No caso vertente, estamos perante um contrato de compra e venda celebrado entre as duas partes (IBTK/requerente e Concluobra/ requerida), em que a primeira vendeu à segunda os materiais necessários à montagem de casas modulares do modelo “Clickhouse”.
Contudo, este contrato de compra e venda estava dependente/ subordinado a um outro, denominado de “acordo de parceria” celebrado entre a mesma Concluobra e a Clickhouse, de acordo com o qual, a Concluobra -Construções Ldª, aceitou explorar em Portugal uma unidade sob a insígnia da CLICKHOUSE, que se traduz na venda e construção de casas modulares por catálogo ou à medida, acabamentos exteriores e venda e instalação de janelas PVC. Para esse efeito, os equipamentos seriam adquiridos à requerente- IBTK.
Ora, independentemente da distinta personalidade jurídica atribuída à Clickhouse e à IBTK dúvidas não subsistem que a compra dos módulos à IBTK só ocorre devido à parceria celebrada pela Concluobra, com aquela outra entidade. Estamos por isso, em nosso entender, perante a chamada “união de contratos”.
Ou seja, concluiu no sentido de uma união de contratos entre o contrato de compra e venda celebrado entre Requerente e requerida e o contrato de parceria celebrado entre a requerida e a ClicKhouse.
Mais concluiu que os factos dados como provados constituem fundamento para a resolução do contrato, quer de parceria, quer do contrato de compra e venda a este associado. E que existindo justa causa para a resolução, não está a Requerida obrigada a pagar à requerente os valores peticionados na injunção.
A recorrente discorda.
Apreciemos.
Conforme resulta da matéria de facto dada como provada, a Concluobra- Construções Ldª, em 01 de Novembro de 2020, assinou um contrato de parceria com a CONFORTCLICKHOUSE, LDA, no âmbito do qual a Concluobra -Construções Ldª, aceitou explorar em Portugal uma unidade sob a insígnia da CLICKHOUSE, que se traduz na venda e construção de casas modulares por catálogo ou à medida, acabamentos exteriores e venda e instalação de janelas PVC. E para esse efeito, os equipamentos seriam adquiridos à requerente- IBTK que se dedica à construção civil, ao fabrico, montagem e construção de casas modulares em estruturas metálicas. Mais se provou que no âmbito da sua actividade comercial e a pedido da Concluobra-Construções, Ldª aquela IBTK forneceu-lhe os equipamentos e prestou os serviços descritos nas faturas que foram apresentadas a pagamento e que se encontram todas elas já vencidas, conforme descrito no requerimento de injunção, no valor total 38.311,86 euros.
Ora, na medida em que a aquisição de equipamentos pela Concluobra à IBTK decorre do contrato de parceria celebrado entre a Concluobra e CONFORTCLICKHOUSE, LDA, verifica-se uma ligação funcional entre o referido contrato de parceria e o contrato de compra e venda entre a Concluobra e a IBTK.
Estamos, portanto, perante a figura de união contratos.
A propósito da figura da união de contratos, veja-se o Ac. do STJ de 16-10-2018 proferido no Proc.2855/14.2TBVFR-B.P1.S1, cujo sumário inclui o seguinte segmento:
“No contrato misto há um só negócio jurídico com elementos essenciais respeitantes a tipos contratuais diversos; na união de contratos há uma pluralidade de contratos, mantendo cada um a sua autonomia mas com uma finalidade económica comum e uma subordinação que implica que as vicissitudes de um se repercutam no outro.”
Veja-se também o Ac. do TRL de 27.09.2022 proferido no Proc. 4232/20.1YIPRT.L1-7, do qual se passa a reproduzir o seguinte trecho:
“ (…) Têm-se distinguindo três espécies de união de contratos:
a)-união extrínseca ou externa que ocorre quando a ligação entre os diversos contratos resulta apenas da circunstância de serem celebrados ao mesmo tempo , não estabelecendo as partes qualquer nexo de dependência entre os contratos.
b)-A união interna ou com dependência em que as partes querem a pluralidade de contratos como um todo, um conjunto económico pelo que a validade e a vigência de um ou de ambos os contratos dependerá da validade e vigência do outro.
c)- União alternativa em que as partes prendem ou um ou outro contrato, consoante ocorrer ou não a verificação de determinada condição – cf. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I Vol., Almedina, 2000, pp. 188/189; Galvão Teles, Manual dos contratos em geral, Refundido e Atualizado, Coimbra Editora, 2002, pp. 475-477, Romano Martinez, Direito das Obrigações, Apontamentos, AAFDL, 2003, p. 145, Gravato Morais, União de contratos de crédito e de venda para consumo, Almedina, 2004, pp. 387-395.
A coligação é funcional quando o destino dos contratos está ligado no desenvolvimento e funcionamento das respetivas relações.
Note-se que para haver união de contratos não se torna necessária a identidade de sujeitos. Entende R. Martinez, Op. Cit., p. 146, que o que é imprescindível é a existência de um sujeito comum aos dois negócios jurídicos, ou seja , parte em um e outro contrato.
No caso em apreço estamos perante uma coligação funcional, interna com dependência bilateral (cf. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 7ª ed., p. 465) porquanto o contrato de prestação de serviços e o contrato de mediação imobiliária estão dependentes um do outro.”
In casu, estamos perante união de contratos por dependência, pois o contrato de parceria entre a Concluobra e a CONFORTCLICKHOUSE, LDA e a compra e venda de equipamentos pela Concluaobra à IBTK visam uma finalidade económica comum – a venda e construção pela Ré Concluobra de casa modulares por catálogo ou à medida; por outro lado, sem o contrato de parceria entre a Concluobra e a CONFORTCLICKHOUSE, LDA a aquisição dos equipamentos à IBTK deixa de fazer sentido, verificando-se, pois, subordinação deste àquele.
Tal como se refere no Acórdão do TRL já citado, para existir união de contratos basta que haja um sujeito comum aos dois negócios jurídicos, o que é o caso dos autos (a Concluobra).
E para que considere a existência da união de contratos não é necessário, ao contrário do que parece resultar da conclusão 10 do recurso, que esteja na ação a outra interveniente no contrato de parceria (a CONFORTCLICKHOUSE, LDA), pois na presente ação não está em causa qualquer prestação referente ao contrato de parceria, e como tal a CONFORTCLICKHOUSE, LDA não integra a relação material controvertida configurada no requerimento injuntivo.
Concorda-se, portanto, com a apreciação feita pelo Tribunal a quo relativamente à união de contratos entre os contratos de compra e venda celebrados entre Requerente e requerida e o contrato de parceria celebrado entre a requerida e a ClicKhouse.
Passemos a apreciar as vicissitudes contratuais descritas nos pontos 11 e ss. da matéria de facto provada e respetivas consequências.
Ora, como resultou provado em 11 a 14, a requerida, após a receção dos equipamentos, veio a constatar que as casas modulares fornecidas pela requerente, não possuíam certificado de homologação do sistema construtivo e também não possuem projeto de estrutura que valide o cumprimento de regulamentos de construção em vigor em Portugal, nomeadamente, estrutura aprovada contra o sismo e o vento; homologação essa que designadamente a Câmara Municipal de Almada tem exigido para que possam licenciar as casas, sendo que a inexistência de homologação do sistema construtivo impediu a empresa de laborar devidamente e cumprir os prazos de entrega aos seus clientes, tendo de contratar profissionais para elaborarem os projetos de estabilidade das casas modulares. E também, conforme resulta dos factos 15 a 20, durante a relação comercial entre as partes, ocorreram por diversas vezes entregas de materiais em desconformidade com os projetos, e patologias/desconformidades no material fornecido, sendo tal precisado nos pontos 16 e 17 por referência à fatura referida em 15.
Tratam-se de vícios que desvalorizam as casas modulares fornecidas pela requerente, as quais não tinham as qualidades necessárias para a realização do fim económico normal a que se destinam, o fim habitacional – cf. art. 913 nºs 1 e 2 do CC.
Ora, como se refere no recente Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº7/2023, de 2 de agosto proferido pelo STJ: “(…)Quando se verifique que a coisa vendida enferma de defeito - traduzindo-se este em algum vício que a desvaloriza ou impede a realização do fim a que é destinada, ou a coisa não apresenta as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização das respetivas finalidades - admite a lei a favor do comprador uma série de direitos. Conforme os casos, esses direitos são o direito à anulação do contrato por erro(2) (simples ou qualificado por dolo), à reparação da coisa, à substituição da coisa, à redução do preço e à indemnização. É o que resulta do art. 913.º e seguintes, por aplicação direta ou mediante a aplicação remissiva do regime da venda de bens onerados (art. 905.º e seguintes).
A indemnização surge aqui associada à anulação do contrato (no sentido de que pressupõe a anulação) nos casos de erro, simples ou qualificado por dolo. Já a indemnização em caso de redução do preço e de reparação ou substituição da coisa passa à margem da existência de erro e da anulação do contrato. Fundando-se a anulação em erro simples apenas os danos emergentes do contrato (e não já os lucros cessantes) são atendidos; fundando-se a anulação em erro qualificado por dolo é atendido apenas o prejuízo que o comprador não teria sofrido se o contrato não tivesse sido celebrado (interesse contratual negativo ou de confiança); violando-se o dever de reparação ou de substituição da coisa ou sendo caso de redução do preço, nenhuma particularização indemnizatória é expressamente fixada. É o que se retira dos arts. 908.º, 909.º, 911.º, 914.º e 910.º(…)”
Ora, o exercício dos direitos legalmente conferidos ao comprador de coisa defeituosa não é aleatório.
A este propósito, veja-se o Ac. do STJ de 24.05.2012 proferido no Proc. 1288/08.4TBAGD.C1.S1, cujo sumário integra o seguinte segmento:
“No nosso sistema jurídica há uma sequência lógica na tutela do comprador por via dos defeitos na coisa vendida – eliminação dos defeitos ou substituição da prestação, redução do preço ou resolução do contrato, apenas podendo ser pedida indemnização, de forma autónoma, sem ser nos casos de cumulação, por violação quer do interesse contratual negativo, quer do interesse contratual positivo, por não haver uma daquelas alternativas que satisfaça os seus interesses.”
Nesse Acórdão refere-se, entre o mais, que:
(…) Já que apenas pode pedir indemnização, de forma autónoma, sem ser nos casos de cumulação, por violação quer do interesse contratual negativo, quer do interesse contratual positivo, por não haver uma daquelas alternativas que satisfaça os seus interesses.
E, assim, só na hipótese de ter falhado a eliminação dos defeitos ou a substituição da prestação, sendo estas possíveis[22], pode ser exigido, então, o montante correspondente a fim daquelas serem efectuadas por terceiro (art. 828.º)[23]
Por exemplo, no caso de ter falhado a eliminação dos defeitos ou a substituição da prestação.(…)
Do supra exposto infere-se que, não obstante os vícios das casas modulares fornecidas pela Requerente à Requerida, esta não pode pura e simplesmente escusar-se a pagar as correspondentes faturas, pois cabia-lhe o ónus de denunciar os defeitos nos termos e prazo previstos no art. 916º do CC e exercer os seus direitos pela ordem supra descrita, começando pela exigência de eliminação dos defeitos ou substituição da coisa, sob pena de preclusão dos seus direitos.
Não resulta da matéria provada que a requerente tenha efetuado tal denúncia dos defeitos e pedido a sua eliminação ou a substituição do material fornecido, sendo que não pode invocar os defeitos das casas como fundamento da “dispensa” de pagamento das faturas sem que tenha exercido o ónus de denúncia de tais defeitos e requerido a respetiva eliminação.
Discorda-se, pois, da apreciação do tribunal a quo que eximiu a requerida do pagamento das faturas por considerar que os factos dados como provados constituem fundamento para a resolução do contrato, quer de parceria, quer do contrato de compra e venda a este associado.
Reitera-se que no âmbito da compra e venda estava a Requerida obrigada a denunciar os defeitos da coisa vendida e a exercer previamente outros direitos antes de poder exercer o direito de resolução contratual, tratando-se aqui de regime específico do contrato de compra e venda, cuja aplicação, pela sua especialidade, se impõe.
“Nos casos em que o cumprimento defeituoso se refira a um contrato de compra e venda, perante um concurso entre um regime decorrente de normas e princípios gerais e outro consubstanciado em normas especiais, há que fazer aplicar o regime no âmbito que lhe é próprio, apenas sendo de recorrer ao regime geral fora daquele (cfr. Meneses Cordeiro, in Violação Positiva do Contrato, Revista da Ordem dos Advogados, ano 41, pág. 145 e segs).”- cf. Ac do STJ de 30.04.2024 proferido no Proc. 3052/20.3T8STR.E1.S1.
E, assim sendo, tal regime especial não é afastado pela coligação do contrato de compra e venda com o de parceria.
Por outro lado, a Requerida não pretendeu sequer exercitar por via da presente ação a resolução contratual do contrato de compra e venda celebrado com a Autora, nem nela pediu o reconhecimento de qualquer declaração extrajudicial de resolução de tal contrato.
Acresce que assentir no não pagamento pela Requerida das faturas referentes à compra e venda de bens sem que seja simultaneamente declarada a obrigação da mesma restituir à Requerente os equipamentos vendidos levaria a um enriquecimento sem causa da Requerida (que, apesar de pugnar pelo não pagamento das faturas emitidas pela Requerente, não manifesta no processo qualquer intenção ou disponibilidade para restituir os bens adquiridos àquela).
Questão diversa é a dos atrasos na entrega de orçamentos solicitados para os Kits, sendo que designadamente as faturas nºs 21000197, 21000234, 21000286, 21000299, 21000326 e 21000339 referem-se a orçamentos personalizados que não foram entregues e a tempo tendo levado mais de dois meses, o que inviabilizou a sua utilização - facto provado 20.
Já não estamos no âmbito da compra e venda de bem defeituoso sujeita a um regime legal específico, mas antes perante uma prestação de serviços tardiamente realizada, de tal modo que inviabilizou a utilização dos orçamentos.
Por virtude desta inviabilização da utilização dos orçamentos decorrente do atraso na sua entrega, verifica-se uma situação de incumprimento definitivo da prestação contratual em causa (entrega dos orçamentos), nos termos previstos no art. 808º nºs 1 e 2 do CC, atenta a perda (objetiva) de interesse nessa prestação por parte do credor.
E, como tal, esse incumprimento definitivo legitima o não pagamento das faturas referentes à entrega de tais orçamentos e respetivos juros.
Entende-se, pois, que a Concluobra deverá ser condenada a pagar à Requerente o valor peticionado na injunção, deduzido do valor das faturas nºs 21000197, 21000234, 21000286, 21000299, 21000326 e 21000339 e respetivos juros de mora.
A que acrescerão juros de mora sobre o capital correspondente a €38. 311, 86 euros deduzido do valor destas faturas até integral pagamento do mesmo.
Por último, quanto ao pedido reconvencional, verifica-se que o mesmo tem por base os danos resultantes dos defeitos dos equipamentos fornecidos, na medida em tais defeitos deram azo a infiltrações e entrada de água, vendo-se a requerida obrigada a resolver as desconformidades e os danos provocados pela água, o que importou o pagamento da quantia de 8.376,30 € - conforme factos provados 16 e 18.
Estamos aqui não perante indemnização associada à reparação de defeitos na coisa vendida, mas antes perante uma indemnização mais abrangente, que visa a reparação de outros danos provocados pelos referidos defeitos, com enquadramento no art. 798º do C.C.
Ou seja, a indemnização peticionada transcende a mera reparação dos defeitos da coisa vendida, reportando-se a danos colaterais (infiltrações e inundações), cuja reparação escapa ao regime legalmente previsto para a compra e venda de bem defeituoso.
Sobre esta matéria veja-se o Ac. do STJ de 30.04.2024 proferido no Proc. 3052/20.3T8STR.E1.S1, cujo sumário se passa a reproduzir:
“I- O defeito da coisa constitui um desvio com respeito à qualidade corpórea que seria devida, inerente aos aspetos materiais do bem.
II- Para considerar a coisa defeituosa é considerado o interesse do comprador no préstimo ou qualidade da coisa, na sua aptidão ou idoneidade para o uso ou função a que é destinada.
III- Quando na causa de pedir está em causa o vício da coisa, o art. 917º do Código Civil deve ser objeto de interpretação extensiva, abrangendo as situações de redução do preço, reparação do defeito e de indemnização, para a obtenção de um tratamento jurídico uniforme de situações semelhantes, tendo em vista a unidade do sistema jurídico.
IV- Os danos colaterais ou reflexos são provocados pela existência do defeito, mas não se circunscrevem ao mesmo, antes lhe acrescem, ou seja, estão ligados ao defeito por nexo de causalidade, mas não têm como finalidade a reparação do defeito em si.
V- Tais danos poderão ocorrer já após esgotados os prazos curtos para a reparação dos defeitos, pelo que, se assemelham a quaisquer danos que resultem do incumprimento de uma obrigação, sendo-lhes aplicável o prazo geral da prescrição.”
Tais danos colaterais provocados pelo defeito da coisa vendida, designadamente pela falta de um caixilho, devem ser ressarcidos pela vendedora incumpridora, cuja culpa se presume e não foi ilidida- arts. 798º e 799º nº1 do CC.
Razão pela qual se considera que deverá proceder o pedido reconvencional, concordando-se nessa parte com o decidido pelo Tribunal a quo.
O recurso procede parcialmente, sendo que as custas, quer em 1ª instância quer em 2ª instância, deverão ser suportadas pelas partes, na proporção dos respetivos decaimentos – art. 527º nºs 1 e 2 do CPC.
***
V. DECISÃO:
Pelo exposto acordam as Juízes desta 8ª seção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação apresentada pela Requerente/recorrente, nos seguintes termos:
- Revogam a decisão recorrida na parte em que absolve a Concluobra do pedido formulado, e em sua substituição condenam a Requerida Concluobra a pagar à Requerente o valor peticionado na injunção deduzido do valor das faturas nºs 21000197, 21000234, 21000286, 21000299, 21000326 e 21000339 e dos respetivos juros de mora, acrescido de juros de mora sobre o capital correspondente a €38. 311, 86 euros deduzido do valor destas faturas até integral pagamento do mesmo.
- Confirmam a decisão recorrida na parte em que condenou a IBTK no pedido reconvencional, ao qual acrescerão juros de mora, à taxa legal em vigor, contabilizados desde a citação para deduzir oposição até efetivo pagamento.
As custas, quer em 1ª instância quer em 2ª instância, deverão ser suportadas pelas partes, na proporção dos respetivos decaimentos – art. 527º nºs 1 e 2 do CPC.
Notifique.

Lisboa, 13.03.2025
Carla Matos
Marília Leal Fontes
Maria do Céu Silva