Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
135/16.8GELSB.L1-9
Relator: MARIA DO CARMO FERREIRA
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO
PROVA PRESUNTIVA
ERRO DE JULGAMENTO
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DA MOTIVAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I- O erro de julgamento, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Ou seja, pressupõe este erro, que perante a prova produzida e valorada, o Tribunal não podia ter concluído como o fez, da matéria que considerou provada;
II- Na valoração daquilo que foi concretamente dito, haverá ainda que ter em conta que as provas válidas não são apenas as provas que resultam do conhecimento directo dos factos pelas testemunhas. Muitas vezes o julgador, alicerçando-se em factos certos, pode fazer apelo às denominadas presunções materiais ligadas à normalidade da vida e às regras da experiência, para daí retirar um outro facto “desconhecido”. Ou seja, a prova presuntiva. Estas presunções, como é evidente, não são presunções de culpa. Constituem, antes, parcelas de um processo de pensamento lógico de que o julgador não pode prescindir, sob pena de não ser a prova apreciada e valorada em toda a sua extensão;
III- Ora, não sendo as presunções judiciais um meio de prova proibido por lei, pode o julgador, à luz das regras da experiência e da sua livre convicção, retirar dos factos conhecidos as ilações que se ofereçam como evidentes ou como razoáveis e firmá-las como factos provados. E, exemplo comum deste meio ocorre precisamente com a prova da intenção criminosa (o chamado elemento subjectivo do tipo) que, enquanto acontecimento da vida psicológica, não permite prova directa, podendo no entanto ser inferido a partir de outros factos que tenham sido directamente provados, desde que os parâmetros da experiência, a chamada “experiência comum”, assente na razoabilidade e na normalidade das situações da vida, não sejam postos em causa, desde que através de um raciocínio lógico e motivável seja possível compreender a opção do julgador, nada obsta ao funcionamento da presunção judicial como meio de prova, observadas que sejam as necessárias cautelas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-RELATÓRIO.
No processo supra identificado, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 6, foi julgada a arguida AA, filha de BB e de CC, nascida em 17.08.1973, …………., Brasil, nacionalidade brasileira, divorciada, advogada, residente na Av.ª ……………………….. Lisboa, titular do título de residência ………………, imputando-lhe a acusação pública a prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punível pelo artigo 347º, n.º 2, do Código Penal e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punível pelo artigo 291º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.
Julgada na ausência, a arguida veio a ser absolvida da prática dos crimes imputados na acusação.
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 Inconformado, o Mº.Pº. veio interpor recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação junta aos autos, com as seguintes conclusões que vão transcritas:
1) Mal andou o Tribunal “a quo” ao absolver a arguida pela prática de um crime de condução de veículo rodoviário, p. e p. no art.º 291.º/1 al. b) do C. Penal e no crime de resistência e coação contra funcionário, previsto e punido pelo art.º 347.º/2 do Cód. Penal.
2) É entendimento do Ministério Público a sentença recorrida padece do vício enunciado no art.º 410.º/2, alínea a) do C.P.P., ou seja, de insuficiência para decisão da matéria de facto provada.
3) Com efeito, resulta da fundamentação sentença recorrida que o Tribunal “a quo”
entendeu que da acusação faltava factualidade, que reputou por essencial, para a concretização do perigo em concreto, designadamente se ocorreu alguma situação/possibilidade de embate com outros veículos que circulavam na via; se circulavam autocarros na via do BUS; se a passagem de sinais vermelhos pela arguida causou algum perigo para peões ou viaturas, que por via desta insuficiência absolveu a arguida.
4) Conteúdo, entendemos que a investigação da “alegada factualidade omissa” deveria ter sido investigada pelo Tribunal “a quo”, no contexto legal previsto nos art.ºs 358.º e 359.º do CPP, tendo reflexo, posteriormente, em sede de enquadramento jurídico dos mesmos factos e em sede de determinação da medida concreta da pena.
5) Acresce que, a factualidade que o Tribunal “a quo” invocou que deveria ter sido articulada na acusação para identificar o “perigo concreto”, apesar de poderem ser “factos novos”, não constituem alteração substancial dos factos descritos na acusação,
mas concretização dos já descritos nesta, designadamente do comportamento rodoviário temerária da arguida.
6) Competia ao Tribunal “a quo” diligenciar pela inquirição oficiosa das testemunhas
ouvidas em julgamento, com vista a apurar se ocorreu alguma situação/possibilidade de embate com outros veículos que circulavam na via; se circulavam autocarros na via do BUS; se a passagem de sinais vermelhos pela arguida causou algum perigo para peões ou viaturas, para superar a dúvida que o assaltou, o que nem seria árdua tarefa e que se integrava ainda no âmbito do princípio do acusatório.
7) Na medida em que o Tribunal “a quo” perante a falta de elementos que eram necessários para a formulação de um juízo seguro de condenação ou de absolvição,
não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto, podendo e devendo fazê-lo em obediência ao princípio da investigação oficiosa, ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
8) Entende também o Ministério Público que a sentença recorrida padece do vício de
contradição insanável da fundamentação enunciado no art.410.º/2 alínea b) do C.P.P.
9) No caso concreto existe manifesta contradição entre os “factos dados como não provados” nos pontos 28, 29 e 28 (2º) e a fundamentação da sentença, constante da página 9, 2.º e 3.º parágrafos.
10) Os Pontos 28, 29 e 28 (2º) dos “factos dados como não provados” referem:
(…) “Da discussão da causa não resultaram provados os seguintes factos:
28. Na ocasião descrita em 14 a arguida levou arrastado pelo chão o Guarda-Principal
PP………………. que se encontrava seguro ao puxador da porta e ao espelho retrovisor.
29. Na sequência do descrito em 14 o Guarda-Principal caiu para o solo e rebolou pelo chão. “
(…)
28. E, já num momento posterior, quando o militar da GNR PP……………….. quis abrir a porta do veículo onde seguia a arguida, usou de violência de forma a obstar a que este realizasse acto relativo ao exercício das suas funções. (...)”
11) A fundamentação da sentença, constante da página 9, 2.º e 3.º parágrafos referem:
“(...) direcionamento da vontade, que a culpa qualificada pressupõe (cfr. artigos. 347.º/1 e 14.º/1, 2 e 3, ambos do CP), com a especial vontade antecipada no tipo constante do n.º 2.
Aqui chegados, importa, agora, verificar se, em concreto, a arguido praticou o crime que lhe vem imputado. A respeito provou-se o seguinte: “Na 2ª Circular, onde o trânsito era bastante intenso, a cerca de 100 metros da saída n.º 4, o condutor do veículo automóvel de matrícula …………….., tentou auxiliar os militares, passando a circular à frente da viatura conduzida pela arguida, de modo a que esta imobilizasse o seu veículo automóvel; Face a tal, o Guarda-Principal PP……………… saiu da viatura militar e aproveitando o facto de arguida ter a arguida ter a viatura automóvel imobilizada no trânsito, tentou abrir a porta do lado do condutor onde a arguida seguia; Porém, a arguida conseguiu colocar, de novo o veículo automóvel em andamento, levando arrastado o Guarda-Principal PP……………………que se encontrava seguro ao puxador da porta e ao espelho retrovisor; A arguida imprimiu maior velocidade ao veículo automóvel, tendo o Guarda-Principal PP……………… caído para o solo e rebolado pelo chão.”
(…)
Na verdade, tal previsão legal pressupõe uma concatenação entre o ato de desobediência à ordem de paragem e o uso do veículo, dirigido contra o agente, como meio de evitar a referida ordem, o que, quanto nós, não se extrai da factualidade apurada.
Na verdade, tendo sido a norma claramente pensada para as vulgarmente designadas “operações stop”, em que o visado se encontra posicionado na via, desprotegido face ao veículo que encara e sem possibilidade de dirigir cominação verbal imediata ao agente do crime, afigura-se que não se ajustará perfeitamente aos casos, como é o dos autos, em que o militar da GNR tenta abrir a porta do veículo da arguida, e esta põe o veículo em andamento, não propriamente “dirigindo-se contra” o referido militar, mas apenas para reencetar a fuga. (…)”
12) Aliás, no conjunto, subsiste também contradição entre a supra indicada fundamentação e os pontos 13, 14 e 15 dos factos provados, uma vez que a fundamentação diz que se “provou um facto” que consta dos “factos não provados”, designadamente, o que aconteceu com o militar da GNR PP………………...
13) No caso concreto existe outra contradição, designadamente, entre os “factos provados” nos pontos 22, 23 e 24 e os “factos não provados” nos pontos 28, 29.
14) Os Pontos 22, 23 e 24 dos “factos provados” referem:
“(…) 22. Como consequência directa e necessária da actuação do arguido, sofreu o Guarda-Principal PP……………. “traumatismo do ombro e joelho à esquerda”., melhor descritas no relatório médico-legal de fls. 77, 78, 144 e 145, que se dão por integralmente reproduzidas.
23. A data da consolidação médico-legal é fixável em 05.07.2016.
24. Do evento resultaram as consequências permanentes para o ofendido PP………………. a cicatriz rosada na face anterior do joelho esquerdo. (…)”
15) Resulta dos pontos 22, 23 e 24 dos “factos provados” que foi a conduta da arguida- diga-se a condução do veículo - que causou lesões físicas ao militar da GNR
PP.
16) Todavia, compulsada a matéria a facto, não constam quaisquer “factos provados” praticados pela arguida que sustentem que as lesões causadas no militar da GNR sejam consequência directa e necessária da actuação da mesma.
17) Acresce que os factos que sustentam o nexo de causalidade entre a conduta da arguida e as lesões sofridas - “traumatismo do ombro e joelho à esquerda”, melhor descritas no relatório médico-legal de fls. 77, 78, 144 e 145- foram dados como “não
provados” nos pontos 28 e 29, acima transcritos.
18) Existe contradição insanável na própria fundamentação de facto da decisão e contradição entre a fundamentação de facto e a motivação da decisão de facto.
19) Julgamos ter ficado patente a existência, na sentença recorrida, do vício previsto no art.º 410.º/2, al. b) do Cód. Proc. Penal e por isso não deve manter-se a decisão sobre matéria de facto.
20) Por fim, o Ministério Público entende que, a decisão proferida padece de erro de julgamento, previsto no art.º 412.º/2 al. c) do CPP e viola o princípio da livre apreciação da prova, previsto no art.º 127.º do CPP e viola o art.º 291.º do CP.
21) In casu, o Ministério Público entende que estão incorretamente julgados todos os
factos dados como “não provados”, a saber os pontos 28, 29, 30, 27, 28 e 29 por existir prova em contrário, devendo ser considerados como provados;
22) O Tribunal “a quo” deu como “factos não provados” os pontos 28, 29, 30, 27, 28 e 29.
23) O Ministério Público entende que em face de toda a prova testemunhal e documental produzida em sede de audiência de discussão e julgamento - designadamente as declarações das testemunhas DD, depoimento gravado na audiência de 18.10.2019, com início pelas 15h25m e encerrado às 15h36m, EE, depoimento gravado na audiência de 18.10.2019, com
início pelas 15h40m e encerrado às 16h03m, HH, depoimento gravado na audiência de 13.11.2019, com início pelas 09h42m e encerrado às 10h, DD, depoimento gravado na audiência de 13.11.2019, com início pelas 10h06m e encerrado às 10h30m - conjugada com e prova documental carreada para os autos- designadamente o auto de notícia de fls.2 a 5 que descreve de forma pormenorizada todo o comportamento da arguida na data dos factos, corroborando pelas declarações das testemunhas ouvidas em audiência de discussão e julgamento; o fotograma de fls. 11 que comprova a velocidade efectiva a que o veículo circulava, tripulado pela arguida – 155 KM/H- que motivou a fiscalização pelos militares da GNR; o mapa de fls.12 a 15 de onde de apreende a dimensão do percurso da perseguição; a informação clínica de fls.68 e o exame médico legal de fls.77, 78, 144 e 145, documentos de onde se afere as lesões físicas resultantes para o militar da GNR PP dos factos ocorridos- deveriam ter dado como provados todos os “factos dados como não provados”.
24) Sucede que, para interpor o presente recurso, o Ministério Público analisou toda a
prova documental e testemunha, quer individualmente, quer concatenados entre si e à luz dos critérios de normalidade e regras da experiência comum, e face a este estudo, entende que existe prova incontestada, contundente e irrefutável para a condenação da arguida pela prática do crime de condução perigosa de veículo.
25) Esta interpretação do Tribunal “a quo” é atentatória dos critérios de normalidade,
das regras da lógica e da experiência comum e viola o disposto nos art.ºs 127.º , 39 de 243.º, 99.° e 169.°, 340.º do Código de Processo Penal e 363.° e 371.º/1 do Cód. Civil e viola ainda os art.ºs 291.º/1 al. b) e 347.º/2 do Código Penal.
26) A análise crítica e conjunta da prova, em respeito pelos critérios do raciocino lógico e as regras da experiência comum, impunham que o Tribunal “a quo” desse
como provado:
A. Na ocasião descrita em 14 a arguida levou arrastado pelo chão o Guarda-Principal PP que se encontrava seguro ao puxador da porta e ao espelho retrovisor.
B. Na sequência do descrito em 14 o Guarda-Principal caiu para o solo e rebolou pelo chão.
C. A arguida agiu com consciência e vontade de infringir um conjunto de regras estradais, nomeadamente, relativas à velocidade, à ultrapassagem, ao dever genérico de cuidado na circulação rodoviária e, desde modo e de forma consciente, colocou em perigo a integridade, quer dos militares da GNR, quer das restantes pessoas que circulavam na via.
D. Mais agiu a arguida com consciência e vontade de desobedecer a todas as ordens da GNR, bem sabendo a qualidade de militares da GNR e que os mesmos se encontravam no exercício das suas funções e por causa delas.
E. E, já num momento posterior, quando o militar da GNR PP quis abrir a porta do veículo onde seguia a arguida, usou de violência de forma a obstar a que este realizasse acto relativo ao exercício das suas funções.
F. A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei.
27) O Tribunal “a quo” violou as normas dos art.ºs 355.º e 127.º do CPP, sendo certo
que esta lhe impõe a função de julgar “segundo as regras da experiência” e que a “livre convicção” do julgador aí aludida não significa apreciação arbitrária da prova nem pode afrontar as regras da razão, da lógica e da experiência comum e a decisão
proferida padece de erro de julgamento na apreciação da prova, previsto no art.º 412.º/2 al. c) do CPP.
28) Assim, tendo havido documentação da prova produzida em audiência, deve ser
alterada a decisão do tribunal recorrido de forma a ser dada como provada toda a matéria de facto que aí se deu como não provada (art.º 431.º, al. b) do CPP).
Nesta conformidade, deverão V.ªs Ex.ªs revogar a douta sentença recorrida e condenar o arguido pela prática, em autoria material, um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo art.º 291.º, n.ºs 1, alínea b) do Código Penal e um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido nos termos do art.º 347.º do Código Penal.
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Neste Tribunal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seu parecer no sentido da adesão à posição assumida pelo Mº.Pº nas motivações do recurso.        
Cumpridos os vistos, procedeu-se a conferência.
Cumpre conhecer e decidir.
II- MOTIVAÇÃO.
O âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo, no entanto, das questões que sejam de conhecimento oficioso, como se extrai do disposto no art.º 412º nº 1 e no art.º 410 nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal.
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No caso.
O âmbito do recurso.
Invocando a existência dos vícios a que se reporta o disposto no artigo 410 nº. 2 a) b) e c) do C.P.P., o Mº.Pº. invoca ainda no seu recurso, o erro de julgamento, com referência ao art.412.º/2 al. c) do C.P.P. em violação do princípio da livre apreciação da prova, previsto no art.127.º do C.P.P.
Antes de prossegui na apreciação do objecto do recurso, cumpre analisar a matéria de facto fixada na sentença, bem como a respectiva fundamentação e convicção do Tribunal.
(transcreve-se)
FACTOS PROVADOS
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão:
1. No dia 27.07.2016, cerca das 18h44, na Auto-estrada n.º 1, ao Km70,7, no sentido Lisboa, os militares da Guarda Nacional Republicana constaram que o veículo de matrícula ……….., conduzido pela arguida, foi detectado a circular a 167km/hora, em local onde a velocidade máxima permitida é de 120km/hora.
2. Assim, os miliares da GNR deram ordem de paragem à arguida, o que fizeram utilizando sinais luminosos e, de seguida, também sinais sonoros.
3. Como a arguida não acatou a aludida ordem de paragem, os militares da GNR que seguiam fardado no interior de carro descaracterizado, colocaram o veículo por si conduzido lateralmente ao da arguida.
4. A arguida apercebeu-se que se tratavam de militares da GNR devidamente uniformizados.
5. Todavia, não obstante a arguida ter, por gestos, perguntado se era para encostar e os militares terem respondido afirmativamente, aquela não imobilizou o veículo automóvel por si conduzido.
6. Pelo que os militares da GNR accionaram o painel traseiro da viatura onde constava que se tratava de viatura da GNR e colocaram-se na dianteira da viatura conduzida pela arguida, de forma a ser por esta perfeitamente visível.
7. Ainda assim, a arguida não acatou as ordens de paragem já anteriormente dadas e de que havia ficado ciente.
8. Mais, a arguida ultrapassou a viatura militar e imprimiu maior velocidade à viatura por si conduzida.
9. Acto contínuo, os militares da GNR continuaram no encalço da arguida e, ao se aproximarem de um posto de abastecimento de combustível de Aveiras, sempre com as luzes ligadas em que como se tratava de veículo pertença da GNR e com sinal para parar, a arguida, de novo, não acatou tal ordem.
10. Antes tendo sempre obstado que os militares da GNR conseguissem aborda-la, tendo para tal adoptado, a arguida, uma condução que colocou em perigo outros utentes que circulavam na mesma Auto-estrada, quer pela velocidade que imprimia ao veículo, muito superior a 120 km/hora, quer pelas manobras evasivas que adoptou, nomeadamente de ultrapassagem.
11. Durante todo o percurso até chegar à 2ª Circular em Lisboa, os militares da GNR mantiveram os sinais luminosos e sonoros da viatura pelos mesmos conduzida.
12. Na 2ª Circular, onde o trânsito era bastante intenso, a cerca de 100 metros da saída n.º 4, o condutor do veículo automóvel de matrícula ……………, tentou auxiliar os militares, passando a circular à frente da viatura conduzida pela arguida, de modo a que esta imobilizasse o seu veículo automóvel.
13. Face a tal, o Guarda-Principal PP saiu da viatura militar e aproveitando o facto de arguida ter a viatura automóvel imobilizada no trânsito, tentou abrir a porta do lado do condutor onde a arguida seguia.
14. Porém, a arguida conseguiu colocar, de novo o veículo automóvel em andamento,
15. A arguida imprimiu maior velocidade ao veículo automóvel,
16. A arguida saiu na 4ª saída existente na 2ª Circular, não respeitando a sinalização semafórica que apresentava a luz vermelha existente na Av.ª Santos e Castro e, mais à frente na Rua das Murtas, novamente, não imobilizou a viatura por si conduzida quando a sinalização semafórica apresentava novamente a cor vermelha.
17. Nesse momento, foi disparado um tiro de aviso para o ar com munição de borracha.
18. Ainda assim, a arguida não obedeceu às diversas ordens de paragem que lhe foram dadas.
19. No entroncamento com a Av.ª do Brasil a arguida utilizou a via do BUS para circular
20. Após, virou de direcção para o Campo Grande, em direcção à Alameda da Universidade, onde, foi forçada a parar por a via estar bloqueada com um outro veículo automóvel.
21. Somente nesse momento foi possível interceptar e dar ordem de detenção à arguida.
22. Como consequência directa e necessária da actuação do arguido, sofreu o Guarda-Principal PP “traumatismo do ombro e joelho à esquerda”., melhor descritas no relatório médico-legal de fls. 77, 78, 144 e 145, que se dão por integralmente reproduzidas.
23. A data da consolidação médico-legal é fixável em 05.07.2016.
24. Do evento resultaram as consequências permanentes para o ofendido PP a cicatriz rosada na face anterior do joelho esquerdo.
25. Durante todo o trajecto a arguida adoptou a conduta supra descrita, isto é, nunca obedecendo aos sinais, quer luminosos, quer sonoros, efectuados pelos militares da GNR que lhe diziam de forma expressa e inequívoca para parar.
Mais se provou que:
26. A arguida não tem antecedentes criminais registados.
27. Não tem bens penhoráveis nem rendimentos na BD da segurança social.
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da presente causa.
FACTOS NÃO PROVADOS[1]
Da discussão da causa não resultaram provados os seguintes factos:
28. Na ocasião descrita em 14 a arguida levou arrastado pelo chão o Guarda-Principal PP que se encontrava seguro ao puxador da porta e ao espelho retrovisor.
29. Na sequência do descrito em 14 o Guarda-Principal caiu para o solo e rebolou pelo chão.
30. A arguida agiu com consciência e vontade de infringir um conjunto de regras estradais, nomeadamente, relativas à velocidade, à ultrapassagem, ao dever genérico de cuidado na circulação rodoviária e, desde modo e de forma consciente, colocou em perigo a integridade, quer dos militares da GNR, quer das restantes pessoas que circulavam na via.
27. Mais agiu a arguida com consciência e vontade de desobedecer a todas as ordens da GNR, bem sabendo a qualidade de militares da GNR e que os mesmos se encontravam no exercício das suas funções e por causa delas.
28. E, já num momento posterior, quando o militar da GNR PP quis abrir a porta do veículo onde seguia a arguida, usou de violência de forma a obstar a que este realizasse acto relativo ao exercício das suas funções.
29. A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei.
B) MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do tribunal baseou-se na ponderação crítica do conjunto da prova produzida em julgamento, apreciada segundo as regras da experiência comum, sendo que a arguida não compareceu em audiência de julgamento. Atendeu-se ao teor das BD no que toca às suas condições económicas.
A arguida não compareceu em audiência de julgamento. Atendeu o tribunal ao teor das BD quanto às condições pessoais.
As testemunhas DD, EE, HH e PP, depuseram de forma sincera, objectiva e coerente, tendo os seus depoimentos merecido a credibilidade do tribunal. Todos os depoimentos foram concordantes na descrição do percurso da arguida e coincidiram ainda na descrição dos locais pelos quais a arguida circulou e manobras que empreendeu. Relativamente aos factos descritos em 14 que levaram aos ferimentos no Agente da PSP envolvido, não se provou que a arguida tivesse reiniciado a marcha com qualquer intenção de atingir o Agente da PSP mas sim que este se encontrava a tentar abrir a porta do veículo e que por esse motivo tombou ao chão quando o veículo iniciou a marcha. O próprio não declarou que tenha sido arrastado pelo que tal facto foi dado como não provado.
Quanto à prova documental, o Tribunal formou a convicção com base - Auto de notícia de fls. 2 a 5; Fotograma de fls. 11; Mapa de fls. 12 a 15; Certificado de registo criminal de fls. 122; Informação clínica de fls. 68.
Quanto à prova pericial o tribunal atendeu ao relatório de avaliação de dano corporal, fls. 30 a 32 e 119 a 121.
O tribunal atendeu ao CRC no que toca à ausência de antecedentes criminais e no teor das BD no que toca à ausência de bens penhoráveis,
A análise dos depoimentos das testemunhas conjugados a prova documental, permitem concluir que os factos ocorreram da forma descrita. Sem embargo, pelas razões que constam da fundamentação jurídica o tribunal entende que os factos provados não consubstanciam a prática dos crimes imputados pelo que a arguida deve ser absolvida ainda pelas razões aí expostas.
***
Conhecendo agora das questões colocadas e daquelas que são do conhecimento oficioso deste tribunal.
Da simples leitura da fundamentação da convicção constante da sentença, torna-se evidente que a análise efectuada sobre a prova testemunhal é vaga e imprecisa (Todos os depoimentos foram concordantes na descrição do percurso da arguida e coincidiram ainda na descrição dos locais pelos quais a arguida circulou e manobras que empreendeu). Embora se não exija uma fundamentação pontual de cada declaração testemunhal, na realidade, o julgador tem de dar a perceber qual foi o seu raciocínio e o critério da sua apreciação crítica e concatenada. Isto é, se o tribunal considerou que “As testemunhas DD, EE, HH, PP, depuseram de forma sincera, objectiva e coerente, tendo os seus depoimentos merecido a credibilidade do tribunal.” porque razão e com que fundamentação só credibilizou parte dos seus depoimentos (é o que resulta da fundamentação em confronto com o que consta da gravação das respectivas declarações)? É certo que no âmbito da livre apreciação da prova, plasmado no artigo 127 do C.P.P. nada obsta a que se considere e valorize apenas parte de um depoimento, mas neste caso, é necessário que se fundamente objectivamente o afastamento de algumas partes e a valoração de outras. Ora, no caso, tal não se verifica, sendo certo que o teor dos depoimentos, aliás coincidentes entre si (como resulta das respectivas gravações que ouvimos) e com apoio nas restantes provas produzidas, levaria necessariamente a outras conclusões diversas das que o Tribunal retirou.
Melhor dizendo:
Ouvimos as gravações relativas às declarações da testemunha DD, (depoimento gravado na sessão de 18.10.2019, aos 15h38m e 15h40m ) a declarar que na 2ª Circular, onde o trânsito era bastante intenso, a cerca de 100 metros da saída n.º 4, conduzindo o veículo automóvel de matrícula ......, tentou auxiliar os militares, passando a circular à frente da viatura conduzida pela arguida, travando de modo a que esta imobilizasse o seu veículo automóvel; face a tal, o militar da GNR tentou abrir a porta do lado do condutor onde a arguida seguia; porém, a arguida conseguiu colocar, de novo o veículo automóvel em andamento, tendo o guarda dado “umas poucas de cambalhotas” no meio do chão, tendo mais tarde sabido que foi ao Hospital.
A testemunha EE, (depoimento gravado na sessão de 18.10.2019, às 15h40 e até às 16h03m), corroborando as declarações da anterior, referiu que na perseguição da arguida, a viatura da GNR chegou a atingir os 200 Km/hora. Por forma a não ser abordada a arguida passou a conduzir em alta velocidade, muito superior a 120 km/hora, a fazer manobras evasivas, nomeadamente de ultrapassagem e os militares da GNR ligaram o sistema de gravação de vídeo do veículo e optaram por chamar um veículo caracterizado. Durante todo o percurso até chegar à 2ª Circular em Lisboa, a viatura da GNR mantive os sinais luminosos e sonoros da viatura pelos mesmos conduzida na 2ª Circular, onde o trânsito era bastante intenso, a cerca de 100 metros da saída n.º 4, o condutor do veículo automóvel de matrícula ………….., tentou auxiliar os militares, passando a circular à frente da viatura conduzida pela arguida, de modo a que esta imobilizasse o seu veículo automóvel; face a tal, o Guarda-Principal PP saiu da viatura militar e aproveitando o facto de arguida ter a viatura automóvel imobilizada no trânsito, tentou abrir a porta do lado do condutor onde a arguida seguia; porém, a arguida conseguiu colocar, de novo o veículo automóvel em andamento, para continuar a fuga, levando arrastado o Colega que “deu uns trambolhões na via”.
A testemunha HH, (gravação na audiência de 13.11.2019, às 09h42m e até às 10h afirmou (em resumo) que no percurso de fuga empreendida pela arguida, esta efectuou ultrapassagens pela direita, circulou na berma e não parou em sinais vermelhos, apesar de não conseguir concretizar os locais onde tais situações ocorreram, “colocando-se numa posição de perigo para si e para os restantes utentes da via, sobretudo e em concreto com a passagem dos sinais vermelhos”.
A testemunha  EE, (gravação em 13.11.2019,  aos 10h06m e até às 10h30m)  esclareceu que foi quem elaborou o auto de notícia, cujo teor confirmou na íntegra, esclareceu que na 2ª Circular, onde o trânsito era bastante intenso, a cerca de 100 metros da saída n.º 4, o condutor do veículo automóvel de matrícula …………., tentou auxiliar os militares, passando a circular à frente da viatura conduzida pela arguida, de modo a que esta imobilizasse o seu veículo automóvel; face a tal, saiu da viatura militar e aproveitando o facto de arguida ter a viatura automóvel imobilizada no trânsito, tentou abrir a porta do lado do condutor onde a arguida seguia; porém, a arguida conseguiu colocar, de novo o veículo automóvel em andamento, levando –o quando se encontrava seguro ao puxador da porta e ao espelho retrovisor; a arguida imprimiu maior velocidade ao veículo automóvel, tendo a testemunha ido ao chão e ficado com escoriações no joelho, pescoço e ombro. Referiu que a arguida saiu na 4ª saída existente na 2ª Circular, não respeitou pelo menos 2 vezes a sinalização semafórica que apresentava a luz vermelha existente, não imobilizou a viatura por si conduzida quando a sinalização semafórica apresentava novamente a cor vermelha. A testemunha declarou que, antes de chegar ao Campo Grande, disparou um tiro de aviso para o ar com munição de borracha, mas a arguida não parou. No entroncamento com a Av.ª do Brasil a arguida utilizou a via do BUS para circular. Após, virou de direcção para o Campo Grande, em direcção à Alameda da Universidade, onde, foi forçada a parar por a via estar bloqueada com um outro veículo automóvel. Somente nesse momento foi possível interceptar e dar ordem de detenção à arguida.
Não obstante o teor das declarações das testemunhas e que acima se resumiu, na fundamentação podemos ler: Relativamente aos factos descritos em 14 que levaram aos ferimentos no Agente da PSP envolvido, não se provou que a arguida tivesse reiniciado a marcha com qualquer intenção de atingir o Agente da PSP mas sim que este se encontrava a tentar abrir a porta do veículo e que por esse motivo tombou ao chão quando o veículo iniciou a marcha. O próprio não declarou que tenha sido arrastado pelo que tal facto foi dado como não provado.
Ora,  já ouvimos que não é exacta esta conclusão, mas ainda que o próprio não tivesse utilizado a expressão “arrastado”, na realidade confirmou que caiu no chão quando a arguida arrancou, e sofreu diversos ferimentos, e, na realidade as restantes testemunhas todas afirmaram que a arguida arrancou para continuar a fuga, quando o guarda se encontrava a tentar abrir a porta e isso fez com que desse “cambalhotas” “trambolhões” na via. Por seu turno, consta da factualidade assente que “Como consequência directa e necessária da actuação do arguido, sofreu o Guarda-Principal PP...... “traumatismo do ombro e joelho à esquerda”., melhor descritas no relatório médico-legal de fls. 77, 78, 144 e 145, que se dão por integralmente reproduzidas.” Ou seja, considerou-se verificado o nexo de causa e efeito, mas não se extraiu daí a necessária consequência lógica e derivada das regras da experiência, senso e inteligência comum (art.º 127 C.P.P.).
Isto é, para além dos depoimentos prestados em audiência, impunha-se ao Tribunal a sua apreciação crítica e conjugada as restantes provas como são:
a) O auto de notícia de fls.2 a 5 (com fé em juízo) que descreve de forma pormenorizada todo o comportamento da arguida na data dos factos, o que em audiência foi confirmado pelas declarações das testemunhas ouvidas e presentes na prática dos factos;
b) o fotograma de fls. 11 que comprova a velocidade efectiva a que o veículo circulava, tripulado pela arguida – 155 KM/H- e que motivou a fiscalização pelos militares da GNR;
c) o mapa de fls.12 a 15 de onde de apreende a dimensão do percurso da perseguição;
d) a informação clínica de fls.68 e o exame médico legal de fls.77, 78, 144 e 145, relativos às lesões físicas provocadas ao agente da GNR PP.
Provas estas não impugnadas, e em face das quais se torna ainda incompreensível a factualidade descrita no ponto 10 (Antes tendo sempre obstado que os militares da GNR conseguissem aborda-la, tendo para tal adoptado, a arguida, uma condução que colocou em perigo outros utentes que circulavam na mesma Auto-estrada, quer pela velocidade que imprimia ao veículo, muito superior a 120 km/hora, quer pela manobras evasivas que adoptou, nomeadamente de ultrapassagem.), e,
no ponto 22 (Como consequência directa e necessária da actuação do arguido, sofreu o Guarda-Principal PP “traumatismo do ombro e joelho à esquerda”., melhor descritas no relatório médico-legal de fls. 77, 78, 144 e 145, que se dão por integralmente reproduzidas.), ou
no ponto 23 (A data da consolidação médico-legal é fixável em 05.07.2016.), no ponto 24 (Do evento resultaram as consequências permanentes para o ofendido PP a cicatriz rosada na face anterior do joelho esquerdo.) e
também no ponto 25 (Durante todo o trajecto a arguida adoptou a conduta supra descrita, isto é, nunca obedecendo aos sinais, quer luminosos, quer sonoros, efectuados pelos militares da GNR que lhe diziam de forma expressa e inequívoca para parar.)
e em todos os pontos (da acusação) considerados como não provados:
28. Na ocasião descrita em 14 a arguida levou arrastado pelo chão o Guarda-Principal PP que se encontrava seguro ao puxador da porta e ao espelho retrovisor.
29. Na sequência do descrito em 14 o Guarda-Principal caiu para o solo e rebolou pelo chão.
30. A arguida agiu com consciência e vontade de infringir um conjunto de regras estradais, nomeadamente, relativas à velocidade, à ultrapassagem, ao dever genérico de cuidado na circulação rodoviária e, desde modo e de forma consciente, colocou em perigo a integridade, quer dos militares da GNR, quer das restantes pessoas que circulavam na via.
27. Mais agiu a arguida com consciência e vontade de desobedecer a todas as ordens da GNR, bem sabendo a qualidade de militares da GNR e que os mesmos se encontravam no exercício das suas funções e por causa delas.
28. E, já num momento posterior, quando o militar da GNR PP quis abrir a porta do veículo onde seguia a arguida, usou de violência de forma a obstar a que este realizasse acto relativo ao exercício das suas funções.
29. A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei.
 Ou seja,
Para além de a fundamentação não mostrar a apreciação criteriosa, concatenada e crítica de toda a prova produzida em julgamento, como se impunha ao julgador que fizesse, nos termos do disposto no artigo 374 nº. 2 do C.P.P. e, cuja omissão implica a nulidade da sentença- artigo 379 nº. 1 a) do C.P.P. a sentença mais do que essa nulidade traduz um notório erro de julgamento, na apreciação da prova, como acima se deixou ver.
Na realidade deu-se como não provados factos que, foram claramente contra as declarações produzidas pelas testemunhas, que não foram afastadas por inidóneas ou contraditórias, antes sendo claramente audível na prova gravada, nomeadamente os depoimentos dos agentes da GNR EE, HH e PP e ainda a testemunha DD, bem como do teor do auto de notícia que não foi colocado em causa, da prova documental e pericial, concatenada e valorada segundo os critérios da livre apreciação da prova e da prova vinculada e dos critérios da experiência, inteligência e senso comum, praticando assim a violação das normas impostas  (art.º 127, 163, 169, 355 do C.P.P.) numa prática de erro na sua apreciação, fazendo além do mais, incorrer a sentença no erro de julgamento. Erro esse que se estende à matéria relativa aos elementos típicos subjectivos dos ilícitos em causa.
E aqui toca-se no princípio de que os intervenientes na investigação criminal desempenham as suas funções com respeito pelo princípio da legalidade e de acordo com as regras deontológicas inerentes à sua função. Com efeito, a menos que seja demonstrado que a investigação se guiou por más práticas (com violação dos direitos do arguido, p. ex.), não há razão para colocar em dúvida o depoimento de um agente da autoridade, ajuramentado nos termos legais, o que, aliás a sentença não demonstra mas que, inexplicavelmente não valoriza no seu raciocínio probatório.
 E, no caso, o próprio Tribunal aceita e valoriza a idoneidade e o depoimento dos agentes. Mas, estranhamente, faz uma valoração ao arrepio daquilo que consta do seu teor, gravado no sistema informático. E, nessa valoração daquilo que foi concretamente dito, haverá ainda que ter em conta que as provas válidas não são apenas as provas que resultam do conhecimento directo dos factos pelas testemunhas. Muitas vezes o julgador, alicerçando-se em factos certos, pode fazer apelo às denominadas presunções materiais ligadas à normalidade da vida e às regras da experiência, para daí retirar um outro facto “desconhecido”. Ou seja, a prova presuntiva. Estas presunções, como é evidente, não são presunções de culpa. Constituem, antes, parcelas de um processo de pensamento lógico de que o julgador não pode prescindir, sob pena de não ser a prova apreciada e valorada em toda a sua extensão.
Assim, não sendo as presunções judiciais um meio de prova proibido por lei, pode o julgador, à luz das regras da experiência e da sua livre convicção, retirar dos factos conhecidos as ilações que se ofereçam como evidentes ou como razoáveis e firmá-las como factos provados. E, exemplo comum deste meio ocorre precisamente com a prova da intenção criminosa (o chamado elemento subjectivo do tipo) que, enquanto acontecimento da vida psicológica, não permite prova directa, podendo, no entanto, ser inferido a partir de outros factos que tenham sido directamente provados. Desde que os parâmetros da experiência (a chamada “experiência comum”, assente na razoabilidade e na normalidade das situações da vida), não sejam postos em causa, desde que através de um raciocínio lógico e motivável seja possível compreender a opção do julgador, nada obsta ao funcionamento da presunção judicial como meio de prova, observadas que sejam as necessárias cautelas. Assim, é necessário que haja uma relação directa e segura, claramente perceptível, sem necessidade de elaboradas conjecturas, entre o facto que serve de base à presunção e o facto que por presunção se atinge. No caso, isso também teria de ser patente no processo da formação da convicção do Tribunal para aquilatar dos elementos subjectivos típicos dos ilícitos em causa. Mas o Tribunal a isso não atendeu, optando singelamente, por dar como não provada essa matéria que, afinal resultava com clareza de outros pontos da matéria que deu como assente e que acima deixámos explícito a negrito. Também aqui espelhando um claro erro na apreciação da prova. Encontramos ainda no próprio texto da decisão recorrida, entre os pontos fixados como Não Provados- 28 e 29 e os pontos Provados- 22, 23 e 24, uma patente contradição.
Não basta, porém, para a procedência da impugnação da matéria de facto e, portanto, para a modificação da decisão de facto, que as provas especificadas pelo recorrente permitam uma decisão diversa da proferida pelo tribunal, sendo necessário que as provas especificadas, na observância do referido ónus de impugnação do artigo 412- 3 e 4 do C.P.P., imponham decisão diversa da recorrida, recaindo a demonstração desta imposição também sobre o recorrente que, para tanto, deve relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2007, Universidade Católica Editora, pág. 1135). É que o erro de julgamento, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Ou seja, pressupõe este erro, que perante a prova produzida e valorada, o Tribunal não podia ter concluído como o fez, da matéria que considerou provada.[2]
Já acima vimos que o Tribunal incorreu claramente em erro de julgamento, avaliando a prova produzida em violação dos critérios da livre apreciação plasmados no artigo 127 do C.P.P.

Neste entendimento há assim que fixar em definitivo a seguinte matéria de facto:
1. No dia 27.07.2016, cerca das 18h44, na Auto-estrada n.º 1, ao Km70,7, no sentido Lisboa, os militares da Guarda Nacional Republicana constaram que o veículo de matrícula ………., conduzido pela arguida, foi detectado a circular a 167km/hora, em local onde a velocidade máxima permitida é de 120km/hora.
2. Assim, os miliares da GNR deram ordem de paragem à arguida, o que fizeram utilizando sinais luminosos e, de seguida, também sinais sonoros.
3. Como a arguida não acatou a aludida ordem de paragem, os militares da GNR que seguiam fardado no interior de carro descaracterizado, colocaram o veículo por si conduzido lateralmente ao da arguida.
4. A arguida apercebeu-se que se tratavam de militares da GNR devidamente uniformizados.
5. Todavia, não obstante a arguida ter, por gestos, perguntado se era para encostar e os militares terem respondido afirmativamente, aquela não imobilizou o veículo automóvel por si conduzido.
6. Pelo que os militares da GNR accionaram o painel traseiro da viatura onde constava que se tratava de viatura da GNR e colocaram-se na dianteira da viatura conduzida pela arguida, de forma a ser por esta perfeitamente visível.
7. Ainda assim, a arguida não acatou as ordens de paragem já anteriormente dadas e de que havia ficado ciente.
8. Mais, a arguida ultrapassou a viatura militar e imprimiu maior velocidade à viatura por si conduzida.
9. Acto contínuo, os militares da GNR continuaram no encalço da arguida e, ao se aproximarem de um posto de abastecimento de combustível de Aveiras, sempre com as luzes ligadas em que como se tratava de veículo pertença da GNR e com sinal para parar, a arguida, de novo, não acatou tal ordem.
10. Antes tendo sempre obstado que os militares da GNR conseguissem aborda-la, tendo para tal adoptado, a arguida, uma condução que colocou em perigo outros utentes que circulavam na mesma Auto-estrada, quer pela velocidade que imprimia ao veículo, muito superior a 120 km/hora, quer pelas manobras evasivas que adoptou, nomeadamente de ultrapassagem.
11. Durante todo o percurso até chegar à 2ª Circular em Lisboa, os militares da GNR mantiveram os sinais luminosos e sonoros da viatura pelos mesmos conduzida.
12. Na 2ª Circular, onde o trânsito era bastante intenso, a cerca de 100 metros da saída n.º 4, o condutor do veículo automóvel de matrícula …………, tentou auxiliar os militares, passando a circular à frente da viatura conduzida pela arguida, de modo a que esta imobilizasse o seu veículo automóvel.
13. Face a tal, o Guarda-Principal PP saiu da viatura militar e aproveitando o facto de arguida ter a viatura automóvel imobilizada no trânsito, tentou abrir a porta do lado do condutor onde a arguida seguia.
14. Porém, a arguida conseguiu colocar, de novo o veículo automóvel em andamento,
15. A arguida imprimiu maior velocidade ao veículo automóvel,
16. A arguida saiu na 4ª saída existente na 2ª Circular, não respeitando a sinalização semafórica que apresentava a luz vermelha existente na Av.ª Santos e Castro e, mais à frente na Rua das Murtas, novamente, não imobilizou a viatura por si conduzida quando a sinalização semafórica apresentava novamente a cor vermelha.
17. Nesse momento, foi disparado um tiro de aviso para o ar com munição de borracha.
18. Ainda assim, a arguida não obedeceu às diversas ordens de paragem que lhe foram dadas.
19. No entroncamento com a Av.ª do Brasil a arguida utilizou a via do BUS para circular
20. Após, virou de direcção para o Campo Grande, em direcção à Alameda da Universidade, onde, foi forçada a parar por a via estar bloqueada com um outro veículo automóvel.
21. Somente nesse momento foi possível interceptar e dar ordem de detenção à arguida.
22. Como consequência directa e necessária da actuação do arguido, sofreu o Guarda-Principal PP “traumatismo do ombro e joelho à esquerda”., melhor descritas no relatório médico-legal de fls. 77, 78, 144 e 145, que se dão por integralmente reproduzidas.
23. A data da consolidação médico-legal é fixável em 05.07.2016.
24. Do evento resultaram as consequências permanentes para o ofendido PP a cicatriz rosada na face anterior do joelho esquerdo.
25. Durante todo o trajecto a arguida adoptou a conduta supra descrita, isto é, nunca obedecendo aos sinais, quer luminosos, quer sonoros, efectuados pelos militares da GNR que lhe diziam de forma expressa e inequívoca para parar.
26. A arguida não tem antecedentes criminais registados.
27. Não tem bens penhoráveis nem rendimentos na BD da segurança social.
28. Na ocasião descrita em 14 a arguida levou arrastado pelo chão o Guarda-Principal PP que se encontrava seguro ao puxador da porta e ao espelho retrovisor.
29. Na sequência do descrito em 14 o Guarda-Principal caiu para o solo e rebolou pelo chão.
30. A arguida agiu com consciência e vontade de infringir um conjunto de regras estradais, nomeadamente, relativas à velocidade, à ultrapassagem, ao dever genérico de cuidado na circulação rodoviária e, desde modo e de forma consciente, colocou em perigo a integridade, quer dos militares da GNR, quer das restantes pessoas que circulavam na via.
31. Mais agiu a arguida com consciência e vontade de desobedecer a todas as ordens da GNR, bem sabendo a qualidade de militares da GNR e que os mesmos se encontravam no exercício das suas funções e por causa delas.
32. E, já num momento posterior, quando o militar da GNR PP quis abrir a porta do veículo onde seguia a arguida, usou de violência de forma a obstar a que este realizasse acto relativo ao exercício das suas funções.
33. A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei.
Face à factualidade fixada, há que atender à sua qualificação jurídica.
A acusação imputa à arguida a prática do um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punível pelo artigo 291º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.
O artigo 291º' prevê que “Quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada: a) Não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar em estado de embriaguez ou sob influência de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, ou por deficiência física ou psíquica ou fadiga excessiva; ou b) Violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita; e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. ”
Trata-se de um crime de perigo concreto. “Com esta disposição, pretendeu-se evitar, ou pelo menos, manter dentro de certos limites, a sinistralidade rodoviária, que tem vindo a aumentar assustadoramente no nosso país, punindo todas aquelas condutas que se mostrem susceptíveis de lesar a segurança deste tipo de circulação, e que, ao mesmo tempo, coloquem em perigo a vida, a integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado” [3]
Ora, dos factos acima fixados não restam dúvidas de que a arguida violou repetida e grosseiramente as regras que regulam a circulação e a segurança rodoviária e colocou em perigo outros utentes que circulavam na mesma auto-estrada e vias, quer pela velocidade que imprimia ao veículo, quer pelas manobras evasivas que fez, em violação das regras estradais[4]. Fê-lo de forma intencional, voluntária e deliberada, bem ciente da ilicitude dos seus comportamentos.
Não há pois qualquer dúvida de que a conduta da arguida integra os requisitos objectivos e subjectivos, tipificados na norma do artigo 291- 1 b) do C.Penal, ou seja praticou o crime por que vem acusada.
 
 Vem ainda acusada da prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punível pelo artigo 347º, n.º 2, do Código Penal.
Dispõe a referida norma:
1 - Quem empregar violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física, contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique ato relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique ato relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres, é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
2 - A mesma pena é aplicável a quem desobedecer ao sinal de paragem e dirigir contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, veículo, com ou sem motor, que conduza em via pública ou equiparada, ou embarcação, que pilote em águas interiores fluviais ou marítimas, para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique acto relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Trata-se de um crime de perigo abstracto, uma vez que, pune condutas que tenham por objectivo interferir coactivamente na actividade funcional do Estado, independentemente de atingir ou não esse objectivo.
No caso, a arguida sabia que as pessoas em causa eram militares da GNR (encontravam-se fardados, apesar de circularem em veículo descaracterizado, mas sinalizado com sinais sonoros e luminosos) no exercício das respectivas funções. Ficou ciente de que lhe deram ordem de paragem e, apesar disso, recusou-se, pelo menos 3 vezes, a acatar a mesma ordem. O seu comportamento exercendo violência física sobre o Guarda-Principal PP..., agente da autoridade que estava no exercício das suas funções,  com a finalidade de se subtrair à acção de fiscalização e a impedir e constranger ao cumprimento das funções do agente policial, provocando a sua queda e arrastamento, integra, naturalmente o conceito de violência e ofensa da integridade física do agente policial. Nada aponta no sentido de que não quis essa conduta ou que não a soubesse não contrária à lei.
Integra pois, a conduta da arguida a tipicidade referida.
Aqui chegados, entendemos que, contendo o processo os necessários elementos de facto, pode este Tribunal aplicar a pena respectiva, sem necessidade de reenviar o processo à 1ª. Instância (art.º 428 e 431 do C.P.P.).
*

No nosso ordenamento jurídico, os factores de medida da pena, nomeadamente os exemplificados no nº 2 do art.º 71.° do Cód. Penal, podem ser agrupados em factores relativos à execução do facto (als. a), b), c) e e), parte final); factores relativos à personalidade do agente (als. d) e f); e factores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto (al. e) ([5] ).
E, de harmonia com o plasmado no artigo 40º do Código Penal, a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal e a reintegração social do agente, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa, sendo certo que não se trata de medida exacta, situando-se a pena concreta entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), intervindo os outros fins das penas – prevenção geral e especial – dentro daqueles limites ([6]  ).
A determinação da medida concreta da pena será, pois, efectuada segundo os critérios estatuídos no artigo 71º do Código Penal, onde se explicita que a medida da pena se determina em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, no caso concreto, a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente e contra ele.
É que, a prevenção geral, no Estado de Direito, por se apoiar no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, e coloca assim a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum; isto significa que ela não pode ser aplicada apenas para intimidar os potenciais delinquentes mas que, acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada. Subordinada a função intimidatória da pena a esta sua outra função socialmente integradora, a pena preventiva (geral) nunca poderá ser pura intimidação mas, sim, intimidação limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica ou, por outras palavras, intimidação conforme ao sentimento jurídico comum. Assim, numa perspectiva de reacção e castigo em termos de culpa, o direito penal intervém e previne em termos de segurança comunitária.
Deverá, portanto, no caso em apreço, atentar-se:
-na moldura abstracta dos crimes praticados pela arguida, - prisão até 3 anos ou pena de multa- no caso do crime p.p. no artigo 291-1 b) do C.P.; e de prisão de 1 a 5 anos no caso do crime p.p. no artigo 347-2 do C.P.
- o grau elevado da ilicitude dos factos;
- o dolo directo;
- a situação de alheamento e responsabilização das condutas espelhada nos factos, a indicar uma personalidade de risco no que toca a um juízo de prognose de futuras violações das normas do ordenamento jurídico.
Ora, estas circunstâncias, acima descritas, devidamente ponderadas à luz das circunstâncias exigidas pela prevenção especial e pela prevenção geral, estas também a nosso ver muito elevadas, atenta a insegurança social gerada na sociedade sobretudo por reporte à sinistralidade estradal elevada e ao não acatamento das indicações da força pública e autoridade do estado.
Ora, em face do quadro fáctico supra descrito, entendemos por justa e adequada a pena de 1 ano de prisão para o crime de condução perigosa de veículo rodoviário e de 1 ano e 6 meses de prisão para o crime de resistência e coacção sobre funcionário.
Nos termos do disposto no artigo 69 nº. 1 a) fixa-se em 7 meses a proibição de conduzir.
Atendendo às regras estabelecidas no n.º 2 do art.º 77º do Cód. Penal, há que atender, em primeiro lugar, a moldura do concurso e, considerando globalmente o conjunto dos factos e a personalidade da arguida, seguidamente se determinará, dentro dela, a medida concreta da pena única a aplicar.
Sendo que a pena aplicável têm como limite máximo o resultado da soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes em concurso e como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares aplicadas, a pena única a aplicar à arguida oscilará entre 2 anos e 6 meses de prisão e 1 ano e 6 meses de prisão.
Assim, em face dos factos e relevando, na avaliação da personalidade – unitária – do agente,[7] «sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade», sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta, entende-se adequado fixar o cúmulo jurídico na pena de 2 anos de prisão.
Nos termos do art.º 50º, n.º1 do C. Penal “O tribunal suspende a execução da pena de prisão não superior a 5 anos de prisão (redacção introduzida pela Lei 59/2007 de 04.09) se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Ou seja,
Obrigando assim à formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no futuro, e sobre se a suspensão realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, tendo em vista a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime, as circunstâncias do crime, tudo em função da matéria de facto provada no caso concreto.
Como salientou o AC. do STJ de 25 de Junho de 2003, Col. Jur. Acs do STJ , ano XXI, tomo II, 2003, p. 221, “Na suspensão da execução da pena (de prisão) não são as considerações sobre a culpa do agente que devem ser tomadas em conta, mas antes juízos prognósticos sobre o desempenho da sua personalidade perante as condições da sua vida, o seu comportamento e bem assim as circunstâncias de facto, que permitam ao julgador fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas”.
De qualquer forma tal juízo há-de ser estruturado com base na matéria de facto (relativa à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste) apurada no caso concreto para se concluir pela necessidade ou não de ressocialização.
Com efeito, também existe um conteúdo mínimo de prevenção geral que se impõe como limite das considerações de prevenção especial, só sendo admissível a pena de suspensão da execução da prisão quando não coloque em crise a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime (Ac.R.Lx.5/3/2009 e Ac.R.C. 18/1/2006 wwwdgsi.pt).
Como refere o Ac. S.T.J. de 24/11/93 “…para a sua concessão é necessária a capacidade do arguido de sentir essa ameaça da pena, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a vontade de vencer a vontade de delinquir”.
Se de alguma forma podemos considerar que a pena detentiva segrega o delinquente, retirando-lhe a liberdade, a sua família e o seu direito ao trabalho, mas, por outro lado não encontramos alternativa quando perante crimes graves( ) a vigilância e o controlo do “delinquente de risco”, só com a privação da sua liberdade pode ser satisfeita com vista  a assegurar as finalidades preventivas da pena, então haverá de negar tal substituição da pena. Mas, se tivermos elementos fundados para concluir que ainda existe esperança de que em liberdade o arguido atingirá a socialização e manterá a capacidade para não repetir crimes então haverá de conclui-se por um juízo de prognose favorável e conceder-lhe a suspensão da execução da pena de prisão. E, este juízo terá necessariamente de reportar-se não à data da prática do crime, mas ao momento da decisão, sendo que, para este juízo o Tribunal pode até ponderar factos novos que tenham ocorrido entre a prática do crime e o julgamento e possam ser reveladores das necessidades preventivas.
“A suspensão da execução da pena constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores ao direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas” (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19 de Maio de 2004 in www.dgsi.pt, proc. 3549/2004-3). Esta disposição legal representa, deste modo, um poder-dever, estando o juiz obrigado a suspender a execução da pena de prisão, sempre que os respectivos pressupostos se verifiquem. Não se torna necessário que o juiz tenha de atingir a certeza sobre o desenrolar futuro do comportamento do arguido, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser alcançada.
No caso, pese embora, apenas se saiba que a arguida tem a profissão de advogada e não tem antecedentes criminais, entendemos que não será de lhe negar a oportunidade de se consciencializar e arrepiar caminho de condutas como aquelas que espelham os autos. Neste entendimento, decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada, de dois anos, por igual período de tempo (2 anos).


II- DECISÃO.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, decidimos julgar provido o recurso e, consequentemente:
a) Alterar a matéria de facto fixada, dando como provados todos os factos que constavam da decisão, como não provados, tal como acima ficou descrito.
b) Condenar a Arguida pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punível pelo artigo 291º, n.º 1, alínea b), do Código Penal. pena de 1 ano de prisão;
c) Nos termos do disposto no artigo 69 nº. 1 a) fixa-se em 7 meses a proibição de conduzir.
d) Condenar a Arguida pela prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punível pelo artigo 347º, n.º 2, do Código Penal na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
e)  Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares (art.º 77 do C.P.) vai a Arguida AA condenada na pena única de 2 anos de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 2 anos (art.º 50-1 do C.P.), e, na proibição durante 7 meses, do exercício da condução (art.º 69 nº. 1 a) do C.P.).

Notifique.
Sem tributação.

(Acórdão elaborado e integralmente revisto pela relatora – art.º 94º, nº 2 do C.P.Penal)
                                                                       
Lx, 09/07/2020
Maria do Carmo Ferreira
Cristina Pego Branco
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[1] Existe nítido lapso na numeração dos pontos 27, 28, 29 que se encontra replicada.
[2] O erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa.- Ac. STJ de 30-09-2010.
[3] Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, tomo II, pág. 1080.
[4] Entre outras, violou os art.ºs 3º/2, 7º, 11/2, 13/2, 14, 18/2, 27, 35/1, 76, 77 todos do C.Estrada.
[5]   cfr. MARIA JOÃO ANTUNES, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra, 2007-2008, págs. 8/9 e 22 a 26.
[6] (cf. Claus Roxin, in Culpabilidad Y Prevencion en Derecho Penal, pags. 4 a 113).
[7]   Figueiredo Dias Direito Penal II 294 e segs. E Cavaleiro Ferreira, Lições II, 155 e segs.