Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES | ||
Descritores: | JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL REVOGAÇÃO RETRATAÇÃO DE DECLARAÇÕES | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/23/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. Os negócios jurídicos são factos voluntários cujo núcleo essencial é integrado por um ou mais declarações de vontade a que o ordenamento jurídico atribui efeitos jurídicos concordantes com o conteúdo da vontade das partes. II. Na justificação notarial não deixa de existir uma manifestação exterior de vontade constituindo um acto quase negocial, ou seja, enquanto os actos materiais são provocados pela simples vontade de agir, nos actos quase negociais é necessário que o agente queira e entenda o acto a produzir. III. A natureza jurídica da justificação notarial tem relevância quer no tocante à possibilidade de aplicação das normas que determinam a invalidade dos negócios jurídicos, bem como da possibilidade da sua revogação ou retractação. IV. Por força do art.º 295º do CC ao acto jurídico aplicam-se as disposições sobre o negócio jurídico na medida da analogia das situações, o recurso a tais reras é tanto ou mais necessário, quanto mais decisivo for o alcance da vontade como elemento provocador do acto jurídico. V. Aceitando-se a possibilidade de revogação do acto de justificação notarial através de uma retractação da declaração de ciência em que ela assenta e exarada na escritura, haverá igualmente que considerar a possibilidade de sobre esta declaração de vontade unilateral incidirem os vícios próprios dos negócios jurídicos, mormente a simulação. VI. A declaração da ré na escritura de justificação notarial foi de exteriorização de vontade e nessa medida ser-lhe-ão aplicáveis as normas relativas a esta, nomeadamente actos que a inquinam, neste caso a simulação do negócio, ou até a possibilidade de retratação, como ocorreu nos autos. VII. Não permitir a um proprietário confinante invocar a simulação quando estivermos perante uma escritura de justificação, que não deixa de ser um acto translativo de propriedade, por forma a ver afirmado o seu direito de preferência, seria permitir afastar esse mesmo proprietário como interessado para efeito de permitir a impugnação pelo mesmo. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: M… interpôs a presente acção contra A… e outros, todos com os demais sinais dos autos, pedindo: A) Que seja declarada a nulidade da escritura de justificação que legitima a 1.ª Ré como proprietária do prédio rústico, com a área de 737m2, descrito na Conservatória do Registo Predial da C… sob o n.º 883 e inscrito na matriz predial sob o artigo 393/001, localizado no sitio da L…, freguesia do P…, concelho da C…: B) Reconhecida a aquisição pela 1.ª Ré aos 2.ºs Réus, por compra do prédio rústico, identificado em A), pelo preço de 30.000,00€ (trinta mil euros); C) Declarado o Autor como legal preferente no contrato de compra e venda referido em B) e, por via disso ser reconhecido ao mesmo o direito de haver para si, pelo preço e despesas inerentes à escritura – depositando o preço –, o prédio rústico com a área de 737m2, descrito na Conservatória do Registo Predial da C… sob o nº … e inscrito na matriz predial sob o artigo …, localizado no sitio da L…, freguesia do P…, concelho da C…, subrogando-se assim na posição de comprador na referida compra e venda e consequentemente declarado proprietário do referido prédio; D) Cancelado o registo da aquisição a favor da 1.ª Ré. do prédio rústico, identificado em A. Alega, para tanto, e em síntese, que é dono e legítimo proprietário de um prédio rústico, localizado no sítio da L…, freguesia do P…, concelho da C…, com a área de 1157, 15m2., inscrito na matriz sob o artigo … e descrito a seu favor na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …. Que esse seu prédio confina a oeste com o prédio rústico de cultivo de que eram donos os 2.ºs Réus, localizado no sitio da L…, freguesia do P…, concelho da C…, com a área, recentemente corrigida de 600m para 737m2, inscrito na matriz predial rústica da freguesia da C…, sob o artigo 393º/001, descrito na Conservatória do Registo Predial da C…, sob o nº …. Que os 2.ºs réus venderam à 1.ª Ré esse prédio pelo preço de 30.000,00€, mas em vez de celebrarem a respectiva escritura de compra e venda, conluiaram-se entre si e, em vez dela, recorreram à celebração de uma escritura de justificação notarial da aquisição por meio de usucapião do dito prédio, por parte da 1ª Ré, cujas falsas declarações prestadas nessa escritura com vista a justificar a aquisição originária do direito de propriedade foram confirmadas, também falsamente, pelo terceiro, quarto e quinta Réus (que estavam a par do conluio). O que fizeram com o intuito de obstar ao exercício do Autor do direito de preferência na venda desse prédio (por ser proprietário de prédio confinante ao alienado, tendo ambos área inferior à unidade de cultura e a mesma aptidão agrícola). Não tendo os Réus vendedores comunicado ao Autor o real projecto de venda do prédio alienado e as cláusulas do respectivo contrato, nomeadamente o verdadeiro preço. Concluindo que sendo nula, por simulação, a escritura de justificação notarial, o negócio dissimulado, que é a compra e venda que efectivamente os 2.ºs Réus e a 1.ª Ré quiseram celebrar, é válida, por ter sido respeitada a forma legal (escritura pública) exigida por lei; devendo por isso o Autor ser declarado preferente e colocado na posição de comprador. Contestaram os Réus A…, J… e mulher M…, por excepção, alegando que a escritura de justificação notarial a que alude o Autor na petição já foi revogada em 01.06.2021, sendo por isso nula, o que acarreta a nulidade da respectiva aquisição a favor da Ré justificante (A…), o que impede e modifica o efeito jurídico dos factos alegados pelo Autor, constituindo excepção peremptória que importa a absolvição total do pedido. Mais referem que o Autor pretende exercer um direito de preferência que não existe no caso concreto, pois mesmo na sua versão dos factos, não tendo os 2.ºs Réus e a 1.ª Ré querido fazer escritura de justificação notarial, mas antes uma compra e venda, mesmo a considerar-se a primeira nula, por simulação, como os 2.ºs Réus dela não fizeram parte, nunca poderia considerar-se válido o negócio dissimulado (no caso a compra e venda) pois os intervenientes da justificação notarial e os da compra e venda não são os mesmos. Mais alegam que o próprio Autor, na petição, admite que indica as condições desse alegado negócio com base em meras suposições. Defendem-se ainda por impugnação, alegando terem os 2.ºs Réus acordado verbalmente a venda do prédio à 1ª Ré, pelo preço de 60.000,00 €, o que foi previamente comunicado ao Autor, que não mostrou interesse nesse negócio. Mais referem que a 2.ª Ré deslocou-se ao Notário para ver a melhor forma de legalizar a venda já apalavrada, tendo-lhe sido sugerido a realização de uma escritura de justificação notarial para poupar dinheiro. Nenhum dos Réus se tendo apercebido, por ignorância, das implicações de tal acto, não havendo qualquer conluio para afastar o exercício do direito de preferência pelo Autor. Mas logo que tomaram consciência da situação, com a interposição da presente acção, a 1.ª Ré revogou a escritura de justificação e desfizeram o acordo verbal entre eles, tendo os 2.ºs Réus devolvido os €60.000,00 do preço que haviam recebido. Na audiência prévia, que teve lugar a 09.06.2022, foi proferido despacho no sentido de que da resposta às excepções feita voluntariamente pelo Autor decorria “a ampliação e a criação de pedidos distintos daqueles que vinham na petição inicial, pedidos esses que necessitam de ser aperfeiçoados, nomeadamente quanto ao seu valor e quanto à sua repercussão com o pedido inicialmente apresentado”, concedendo ao Autor “o prazo de 10 (dez) dias para vir aos autos aperfeiçoar esses pedidos efectuados, indicando valores e cumprindo com os trâmites do artigo 265.º do CPC”. Na sequência do que o Autor apresentou requerimento a 17.06.2022. De tudo resultando que o Autor pretende ampliar os pedidos formulados na petição aditando-lhes: - “O pedido de reconhecimento da servidão de passagem de que beneficia o prédio em causa nos presentes autos”; argumentando que tal pedido “decorre desde logo da escritura de justificação, onde é expressamente mencionado que, “O prédio é servido por uma estrada em terra batida, que serve exclusivamente este prédio e o prédio de M…”(cfr. doc. 8 junto à P.I) e dos factos já alegados em sede de P.I. (cfr. art.ºs 2º, 47º a 49º da P.I.) e, de resto, admitidos na contestação (Cfr. 74º a 76º da contestação)”; “Ou seja, a servidão de passagem, ab initio fez parte integrante dos negócios simulado (a justificação) e dissimulado (a compra e venda)”; Mais refere o Autor um segundo pedido, “Vender ao A. pelo preço real, igual ao vendido à 1.ª R., o prédio rústico identificado em 4º da P.I (...)”, esclarecendo “que o preço ali referido é €30.000,00, conforme decorre dos art.ºs 17º, 66º e 67º e pedido constante da al. B) da petição”. Os Réus responderam opondo-se à ampliação do pedido nos termos formulados. O Tribunal na apreciação da ampliação do pedido indeferiu totalmente a mesma. No saneador foi ainda decidido conhecer do mérito da acção julgando a mesma totalmente improcedente e, em consequência, absolvendo os Réus dos pedidos formulados. Inconformado com ambas as decisões veio o Autor recorrer, pedindo que se conceda integral provimento ao presente recurso, e em consequência que se ordene a revogação do despacho de indeferimento da ampliação, substituindo-o por outro que admita a ampliação do pedido requerida pelo A. e afinal proferido Acórdão que substitua a decisão por outra que julgue a acção procedente por provada. Formula para tanto as seguintes conclusões: - Do despacho de indeferimento I. No requerimento, com a referência nº: 39797864 apresentado em 09-09-2021 o ora recorrente, aditou os seguintes pedidos: a) Ser-lhe reconhecido, e os RR. condenados a reconhecer, que os prédios identificados em 1º e 4º da P.I. beneficiam da servidão de passagem constituída e referida nos art.ºs 47º a 49º da P.I. b) Vender ao A. pelo preço real, igual ao vendido à 1ª R., o prédio rústico identificado em 4º da P.I., para tanto devendo outorgar o contrato definitivo de compra e venda, por escritura pública, no prazo máximo de 20 dias a contar da decisão. (Cfr. Requerimento com a ref. nº: 39797864) II. Notificados do referido requerimento - ref. nº: 39797864 - os RR. não se opuseram à ampliação. III. Na audiência prévia realizada em 09-06-2022 foi proferido despacho que concedeu ao A. o “prazo de 10 (dez) dias para vir aos autos aperfeiçoar esses pedidos efectuados, indicando valores e cumprindo com os trâmites do art.º 265º do C.P.C, no âmbito da ampliação do pedido” (cfr. acta de audiência prévia, referencia: 51925194). IV. Por requerimento apresentado em 17-06-2022, ref.ª: 42599708 o A. esclareceu, quanto ao pedido de servidão que esta decorre da escritura de justificação – onde consta que o prédio é servido por uma estrada em terra batida - e dos factos alegados pelos A. nos art.ºs 2º e 47º a 49º da P.I, e pelos RR. nos art.ºs 74º a 76º da Contestação. V. E atribuiu ao mesmo o valor de €20.000,00 (vinte mil Euros). (Cfr. requerimento apresentado em 17-06-2022, ref.ª: 42599708 VI. O ora recorrido, enquadrou a respectiva ampliação na previsão legal dos nºs 2 e 6 do art.º 265º do C.P.C, por entender que o pedido reconhecimento da servidão de passagem é desenvolvimento ou consequência dos pedidos formulados nas alíneas B) e C) da P.I. (Cfr. requerimento com a referência 42599708). VII. Os RR., ora recorridos, apresentaram em 21-06-2022 resposta ao requerimento de aperfeiçoamento dos pedidos, dizendo que a ampliação do pedido referente à servidão de passagem ocorreu, não com o requerimento do A. com a referência 39797864 mas com o requerimento com a referencia 42599708. (Vd. requerimento dos RR. ref.ª: 42630781, v.g. art.ºs 1º, 3º, 13º, 20º, 22º, 29º, 30º, 31º, 32º e 33º). VIII. O Meritíssimo Juiz a quo entendeu que o pedido de reconhecimento da servidão de passagem não é de admitir por não ser desenvolvimento ou consequência dos pedidos primitivos e ainda que assim não fosse a ampliação implicaria a alegação de factos novos, que não foram alegados. IX. Prevendo o nº 2 do art.º 265º do C.P.C que “O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo”, quer significar que a ampliação virtualmente admitida há-de estar contida na concreta causa de pedir explanada na petição. X. Ora, a 1ª, 3ª, 4ª e 5ª RR. reconhecem, tanto que declararam na escritura de justificação (Doc. 8 junta à P.I), a existência da servidão de passagem, constituída por estrada em terra batida. XI. Assim como os 2ºs. RR. admitem de forma expressa a servidão de passagem nos art.ºs 74º, 75º e 76º da Contestação. XII. Os RR. reconhecem que o A. é proprietário confinante e que o seu prédio (id. em 1º e 2º da p.i) beneficia do acesso constituído pela dita estrada em terra batida. (cfr. art.º 76º da Contestação). XIII. Tendo os RR. intervenientes na escritura de justificação declarado – com o conhecimento e confirmação dos 2ºs RR. - que o prédio adquirido é servido por uma estrada em terra batida, que serve exclusivamente este prédio e o prédio de M… (prédio que antes pertenceu a J…, conforme resulta dos art.ºs 48º e 49º da P.I e do art.º 32º do requerimento com a ref. 39797864 e doc. 2 junto a este, para os quais se remetem), estão a comprovar a existência da servidão e a demonstrar conhecer perfeitamente a configuração física do caminho. XIV. Pelo que, pretendendo o A. ver reconhecida a aquisição pela 1ª R. aos 2ºs RR., por compra e ser declarado como legal preferente no contrato de compra e venda, sendo-lhe reconhecido o direito de haver para si o prédio em causa sub-rogando-se na posição de comprador e consequentemente declarado proprietário do prédio, afigura-se, que, in casu, o aditado pedido de reconhecimento de servidão, cujos factos a ela referente foram alegados na p.i (art.ºs 2º e 47º a 49º da P.I) é desenvolvimento ou consequência dos pedidos formulados na petição inicial. XV. A falta de indicação da configuração física do caminho mostra-se irrelevante dada a pretensão do A. em adquirir o prédio nos mesmos termos e condições que foram declarados na escritura de justificação. XVI. Ao decidir que a ampliação do pedido não constitui o desenvolvimento ou consequência dos pedidos primitivos afigura-se, como o devido respeito, que o meritíssimo juiz a quo violou o art.º 265º nºs 1, 2 e 6 do C.P.C. XVII. O segundo pedido, (Cfr. supra al. b) do art.1º) baseou-se na confissão expressa feita pelos RR. na Contestação, que o negócio previamente acordado e querido titular por escritura pública foi a compra e venda. (Cfr. Requerimento com a ref.ª nº: 39797864). XVIII. Então, para a hipótese de o Tribunal considerar que a forma seguida no negócio simulado (aquisição por usucapião) não pode ser aproveitada para validar o negócio dissimulado (compra e venda) o A. deduziu, nos termos do nº 1 do art.º 265º do C.P.C, a título subsidiário o pedido de condenação dos 2ºs RR. a celebrar com ele contrato de compra e venda nos mesmos termos e condições em que venderam à 1ª R. XIX. Os recorridos não se opuseram à ampliação no prazo legal (art.º 149º do C.P.C), nem, de resto, no requerimento com a ref:ª: 42630781. XX. O que significa que existe acordo das partes quanto à ampliação do segundo o pedido, sendo o mesmo de admitir, ao abrigo do disposto no art.º 264º do C.P.C XXI. Os recorridos não só não se opuseram à ampliação do pedido, como também confessaram que celebraram – a 1ª e 2ºs RR. – o negócio de compra e venda, que vem explanado na petição inicial, nomeadamente nos art.ºs 17º a 27º; 46º, 65º a 69, do prédio id. em 4º da P.I., do qual o A. é proprietário confinante, tendo recebido o pagamento. (Cfr. art.ºs 50º, 55º, 56º, 57º, 58º da Contestação). XXII. Os recorridos demonstram que convencionaram os termos e condições em que iam dar forma legal ao negócio, tendo sido unânimes na decisão de substituir a escritura de compra e venda pela escritura de justificação. (Cfr. art.ºs 51º a 54º e 71º da Contestação). XXIII. Pelo que, atendendo à confissão dos RR; à nulidade do título de aquisição, à intenção dos 2.ºs em vender o prédio em questão e à intenção e vontade do A. em adquiri-lo por igual preço - cujo montante é matéria controvertida -, afigura-se que o pedido em análise podia e devia, nesta sede, ser admitido. XXIV. Ao decidir, no caso sub judice pela inadmissibilidade do segundo pedido, afigura-se que o Douto Tribunal recorrido fez uma errada interpretação dos art.ºs 264º, 265º nºs 1, 2 e 6 e 465º do C.P.C. e dos princípios da economia processual e da prevalência da substância sobre a forma. - Da decisão sobre o mérito da causa. XXV. O douto Tribunal a quo, decidiu, a final, julgar a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolver os RR. do pedido. XXVI. Para tanto, considerou que a escritura de justificação notarial sendo uma mera declaração não é legalmente passível de simulação. XXVII. Concluindo que “a matéria fática alegada na petição nunca poderia conduzir à procedência da acção, estruturada como uma acção de preferência, pois a realidade é que não é alegado qualquer negócio de compra e venda no qual se possa válida e legalmente fazer substituir o comprador pelo Autor”. XXVIII. Da posição assumida nos autos pelas partes, é evidente que por detrás da escritura de justificação está um negócio de compra e venda. XXIX. Que foram os 2ºs RR. (proprietários/vendedores) a propor à 1ª R. (compradora/justificante) fazer escritura de justificação em vez da escritura de compra e venda. (art.ºs 51º a 54º da contestação) XXX. O prédio em causa encontrava-se descrito na Conservatória competente, sob o nº 883 a favor dos 2ºs recorridos. XXXI. Conforme decorre da escritura de justificação e resulta admitido por acordo, os 2ºs RR enquanto titulares inscritos no registo predial, foram notificados nos termos do art.º 99º do Código de Notariado. (Cfr. doc. 8 junto à p.i) XXXII. Ou seja, antes de ser realizada a escritura de justificação foi dado conhecimento aos 2ºs RR., da pretensão da 1ª R. em justificar o direito que no registo estava inscrito a favor daqueles. (art.99º n.ºs 1,2, 3, 4 a 5). XXXIII. Os 2ºs RR. não deduziram impugnação. XXXIV. Tendo a declaração negocial sido levada ao conhecimento dos 2ºs RR., afigura-se que a escritura de justificação, no caso sub judice configura um negócio jurídico unilateral receptício, susceptível de simulação. XXXV. Atenta a confissão da simulação, o negócio simulado (aquisição originária) é nulo e o negócio dissimulado (compra e venda) é válido por ter sido respeitada a forma legal exigida por lei (escritura pública). XXXVI. Estando preenchidos os pressupostos do direito de preferência, o A. deveria ser colocado na posição de comprador, sendo-lhe reconhecido o direito de haver para si o prédio em causa. (art.º 1410º n.º 1 do C.C) XXXVII. Pelo que, a revogação do negócio operada pelos RR, após a instauração e citação da presente acção deve ser considerada ineficaz em relação ao A., cujo direito nasceu com a venda do prédio. (art.º 1410º n.º 2 do C.C) XXXVIII. Aliás, não fosse a presente acção a 1ª R. consolidaria na sua esfera pessoal o direito de propriedade sobre o prédio em causa sendo, para todos os efeitos, reconhecida pelos 2ºs RR. como legitima proprietária do referido prédio, por compra e venda. XXXIX. Termos em que, ao desconsiderar a simulação do negócio e a confissão dos factos e ao valorar a revogação da escritura de justificação, concluindo pela extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, a douta decisão recorrida violou os art.ºs 224º nº 1; 241º nºs 1 e 2, 1380º nº 1 e 1410º nºs 1 e 5, todos do C.C.». Nas suas contra alegações os RR. pugnam pela improcedência do recurso e concluem que: A - O recorrente apresentou aperfeiçoamento do requerimento inicial, com uma camuflada e não assumida ou identificada ampliação do pedido. B - Então, o A. pediu, sem o identificar como ampliação do pedido inicial, o reconhecimento da servidão de passagem de que beneficia o prédio objecto dos autos, alegando que tal servidão decorre da própria escritura de justificação impugnada e dos factos alegados na p.i.. C - Na conjugação do teor dos art.º 2.º da p.i. e art.º 47.º, resulta que o recorrente reconhece que o caminho está vedado com um portão, sendo que que os ora recorridos alegaram que aquele nunca teve a respectiva chave nem utiliza tal caminho. D - Donde a falta de fundamento para requerer o pedido de reconhecimento de servidão a favor do seu prédio. E - A suposta ampliação teve por objectivo servir de amparo processual para sustentar uma superveniência objectiva de pretensões subjectivas ou para colmatar falhas/omissões que poderiam ser formuladas logo na data da propositura da acção. F - Na p.i., o A. não indicou a configuração física do caminho que pretende ver reconhecido como local de passagem, omitindo a sua área, nem definiu os respectivos limites físicos, ou seja, não alegou a respectiva exacta configuração física e funcional. G - Pelo que, com base na invocação pela recorrida de vício na p.i., o recorrido tentou camuflar um aperfeiçoamento da p.i., através de uma suposta ampliação do pedido, não se tratando de factos novos e que já eram do seu conhecimento, pelo que deveriam ter sido invocados na p.i. e não em momento tardio. H - A transformação do pedido não importou a alegação de factos novos, nos termos e prazos previstos para o articulado superveniente (art.º 588.º do CPC), nem a parte produziu prova ou justificou a superveniência subjectiva/objectiva. I - Pelo que, a requerida ampliação do pedido pelo A. não deve ser admitida por não cumprir os requisitos legais exigidos para tal acto jurídico. J - Acresce que os dois novos pedidos não configuram um desenvolvimento ou consequência dos pedidos formulados na p.i., uma vez que esta limita-se a corresponder a uma acção de preferência, pura e simples. K - Não sendo o pedido de reconhecimento de uma servidão de passagem consequência directa da existência de um direito de preferência, até porque um não influi no outro, uma vez que se trata de direitos díspares. L - Nos termos do art.º 552.º n.º 1 al. d) do C.P.C., é na petição inicial que devem ser expostos os factos que constituem a causa de pedir que servem de fundamento à Acão. Acresce que, uma vez citada a R., a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e causa de pedir, salvo os casos excepcionais de modificação consignadas na lei (Art.º 260.º do C.P.C.). M - Os novos pedidos só não foram formulados na petição inicial por mera negligência ou lapso do recorrido. N - O que o recorrente pretendeu, desde início, com a presente acção, foi ver reconhecido o seu alegado direito de preferência na venda do imóvel objecto dos autos, e, fundamentou tal direito e a presente acção na escritura de justificação da aquisição do dito prédio, feita pela 1.ª Ré Elisa, que teria simulado e ocultado a venda desse prédio pelos ora recorridos àquela. O - Todavia, a revogação da escritura de justificação em apreço nos autos, e respectivo cancelamento do registo a que a mesma deu lugar, criam a situação de inexistência de título e de fundamentação da presente acção. P - A escritura deixou de ter qualquer utilidade ou efeito a partir do momento em que não tem existência legal porque revogada, pelo que, a ter existido qualquer negócio simulado pela mesma, este deixa de ter base ou fundamentação jurídica. Q - Sendo a justificação nula por simulada, nos termos do art.º 240º, nº 2 do C. Civil o negócio dissimulado (a venda) poderia ser considerado válido, atendendo à forma que foi seguida no negócio simulado – art.º 241º, nº 2 do CC, todavia, os intervenientes não são os mesmos, nos dois negócios jurídicos, pois na justificação teria intervindo apenas a compradora. R - Além do mais, a escritura de justificação corresponde a uma mera declaração, pelo não é legalmente passível de simulação. S - Se o negócio dissimulado for formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei. T - A validade do negócio dissimulado teria de obedecer às regras próprias relativas à compra e venda de bens imóveis e nela teria de ter havido intervenção dos ora recorridos, donde a nulidade do negócio (dissimulado) por vício ou falta de exigência de forma. U - A escritura de justificação foi revogada, pelo que deixou de produzir efeitos; assim, nunca a acção poderia seguir por estarmos perante um caso de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide – art.º 277.º, al. e) do CPC. Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir. * Questão a decidir: O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. Importa assim, saber se, no caso concreto: - É de admitir a ampliação do primeiro pedido apresentada nos autos por ser um desenvolvimento ou consequência dos pedidos formulados nas alíneas B) e C) da petição inicial, sendo ainda de admitir o segundo pedido objecto de ampliação por ausência de oposição dos RR. - É de admitir e considerar a simulação no âmbito de uma escritura de justificação, concluindo que o negócio dissimulado é de compra e venda e determinar a existência do direito de preferência em relação ao Autor relativamente a este negócio. - É de considerar ineficaz em relação ao Autor a revogação do negócio operada pela ré, após a instauração e citação da presente acção, dado o direito de preferência ter nascido com a escritura de justificação e o negócio dissimulado correspondente à venda do prédio. * II. Fundamentação: No tribunal recorrido não se elencaram os factos provados ou não provados, pelo que com relevância para a presente decisão haverá que considerar os seguintes factos ou actos processuais: - A acção deu entrada no Tribunal a 18/05/2021. Da alegação constante da petição inicial: - Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia da C…, sob o art.º 386º (doc. 1) e descrito na Conservatória do Registo Predial da C… sob o nº …, a favor do A., o prédio rústico de cultivo, localizado no sítio da L…, freguesia do P…, concelho da C…, com a área de 1157,15m2.; - O prédio adveio ao domínio do A. por compra a M… e marido A…, sendo que o mesmo confronta a oeste com o prédio rústico de cultivo, localizado no sitio da L…, freguesia do P…, concelho da C…, com a área, recentemente corrigida de 600m para 737m2, (cfr. docs. 6 e 8), inscrito na matriz predial rústica da freguesia da C…, sob o art.º …. E a sul confronta com caminho ou “estrada em terra batida”. - Por escritura de justificação outorgada no Cartório Notarial Privativo da P…, lavrada no dia 24-02-2021, a primeira R. a declarou que: “É dona e legitima possuidora, com exclusão de outrem, do prédio rústico, composto por terra de cultivo, localizado na L…, freguesia do P…, concelho da C…, com a área total de setecentos de trinta e sete metros quadrados (…)”; ”Que confronta a norte com F…, a sul com Servidão, a Nascente com M… e a Poente com estrada de terra batida e não com Herdeiros de F… (…) “Descrito na Conservatória do Registo Predial da C… sob o número oitocentos e oitenta e três da indicada freguesia, onde a aquisição se acha registada a aquisição a favor de J… e mulher M…, pela apresentação cinco de vinte de Outubro de dois mil e três, inscrito na matriz sob o artigo 393/001, com o valor patrimonial actual e o atribuído de dezasseis euros e trinta e quatro cêntimos”. - Constando ainda que mais declarou que o citado prédio veio à sua posse, no ano de 1988, por compra verbal a M… e marido E… e a M…, viúva, residentes no sitio da Igreja, freguesia do P…, concelho da C… e que, por lapso o artigo matricial deste prédio foi vendido por escritura de compra e venda de vinte e oito de novembro de mil novecentos e noventa e sete, no extinto Cartório público da C… no livro de notas para escrituras diversas número trezentos e noventa e nove – B, de folhas cinquenta e dois verso, aos titulares inscritos registralmente, mas queria representar outro prédio. E que desde então o referido prédio se encontra na posse da justificante, portanto há mais de vinte anos, sem a menor oposição de quem quer que seja, desde o seu inicio, posse essa que sempre exerceu sem interrupção e ostensivamente, com conhecimento de todas as pessoas, sendo por isso uma posse de boa fé, pública, pacifica e continua, sendo consenso que o imóvel lhe pertence, pois pratica todos os actos inerentes à qualidade de proprietária, cultivando a terra, pagando as respectivas contribuições e usufruindo da sua utilização. Que esta posse, em nome próprio, pacifica, continua e pública, conduziu à aquisição do imóvel por usucapião, que invoca, justificando o seu direito de propriedade para efeitos de registo, dado que essa aquisição não pode ser comprovada por qualquer outro título extrajudicial. - Os titulares inscritos registralmente foram notificados nos termos do artigo 99º do Código de Notariado” - Declarou ainda que, o prédio é servido por uma estrada em terra batida, que serve exclusivamente este prédio e o prédio de M…. - Os terceiro, quarto e quinta RR. declararam confirmar, por corresponder à verdade, as declarações da primeira R. (Cfr. Doc. 8 junto com a petição inicial e alegação contida nos art.ºs 34º a 43º). - Alegou o ainda Autor que: “as declarações da justificante, aqui 1ª Ré, corroboradas pelos declarantes, ora 3º (filho dos 2ºs RR.) e 4º e 5ª (marido e mulher) RR., com vista a justificar a aquisição originária do direito de propriedade sobre o prédio 393/001, são totalmente falsas e insubsistentes” ( cf. art.º 44º da petição inicial) e ainda que o “recurso à escritura de justificação, em vez da escritura de compra e venda, para afastar o A., titular do direito de preferência, de adquirir o referido prédio” e “bem assim impedir o A. de continuar a usar e utilizar a servidão constituída pelo caminho/estrada em terra batida, utilizado para trânsito a pé, em veículo automóvel e máquinas agrícolas, a qual termina no prédio do A.” ( cf. art.ºs 46º e 47º). Da alegação constante da contestação - Por escritura, lavrada no Cartório Notarial Privativo da P…, no dia 01-06-2021, foi declarado pela 1ª ré revogar, para todos os efeitos, a escritura de justificação supra aludida. - A citação dos réus nesta acção ocorreu no dia 24/05/2021. * III. O Direito: Nos presentes autos o recurso incide sobre a decisão que não admitiu a ampliação dos pedidos formulados pelo Autor, bem como da decisão de mérito proferida em sede de saneador. Vejamos, assim, cada um dos recursos de per si. Da requerida ampliação dos pedidos Elencadas as normas aplicáveis – art.º 264º e 265º do Código de Processo Civil- o Tribunal recorrido fundamenta a inadmissibilidade da ampliação no seguinte: «No caso “sub judice” não há acordo das partes, pois os Réus opuseram-se à ampliação e aperfeiçoamento do pedido. Compulsados os autos, designadamente o articulado em que o Autor responde às excepções invocadas pelos Réus na contestação, a diligência de audiência prévia de 09.06.2022, e o requerimento de aperfeiçoamento junto pelo Autor a 17.06.2022, a vislumbrar-se uma ampliação do pedido inicial, ela respeita inequivocamente a um pedido de reconhecimento de servidão de passagem, em terra batida “de que beneficia o prédio em causa nos presentes autos” (que será o prédio do Autor). Analisada a petição inicial no sentido de descortinar se a ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência dos pedidos primitivos, desde já adiantamos que a resposta tem de ser negativa. Senão vejamos. A presente acção encontra-se delineada na petição como uma acção de preferência, na qual o Autor (M…) alega, em síntese, que é dono e legítimo proprietário de um determinado prédio rústico, que confina com outro prédio rústico pertencente aos 2.ºs Réus (J… e M…), os quais o venderam à 1.ª Ré (A…) (que não é proprietária confinante) pelo preço de 30.000,00€; mas em vez de celebrarem a respectiva escritura de compra e venda, conluiaram-se entre si e, em vez dela, recorreram à celebração de uma escritura de justificação notarial da aquisição por meio de usucapião do dito prédio, por parte da 1.ª Ré. O que fizeram com o intuito de obstar ao exercício do Autor do direito de preferência na venda desse prédio (por ser proprietário de prédio confinante ao alienado, tendo ambos área inferior à unidade de cultura e a mesma aptidão agrícola). Não tendo os Réus vendedores comunicado ao Autor o real projecto de venda do prédio alienado e as cláusulas do respectivo contrato, nomeadamente o verdadeiro preço. Concluindo que sendo nula, por simulação, a escritura de justificação notarial, o negócio dissimulado, que é a compra e venda que efectivamente os 2.ºs Réus e a 1ª Ré quiseram celebrar, é válida, por ter sido respeitada a forma legal (escritura pública) exigida por lei; devendo por isso o Autor ser declarado preferente e colocado na posição de comprador. Terminando o Autor a petição inicial com a formulação dos seguintes pedidos: A) Que seja declarada a nulidade da escritura de justificação que legitima a 1ª Ré como proprietária do prédio rústico, com a área de 737m2, descrito na Conservatória do Registo Predial da C… sob o nº … e inscrito na matriz predial sob o artigo …, localizado no sítio da L…, freguesia do P…, concelho da C…; B) Reconhecida a aquisição pela 1ª Ré aos 2.ºs Réus, por compra do prédio rústico, id. em A), pelo preço de 30.000,00 € (trinta mil euros); C) Declarado o Autor como legal preferente no contrato de compra e venda referido em B) e, por via disso ser reconhecido ao mesmo o direito de haver para si, pelo preço e despesas inerentes à escritura – depositando o preço –, o prédio rústico com a área de 737m2, descrito na Conservatória do Registo Predial da C… sob o nº … e inscrito na matriz predial sob o artigo …, localizado no sitio da L…, freguesia do P…, concelho da C…, sub-rogando-se assim na posição de comprador na referida compra e venda e consequentemente declarado proprietário do referido prédio; D) Cancelado o registo da aquisição a favor da 1ª R. do prédio rústico, identificado em A. Neste contexto processual, a ampliação do pedido no sentido de passar a incluir também o reconhecimento de servidão de passagem de que beneficia o prédio do Autor e onera o prédio alienado pelos 2.ºs Réus à 1.ª Ré (em cujo negócio pretende o Autor substituir a compradora, por força do direito de preferência) manifestamente não constitui o desenvolvimento ou a consequência dos pedidos primitivos. Definitivamente que o pedido de reconhecimento de uma servidão de passagem não pode ser considerado consequência directa da existência de um direito de preferência e das respectivas consequências legais, nem estar contido neste. Por outro lado, e mesmo que assim não fosse, o certo é que nos seus articulados o Autor em momento algum indica a configuração física do caminho que pretende agora ver reconhecido como servidão de passagem (área, largura, comprimento) nem define os respectivos limites físicos (sequer quanto aos pontos cardiais), pelo que a admissão de tal ampliação do pedido implicaria a alegação de factos novos, que só poderia ter lugar se tais factos fossem supervenientes, isto é, tivessem ocorrido ou fossem conhecidos posteriormente aos articulados, nos termos e prazos previstos para o articulado superveniente (cfr. artigo 588.º, do CPC), o que manifestamente também não é o caso.». Com efeito, nada nos permite afastar-nos da decisão proferida no tocante à inexistência do fundamento que preside à possibilidade de ampliação do pedido, no que concerne ao primeiro pedido. Senão vejamos. No primeiro dos pedidos formulados, ou seja, a condenação dos réus a reconhecer a existência de uma servidão de passagem de que beneficia o prédio do Autor e onera o prédio “alienado” pelos 2.ºs Réus à 1.ª Ré, é manifesta a ausência de acordo dos réus na sua ampliação, nem ocorre no âmbito dos articulados juntos confissão dos réus, logo haverá que aferir se a ampliação constitui um desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo. Nas palavras de Alberto dos Reis (in “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 3, pág. 92) na ampliação estão em causa dois limites: um limite temporal (até ao encerramento da discussão em 1ª instância) e um limite de qualidade ou nexo. E, quanto a este limite, preconiza que “a ampliação há-de estar contida virtualmente no pedido inicial”. Porém, “a ampliação do pedido não se destina a suprir eventuais falhas processuais da petição inicial; a ampliação do pedido, prevista no nº 2 do art.º 265º do CPC, implica que o pedido ampliado seja um lógico incremento ou corolário do pedido inicial” (cf. Acórdão da Relação de Coimbra, de 17-11-2016, proc. 7072/15.1T8VIS-A.C1, in www.dgsi.com/jtrc). Na verdade, quanto à circunstância de saber o que constitui “consequência” ou “desenvolvimento” do pedido primitivo, Alberto dos Reis (in ob. pág. 93) exemplificava como caso de ampliação em “consequência do pedido primitivo” a situação em que o A. pedia a restituição de um imóvel, vindo depois a pedir uma indemnização pelo esbulho desse mesmo prédio. E, como exemplo de ampliação por “desenvolvimento do pedido primitivo”, indicava o caso do A. que havia pedido a condenação do R. no pagamento duma dívida e depois vinha a pedir a condenação no pagamento de juros de mora. Na definição de tais substantivos contidos no escopo do preceito em causa, Lebre de Freitas alude que: “uma vez formulado, um pedido é consequência de outro quando a procedência deste implica a procedência do primeiro, ainda que em medida que pode depender de factos que excedam o âmbito da respectiva causa de pedir” e “o pedido primitivo é desenvolvido quando ao conteúdo inicial do direito a que se refere vem acrescentar um conteúdo acessório ou complementar da mesma natureza, ou quando, tendo-se feito valer inicialmente parte do direito, se pretende agora fazê-lo em outra parte ou na totalidade, sem que a procedência do pedido primitivo implique necessariamente a procedência do acréscimo decorrente do desenvolvimento e mesmo, na segunda situação, sem que haja entre os dois fundados ou não na mesma causa de pedir, uma relação de dependência” (Lebre de Freitas, “Ampliação do Pedido em Consequência do Pedido Primitivo”, in “Em Homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral”, Almedina, p.1302-1303). Subjacente à possibilidade de ampliação nos termos sobreditos está o princípio da economia processual, no sentido do máximo aproveitamento do processo para a solução definitiva do concreto litígio que opõe as partes, desde que não se pusesse em causa um mínimo de estabilidade na relação jurídica processual em que assenta o conflito e que motiva a concreta reclamação da tutela jurisdicional. Logo, o limite mínimo de estabilidade era tradicionalmente reportado pela doutrina à distinção entre “ampliação” e “cumulação” de pretensões. A este propósito ensinava Alberto dos Reis (in Ob. Loc. Cit., pág. 94) que: «para se distinguir nitidamente a espécie “cumulação” da espécie “ampliação” há que relacionar o pedido com a causa de pedir. A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado acto ou facto, se junta outro, fundado em acto ou facto diverso.». E exemplifica com um caso duma acção em que se pedia a anulação de duas escrituras de doação por simulação e depois se vem a pedir a anulação duma terceira escritura de doação com o mesmo fundamento. Nesse caso, concluía que: “o Autor não se mantém no mesmo acto ou facto jurídico, formula um pedido com individualidade e autonomia perfeitamente diferenciada dos pedidos primitivos”. No Acórdão desta Relação, de 12/3/2009 (Proc. n.º 427/07.7TCSNT.L1-1, disponível em www.dgsi.pt/jtrl), decidiu-se que a ampliação do pedido pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão se modifique para mais, só assim não sendo quando a ampliação se materializa num novo pedido, não formulado, que alteraria a estrutura da acção. Noutro acórdão desta mesma Relação (Ac. TRL de 5/7/2018 Proc. n.º 1175/13.4T2SNT.B.L1-2, o mesmo endereço da net) também se sustentou que se os factos invocados na ampliação se traduzirem em meros factos complementares duma causa de pedir complexa já alegada na petição inicial, como sejam a concretização de um dano já alegado, é processualmente admissível a ampliação do pedido, sem necessidade do consentimento da parte contrária. Em sentido idêntico se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10/10/2019 (Proc. n.º 38/18.1T8VRL-A.E1, endereço da net idêntico quando se alude a jurisprudência) se admitiu a ampliação do pedido que tenha essencialmente causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelos menos integradas no mesmo complexo de factos. É também esse o sentido do acórdão do STJ de 19-06-2019 (proc. n.º 22392/16.0T8PRT.P1.S1 disponível em sumários do Supremo), quando alude que numa situação concreta que: «Estando no âmbito de uma acção declarativa de indemnização por responsabilidade civil, em razão de acidente de viação sofrido pelo demandante, cuja causa de pedir é complexa, temos de convir que não é qualquer alteração dos factos alegados que importa uma modificação da respectiva causa de pedir da acção, pois, ao ter-se alegado factos concretos no articulado inicial com vista a demonstrar os danos causados pelo acto ilícito, cuja indemnização se reclama, temos a causa de pedir como definida, não se alterando, de todo, se o demandante se limita, em momento posterior aos articulados, e até à audiência final, acrescentar novos danos, reconhecendo-se, claramente, estes novos factos, enquanto factos destinados apenas a concretizar os danos decorrentes do facto ilícito, como factos que complementam os factos jurídicos donde emerge a pretensão jurídica deduzida, como factos que acrescentam outras dimensões do dano decorrente do acto ilícito que serve de fundamento à acção, sem que se possa afirmar, por isso, que a demanda passa a ter uma dissemelhante causa de pedir ou passa a estar sustentada em fundamento que antes não possuía. Não tendo o autor, alegado novos factos fundamentais que sustentem uma alteração da causa de pedir que alicerce a modificação do pedido (limitando-se a acrescentar novos danos, sustentados em novos factos, enquanto factos destinados apenas a concretizar os danos decorrentes do facto ilícito, no âmbito desta acção de indemnização por responsabilidade civil, factos que complementam os factos jurídicos donde emerge a pretensão jurídica deduzida, factos que adicionam outras dimensões do dano decorrente do acto ilícito que serve de fundamento à acção), impõe que se reconheça, não fazer sentido, enquadrar a pedida ampliação do pedido, no regime adjectivo atinente aos articulados supervenientes, e muito menos, aplicar ao caso, os preceitos adjectivos civis que estatuem sobre os momentos em que o novo articulado deve ser oferecido. Concluindo-se que: ”Os factos complementares invocados ao não provocarem convolação para relação jurídica diversa da controvertida, mantendo a relação com o pedido formulado na petição inicial apresentada e com a originária causa petendi, encerrando a ampliação do pedido o desenvolvimento do pedido primitivo, pode, por isso, ser deduzidos até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, ao abrigo do estabelecido no n.º 2 do art.º 265.º do CPC, não fazendo sentido, postergar esta prerrogativa, com a preclusão consignada no art.º 588.º, n.º 3, do CPC, a aplicar tão só, quando está em causa a alegação de factos essenciais.” Como já referimos atrás, o que está em causa é a consonância do princípio da estabilidade da instância com o princípio da economia processual, dando-se prevalência a este último na estrita medida em que se verificam reais vantagens na solução definitiva num único processo do conflito existentes entre as mesmas partes, desde que a relação controvertida seja essencialmente a mesma, assente virtualmente na mesma causa de pedir. No caso, nada releva vir o recorrente invocar que a pretensa ampliação quanto ao reconhecimento da servidão advém da escritura de justificação notarial, no âmbito da qual a 1ª ré terá declarado reconhecer tal direito. Acresce que ainda que o Autor tenha invocado esses mesmos factos na petição inicial em momento algum formulou pedido em conformidade e é relativamente a este que se afere da “consequência” ou “desenvolvimento”. Importa ter presente ainda que o reconhecimento do pedido de servidão de passagem nos termos pretendidos pelo recorrente será inclusive contraditório com os demais pedidos pelo mesmo formulados, quer de nulidade da escritura de justificação, quer de reconhecimento do seu direito de preferência. Pois a nulidade da escritura atingirá a alegada “confissão” da existência de tal servidão, e a eventual preferência permite a reunião dos prédios e a extinção da servidão. Na verdade, a par do pedido de nulidade da escritura de justificação notarial, veio o Autor formular pedidos que se prendem com a validade do negócio dissimulado e com base neste o seu direito de preferência na aquisição, preferência essa que assenta na existência de confinamento entre os prédios rústicos em causa, o objecto da justificação e o da propriedade do autor. Donde, perante o pedido assente no alegado direito de preferência o pedido de servidão deixará de ter utilidade, pois caso se julguem procedentes os demais pedidos, extingue-se a alegada servidão por reunião dos dois prédios, o dominante e o serviente no domínio da mesma pessoa, o Autor – cf. art.º 1569º nº 1 alínea a) do CC. Todavia, o indeferimento de tal ampliação já resultaria manifesto por ausência de verificação de tal pedido como consequência ou desenvolvimento dos pedidos iniciais, confirmando-se, desta forma, o indeferimento tal como foi decidido pelo Tribunal a quo, improcedendo as conclusões I. a XVI.No que concerne ao segundo pedido objecto da ampliação, sustenta o recorrente que os RR. não se opuseram a tal pedido, resultando o mesmo da confissão dos réus, tendo este sido formulado subsidiariamente o pedido de condenação dos 2ºs RR. a celebrar com o A. o contrato de compra e venda. Mais dizendo eu face à nulidade do título de aquisição, à intenção dos 2ºs réus em vender o prédio e a vontade do Autor em adquirir o mesmo por igual preço – cujo montante é matéria controvertida, o pedido deveria ter sido admitido – cf. conclusões XVII a XXIV. Quanto à ausência de oposição dos réus a tal ampliação não lhe assiste razão, pois no âmbito do requerimento resposta à ampliação dos pedidos formulada pelo Autor vieram os réus responder nos seguintes termos:« 28.ºVem, ainda, o A., no requerimento de 17-06-2022, alegar que formulou um 2.º pedido: “vender ao A. pelo preço real, igual ao vendido à 1.ª Ré, o prédio (…)”, esclarecendo que “o preço ali referido é €30.000,00, conforme decorre dos art.ºs 17.º, 66.º e 67.º e pedido da al. b da p.i.”. 29.º Contudo, não vislumbram os RR. tal pedido no 1.º requerimento apresentado pelo A., onde veio responder às excepções invocadas por aqueles. 30.º O A. não invocou ou mostrou a pretensão de formular tal pedido, aproveitando, agora, tardiamente, a oportunidade do convite para aperfeiçoamento, para aditar um segundo pedido que não se vislumbra naquele requerimento e que nem foi objecto de abordagem. 31.º Pelo que tal pedido novo não pode ser aceite por falta de fundamento legal para o efeito.». Na verdade, o eventual direito de preferência do Autor adviria dos efeitos da simulação relativa e, logo, da validade do eventual contrato dissimulado, aliado ao direito de preferência invocado pelo Autor. Tal já se encontra plasmado no pedido inicial formulado em B). Invocar a obrigação dos 2º réus na venda a efectuar ao Autor tem na sua génese outros factos que não os invocados na petição inicial, nem a eventual confissão de venda invocada pelos 2ºs réus, neste caso à 1ª ré, nos permite concluir por uma obrigação assumida perante o Autor. Logo, à semelhança da fundamentação contida na decisão recorrida entendemos igualmente que: «(…)quanto ao aditamento de um 2.º pedido com a formulação “Vender ao A. pelo preço real, igual ao vendido à 1.ª R., o prédio rústico identificado em 4º da P.I (...)”, relativamente ao qual esclarece “que o preço ali referido é €30.000,00, conforme decorre dos art.ºs 17º, 66º e 67º e pedido constante da al. B) da petição”, apenas se nos oferece salientar que tal pedido é já feito na petição, ainda que não exactamente pelas mesmas palavras, como decorre da leitura dos pedidos formulados em B) e C) desse articulado. O que exceda esses pedidos, ou seja, se a intenção do Autor for aditar um segundo pedido de condenação dos 2ºs Réus a celebrar com ele um novo e autónomo contrato de compra e venda (e já não a substituir-se como comprador na venda feita à 1ª Ré) implicaria a dedução de factos diversos e novos que não os alegados, o que como já vimos não é possível nessa sede. De tudo assim decorrendo que não é legalmente admissível a ampliação do pedido, em nenhuma das suas vertentes.». Pelas razões expostas, julgamos que improcedem as conclusões que sustentam a admissibilidade da ampliação dos pedidos, devendo o recurso, nesta parte, ser julgado improcedente, confirmando-se inteiramente a decisão recorrida. Da simulação no âmbito da escritura de justificação e da preferência no negócio dissimulado No que diz respeito ao mérito da acção e o juízo de improcedência formulado em sede de saneador, assenta a mesma na impossibilidade de ocorrer a simulação no âmbito da escritura de justificação notarial, bem como na inutilidade superveniente da lide face à declaração por escritura da cessação dos efeitos da anterior escritura de justificação. Defende o recorrente que a escritura de justificação, conjugado com a notificação dos 2ºs réus, titulares inscritos no registo predial, nos termos e para os efeitos do art.º 99º do Código de Notariado, constitui uma declaração negocial e, logo, um negócio jurídico “unilateral e receptício, susceptível de simulação” (conclusões XXV a XXXIV). Donde, entende que face à confissão da simulação quanto ao negócio em causa, com a consequente nulidade, haverá que considerar o negócio dissimulado – a compra e venda- sendo que foi respeitada a forma legal exigida – a escritura. Sustenta ainda que face a tal negócio (dissimulado) o direito de preferência do Autor se mantém incólume e não é afectado pela posterior declaração da 1ª ré, face ao disposto no art.º 1410º nº 2 do Código Civil. Apreciando. Resulta do disposto no artigo 116º, nº 1, do Código do Registo Predial (Cod.Reg.Prd.) que o adquirente que não disponha de documento para provar o seu direito pode obter a primeira inscrição mediante escritura de justificação notarial. Tal justificação, como determina o artigo 89º do Código do Notariado (C.N.), consiste na declaração, feita pelo interessado, em que este se afirme, com exclusão de outrem, titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição e referindo as razões que o impossibilitam de o comprovar pelos meios normais, sendo que, quando for alegada a usucapião, baseada em posse não titulada, devem mencionar-se expressamente as circunstâncias de facto que determinam o início da posse, bem como as que consubstanciam e caracterizam a posse geradora da usucapião. É importante referir que existe hoje a escritura de justificação notarial e o processo de justificação, além destes os que se encontram regulado no artigo 118.º CRegP e artigo 1.º, n.º 2 da lei n.º 65/2019 de 23 de agosto. A justificação notarial é outorgada através da escritura pública, alínea a), do n.º 2 do artigo 80.º CN, podendo também chamar-se de escritura de justificação notarial. Esta encontra-se dividida em três tipos de trato sucessivo: a justificação para estabelecimento do trato sucessivo ou de 1ª inscrição, a justificação para reatamento do trato sucessivo e a justificação para o estabelecimento do novo trato sucessivo. Como alude Borges de Araújo (in Prática Notarial, 2001, pág. 339) «na génese do sistema em que assenta a justificação notarial está o princípio do trato sucessivo. Partindo da ideia de que, respeitando este princípio se poderia criar um documento que substituísse, para efeitos de registo, títulos faltosos, criou-se um sistema em que nos aparece a nova escritura, de natureza excepcional, para apoiar e servir as necessidades do registo obrigatório, que se pretendia estabelecer. O novo título foi buscar ao princípio do trato sucessivo a sua razão de ser, servindo não só o registo obrigatório como o registo predial em geral, ao possibilitar registos que de outro modo seriam impossíveis». Acresce que as escrituras de justificação notarial, tal como os registos, «pela sua própria finalidade, assumem um interesse público», na medida em que são «instrumentos que visam firmar, titular e publicitar direitos subjectivos das pessoas (singulares e colectivas), mas que se projectam numa informação generalizada a toda a sociedade sobre a existência e o âmbito desse direito (cf. Mouteiro Guerreiro, Temas de Registos e de Notariado, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 118-119). O Tribunal recorrido na improcedência da acção estriba-se, primeiramente, na natureza do acto, expondo que: «(…) que a escritura de justificação notarial constitui uma mera declaração, feita pelo interessado para efeitos de estabelecimento do trato sucessivo no registo predial, para reatamento do trato sucessivo no registo predial, ou, ainda, para estabelecimento de novo trato sucessivo no registo predial, nos termos dos artigos 89.º, 90.º e 91.º, todos do Código do Notariado. Acontece que mesmo que as declarações prestadas na escritura de justificação sejam falsas (e no caso são os próprios 1.ª Ré e 2.ºs Réus a reconhecer na contestação que o foram, ainda que tal justifiquem com ignorância e desconhecimento) e mesmo que tal como alegado pelo Autor, tal tivesse sido acordado entre a 1.º Ré e os 2.ºs Réus, o certo é que a escritura de justificação notarial constitui uma mera declaração, não é um contrato nem sequer um negócio jurídico unilateral receptício (como o é, por exemplo, o testamento). Sendo uma mera declaração, a escritura de justificação não é legalmente passível de simulação, prevista no artigo 240.º, n.º 1, do CC, nos termos do qual um negócio diz-se simulado quando, por acordo, entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.». Tal entendimento, como consta da decisão recorrida, foi sufragado nomeadamente pelo Acórdão da Relação de Coimbra de 11.10.2022 (proc. n.º 100/20.0T8FCR.C1, in www.dgsi.pt/jtrc), no qual se conclui que a escritura de justificação não é passível da simulação prevista no n.º 1 do artigo 240.º do Código Civil. Nesse aresto depois de se enunciarem os elementos estruturais de tal vício – a simulação – socorrendo-se para tanto dos ensinamentos de Pedro Pais Vasconcelos e de Pedro Leitão (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 9.ª Edição, Almedina, página 678), conclui-se que: ”Apesar de a simulação não ser exclusiva dos contratos, como o atesta o facto de o artigo 2200.º do Código Civil prever a simulação do testamento, que é um negócio jurídico unilateral, a verdade é que, exigindo a lei como pressuposto da simulação um “acordo entre declarante e declaratário” só é legalmente admissível falar de simulação em relação a negócios jurídicos unilaterais receptícios.” E ainda: “a justificação notarial não é contrato nem negócio jurídico unilateral receptício. Ela consiste numa declaração, feita pelo interessado para efeitos de estabelecimento do trato sucessivo no registo predial, ou para reatamento do trato sucessivo no mesmo registo ou ainda para estabelecimento de novo (artigos 89.º, 90.º e 91.º do Código do Notariado). A escritura de justificação pode compreender declarações não verdadeiras, como sucedeu no caso. A emissão dessas declarações até pode ter sido ser acordada com um terceiro. Porém, em nenhum destes casos se está perante a figura da simulação tal como ela está prevista no n.º 1 do artigo 240.º do Código Civil.”. Igualmente quanto à natureza de tal instrumento refere-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12/03/2015 (proc. nº 169/12.1TBVPA.G1) que “a justificação notarial não passa de um expediente técnico simplificado destinado a obter uma titulação excepcional, para não dizer anormal (como refere o preâmbulo do D.L. 40603 de 18/5/56), que sirva de base à efectivação do registo.”. Todavia, no âmbito dessa decisão visava-se aferir da prova obtida com tal escritura sumariando-se ainda que: « I - A justificação notarial não é mais do que um expediente técnico simplificado destinado a obter uma titulação excepcional que sirva de base à efectivação do registo predial de um imóvel, não garantindo, com a necessária a realidade do direito invocado, não obstante a intervenção de três declarantes, sabida como é a pouca fiabilidade da prova testemunhal, sobretudo quando não submetida a qualquer contraditório (cfr. artigos 116º, nº 1, do Código do Registo Predial, 89º e 96º, nº 1, do Código de Notariado). II - A escritura de justificação prova plenamente que o justificante declarou perante o notário o que consta do documento, nomeadamente que é o proprietário do prédio em causa por o ter adquirido por usucapião. Mas não constando do documento a quem pertenceu esse prédio, a mencionada escritura não prova plenamente que o mesmo tenha pertencido a determinada pessoa.». Igual entendimento, quanto ao valor probatório, foi seguido no Acórdão do STJ de 19.02.2013 ( Proc. 367/2002.P1.S), ao aludir-se que «Assim sendo, é evidente que a escritura de justificação, assentando exclusivamente nas declarações do próprio interessado, sem qualquer controlo do notário ou de qualquer outra autoridade independente, não garante, com a necessária segurança, a realidade efectiva do direito afirmado, não obstante a intervenção dos três declarantes exigidos por lei, sabido como é a pouca fiabilidade da prova testemunhal, sobretudo quando não submetida, como é o caso, a qualquer contraditório. Trata-se, todavia, de uma escritura pública, portanto de um documento autêntico, que, por isso há-de ter valor probatório igual à de qualquer outra escritura pública visto que a lei não faz qualquer distinção. O que não poderá é atribuir-se-lhe valor probatório superior, não só pela aludida falta de segurança, como porque não existe preceito legal que tal determine, ou que estabeleça qualquer presunção legal a favor do declarante. Consequentemente, como resulta do disposto no Art.º 371º n.º 1 do C.C., a escritura de justificação notarial (como qualquer outra escritura pública) apenas faz prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público (no caso, o notário), assim como dos factos que nela são atestados com base nas percepções da entidade documentadora, mas não prova, porém, que sejam verdadeiras as afirmações do justificante perante o notário». No sentido, porém, de admitir a possibilidade de simulação no âmbito de uma escritura de justificação notarial parece resultar do Acórdão da Relação de Évora de 10/10/2019 (proc. nº 456/12.9T2STC.E2, in blook.pt), ao aludir que: «Os Apelantes aceitaram a declaração de nulidade da escritura de justificação notarial, por simulação das declarações negociais que lhe estiveram subjacentes, conforme decorre da não impugnação do ponto 1.1. da sentença recorrida, e porque os favorece, nada obstaram à declaração de validade do negócio de compra e venda, que havia sido pedida pelos Autores como pressuposto da possibilidade do exercício do direito de preferência. O objecto do recurso tal como vem desenhado, encontra-se, pois, limitado, na parte que ora importa, à procedência do direito de preferência invocado pelos autores, relativamente à aquisição da parte rústica do prédio objecto da presente acção.». Porém, na discussão de tal questão cingiu-se a mesma à possibilidade ou não de parcelamento/desanexação de prédios rústicos, ainda que subjacente a tal discussão está a decisão de ter sido declarada nula por simulação a escritura de justificação e a preferência advir da validade do contrato de compra e venda como negócio dissimulado na referida escritura. Antecipando, discordamos do entendimento sufragado pela decisão recorrida e, logo, das decisões que a justifica. Com efeito, tem sido entendido que a natureza jurídica da justificação notarial é enquadrável na categoria doutrinal dos “quase negócios jurídicos” (neste sentido Acórdão da Relação de Coimbra de 13/04/1999, in CJ- 99- Tom II, pág. 6). Como alude Mota Pinto (in “Teoria Geral do Direito Civil” fls. 355) os negócios jurídicos são factos voluntários cujo núcleo essencial é integrado por um ou mais declarações de vontade a que o ordenamento jurídico atribui efeitos jurídicos concordantes com o conteúdo da vontade das partes, tal como este é objectivamente (de fora) apercebido. Os efeitos dos negócios jurídicos produzem-se como é comum dizer-se ex voluntate e não apenas ex lege, é o que sucede com os contratos e com o testamento. Os simples actos jurídicos são factos voluntários cujos efeitos se produzem, mesmo que não tenham sido previstos ou queridos pelos seus autores, embora muitas vezes haja concordância entre a vontade destes e os referidos efeitos. Os efeitos dos simples actos jurídicos, os actos jurídicos stritu sensu, produzem-se como se diz comumente ex lege e não ex voluntate, é o que ocorre por exemplo na interpelação do devedor (art.º 805º do CC), ou a notificação do devedor para a cessão de créditos (art.º 853º do CC). Quanto a estes, haverá ainda que considerar os quase negócios ou actos jurídicos quase negociais ou apenas as operações jurídicas ou actos materiais. Ora, a justificação notarial poderá integrar-se nos primeiros, pois traduzem uma manifestação exterior de vontade (neste sentido ainda Ac. da RC de 14/4/1993 in CJ – 93 – II pág. 34). Tal natureza terá relevância quer no tocante à possibilidade de aplicação das normas que determinam a invalidade dos negócios jurídicos, bem como da possibilidade da sua revogação. Com efeito, na justificação notarial não deixa de existir uma manifestação exterior de vontade, ou seja, enquanto os actos materiais são provocados pela simples vontade de agir, nos actos quase negociais é necessário que o agente queira e entenda o acto a produzir (neste sentido Castro Mendes in “Teoria Geral II” 18-25). Daí que Castro Mendes situa a usucapião na categoria de acto quase negocial, sendo que esta serve de base à escritura de justificação. Aqui chegados e concluindo pela natureza quase negocial da escritura em apreço importará aferir que regime jurídico se lhe aplica, sendo que para o efeito haverá que convocar o disposto no art.º 295º do CC, que dispõe que ao acto jurídico aplicam-se as disposições sobre o negócio jurídico na medida da analogia das situações, ou seja, quando as razões determinantes dos respectivos preceitos legais o justifiquem. A propósito da análise deste preceito H. Ewald Horster (in “A Parte Geral do Código Civil Português”, pág. 207 e 208) defende que o recurso às regras do negócio jurídico é tanto ou mais necessário, quanto mais decisivo for o alcance da vontade como elemento provocador do acto jurídico. Ora, não se aceitando a aplicação á escritura de justificação a teoria do negócio jurídico que dizer da revogação posterior operada por declaração da declarante? Pois não há que olvidar que em matéria de revogação ou resolução dos negócios jurídicos vigora, a seguinte regra: a mesma vontade que constitui o negócio jurídico pode livremente destruí-lo se só dos seus interesses se tratar – cf. art.º 406º nº 1 e 432º, 460º e 461º do CC ( cf. Castro Mendes in ob. cit. pág. 262). Daí que se admita a revogação do acto de justificação notarial através de uma retractação da declaração de ciência em que ela assenta e exarada na escritura, logo, entendemos igualmente que não está arredada a possibilidade de sobre esta declaração de vontade unilateral incidirem os vícios próprios dos negócios jurídicos, por aplicação do disposto no art.º 295º do CC e logo, a remissão para o previsto na subsecção “falta e vícios da vontade” previsto nos art.º 240º e ss. do CC, mormente a simulação. A dificuldade de análise de tais actos jurídicos prende-se com a formulação da lei e da doutrina portuguesa (à semelhança do direito alemão cuja influência é manifesta) em dar primazia à teoria do negócio jurídico e não à teoria do contrato, o que nos leva a algumas frustrações no sentido de não encontrar resposta directa na lei sobre o regime dos contratos. Tal crítica feita por Carlos Ferreira de Almeida (in “Contratos I”, págs. 16 e ss.) é apelidada pelo mesmo como originando “actos falhados”, sendo que estes emergem de algumas disposições pretensamente aplicáveis aos negócios jurídicos (também aos unilaterais) mas que usam terminologia própria e específica dos contratos, permitindo assim criar a dúvida se tais normas são ou não aplicáveis a todos os negócios. O mesmo autor após elencar tais críticas acaba por dizer que se por um lado a figura do negócio jurídico não deve substituir a figura do contrato, o inverso também é verdadeiro, ou seja, “os contratos não esgotam o campo da autonomia privada onde coexistem com uma multiplicidade de actos jurídicos unilaterais(…) impõe-se fazer sair da penumbra doutrinária um conjunto imenso de actos jurídicos unilaterais que, por força do critério analógico do art.º 295º, dispõem de regime jurídico coincidente com o regime dos negócios jurídicos ou próximo dele” ( in ob. cit. pág. 24). É manifesto que a declaração da 1ª ré foi de exteriorização de vontade e nessa medida ser-lhe-ão aplicáveis as normas relativas a esta, nomeadamente actos que a inquinam, neste caso a simulação do negócio, ou até a possibilidade de retratação, como ocorreu nos autos. Acresce que não permitir a um proprietário confinante invocar tal vício quando estivermos perante uma escritura de justificação, que não deixa de ser um acto translativo de propriedade, por forma a ver afirmado o seu direito de preferência, seria permitir afastar esse mesmo proprietário como interessado para efeito de permitir a impugnação pelo mesmo. Afastamo-nos assim, da doutrina defendida pelo Acórdão de Coimbra aludido na decisão recorrida e que a sustenta, pois entendemos que por força do critério analógico permitido pelo art.º 295º do CC ao acto jurídico em causa, pode o Autor opor a simulação. Com efeito, de harmonia com a disciplina inscrita no artigo 101º, nº 1, do Código de Notariado o facto justificado por escritura de justificação notarial pode ser impugnado em juízo por qualquer interessado. Efectuada escritura de justificação, para efeitos de primeira inscrição no registo, pode impugná-la aquele que tiver um direito incompatível com o invocado pelo justificante ou qualquer outro interesse juridicamente relevante. No entendimento de Pires de Lima e Antunes Varela a invocação da nulidade pode ser invocada «pelo titular de qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica, como prática, seja afectada pelo negócio» (in Código Civil Anotado, vol. I, pág. 263). Mota Pinto alude que ao usar o termo qualquer interessado, a lei permite que a nulidade seja invocada pelo «sujeito de qualquer relação jurídica afectada, na sua consistência jurídica e prática, pelos efeitos a que o negócio jurídico se dirigia» (in ob. cit. pág. 260). Também Heinrich Ewald Hörster (in ob. cit. pág. 594) entende que o termo qualquer interessado não é qualquer pessoa, «mas apenas o particular cujos interesses jurídicos ou económicos ou morais, tiverem sido afectados pelo negócio nulo». Igualmente Maria Clara Sottomayor entende que «o direito de invocação da nulidade não é conferido a todos. Não é qualquer pessoa a quem dê jeito, de alguma maneira, a declaração de nulidade do negócio, que preenche os requisitos do conceito de interessado para o efeito do artigo 286º. O sujeito legitimado deve ter um interesse directo na nulidade e não apenas um interesse vago e indirecto. O interesse que atribui a uma pessoa legitimidade para invocar a nulidade de um negócio jurídico, segundo o artigo 286º, é um interesse de direito substantivo, que pressupõe a oponibilidade do negócio jurídico ao seu titular, porque o negócio nulo prejudica a consistência jurídica, ou a consistência prática ou económica, de um direito seu» (Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa 2014, pág. 708-709.6). É a invocação pelo Autor da simulação do acto jurídico em causa, perpetrado pelos réus em conluio, que permite a classificação daquele como “interessado”, face à invocação do negócio dissimulado e, logo, o interesse manifesto como afirmação do seu direito de preferência. Com efeito, perante o nº 1 do art.º 241º, do CC, fica claro que a validade do negócio dissimulado não é afectada, em princípio, pela nulidade do negócio simulado. Porém, através do nº 2 do mesmo artigo, conclui-se que o negócio dissimulado só poderá ser reputado válido, em caso de contrato de natureza formal, se tiver sido observada a forma exigida por lei. O Tribunal recorrido depois de concluir pela inaplicabilidade do vício correspondente à simulação, prossegue dizendo que: «Decorre do exposto, como também conclui o mesmo aresto, que a escritura de justificação notarial em causa nos autos, outorgada pela 1.º Ré A…, não é susceptível de fazer nascer a favor do Autor o direito de preferência que ele invoca na presente acção, previsto no artigo 1380.º, n.º 1, do CC. Por outro lado, mesmo que tenha existido por trás de tal escritura de justificação um acordo verbal de compra e venda do prédio em causa, como alega a petição, o certo é que tal negócio nunca seria válido por falta de forma, nos termos estabelecidos no artigo 875.º, do CC. Sendo que o exercício do direito de preferência, após efectuada a terceiro a alienação da coisa, pressupõe sempre a validade deste acto, pois não é possível, sob pena de contradição entre pedidos, pedir a nulidade de um negócio e, simultaneamente, a sua validade para efeitos de exercício do direito de preferência.». Não lhe assiste razão, pois olvida-se que a simulação pode ser absoluta ou relativa: é absoluta quando por detrás das declarações não se pretende realizar negócio algum; é relativa quando sob a capa do negócio declarado, os declarantes pretendem realizar outro (negócio dissimulado). Ora, só a simulação absoluta torna o negócio nulo (art.º 240º, nº 2, do CC.); a relativa mantém o negócio dissimulado válido, desde que este não seja de natureza formal, caso em que só será considerado válido se tiver sido observada a forma exigida na lei (art.º 241º, nº 1, e nº 2, do CC). Com efeito, nesta as partes fingem celebrar um determinado negócio e, na realidade, querem um outro negócio jurídico de tipo ou conteúdo diverso. Nesta situação, nos termos do artigo 241º do Código Civil, admite-se a validade do negócio dissimulado, que não é prejudicado pela nulidade do negócio simulado, respeitados que sejam os requisitos de forma exigidos na lei. No acto em causa estamos perante uma escritura, forma exigida para a compra e venda de imóveis, pelo que não colhe o argumento do Tribunal recorrido quando afirma que não se encontram cumpridas as exigências de forma. Aqui chegados, analisando o teor dos articulados juntos pelas partes podemos concluir pela confissão dos RR. quanto ao acto simulatório, porém, faltam elementos de prova que nos permitam aferir do teor absoluto do negócio havido entre as partes (o dissimulado), ainda que resulte que seja de compra e venda, faltará provar os seus termos concretos, mormente o preço. Logo, a revogação da decisão não importará por este tribunal a decisão em substituição, pois os autos devem prosseguir com o elenco dos factos a considerar tendo por base a confissão das partes e a prova que se imponha quanto aos factos ainda em falta. Acresce que ao contrário do defendido na sentença recorrida em nada releva para efeito da afirmação ou não do direito de preferência do Autor a alegada declaração da ré no sentido de ter sido dado sem efeito a escritura de justificação em causa, consubstanciando-se tal circunstância como sendo alegada causa de inutilidade superveniente da lide e, logo, da sua extinção. Aliás a afirmação de que tal escritura já havia “legalmente” sido revogada é contraditória com a natureza jurídica que a própria sentença confere a tal acto, pois a possibilidade de revogação é igualmente própria dos negócios jurídicos e essa possibilidade apenas é permitida nos termos da doutrina do critério analógico previsto no art.º 295º do CC, critério esse afastado pela sentença ao excluir a possibilidade de simulação relativo a tal acto jurídico. Quanto à consequência da alegada revogação para o eventual direito de preferência do Autor relativamente ao negócio dissimulado, importa ter presente que a revogação ocorreu após a citação dos réus nesta acção, ou seja, já após o pedido de afirmação de tal direito pelo Autor. Pelo que obsta à consideração de tal acto revogatório, afirmada que seja a preferência aquando da subsunção dos factos a apurar ao direito, o disposto no nº 2 do art.º 1410º do CC, ao dispor que o direito de preferência e a respectiva acção não são prejudicados pela modificação ou distrate da alienação, ainda que estes efeitos resultem de confissão ou transacção judicial. De tudo o exposto, procede a apelação quanto à revogação do despacho, ordenando-se que os autos prossigam para conhecimento do direito do Autor. * IV. Decisão: Por todo o exposto, acorda-se em julgar: a) Improcedente o recurso de apelação quanto à ampliação dos pedidos formulados pelo Autor; b) Procedente o recurso de apelação e, consequentemente, revoga-se a decisão que absolveu os réus e ordena-se o prosseguimento dos autos para conhecimento dos pedidos formulados pelo Autor. Custas pelo apelante quanto ao recurso autónomo e pelos apelados quanto ao mais. Registe e notifique. Lisboa, 23 de Março de 2023 Gabriela de Fátima Marques Adeodato Brotas Vera Antunes |