Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9846/2006-6
Relator: FÁTIMA GALANTE
Descritores: FALÊNCIA
CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - A introdução de um prazo de caducidade nos casos de morte ou cessação de actividade procura conciliar os interesses patrimoniais dos credores na declaração da falência com a sua ligação ao efectivo exercício da actividade comercial, tornando estável, decorrido certo tempo, a situação jurídica de quem já não exerce a actividade ou dos herdeiros do devedor.
II – O art. 9.º do CPEREF veio permitir um alargamento do prazo para requerimento da falência, com base em qualquer dos factos previstos nas alíneas do art. 8.º, nº 1, pois que, quer a morte, quer a cessação da actividade, deveriam implicar a impossibilidade imediata de os credores requererem a falência.
III - A actividade a que se refere o art. 9º tem de ser entendida em sentido empresarial, ou seja, no sentido de actividade económica exercida de forma profissional e organizada, com vista à realização de fins de produção ou troca de bens ou serviços.
IV - Existem situações em que a vida de uma empresa, é apenas “vegetativa” e esta equivale à morte, já que a unidade económica não apresenta qualquer credibilidade de recuperação, o que pode ser atestado por vários índices: a empresa não tem quaisquer bens; vem apresentado resultados negativos às Finanças; deixou de ter funcionários; não exerce qualquer actividade, sendo nulas as receitas bem como a variação da produção.
(F.G)
Decisão Texto Integral: 2

ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I - RELATÓRIO
A, S.A intentou acção declarativa com processo especial requerendo a declaração de falência de Q, L.da.
Alegou, em síntese, que no exercício da sua actividade comercial, celebrou com a Requerida contratos de aluguer de artigos, que entregou e transportou, a solicitação desta para local por ela designado, tendo emitido facturas, referentes a esse aluguer que não foram pagas, com excepção de dois pagamentos parciais, encontrando-se por liquidar o valor de capital de € 11.279,08, que a Requerida, não obstante reconhecer dever, não pagou. Acrescentou que a Requerida já não exerce qualquer actividade, tendo inclusivamente abandonado a sua sede, não procedendo à liquidação de dívidas a diversos fornecedores, correndo contra a mesma diversas acções cíveis declarativas e executivas para cobrança de dívidas junto de diversos tribunais, bem como foram intentados alguns protestos de letras, não conhecendo quaisquer bens imóveis ou outros valores à requerida e não dispondo a mesma de instalações próprias.

Citada a Requerida, veio a mesma deduzir oposição, concluindo pela verificação da excepção peremptória de caducidade.
Alegou, em síntese, que não exerce qualquer actividade desde Setembro de 1998, cessando a sua actividade durante o mês de Agosto de 1998, bem sabendo a requerente que isso aconteceu. Acrescenta que não abandonou a sua sede, que se mantém no mesmo local, tendo a Requerida e/ou os seus gerentes procurado pagar, ainda que parcialmente, as dívidas aos fornecedores, correndo contra a Requerida, para além da presente, apenas uma acção cível, desconhecendo protestos de letras, tendo decorrido mais de um ano desde a ocorrência dos factos constantes da alínea a) do n.° 1 do art. 8° do C.P.E.R.E.F.

Regularmente citados, os credores não foi deduzida oposição.
Foram justificados créditos.
Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente.
Foi proferida decisão que julgou procedente a excepção peremptória de caducidade e absolveu a Requerida do pedido formulado nos autos por A, S.A.

Inconformada, veio a Requerente apelar da sentença, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões:
1. Consideraram-se provados os seguintes factos, cuja prova em sentido contrário ou a sua falta é patente nos autos:
- A única actividade da requerida foi a organização de duas feiras gastronómicas em Cascais e A1cochete em 1998.
- A requerida cessou a sua actividade durante o mês de Agosto de 1998.
- A requerida mantém as instalações da sua sede.
2. A decisão de que se recorre enferma de grave falha na sua fundamentação, designadamente, pela não inclusão, em moldes suficientes da apreciação crítica da prova produzida (art. 653, n°2 do C.P.C.), designadamente: a) no que concerne aos factos enunciados sob os n°s 3 e 4, esta fundamentação inexiste totalmente; b) no que concerne ao facto enunciado sob o n° 5, esta fundamentação é deficitária, pouco esclarecedora e assenta em critérios de razoabilidade questionável, como o facto de um filho de um sócio principal, que exerceu e exerce funções na requerida, bem como um sócio da mesma, ambos com inquestionável interesse na demanda, serem considerados testemunhas "isentas e credíveis".
3. Por outro lado, os meios de prova testemunhal são incorrectamente apreciados, já que: a) dos depoimentos das testemunhas arroladas pela requerente, estes sim, isentos e credíveis, se retira a veracidade dos factos por ela alegados, e o abandono da sede por parte da requerida, pelo menos, em Junho de 2003;
(...)
5. Assim, continuou a entregar as declarações fiscais de IRC até ao ano de 2004 (doc. n° 3, fls. 150), tendo demonstrado proveitos nesse ano (fls. 151); nos balancetes que entregou também demonstra ter arrecadado receitas e suportado despesas (fls. 166) e no livro de razão (doc. n° 3 entregue em 5 de Novembro de 2004), a fls. 56 do mesmo, respeitante ao mês de Dezembro de 2003, demonstra ter movimentos a débito e a crédito, significando estes dados que a requerida se manteve em actividade até, pelo menos Dezembro de 2003, facto este com especial relevância para a decisão a proferir.
(...)
8. Só após a dissolução da sociedade se pode considerar como cessada a actividade da mesma, para efeitos de aplicação do disposto no art. 9º. do CPEREF.
9. Mesmo que assim se não entenda, "cessação de actividade" significa, como se refere no acórdão do STJ, de 19.11.02, proferido na apelação n°. 1452/02, da 1a Sec. (Sumários de Acórdãos Cíveis/2002, pág. 342) a completa ausência de actividade, total paralisação da empresa insolvente, em termos económicos, em termos de laboração e de produtividade.
10. Face ao exposto, nos termos dos arts. 690°-A e 712° do CPC, impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto relativamente à prova dos factos supra mencionados na lista de factos considerados provados, pelo que tal decisão deverá ser alterada por este Tribunal em sentido contrário, como tal, os respectivos factos serem julgados não provados.
11. Tendo em conta os factos considerados como não provados, sendo que se provou verificada a insolvência da requerida, de acordo com as alíneas a) e b) do art. 8° do CPEREF, deverá também a decisão de direito ser modificada em conformidade e ordenar-se o prosseguimento dos autos de falência.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os Vistos legais,
Cumpre apreciar e decidir.
Sendo as conclusões das alegações que delimitam o objecto do recurso e o âmbito do conhecimento deste tribunal (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC), importa decidir se foi correctamente fixada a matéria de facto e, em face dessa apreciação, saber se se verifica ou não a caducidade para requerer a declaração de falência da Requerida.

II – FACTOS PROVADOS
2 - A requerida tem por objecto social "importação e exportação da maior variedade de produtos; representações; classificação e recomendação de estabelecimentos; qualidade e controlo hoteleiro; editores e publicidade informativa; produções de rádio e TV; formação profissional, catering; promoção de eventos gastronómicos e afins.
3 - A única actividade da requerida foi a organização de duas feiras gastronómicas em ... 1998.
4 - A requerida cessou a sua actividade durante o mês de Agosto de 1998.
5 - A requerida mantêm as instalações da sua sede.
6 - A requerente alugou à requerida artigos, entre Janeiro de 1998 e Maio de 1998, nos termos contratados entre as partes, apresentando a esta as facturas identificadas nos autos.
7 — O valor das facturas referido em 6 não foi pago, com excepção, em 29.07.1998, das quantias de € 1.307,25 e € 1.297,27.
8 — A presente acção deu entrada em 24.06.2004.

III – O DIREITO

1. Da impugnação da matéria da facto
Nos termos do art. 712º nº 1 a) do CPC a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser modificada se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
No entanto, o uso dos poderes conferidos à Relação, não importando a postergação dos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação das provas, deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão quanto à matéria de facto, nomeadamente nos concretos pontos impugnados, conforme vem sendo entendimento reiterado da jurisprudência1. Não se pode perder de vista que, em matéria de reapreciação da prova pelo Tribunal da Relação, nos termos do art. 712º do CPC, o legislador optou por permitir apenas a revisibilidade dos concretos pontos de facto controvertidos relativamente aos quais sejam manifestas divergências por banda do Recorrente.
Sempre que seja impugnada a decisão relativa à matéria de facto incumbe ao recorrente obrigatoriamente especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgador, bem como, os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada que imponham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados (art. 690º-A CPC).
Contudo, importa ter presente que a garantia do duplo grau de jurisdição não pode subverter o princípio da livre apreciação das provas, constante do art. 655º do CPC.
De acordo com o princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 655º do CPC, a prova é apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios preestabelecidos.
Ainda de acordo com este princípio que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são livremente valoradas, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação quanto à natureza de qualquer delas, respondendo o julgador de acordo com a sua convicção, excepto se a lei exigir para a prova do facto, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Só neste caso está o julgador obrigado a observar a hierarquização legal2.
Como também ficou bem vincado no Preâmbulo do DL nº 39/95 de 15/2, um dos objectivos fundamentais da gravação das audiências e da prova foi o de possibilitar às partes a “reacção contra eventuais – e seguramente excepcionais – erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante…”. Neste contexto, o regime não se destina a permitir a modificação de toda e qualquer decisão, mas, fundamentalmente, a detectar e corrigir os erros mais evidentes.
Portanto, a este Tribunal compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal “a quo” face aos elementos agora apresentados nos autos, não podendo ir à procura de uma nova convicção.
No caso em apreço, a Apelante deu cumprimento aos ónus da discriminação fáctica e probatória, sendo certo que foram gravados os depoimentos das testemunhas.
Estamos, aqui, no âmbito da regra geral – princípio da prova livre.

1.1. Vem a Apelante pugnar pela alteração da matéria fáctica constante dos pontos:
3º - A única actividade da requerida foi a organização de duas feiras gastronómicas em ... 1998.
4º - A requerida cessou a sua actividade durante o mês de Agosto de 1998.
5º - A requerida mantêm as instalações da sua sede.
No entender da Recorrente, esta matéria não ficou provada.
A este respeito invoca que as testemunhas da Requerida não foram convincentes no sentido da demonstração quer da cessação da actividade, em 1998, quer da realização de, apenas, duas feiras, quer, ainda da manutenção das instalações da sede.
Para o efeito socorre-se, ainda, dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Requerente, bem como dos dados contabilísticos juntos aos autos.
Importa, portanto, a análise dos documentos e a audição dos depoimentos que se encontram gravados.
Vejamos.

1.1.1. No que se reporta à matéria do art. 3º, verifica-se que as testemunhas arroladas pela Requerida asseguraram, de forma clara e isenta que esta limitou-se a organizar feiras gastronómicas em 1998, (duas ou três), sendo certo que a sociedade foi constituída tendo em vista a organização de eventos a realizar no período em que decorreu a Expo/98.
As testemunhas também afirmaram que logo desde início o negócio correu mal e que da realização das ditas feiras gastronómicas resultaram avultados prejuízos, até porque os lucros não corresponderam às expectativas.
(...)
Por outro lado, dos documentos juntos aos autos, das declarações de IRC, balancetes e livro de razão, não resulta o contrário, ou seja, que a Requerida desenvolvia outras actividades. A realidade, que tais documentos, mostra é que, logo em 1997/1998, a Requerida apresentou prejuízos que se foram avolumando.
Assim, no que tange ao art. 3º, afigura-se ser de considerar como provada, no essencial, a matéria que já consta como assente:
3º: A única actividade da requerida foi a organização, em 1998, de quatro feiras gastronómicas, das quais realizaram-se, pelo menos as de C e A.

1.1.2. Já no que se refere à matéria constante do ponto 4º dos factos dados por assentes - a requerida cessou a sua actividade durante o mês de Agosto de 1998 - refere as Apelante que quer as testemunhas quer os documentos não permitem ter por provado a cessação da actividade.
Quanto às testemunhas arroladas pela Requerida, constata-se que todas disseram que a actividade da empresa se limitou à organização das referidas feiras gastronómicas, em 1998 (...). Por outro lado, que nos revelam os documentos juntos aos autos e a que a Apelante também faz referência?
No que se refere a 1998, afigura-se que a empresa esteve em actividade, o que, aliás, não se discute, já que foi nesse ano que foram organizadas as feiras gastronómicas. Quanto ao ano de 1999, os elementos contabilísticos reportados a esse ano podem, ainda, revelar que a empresa desenvolveu alguma actividade. Já em 2000, não obstante a empresa não apresentar rendimentos ao longo do ano, pode-se admitir que teve, ainda, actividade operacional, em virtude de apresentar custos, nomeadamente na classe 62- Fornecimentos e Serviços, no valor de 1.001.047$00. Ainda assim atendendo aos elementos ao dispor, não se conhecendo a natureza destes custos, uma vez que a classe 62 abrange várias sub-contas, também a existência dessa actividade não certa. No que concerne a 2001 e 2002 pode concluir-se, dos elementos contabilísticos juntos aos autos, que a empresa esteve inactiva em termos operacionais, isto é, não houve rendimentos nem custos ao longo destes anos.
Também se pode afirmar, com os elementos ao dispor, que em 2003 a empresa esteve inactiva em termos operacionais. Os movimentos que as contas de balanço de 2003, apresentam por exemplo nas rubricas, Caixa, Depósitos à Ordem, Empréstimos Obtidos ou de Accionistas (sócios) Outros Devedores e Credores, não permitem indiciar a existência de qualquer actividade.
Em suma, depois de ouvidos os depoimentos gravados e analisados os documentos juntos, parece certo que a requerida cessou a sua actividade, pelo menos, a partir do ano de 2000, isto é, manteve-se inactiva nos anos de 2001 e seguintes.
Com efeito, as testemunhas da Requerida, declararam que a requerida cessou a sua actividade a partir de 1998, após a realização das feiras, sendo que deixaram de trabalhar para a mesma a partir de 1998. Data, também, de 1998 o último contacto entre funcionários da Requerente e Requerida. Atendendo, porém, aos movimentos contabilísticos apresentados, pode, com segurança, afirmar-se que a empresa se mantém sem qualquer actividade, pelo menos, a partir de 2000.
Nesta medida, considera-se provado que:
4º - A requerida deixou de exercer a sua actividade, pelo menos, a partir do final do ano de 2000.

1.1.3. Deu-se por assente que a requerida mantêm as instalações da sua sede.
É verdade que uma das testemunhas referiu que se deslocava, de vez em quando, ao local sede da Requerida, designadamente para ir buscar a correspondência. O certo é que a partir de 1998, a empresa deixou de ter trabalhadores.
Nesta medida, afigura-se não existirem elementos nos autos que permitam concluir que a Requerida mantém a sua sede nas referidas instalações, a não ser que isso apenas signifique que não foi alterado o local que consta, no pacto constitutivo e no registo comercial, como sendo o local da sede da Requerida.
Porém, esta matéria nada adianta ao que já consta, nomeadamente, da certidão de registo comercial, onde se identifica, obviamente, o local, sede da Requerida.
Nesta medida, altera-se a matéria que consta do ponto 5º dos factos provados e, em sua substituição dá-se como provado, o seguinte:
5º - De acordo com a certidão de registo comercial, a Requerida tem a sua sede na Rua ..., Lisboa.
Tendo presente o disposto no art. 712º do CPC “a contrario”, a prova documental e aos depoimentos prestados e os elementos fornecidos apenas permitem que se altere a matéria de facto nos termos que acima constam, no mais improcedendo as conclusões da Apelante.

2. Da excepção da caducidade:
Está em causa averiguar se efectivamente caducou o direito de requerer a falência. Defende a Recorrente que tal caducidade não ocorre, já que não se verifica o circunstancialismo previsto no art. 9º do CPEREF, aplicável ao caso em apreço3.

2.1. Em regra, desde que mantenha a situação de insolvência, revelada por um ou mais dos factos índices previstos nas alíneas a), b) e c) do art. 8.º, não põe a lei obstáculo a que se requeira a falência do devedor.
O regime legal previsto no CPEREF não coincide com o anteriormente estabelecido no art. 1175.º-1 do CPC, em que, nomeadamente, após a interpretação dele feita pelo Assento de 10/4/84, passou a entender-se estipulado um prazo de caducidade de três anos, abrangente de todas as situações, quer o requerido se mantivesse no exercício do comércio, quer tivesse deixado de o exercer, ou tivesse falecido.
Diversamente do que consagrava o anterior art. 1175º do CPC, o CPEREF não prevê um prazo geral de caducidade aplicável a todas as situações, tendo-se ponderado que a liquidação universal do património do devedor, com convocação universal dos seus credores, não deve ser impedida por motivos exclusivamente ligados ao decurso do prazo desde a verificação dos respectivos factos constitutivos. Assim, enquanto se mantiver a situação de insolvência do devedor, continua em aberto a hipótese de falência, não fazendo sentido a estipulação de prazo de caducidade para a propositura da respectiva acção4.
Para isso concorreu a ideia de que é preferível a manutenção do direito potestativo na esfera jurídica dos credores, em vez de o sujeitar a um apertado prazo para o seu exercício, permitindo, desse modo, que o sistema jurídico amplie as possibilidades de obtenção de uma resolução da situação de insolvência. Na verdade, nem sempre os credores estão na posse de elementos inequívocos relativamente à situação de endividamento e de depauperamento económico do devedor, sendo preferível que possam agir, sem limites temporais, sempre que tenham conhecimento dos factos que a lei faz depender a declaração de falência e enquanto perdurar a situação de insolvência.
Só em dois casos, admite a lei a caducidade do direito potestativo dos credores de requerer a falência: morte do devedor ou cessação da sua actividade (art.º 9º do CPEREF).
De acordo com o art. 9º do CPEREF (DL 132/93), no caso de o devedor ter cessado a sua actividade, a falência pode ainda ser requerida por qualquer credor interessado, dentro do ano posterior a qualquer dos factos referidos nas alíneas a) b) e c) do nº1 do art. 8º, quer a situação de insolvência se tenha revelado antes, quer depois da cessação de actividade do devedor.

2.2. A introdução de um prazo de caducidade nos casos de morte ou cessação de actividade procura conciliar os interesses patrimoniais dos credores na declaração da falência com a sua ligação ao efectivo exercício da actividade comercial, tornando estável, decorrido certo tempo, a situação jurídica de quem já não exerce a actividade ou dos herdeiros do devedor
Portanto, o art. 9.º do CPEREF veio permitir um alargamento do prazo para requerimento da falência, com base em qualquer dos factos previstos nas alíneas do art. 8.º, nº 1, pois que, quer a morte, quer a cessação da actividade, deveriam naturalmente implicar a impossibilidade imediata de os credores requererem a falência, já que carece de cabimento haver falência sem falido ou de quem já não satisfaça os requisitos para tal, designadamente por já não ser comerciante5.
Efectivamente, em condições normais da vida do devedor e manutenção da actividade, a situação de insolvência, manifestada por qualquer dos factos do nº. 1 do artº. 8º, autoriza e justifica que a falência seja requerida independentemente de qualquer prazo. Ocorrendo a morte do devedor ou a cessação da sua actividade - factos que, em princípio, justificariam a impossibilidade de se abrir o processo falimentar - é, ainda assim, admissível a dedução do pedido de declaração de falência desde que não haja decorrido mais de um ano sobre o facto fundamentador desta.
O que aí se estatui é que, no que aqui importa, havendo cessação de actividade por parte do devedor, a sua falência ainda pode ser declarada, pelos fundamentos especificados no art. 8º, desde que peticionada dentro do ano subsequente à ocorrência de um deles.
Assim, fulcral é saber se houve cessação da actividade do devedor e desde quando tal cessão se verifica.
A sentença recorrida diz que sim e que tal cessação ocorre desde 1998. Porém, atendendo à alteração dos factos provados, temos por certo que essa cessão ocorre desde, pelo menos, o final de 2000, no sentido de que tal cessação pressupõe um termo definitivo de toda a actividade do devedor.

2.3. Na verdade, cessação da actividade tem que ser vista como a total paralisação da actividade empresarial de produção, comercialização ou distribuição de bens ou serviços.
O que importa demonstrar é a completa ausência de actividade da devedora6.
Com efeito, a actividade a que se refere o art. 9º tem de ser entendida em sentido empresarial, ou seja, no sentido de actividade económica exercida de forma profissional e organizada, com vista à realização de fins de produção ou troca de bens ou serviços7. Efectivamente, como tem vindo a ser considerado pela jurisprudência, a referência à cessação da actividade, contida no referido preceito, deve ser entendida em sentido empresarial, ou seja, do exercício de qualquer actividade agrícola, comercial ou industrial ou de prestação de serviços, para que tenha organizado as fontes de produção - capital e trabalho8.
Também é certo que a cessação da actividade económica de uma empresa não se dá necessariamente com a mera interrupção do seu funcionamento pleno. Na verdade não é pelo facto de uma empresa atravessar uma crise ou cessar temporariamente a sua produção, troca de bens ou serviços, que se poderá interferir a sua inactividade e acima de tudo se houver índices consistentes de vida.
A cessação da actividade deverá tendencialmente corresponder, no plano das sociedades, àquilo a que corresponde a morte física dos comerciantes individuais.

3. No caso dos autos, verifica-se que a Requerida cessou a sua actividade desde, pelo menos, finais de 2000 (ainda que após a realização das feiras, no período da Expo/98, a Requerida não organizou qualquer outro evento).
Ora, existem situações em que a vida de uma empresa, é apenas “vegetativa” e esta equivale à morte, já que a unidade económica não apresenta qualquer credibilidade de recuperação, o que pode ser atestado por vários índices:
- a empresa não tem quaisquer bens;
- desde, pelo menos, 1998 que tem apresentado resultados negativos às Finanças;
- deixou de ter funcionários desde 1998;
- não exerce qualquer actividade, pelo menos desde finais de 2000, sendo nulas as receitas bem como a variação da produção.
Assim sendo, na situação em apreço não se trata apenas de uma interrupção da sua actividade, ou de parte da sua actividade. A completa ausência de actividade, total paralisação da empresa insolvente, em termos económicos, em termos de laboração e de produtividade deu-se a partir de 2000.
Está, portanto, provado que a actividade empresarial da Requerida cessou definitivamente, pelo menos desde o final do ano 2000, passando desde então a poder equacionar-se a aplicação do prazo de um ano, a que alude o preceito em análise.
Por outro lado, o crédito invocado pela requerente reporta-se ao ano de 1998.
Ora, a Requerida cessou a sua actividade no mínimo, no final de 2000 e a presente acção deu entrada em juízo em 24/6/2004, mostrando-se, por isso, caducado o direito da requerente em pedir a falência daquela, por força do disposto no art. 9º do CPEREF, tal como decidido. Ou seja, a petição inicial foi, claramente, apresentada mais de um ano após a ocorrência do facto no qual a mesma foi fundada e mais de ano após a cessação de actividade da empresa.
Termos em que se julga o recurso improcedente e se confirma a decisão recorrida.

IV – DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 18 de Janeiro de 2007.
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)
(Manuel Gonçalves)

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1 Entre muitos, o Ac. RP de 19.9.2000, CJ, ano XXV, 4º-186. Ac. RC de 3/10/2002, tomo 4, pág. 27; Ac. RL de 29.01.2004 (Granja da Fonseca) ou de 21.04.2005 (Manuela Gomes), www.dgsi.pt.
2Vide Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV, pags. 544 e segs.
3O CIRE aprovado pelo DL 53/04, de 18 de Março, não é aplicável ao caso em apreço (arts. 12º, n.º 1 e 13º).
4 Abílio Morgado, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 370, pág. 84; Ac. do STJ de 9/4/02, CJ/STJ, ano X, Tomo II, pág. 14; Ac. do STJ de 23/9/03, CJ/STJ, ano XI, Tomo III, pág. 43; Ac. do STJ de 25/11/03, CJ/STJ, ano XI, Tomo III, pág. 165; Ac. STJ de Lisboa, 25 de Novembro de 2003, (Azevedo Ramos), www.dgsi.pt.
5 Ac. STJ de 16/04/1998, CJSTJ, Ano VI, II, 41. Neste sentido também Luís A. Carvalho Fernandes/João Labareda (Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, Anotado, 1994, pág. 69.
6Ac. STJ de 8-11-1999, (Azevedo Ramos), www.dgsi.pt.
7 Cfr. Pupo Correia, Direito Comercial, 2ª ed, pág. 187.
8 Neste sentido, o acórdão do STJ de 09.04.02, CJSTJ, ano X, tomo II, pág. 14 e Ac. do S.T.J. de 26/11/96, B.M.J; n.º 461.º- 384. Cfr., ainda, Sumários de Acórdãos Cíveis/2002, pág. 342.