Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LAURINDA GEMAS | ||
Descritores: | REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA TERMO RECONHECIMENTO FILHO BRASIL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/04/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | ACÇÃO DE REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC) O termo de reconhecimento de filho lavrado no Registro Civil das Pessoas Naturais da República Federativa do Brasil não é suscetível de revisão e confirmação pelos tribunais portugueses, no âmbito do processo especial previsto nos arts. 978.º e seguintes do CPC. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados I - RELATÓRIO A …, de nacionalidade brasileira, residente na Rua …, … apto …, Jd. … …, CP ….-…, São Paulo, Brasil, e B …, de nacionalidade brasileira, residente na Rua …, …, … – Itapecerica da Serra, CP …-…, São Paulo, Brasil, intentaram, de comum acordo, a presente ação com processo especial de revisão de sentença estrangeira, pedindo a revisão e confirmação do “termo de reconhecimento de filho” lavrado no Registro Civil das Pessoas Naturais da República Federativa do Brasil (cf. documento 4 junto com a Petição Inicial). O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do art. 982.º do Código de Processo Civil, pronunciou-se no sentido de nada obstar à confirmação e revisão da “escritura de reconhecimento de paternidade”. Foram colhidos os vistos legais. * O Tribunal é competente, o processo é o próprio, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas, não ocorrendo nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa. * Cumpre decidir se estão verificados os requisitos necessários para que o termo lavrado conforme documento 4 junto com a Petição Inicial possa ser revisto e confirmado. II - FUNDAMENTAÇÃO Dos factos Atento o teor dos documentos juntos aos autos com a Petição Inicial, está provado que: 1. A … nasceu em 17-03-1991, constando do seu assento de nascimento lavrado sob o n.º … do Registro Civil das Pessoas Naturais e T … de N … do ….º Subdistrito I …, Dinamarco, República Federativa do Brasil, que é filha de C …. 2. Em 8 de julho de 2017, ambos os Requerentes subscreveram o “Termo de reconhecimento de filho”, constante do Livro de protocolo de entrada n.º …/… do Registro Civil das Pessoas Naturais e T … de N … do ….º Subdistrito I …, Dinamarco, República Federativa do Brasil, cuja certidão foi junta como doc. 4, aqui se dando por reproduzido o seu teor, pelo qual o Requerente reconheceu a Requerente como sua filha biológica. Enquadramento jurídico Estabelece o n.º 1 do art. 878.º do CPC que “(S)em prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.” Os requisitos necessários para a confirmação de sentença estrangeira estão previstos no art. 980.º do CPC (a que pertencem os demais artigos adiante indicados sem menção em contrário), o qual preceitua: “Para que a sentença seja confirmada é necessário: a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão; b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida; c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses; d) Que não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição; e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a ação, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes; f) Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.” Atento o disposto no art. 983.º, n.º 1, o pedido de confirmação só pode ser impugnado com fundamento na falta de qualquer dos requisitos mencionados no art. 980.º ou por se verificar algum dos casos de revisão especificados nas alíneas a), c) e g) do art. 696.º. Relativamente às condições indicadas nas alíneas a) e f) do citado art. 980.º, impõe o art. 984.º que o tribunal verifique oficiosamente se as mesmas ocorrem e que também recuse a confirmação se dos autos concluir que não estão preenchidos os requisitos das demais alíneas daquele artigo. Estamos, assim, perante uma atividade de controlo da regularidade formal ou extrínseca da sentença estrangeira, que dispensa a apreciação dos seus fundamentos de facto e de direito. Da análise da documentação junta aos autos, que serviu de suporte à factualidade considerada provada, não resultam dúvidas acerca da autenticidade e inteligibilidade do aludido “termo de reconhecimento de filho”, figura que, no sistema jurídico português, corresponde à declaração prestada perante o funcionário do registo civil de reconhecimento da paternidade por perfilhação – cf. artigos 1847.º a 1857.º do CC. Efetivamente, estabelece o art. 1.609 do Código Civil brasileiro, que o “reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento” pode ser feito: “I – no registro do nascimento; II – por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; III – por testamento, ainda que incidentalmente manifestado; IV – por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.” Estabelecendo o art. 1.614, 1.ª parte, desse Código que o filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento. Está igualmente prevista nesse Código a ação de investigação da paternidade, dispondo o art. 1615 que qualquer pessoa, que justo interesse tenha, pode contestar a ação de investigação de paternidade (ou maternidade) e o art. 1.616, 1.ª parte, que a sentença que julgar procedente a ação de investigação produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento. Para que possa ser concedida a revisão e confirmação ao ato em apreço, que, mais não é do que uma declaração de reconhecimento da paternidade prestada perante funcionário do Registro Civil brasileiro, é suposto que a mesma possa equiparada a uma sentença, nos termos e para os efeitos do referido art. 978.º, n.º 1, do CPC, ou seja, que se trate de uma “decisão sobre direitos privados” proveniente da competente autoridade administrativa ou judicial. Ora, a este respeito, é inevitável convocar, pela similitude de situações, transpondo-a para o caso dos autos, a jurisprudência firmada pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 10/2022, de 19-10-2022 (publicado no DR n.º 227/2022, Série I, de 2022-11-24), segundo o qual a escritura pública declaratória de união estável celebrada no Brasil não constitui uma decisão revestida de força de caso julgado que recaia sobre direitos privados, não sendo, por isso, suscetível de revisão e confirmação pelos tribunais portugueses, nos termos dos arts. 978.º e ss. do Código de Processo Civil. Neste sentido, num caso próximo (uma ação intentada pelos supostos pai e filha para revisão de “Escritura Pública de Reconhecimento de Filho, outorgada em 27-12-1994, no 2º Serviço Notarial Comarca de Extrema, Estado de Minas Gerais, da República Federativa do Brasil”), veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 17-11-2022, no proc. n.º 14/22.0YRLSB-8, disponível em www.dgsi.pt, conforme se alcança do respetivo sumário: “1 - A declaração do requerente J… numa escritura pública perante uma autoridade administrativa estrangeira não está abrangida pela previsão do artigo 978º nº 1 do CPC, pelo que não pode ser revista e confirmada. 2 - Rever escritura de reconhecimento da paternidade conduz a um resultado manifestamente incompatível com princípio da ordem pública internacional do Estado Português - o princípio da verdade biológica -, pois o reconhecimento da paternidade por escritura pública é um reconhecimento voluntário e confirmar a escritura implicaria convertê-lo em reconhecimento judicial e, consequentemente, coartar a possibilidade de impugnação do reconhecimento quando o mesmo não corresponde à verdade biológica.” No mesmo sentido, num caso idêntico (escritura lavrada a 27 de dezembro de 1994, no 2.º Serviço Notarial de Comarca da República Federativa do Brasil, em que o Requerente declarou reconhecer o outro Requerente como seu filho), se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão datado de 02-02-2023, proferido no proc. n.º 2014/22.0YRLSB.S1, também disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se afirma precisamente que “A declaração do requerente José numa escritura pública perante uma autoridade administrativa estrangeira não está abrangida pela previsão do artigo 978º nº 1 do CPC, pelo que não pode ser revista e confirmada.” A fundamentação desenvolvida nesse acórdão é clara, explicando a diferença entre os diferentes tipos de atos notariais, mormente a escritura pública pela qual se realiza a separação ou divórcio consensual (ato equiparado à sentença proferida na competente ação de separação ou divórcio) e a escritura pública/ato notarial declaratória da união estável ou de reconhecimento de paternidade, afirmando-se que: “No caso dos autos a situação apresenta paralelismo com a escritura de constituição da união estável, como resulta da leitura do doc. apresentado pelos recorrentes e acima reproduzido. A intervenção notarial não envolve uma decisão no sentido de afirmar que estão preenchidos os pressupostos legais que a lei prevê para a constituição da situação, havendo exclusivamente uma confirmação de que declaração foi prestada pelo declarante. Não há qualquer intervenção do suposto filho, reconhecido, nem forma de o mesmo contestar a declaração prestada se a mesma viesse a ser reconhecida e confirmada, como explicita o tribunal recorrido. Há assim paralelismo com a escritura de constituição da união estável, em relação à qual o STJ proferiu Ac de UJ no sentido de não poder haver reconhecimento e confirmação ao abrigo do art.º 978.º e ss do CPC.” Em nosso entender mostra-se absolutamente irrelevante para o caso a eventual existência de exame de ADN invocado pelas partes, que, quanto muito, serviria de meio de prova na competente ação declarativa de investigação da paternidade, sem prejuízo de eventual exame pericial (à semelhança do previsto no art. 1801.º do CC). Em conclusão, não se está perante um ato notarial ou registal equiparado a sentença, mas antes perante uma mera declaração de perfilhação prestada perante funcionário do registo civil, com o assentimento da filha dado por igual forma. Destarte, mostra-se legalmente inadmissível conceder a revisão e confirmar o ato em análise pela qual foi a Requerente foi reconhecida pelo Requerente como sua filha biológica. Por ficarem vencidos, são os Requerentes responsáveis pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º a 529.º do CPC). III - DECISÃO Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a presente ação e, em consequência, negar a revisão e confirmação do “Termo de reconhecimento de filho” subscrito a 8 de julho de 2017, no Livro de protocolo de entrada n.º …/… do Registro Civil das Pessoas Naturais e T … de N … do ….º Subdistrito I …, Dinamarco, República Federativa do Brasil, pelos Requerentes A … e B …. Mais se decide condenar os Requerentes no pagamento das custas processuais, fixando-se o valor da causa em 30.000,01 €. D.N. Lisboa, 04-07-2024 Laurinda Gemas António Moreira Vaz Gomes |