Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7406/14.6TDLSB-A.L1-9
Relator: GUILHERME CASTANHEIRA
Descritores: INTERESSE EM AGIR
ASSISTENTE EM PROCESSO PENAL
TUTELA
GRAVAÇÃO ILÍCITA
GRAVAÇÃO LÍCITA
DOCUMENTO FONOGRÁFICO
PROVAS
PROVAS NULAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - A definição do concreto interesse em agir supõe, pois, que se identifique qual o interesse que, no caso, a assistente pretende realizar no processo, e especificamente em cada fase do processo: o interesse em agir consiste na necessidade de apelo aos tribunais para acautelar um direito ameaçado que necessite de tutela e só por essa via possa obtê-la;

II - O interesse em agir radica na utilidade e imprescindibilidade o recurso aos meios judiciários para assegurar um direito em perigo: trata-se de uma posição objectiva perante o processo, que é ajuizada a posteriori” e que “não tendo invocado qualquer interesse específico - um “concreto e próprio” interesse ou vantagem - na aplicação de uma pena mais elevada, distinto das finalidades públicas de aplicação da pena, não apresenta ao tribunal base suficiente para poder determinar se a decisão, que foi de condenação, foi proferida «contra» a assistente, e se existe «interesse em agir» relevante que possa integrar o pressuposto de admissibilidade do recurso

III - A gravação de conversas ou contactos telefónicos, sem consentimento do outro interlocutor ou autorização concedida pela forma prevista na lei processual”, não consubstancia intercepção telefónica, mas sim documento, in casu fonográfico, com as respectivas transcrições, as quais representam, obviamente, um documento escrito

III - Os elementos apreendidos no âmbito de busca que não forem obtidos mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular, não se podem considerar como sendo “provas nulas”.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO:

No nuipc 7406/14.6TDLSB-A.L1, “P1..., Lda”, eP2..., Lda”, interpuseram recurso do “despacho do Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, de fls. 160 e seguintes, maxime na parte respeitante à de fls. 161 e seguintes”, proferido no Tribunal Central de Instrução Criminal, com as seguintes conclusões:

 “PRIMEIRA - O presente recurso vem interposto do DESPACHO proferido pelo Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, a fls. 160 e seguintes, que determinou a junção aos autos de um conjunto de gravações registadas em áudio e de um conjunto de transcrições, que reproduzem essas mesmas gravações;

SEGUNDA - Todos os elementos em causa, sejam as gravações, sejam as transcrições, foram objeto de apreensão, no decurso de uma busca realizada às instalações das RECORRENTES, diligência que teve lugar no passado dia 6 de Janeiro, e que foi ordenada nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 174 e 176 ambos do CPP;

TERCEIRA - Nessa busca foi ordenada a apreensão dos elementos designados por DVD-DADOS 3 e do DVD-DADOS 4, onde se contém, quer as gravações, quer as transcrições, estas vertidas em suporte de papel, relativas a um conjunto de entrevistas, cfr. a página 11 do auto de busca;

QUARTA - Foi igualmente ordenada a apreensão de um acervo específico de transcrições das gravações, cfr. os documentos 46 a 49, constantes da página 8 do auto de busca;

QUINTA - Este recurso vem interposto do DESPACHO do Mm.° Juiz de Instrução Criminal, que determinou, como se disse, a junção aos autos, seja das gravações, seja das transcrições, independentemente do suporte em que se encontrem e da sua precisa identificação no auto de busca e no próprio DESPACHO.

Ou seja:

SEXTA - O recurso abrange todas as gravações efetuadas e todas as respetivas transcrições, porque não há razão para que sejam tratadas de modo diverso, tendo em conta a malha legal aplicável.

E porquê?

SÉTIMA - As gravações em causa foram efetuadas pelas RECORRENTES, no quadro da elaboração do RELATÓRIO, produzido a pedido da administração da PT, que visou, como se diz no DESPACHO, a análise dos procedimentos e dos atos relativos às aplicações de tesouraria efetuadas por empresas do universo PT no Grupo GES e, especificamente, na R... S.A..

OITAVA - As gravações aqui em causa, efetuadas no âmbito da elaboração do RELATÓRIO, resultam de um pedido, feito pelas RECORRENTES a cada um dos entrevistados, para que autorizassem a recolha em suporte áudio do teor das entrevistas realizadas, permitindo, assim, às RECORRENTES, terem ciência do exato teor das declarações prestadas por cada um dos titulares do direito à palavra, quando e se viessem a utilizar as entrevistas na confeção do RELATÓRIO;

NONA -  Os entrevistados anuíram ao pedido das RECORRENTES e autorizaram as gravações. Mas fizeram-no na condição expressa, de que o conteúdo das gravações ficaria em poder das RECORRENTES e seria apenas utlizado para o efeito pretendido, ou seja, o auxílio na elaboração do RELATÓRIO.

DÉCIMA - É esse o limite do consentimento dos visados. Foi com essa finalidade exclusiva que a autorização foi pedida e, seguramente, foi com base nesse mesmo pressuposto que a autorização foi concedida. Os depoentes anuíram a que as suas palavras fossem gravadas, na convicção legítima de que, o uso único a dar às gravações, se esgotaria na preparação e redação do RELATÓRIO.

DÉCIMA-PRIMEIRA - Os entrevistados anuíram, assim, a que se procedesse à gravação dos seus depoimentos, no pressuposto, que lhes foi transmitido e que aqui se pretende assegurar, de que as suas palavras seriam utlizadas apenas pelas RECORRENTES e, de igual modo, exclusivamente no quadro da elaboração do RELATÓRIO. Ficou assim claro que, só nestas condições, o consentimento foi prestado.

Ora:

DÉCIMA-SEGUNDA - O artigo 26, n. 1 da CRP impõe o reconhecimento do direito à palavra, no qual se inclui, como se detalha na motivação, o direito a decidir sobre o círculo de pessoas a quem a palavra se pode transmitir.

DÉCIMA-TERCEIRA - Nos termos do disposto no artigo 32, n.° 8, da CRP "são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações."

DÉCIMA-QUARTA - Constitui prova inequívoca da importância e da tutela conferida à palavra, enquanto bem jurídico relevante, a norma do artigo 199 do Código Penal (CP), que pune com pena de prisão até 1 ano e multa até 240 dias, "quem, sem consentimento, gravar palavras proferidas por outra pessoa e destinadas ao público" ou "utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos." Cfr. artigo 199, n.° 1, alínea a) e n.° 2, alínea b) do CP.

DÉCIMA-QUINTA - Isto quer dizer, basicamente, que, ainda que uma gravação haja sido obtida legitimamente, por força do consentimento prestado pelo seu autor e titular do direito, não poderá ser utlizada fora dos parâmetros do consentimento.


DÉCIMA-SEXTA - Como se expõe abundantemente na motivação, para onde se remete, mesmo uma gravação legitimamente obtida, como foi o caso, poderá ser utilizada de forma ilícita, o que, naturalmente, a lei proscreve.

DÉCIMA-SÉTIMA - Na expressão impressiva do Tribunal Constitucional Federal Alemão trata-se do direito que assiste "a todo o homem - e só a ele - de decidir quem pode gravar a sua voz bem como e uma vez registada num gravador, se e perante quem a sua voz pode ser de novo ouvida." Op. e loc. citado com sublinhado das RECORRENTES.

DÉCIMA-OITAVA - Desenvolvendo esta mesma senda diz Costa Andrade: "Traduz-se, por isso, no direito que assiste a cada um de decidir livremente se e quem pode gravar a sua palavra bem como, e depois de gravada, se e quem pode ouvir a gravação." Op. cit. página 821. Para rematar este sugestivo acervo de citações, que, reconheça-se, assentam, como uma luva feita à medida, no caso em apreço, deixemos a derradeira: "Nos termos da al. B) do n.° 1 do art. 199, é proibida e punida a utilização, sem consentimento, das gravações, mesmo que licitamente produzidas…, …a utilização não consentida da gravação é ilícita
mesmo quando ela tenha sido licitamente produzida.
Op. cit. página 830 com sublinhado apenas parcial das RECORRENTES.

DÉCIMA-NONA - De acordo com o estipulado no artigo 126 do CPP "são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coação, ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas." Cfr. n.º 1. O mesmo artigo, agora no seu n.º 2, considera ofensivas da integridade física ou moral das pessoas "as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante…,…utilização de meios cruéis ou enganosos. Cfr. alínea a), do n.° 2, do artigo 126.
 

VIGÉSIMA - Remata o n.º 3 no sentido de que, "ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular."

VIGÉSIMA-PRIMEIRA - Pelo paralelismo evidente que patenteia com a matéria das gravações e o respetivo uso processual, deve chamar-se à colação o regime previsto para as escutas telefónicas, invocado, aliás, no requerimento exarado no próprio auto de busca.

VIGÉSIMA-SEGUNDA - Esse paralelismo radica no facto de ser no quadro da previsão normativa relativa às interceções e gravações telefónicas, que a lei estipula como podem essas mesmas gravações ser legalmente obtidas, controladas e utilizadas.

VIGÉSIMA-TERCEIRA - No caso vertente as gravações não foram autorizadas por um juiz, não foram realizadas no quadro de um inquérito e não nasceram da permissão concedida para se intercetarem comunicações de suspeito, arguido, ou terceiros elegíveis.

VIGÉSIMA-QUARTA - O que vale por afirmar, que as gravações em causa não respeitaram o disposto nos artigos 187, n.° 5 e seguintes e 188 do CPP.

Dir-se-á, Contudo:

VIGÉSIMA-QUINTA - As gravações não poderiam ter sido assim obtidas, dado que, em verdade, não foram desencadeadas no quadro de um processo de inquérito.

VIGÉSIMA-SEXTA - Trata-se de um argumento tautológico, que não pode fundamentar, em caso algum, a decisão do DESPACHO.

Efetivamente:

VIGÉSIMA-SÉTIMA - A questão nuclear que é colocada à apreciação do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, consiste em saber se, gravações obtidas nas condições descritas, podem ou não ser juntas aos autos.

Ora:

VIGÉSIMA-OITAVA - Porque essas gravações não foram efetuadas em conformidade com o disposto nos artigos 187, n. 5 e seguintes e 188 do CPP, a admissibilidade da respetiva junção só poderia ancorar-se na circunstância de os entrevistados terem anuído à gravação.

Com efeito:

 VIGÉSIMA-NONA - Sendo eles os titulares do interesse protegido – o direito à palavra – só mediante o seu consentimento, se poderia tornar lícito o uso, no quadro probatório, das aludidas gravações. Isso decorre do disposto nos artigos 126, n.° 3 e 167, n.° 1, ambos do CPP e do artigo 199, n.° 1, alíneas a) e b) do CP.

Sendo assim:

TRIGÉSIMA - Na falta desse consentimento, a contrario, as dissecadas gravações não poderão ser utilizadas como prova, face ao disposto nos normativos legais e, nomeadamente, os artigos 126, n.° 3 e 167, n.° 1, ambos do CPP e do artigo 199, n.° 1, alíneas a) e b) do CP.

TRIGÉSIMA-PRIMEIRA - Recuperando aqui, tudo aquilo que se alegou na motivação sobre o que significa o consentimento, dúvidas não restam de que ele abrange não apenas a autorização para que sejam gravadas as palavras proferidas, mas engloba, do mesmo modo, as condições a que esse consentimento está sujeito.

Logo:

TRIGÉSIMA-SEGUNDA - Se o consentimento for violado, deixa de ser relevante, para subtrair a tipicidade da conduta, em face do disposto no artigo 199, n.° 1, alíneas a) e b) do CP.

TRIGÉSIMA-TERCEIRA - E o consentimento será violado, se foi violado o que havia sido acordado, quanto ao que a doutrina chama o auditório, ao qual as palavras se dirigem e que circunscreve a autorização, estando ínsito ao próprio consentimento prestado.

TRIGÉSIMA-QUARTA - Se o consentimento foi prestado na condição de ser utlizado apenas naquele caso e com aquela finalidade, no momento em que essas condições são rompidas, então a gravação deixa de ser autorizada.

TRIGÉSIMA-QUINTA - Daqui decorre que deixa de haver consentimento relevante, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 126, n.3 do CPP e do artigo 199, n.° 1, alínea a) do CP.

TRIGÉSIMA-SEXTA - Nascendo o vício contemplado no artigo 126, n.° 2, alínea a) do CPP, in fine, consubstanciado na utilização de um meio enganoso, que afetou a vontade do agente que consentiu na gravação, pois, se soubesse o que ocorreria com as gravações, não as teria, obviamente, consentido.

TRIGÉSIMA-SÉTIMA - Passando as gravações a constituir um método proibido de prova, cfr. o disposto na norma referida, não podendo ser juntas aos autos, ao invés do que foi decidido no DESPACHO.

TRIGÉSIMA-OITAVA - O consentimento não é uma natureza morta, mas sim uma declaração de vontade com limites, os quais, uma vez ultrapassados, o desvitalizam como fator de admissibilidade das (neste caso) gravações. Remete-se, a este respeito, para os apontamentos doutrinais extratados na segunda parte deste recurso, nomeadamente para a anotação efetuada pelo Prof. Manuel Costa Andrade.

TRIGÉSIMA-NONA - Parece completamente óbvio, que não devendo as gravações ser juntas aos autos, por maioria de razão também o não poderão ser as transcrições das gravações. A razão é simples.

QUADRAGÉSIMA - Se a lei impede que os autos sejam instruídos com uma prova obtida por métodos proibidos, no caso um conjunto de gravações, então, por maioria de razão, impede que se juntem cópias das gravações.

QUADRAGÉSIMA-PRIMEIRA - O próprio acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de maio de 2006, que é invocado no DESPACHO, sentencia como segue:

"Acrescentaríamos que a tutela legal do segredo, que rodeia a prova pessoal (por depoimento ou por declaração), deve cobrir igualmente a produção da prova real (coisas em sentido lato: documentos, suportes informáticos, correspondência…), sob pena de se conseguir por uma via, aquilo que a lei proíbe pela outra." Sublinhado das RECORRENTES.

QUADRAGÉSIMA-SEGUNDA - Se não fosse assim, estaria descoberto um antídoto, capaz de varrer todas as prescrições constitucionais e legais: as gravações ilícitas, sem acesso aos autos por constituírem métodos proibidos de prova e provas nulas, entrariam pela porta dos fundos, travestidas de documentos. Trata-se de uma solução que repugna, violentamente, à letra e ao espírito da Constituição e da lei.

QUADRAGÉSIMA-TERCEIRA - O que se aplica ao presente caso, no qual as gravações, sendo lícitas no momento em que foram efetuadas pelas RECORRENTES, deixarão de o ser, se for violado o teor do consentimento (ilicitude superveniente).

QUADRAGÉSIMA-QUARTA - Uma interpretação do disposto nos artigos 199, n.° 1, alíneas a) e b) do CP, bem como dos artigos 126, n.°1, n.° 2, alínea a), e n.3, 167, n.° 1 e 187, n.°s 5 e seguintes e 188 estes últimos do CPP, no sentido de considerar que, uma gravação que foi consentida de acordo com determinadas condições, para finalidades determinadas e com destinatários específicos, pode ser usada como prova ou como meio de prova, mesmo que haja sido violado o teor do consentimento prestado, implicaria a inconstitucionalidade das referidas normas, por violação do disposto nos artigos 18, n.°s 1 e 2, 26, n.° 1, 32, n.° 8 e 34, n.° 4, todos da CRP.

QUADRAGÉSIMA-QUINTA - Uma interpretação do disposto nos artigos 199, n.° 1, alíneas a) e b) do CP, bem como dos arti• os 126 n.°1 n.° 2 alínea a e n.3 164 n.° 1 167 n.° 1 e 187 n.°s 5 e seguintes e 188 estes últimos do CPP, no sentido de considerar que pode ser junta aos autos e usada como prova documental ou meio de prova, uma transcrição de um texto, que corresponda ao teor de uma gravação, que não pode, por seu lado, ser utilizada como prova ou meio de prova, implicaria a inconstitucionalidade das referidas normas, por violação do disposto nos artigos 18, n.°s 1 e 2, 26, n.° 1, 32, n.° 8 e 34, n.° 4, todos da CRP.

QUADRAGÉSIMA-SEXTA - Por todo o exposto não deverão as gravações, ainda licitamente obtidas pelas RECORRENTES, serem juntas aos autos, seja em suporte áudio, seja em documento escrito, ao contrário do que se decidiu no douto DESPACHO recorrido.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO

Deve o presente recurso ser considerado procedente e, em consequência, ser revogado o douto DESPACHO recorrido, ordenando-se, em consequência, que todos os documentos que constituam os suportes apreendidos na busca às instalações das RECORRENTES, que contenham as gravações e/ou as transcrições das gravações, sejam desentranhados dos autos e devolvidos às RECORRENTES.

*

Respondeu o Ministério Público, concluindo:
1. P2..., Lda. não se encontra afectada em nenhum direito pela decisão a quo pelo que não tem a mesma legitimidade para recorrer da mesma devendo, nessa parte, o recurso ser rejeitado com base nesse facto, nos termos do disposto nos arts.417º, n.º6, alínea b) e 420º do Cód. Processo Penal.
2. Encontra-se legal e jurisprudencialmente assente que o interesse em agir do recorrente em processo penal se tem fundar num interesse específico concreto próprio e que o mesmo tem de ser devidamente invocado e alegado no recurso.
3. No caso vertente as Recorrentes fundam a sua discordância face ao decidido no despacho recorrido, única e exclusivamente, na violação do direito à palavra e de outros direitos, cujos titulares são terceiros que não as Recorrentes, sendo no exclusivo interesse de tais terceiros e no pretenso restabelecimento dos seus direitos que pretendem a revogação do despacho a quo.
4. O interesse em agir das Recorrentes alicerça-se unicamente no interesse abstracto e alheio em que o direito à transitoriedade da palavra falada e o direito à não auto-incriminação do arguido, entre outros, sejam respeitados de acordo com o seu ponto de vista e da sua óptica específica de conformidade à legalidade.
5. Por não estar verificado relativamente às Recorrentes o pressuposto do interesse em agir no presente recurso, deve o mesmo ser rejeitado com base nesse facto, nos termos do disposto nos arts.417º, n.º6, alínea b) e 420º do Cód. Processo Penal.
6. Os presentes autos reúnem indícios da prática de factos susceptíveis de configurar, em abstracto, entre outros e sem prejuízo do que o desenvolvimento do inquérito vier a determinar, crimes de infidelidade, p. e p. pelo art. 224º, n.º1, do Código Penal, de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, n.º 1, 218º, n.º 1 e 2, com referência ao disposto no art.º 202º, al. b), todos do Código Penal e/ou de participação económica em negócio, p. e p. pelo disposto no art. 377º, n.º 1, do Código Penal, considerando o disposto no art.386º, n.º 2, do Código Penal.
7. O prejuízo causado com a prática dos factos susceptíveis de integrar tais crimes estima-se em valor muito superior aos dos €897.000.000 investidos pela PT no grupo BES/GES e nunca devolvidos, atenta a difícil situação financeira em que ficou o grupo PT.
8. As gravações objecto do presente recurso não estão, nem poderiam estar, abrangidas pelo regime legal das intercepções telefónicas, plasmado nos arts.187º a 189º do Cód. Processo Penal.
9.  Tal meio de obtenção de prova e o respectivo regime processual penal aplicar-se-á somente à intercepção de conversações e comunicações efectuada pela investigação, ou seja, pelo Ministério Público com a coadjuvação dos órgãos de polícia criminal e previamente autorizadas pelo JIC.
10. No caso vertente, tal não se verifica por estar em causa a mera apreensão de gravações pré-existentes realizadas pela buscada, circunstância que inviabiliza, desde logo, a existência de autorização prévia à sua realização por parte do JIC.
11. Porque tais gravações não constituem uma forma atípica de intercepção telefónica mas antes um verdadeiro documento, concretamente uma reprodução fonográfica, e as transcrições de tais registos constituirão um documento escrito, na recolha de tais meios de prova, há que atender ao disposto nos arts.164º e 165º, 174º e 178º do Cód. Processo Penal.
12. Estando em causa meros documentos e tendo a sua apreensão sido presidida por Juiz de Instrução Criminal no decurso de busca, afigura-se que o acto de recolha de tais documentos não padece de qualquer ilegalidade.
13. A circunstância da diligência ter sido presidida pelo juiz das liberdades e o facto de se ter zelado pelo cumprimento de todas as formalidades e pela garantida todos os direitos à buscada, inviabiliza qualquer possibilidade de ser arguida ilegalidade visando o acto da recolha da prova em causa.
14. A valoração da prova, na qual se incluem as gravações e transcrições, no âmbito de processo criminal apenas poderá ser aferida no momento em que tais elementos forem indicados como prova pelo Ministério Público, a quem compete a direcção do inquérito e a dedução de despacho de acusação, o que ainda não sucedeu.
15. Em abstracto, tendo em consideração os visados nesses documentos e a circunstância de os mesmos versarem matéria em investigação nos presentes autos, poderá considerar-se que serão relevantes para a descoberta da verdade material e para a prossecução da Justiça.
16. Tal constatação não obsta a que o juízo de valoração da legalidade da prova tenha necessariamente de ser posterior à sua indicação como prova pelo Ministério Público.
17. Poderá, inclusive, suceder que após tal exame e confronto de tais elementos com a prova constante do inquérito, se repute a mesma de irrelevante e desnecessária e que seja ordenada a sua consequente devolução.
18. Além de terem sido apreendidas no estrito cumprimento da lei processual penal e com respeito pelos direitos de todos os envolvidos, considera-se que as gravações e transcrições apreendidas não constituem prova nula, sendo admissível (em abstracto, atenta a fase incipiente da presente investigação) a sua utilização na prova dos factos objecto do presente inquérito à luz do disposto no art.167º do Cód. Processo Penal.
19. Porque estão em causa direitos disponíveis pelos entrevistados – o direito à transitoriedade da palavra falada- apenas poderia estar em causa nulidade da prova prevista no art.126º, n.º 3 do Cód. Processo Penal e não a prevista no n.º 1, alínea a) do mesmo preceito legal.
20. Dos elementos juntos aos autos, nomeadamente do relatório elaborado pela P2..., LDA decorre que os entrevistados, cujas entrevistas foram objecto de gravação, deram um consentimento genérico à gravação e que tal consentimento poderá ter sido tácito, materializado na circunstância de não ter havido oposição à mesma.
21. Dos elementos disponíveis nos autos, sendo certo que não foram juntos quaisquer outros pelas Recorrentes que possam comprovar a vontade manifestada pelos entrevistados à data em que foram realizadas as gravações e concretamente a sua posição, não se extrai que os visados tenham prestado um consentimento limitado, no sentido de que a gravação somente pudesse ser utilizada na elaboração do relatório da P1..., Lda.
22. Estando em causa a realização de gravações consentidas, não enferma a sua apreensão e junção aos autos de qualquer vício, não constituem um meio de prova proibido, nem a sua utilização como prova poderá ser qualificada como nula ou inconstitucional, ficando imediatamente afastada a cominação de nulidade de prova prevista no n.º 3 do art,126º do Cód. Processo Penal.
23. Mesmo considerando que o uso gravação apenas foi consentido no contexto do relatório elaborado pela P1..., Lda, o que não se concede, considera-se estar-se igualmente perante prova válida e susceptível de ser utilizada nos presentes autos porque continuam a estar em causa gravações obtidas com o consentimento dos visados e o teor de tais gravações não contende com a reserva da intimidade dos intervenientes, uma vez que não se tratam de conversa privadas, mas de uma entrevista formal circunscrita ao objecto de trabalho relativo à PT que a P1..., LDA se encontrava a realizar e que constitui, igualmente, objecto da presente investigação.
24. Nessas gravações, apenas poderá estar em causa o direito à transitoriedade da palavra falada.
25. A tutela de tal direito visa “(…) impedir “que aquilo que se pretendeu que fosse apenas uma expressão fugaz e transitória da vida se converta num produto registado e susceptível de ser utilizado a todo o tempo.” E mais adiante que “(…) é a própria palavra falada (…) não interessando o seu conteúdo, se representa ou não um segredo, se exprime uma ideia própria ou um pensamento.”[i]
26. A tutela de tal direito não pode ter carácter absoluto e ser insusceptível de sofrer limitações, mormente quando estão em causa gravações consentidas pelos visados e cujo conteúdo não contende com a intimidade.
27. A questão da admissibilidade das gravações, por estar em causa, ainda que de forma mitigada, o direito à palavra falada, deverá ser resolvida através da compatibilização dos vários interesses em conflito – da administração da justiça, por um lado, e da tutela do direito à transitoriedade da palavra falada por outro.
28. Na era das tecnologias e da banalização do registo de voz e imagem, da sua transmissão e exposição pública, não se vê como pode o direito à transitoriedade à palavra considerar-se absoluto, nos termos expostos pela Recorrente.
29. E tal banalização não se circunscreve a sites de partilha, tais como o You Tube, ou a redes sociais, mas alastra, igualmente, ao funcionamento dos órgãos de soberania do Estado, sendo disso exemplo os plenários da Assembleia da República e a Comissão Parlamentar de Inquérito à Gestão do BES e do GES, na qual os depoimentos dos mesmos entrevistados, cujas gravações são objecto do presente recurso, foram filmados, difundidos na televisão e estão disponíveis on-line (www.parlamento.pt/Paginas/XIIL4S_AudicoesCPIBES-GES201501.aspx).
30. É incontornável concluir que, nos tempos actuais, quando alguém autoriza a gravação de uma entrevista não pode conscientemente acalentar a expectativa de que a sua palavra está a ser “(…) proferida com a intencionalidade e a confiança na sua transitoriedade e historicidade, num contexto de espaço, tempo, vivência, gesto, ambiente de simbolizações (…)”[ii]
31. O interveniente, no momento em que toma a decisão de autorizar a gravação, não pode deixar de saber e ponderar que, ao consentir no registo da sua voz está, obviamente, a transformar a transitoriedade da sua palavra em algo duradouro, que perdurará necessariamente no tempo e que fugirá ao seu controlo futuro.
32. A gravação visa e pretende, exactamente, transformar a palavra instantânea e volátil em algo permanente, que sobrevirá ao espaço, tempo e contexto em que foi captada e que pode ser facilmente transmitida.
33. O sujeito da gravação, no momento do consentimento, não pode abstrair-se do facto de que actualmente a transmissão de uma gravação, por ser tecnicamente acessível a todos através de telemóvel, outros dispositivos portáteis e computadores, constituirá praticamente uma inevitabilidade que é necessariamente por si previamente antecipada.
34. Ao abrigo do disposto no art.32º, n.º 8 da CRP não se vê, assim, como é que a admissão de tais registos como prova possa consistir numa “abusiva intromissão da vida privada” e consubstanciar, em absoluto, prova proibida.
35. Pelo contrário, à luz da lei constitucional, impõe-se a conclusão que o direito dos visados à não audição dos seus registos fonográficos por terceiros, no caso concreto, é susceptível de ser limitado em prol da prossecução da Justiça.
36. Estando em causa nos presentes autos a investigação de criminalidade grave, causadora de elevado prejuízo patrimonial, de valor superior €897.000.000, e de danos acentuados na economia do país, a prossecução da Justiça no caso concreto terá necessariamente valor superior ao direito à palavra, levemente beliscado, considerando o consentimento da gravação e a circunstância de o seu conteúdo não contender com o direito à intimidade.
37. Por versarem o trabalho realizado pela P1..., Lda para a PT, cujo objecto constitui o “centro nevrálgico” dos factos em investigação, a omissão de tais elementos de prova poderá ter como consequência a impossibilidade de sindicar o fundamento das conclusões plasmadas no relatório da P1..., Lda, assim como impedir a avaliação rigorosa do seu conteúdo e obstar à descoberta da verdade no âmbito do presente inquérito.
38. A tal não pode obstar a possibilidade abstracta, aventada pela Recorrente, de que os visados possam vir a ser constituídos arguidos nos autos e o conflito com o direito à não auto-incriminação, uma vez que tal realidade apenas poderá ser ponderada e avaliada se vier a concretizar-se, não podendo a recolha de prova actual estar condicionada por suposições futurar que podem nem sequer vir a concretizar-se.
39. No que respeita às transcrições recolhidas nas buscas, por constituírem meros documentos escritos relativamente aos quais não se verifica a tutela do direito à palavra falada, nada obstará à sua apreensão.
40. As transcrições apenas consistem no conteúdo das declarações prestadas pelos intervenientes, estando expurgadas do seu tom de voz, entoação e outros elementos que justificam a protecção do direito à palavra falada.
41. As transcrições foram apreendidas de modo autónomo e independente relativamente às gravações, não se podendo considerar que constituem um produto decorrente da valoração das gravações como prova.
42. A conclusão poderia ser outra, caso as transcrições tivessem sido realizadas pela investigação com recurso às gravações, o que não aconteceu.
43. Em nenhum momento o direito à palavra foi afectado com a apreensão e valoração das transcrições, na medida em que tal não implicou o recurso por parte da investigação às gravações.
44. Não se verifica quanto às transcrições um efeito à distância da proibição de valoração desta prova na hipótese de a respectiva gravação ser considerada prova proibida porque a prova alcançada pela transcrição não foi trazida aos autos por via da apreensão das das gravações.
45. Não consubstancia a prática do crime de gravações ilícitas a reprodução oral ou por escrito do teor de uma gravação mesmo que ilicitamente produzida ou obtida porque tal possibilidade não está abrangida pela tipicidade do ilícito.
46. Estando afastada a tipicidade do crime de gravações ilícitas, tal prova terá de considerar-se admissível ao abrigo do disposto no art.167º do Cód. Processo Penal, constituindo prova a ser apreciada livremente ao abrigo do disposto no art.127º do Cód. Processo Penal.
47. À luz do disposto nos arts.164º, 167º e 126º do Cód. Processo Penal, nada obsta à valoração como prova lícita no caso concreto das gravações e transcrições apreendidas.

Por todo o exposto entende-se que as gravações e transcrições apreendidas nos autos não enfermam de qualquer vício, devendo o despacho a quo ser mantido nos seus precisos termos, mantendo-se tais elementos de prova juntos aos autos.

                                               *

Mantido o despacho revidendo (cfr. aqui fls. 135), a Ex.ª Procuradora-Geral Adjunta, neste Tribunal, teve “vista” dos autos, aduzindo em 2015.05.12, a fls. 218, o seguinte parecer:

Vem o presente recurso interposto por P1..., Lda e P2..., Lda, visando a impugnação do despacho proferido em 30.01.2015, patente de fls. 159 a 177, que aqui se dá por inteiramente reproduzido.

A resposta do Ministério Público na 1.ª instância, solidamente fundamentada, merece a nossa inteira concordância.

Com efeito, cabe dizer que o magistrado do MP na 1.ª instância, já respondeu, ponto por ponto, a cada um dos argumentos invocados pelo recorrente, na respectiva motivação, sendo que a argumentação ali desenvolvida, que inteiramente subscrevemos, permite que nos limitemos a reproduzi-la aqui, assim nos dispensando pois, por desnecessário e redundante, do aditamento de mais desenvolvidos considerandos em defesa do decidido.

Termos em que, somos do parecer que os recursos devem improceder.

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Dado cumprimento ao disposto pelo artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foi proferido despacho preliminar, e colhidos os necessários vistos.

Teve, de seguida, lugar a conferência, cumprindo decidir.

*

II - FUNDAMENTAÇÃO:

1. Conforme jurisprudência uniforme nos Tribunais Superiores, são as conclusões, “supra” transcritas, extraídas pelas recorrentes a partir das respectivas motivações, que delimitam e fixam o objecto do recurso que lhe é submetido (sem prejuízo da, eventual, apreciação das demais questões que sejam de conhecimento oficioso e de que seja ainda possível conhecer).

2. O despacho revidendo, por referência, nos autos, a fls. 159 a 177 e, aqui, a fls.115 a 133, é do seguinte teor:
Fls. 149 a 157 -  Tomei conhecimento do estado dos presentes autos de inquérito.
Em primeiro lugar, relativamente ao Auto de Busca e Apreensão realizada no dia 06-01-2015, nas instalações da “P….”, sita na Rua X, Lisboa, de fls. 87 e ss., como aduzido pelo titular da acção penal, houve lapso imputável à formatação do documento informático utilizado, a fls. 99.
Com efeito, em vez de “Doc. 48” e “Doc. 49”, foram escritas as menções de “Doc. 54” e “Doc. 55”.
Assim, nos termos do disposto no artº 380º, nº 1, al. b) e nº 3 e 97º do CPP, determinamos a sua correcção, de forma onde se lê “Doc. 54” e “Doc. 55” se passe a ler “Doc. 48” e “Doc. 49”.
Notifique.
**
Relativamente aos suportes magnéticos (5 DVD’s Mail’s) que me foram presentes insertos em Saco Prova da PJ nº 049927, ao abrigo do disposto no artº 179º, nº3, ex vi do artº 188º, ambos do CPP, irei, oportunamente, tomar conhecimento dos seus conteúdos, diligência que estimo ultimar em prazo não superior a cinco dias.
Consigno que os ditos suportes ficam na minha posse.
Notifique.  
**
Das gravações e transcrições recolhidas nas buscas à entidade “P1..., LDA” - Docs. 47 e 48 e DVD Dados.
Com efeito, no pretérito dia 06-01-2015, no decurso de busca às instalações da entidade “P1..., LDA”, às quais presidi, entre o demais, foram apreendidos os seguintes elementos:
- Transcrição dos depoimentos de JF... e MG..., relativos a entrevista efectuadas pela P1..., LDA, em 14-08-2014 (20 fls.) – vide Doc. 47.
- Transcrição do depoimento de RM..., relativo a entrevista efectuada pela P1..., LDA, em 14-08-2014 (17 fls.) – vide Doc. 48;
- Gravações e transcrições das entrevistas aludidas, gravadas no identificado “DVD-Dados4” – vide fls. 97.
Certo é que, no decurso da diligência foi invocada a nulidade de tal  prova, caso a mesma viesse a ser junta aos autos, porquanto:
- As gravações correspondem à captação sonora das entrevistas realizadas a diversos indivíduos no quadro do trabalho desenvolvido pela P1..., LDA para a PT, sendo que algumas dessas gravações foram transcritas em documentos que igualmente se encontram apreendidos;
 - Nos termos do disposto no artº 187° do CPP, as gravações só podem ser utilizadas como prova, quando e se forem autorizadas pelo Juiz de instrução, contra suspeito ou arguido ou visando as demais pessoas previstas nas alíneas b) e c) desse preceito legal;
- No caso vertente não foram cumpridos os requisitos estabelecidos no art.187° do Cód. Processo Penal;
- A gravação dos diálogos ainda que autorizada pelos interlocutores entrevistados pela P1..., LDA, destinou-se apenas à recolha do teor dos depoimentos como forma de auxiliar a menção tida por necessária a esses diálogos que deveria ser acolhida no relatório da PT;
- Não são gravações autorizadas nos termos da lei pelo Mmo. JIC, nem no quadro de um inquérito criminal em curso;
- Caso viessem a ser utilizadas estar-se-ia perante um meio enganoso, previsto na parte final da alínea a) do n° 2 do artº 126° do CPP porque ao autorizarem que as gravações fossem efectuadas, as pessoas fizeram-no apenas na convicção de que seriam apenas utilizadas no auxílio aos trabalhos da P1..., LDA e não para qualquer outro efeito;
- O consentimento do titular, nos termos do artº126° do CPP, não impede que a prova seja nula nos precisos termos dessa norma;
- Relativamente às transcrições a sua junção aos autos será, igualmente, prova nula porque se deve aplicar o mesmo regime, sob pena de frustração das normas indicadas;
- Se as gravações utilizáveis em inquérito devem ser autorizadas pelo Juiz de Instrução Criminal isso significa que só essas e as reproduções respectivas podem ser utilizadas, ainda que autorizadas pelos próprios;
- Algumas das pessoas abrangidas poderão vir a ser constituídas arguidas, podendo por isso não prestar declarações, mas vendo declarações suas, não autorizadas por um Juiz de Instrução Criminal serem incorporadas no processo.
Pronunciando-se sobre o caso vertente, o MPº, aduz que:
Desde logo e em discordância com a posição assumida acima transcrita, afigura-se que as gravações em causa não estão abrangidas no regime legal das intercepções telefónicas, plasmado nos arts. 187° a 189.º do Cód. Processo Penal.
Tal meio de obtenção de prova e o respectivo regime processual penal aplicar-se-á somente à intercepção de conversações e comunicações efectuada pela investigação, ou seja, pelo Ministério Público com a coadjuvação dos órgãos de polícia criminal e previamente autorizadas pelo JIC.
No caso vertente, tal não se verifica por estar em causa a mera apreensão de gravações pré-existentes, realizadas pela buscada com o consentimento dos visados, circunstância que inviabiliza, desde logo, a existência de autorização prévia à sua realização por parte do JIC.
Neste caso, a nosso ver, na recolha de tal meio de prova, há que atender ao disposto nos arts.164° e 165°, 174° e 178° do Cód. Processo Penal.
Nos termos do disposto no art.164.°, n.° 1, do Cód. Processo Penal “ É admissível prova por documento, entendendo-se por tal a declaração, sinal ou notação corporizada em escrito ou qualquer outro meio técnico, nos termos da lei penal.”
Ou seja, as gravações em causa não constituem uma forma atípica de intercepção telefónica mas antes um verdadeiro documento, concretamente uma reprodução fonográfica.
Do mesmo modo, as transcrições de tais registos constituirão um documento escrito.
Nestes termos, a admissibilidade dos referidos documentos como prova nos autos terá de ser aferida de acordo com o regime exposto e não, como pretende a buscada, através da analogia enviesada de um regime legal de obtenção de prova, cujos pressupostos e procedimentos nada têm em comum com a situação em causa.
Com já acima se assinalou, as gravações em causa nunca poderiam ter sido previamente autorizadas por Juiz, pela simples razão de que já existiam à data da busca.
Nesse sentido, estando em causa meros documentos e tendo a sua apreensão sido presidida por Juiz de Instrução Criminal no decurso de busca, afigura-se que a recolha de tais documentos não padece de qualquer ilegalidade.
A circunstância da diligência ter sido presidida por Juiz de Instrução Criminal, juiz das liberdades, e o facto de se ter zelado pelo cumprimento de todas as formalidades e garantidos todos os direitos à buscada, inviabiliza, a nosso ver, qualquer possibilidade de ser arguida ilegalidade visando o acto da recolha da prova em causa.
Perante o exposto, por terem sido obtidas através de busca presidida pelo JIC, autorizada e realizada nos termos do disposto nos arts. 174° e 178º do Cód. Processo Penal, preceitos legais incluídos no mencionado Título III, não podem tais elementos considerar-se ilícitos à luz do art. 167º do Cód. Processo Penal que, sob a epígrafe valor probatório das reproduções mecânicas, estabelece que: “1. As reproduções (...) fonográficas (...) só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal. 2. Não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no Título III deste Livro.”
No que concerne à valoração das gravações e transcrições em causa como prova nos presentes autos, afigura-se que tal apenas poderá ser aferido no momento em que tais elementos forem, efectivamente, indicados como prova pelo Ministério Público, a quem compete a direcção do inquérito e a dedução de despacho de encerramento de inquérito.
Ora, até porque os elementos em causa foram selados no decurso de busca, tal ainda não sucedeu.
Em abstracto, tendo em consideração os visados nesses documentos e a circunstância de o assunto objecto dos mesmos versar, precisamente, a matéria em investigação nos presentes autos, poderá considerar-se que serão relevantes para a descoberta da verdade material e para a prossecução da Justiça.
Todavia, tal constatação não obsta que o juízo de valoração da legalidade da prova tenha necessariamente de ser posterior à sua indicação como prova pelo Ministério Público.
Poderá, inclusive, suceder que após tal exame e confronto de tais elementos com a prova constante do inquérito, se repute a mesma de irrelevante e desnecessária, e seja ordenada a sua devolução.
A respeito do que fica dito, por se considerar ilustrativa, transcreve-se o decidido no Ac. da Relação de Lisboa de 18 de Maio de 2006 (Processo n.°54/2006-9):
“As provas são um dos elementos do processo, indispensáveis à realização do próprio processo.
 Devem, por regra, buscar-se onde quer que se encontrem, desde que essa procura se processe de forma legalmente conformada.
E a procura das provas implica, muitas vezes, a busca.
O poder de disposição real, que incide sobre coisas, compreende assim a faculdade de apreensão de coisas e de objectos necessários à instrução (em sentido lato) do processo.
 E, sempre que haja indícios de que alguém oculta em lugar reservado ou não livremente acessível ao público quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada busca (art. 174º, n°2 do CPP).
O art. 178º, n°1 legitima a apreensão de quaisquer objectos susceptíveis de servir a prova.
Os autos encontram-se em fase de inquérito.
 E o inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação (art. 262º, n°1 do CPP).
 A sua direcção cabe ao Ministério público, assistido pelos órgãos de polícia criminal (art. 263°, n°1 do CPP).
 O inquérito é pois um procedimento da esfera do M. P. e não do juiz, competindo àquele, e não a este, a selecção e recolha da prova.
 É incontroverso que o M.P: é o “dominus” da investigação criminal durante o inquérito, competindo no entanto ao juiz de instrução, por imperativo constitucional, a prática dos actos que se prendam directamente com os direitos fundamentais.
 “A intervenção do juiz de instrução na fase de inquérito justifica-se ou em razão da natureza dos actos - actos materialmente jurisdicionais - ou em razão da sua gravidade, representando a intervenção do juiz uma garantia das pessoas - actos formalmente jurisdicionais” (Germano Marques da Silva, CursoPP, III, 157)
Assim, sendo o Juiz de instrução, o juiz das liberdades e das garantias, compete-lhe “apenas” assegurar, no que ora interessa, que a recolha de provas - cuja selecção, repete- se, é da competência do M.P. - se processa de forma legalmente (e constitucionalmente) conformada.
Não assiste qualquer razão aos recorrentes quando defendem que “compete exclusivamente ao juiz de instrução proceder à indagação da pertinência da apreensão e a sua subsequente determinação”, sendo precisamente outra a solução a que conduz a estrutura acusatória do processo penal, como se viu.
Destituídos de razão continuam quando defendem que o juiz deve aferir, previamente à apreensão, da utilidade do objecto para efeitos probatórios; bem como quando defendem que os objectos apreendidos se destinam a comprovar factos já processualmente “conhecidos” ou já em investigação, e não à descoberta de novos factos.
Recorde-se que o objecto do processo só se fixa com a acusação (com as possíveis mutações que decorram posteriormente de uma eventual decisão instrutória); que o tema da prova se circunscreve e delimita apenas após a acusação, fazendo sentido falar no princípio da vinculação temática apenas em fases posteriores do processo.
Assim, é passível de apreensão todo o objecto susceptível de servir a prova, a prova dos crimes que são alvo da investigação, sendo a selecção dos documentos feita “segundo critérios que são dominados pela investigação.
(...) a tutela legal do segredo, que rodeia a prova pessoal (por depoimento ou por declaração), deve cobrir igualmente a produção da prova real (coisas em sentido lato: documentos, suportes informáticos, correspondência…, sob pena de se conseguir por uma via, aquilo que a lei proíbe pela outra.
E estas questões poder-se-ão colocar - e ir-se-ão colocar, certamente, com maior ou menor acuidade, consoante os casos e as situações - no momento da revelação dos documentos e demais coisas apreendidos.
Mas esse momento processual, não é ainda este.
Por outras palavras, a aquisição da prova para o processo, e sua respectiva incorporação, pressupõe dois momentos distintos:
- o momento da apreensão da prova (real, porque é desta de que in casu se trata);
- o momento da revelação da prova.
A apreensão precede a revelação dos conteúdos. E é só neste segundo momento, que ainda não ocorreu processualmente, que a questão dos segredos se poderá colocar.
É que para o juiz de instrução não existe “segredo”, na medida em que ele também está coberto pelo segredo.
Assim, em resumo, e voltando ao início das questões suscitadas no recurso, compete ao M.P. decidir, num primeiro momento - o do inquérito -, segundo a sua perspectiva (de titular do inquérito), o que pode/deve ser apreendido, o que se revela com interesse para a prova; compete, por seu turno, ao juiz de instrução, controlar/garantir a regularidade das apreensões.
E foi isto que sucedeu aquando da efectivação das buscas em causa, não tendo ocorrido, as nulidades suscitadas pelos recorrentes.
Não podem porém vir os recorrentes suscitar questões ainda não resolvidas no processo, na medida em que não se chegou ainda (processualmente) ao momento da revelação formal dos conteúdos, não se sabendo sequer que ou quais documentos irão efectivamente servir a prova.”
Mesmo que assim não se entenda, sempre se dirá que não podem os elementos em causa ser qualificados em bloco e a priori como provas nulas, à luz do disposto no art.126°, n.°1, alínea a) e n.°3 do Cód. Processo Penal, tão só por consistirem em gravações.
De acordo com o decidido no Acórdão da Relação de Lisboa, supra citado:
 (...) o art. 126° do CPP, sob a epígrafe “Métodos Proibidos de Prova”, contempla um regime de proibição de procedimentos apenas proibidos quando obtidos sem o consentimento do titular, e um regime de invalidade de outros meios de obtenção de prova, mesmo quando obtida com o consentimento do titular.
Nos seus n°s 1 e 2 prevêem-se meios de prova proibidos em termos absolutos e no n°3 métodos proibidos sem o consentimento dos seus titulares. A proibição absoluta tem na base uma indisponibilidade dos direitos; a proibição relativa tem na base a disponibilidade dos direitos, que permite a utilização dos meios de prova havendo consentimento válido para tal.
 É desta que aqui e sempre se trata, no presente recurso.
Assim, no campo das proibições relativas, a lei prevê ainda casos de (lícita) obtenção de prova na ausência do consentimento do titular dos direitos (disponíveis) protegidos.
 O n° 3 do mesmo preceito legal, cominando de nulidade as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular, ressalva os casos previstos na lei.”
 Da transcrição supra, porque no caso das gravações estão em causa direitos disponíveis pelos respectivos titulares, é manifesto que não poderá estar em causa prova absolutamente proibida e a nulidade daí decorrente.
 Do mesmo modo também não se vê que possa existir nulidade nos termos do n.°3 do mencionado preceito legal. Na verdade, não se pode olvidar que:
- Estão em causa gravações consentidas pelos visados.
- O teor de tais gravações não contende com a reserva da intimidade dos intervenientes, uma vez que não se trata de uma conversa interpessoal, mas de uma entrevista formal, circunscrita ao objecto de trabalho relativo à PT que a P1..., LDA se encontrava a realizar.
Nas gravações em causa o único direito que poderá estar em causa será o direito à palavra falada.
 Nas palavras de Manuel da Costa Andrade,  a tutela de tal direito visa “(...) impedir “que aquilo que se pretendeu que fosse apenas uma expressão fugaz e transitória da vida se converta num produto registado e susceptível de ser utilizado a todo o tempo.” E mais adiante que “(...) é a própria palavra falada (...) não interessando o seu conteúdo, se representa ou não um segredo, se exprime uma ideia própria ou um pensamento.”
 Tal tutela, contudo, não pode ter carácter absoluto e ser insusceptível de sofrer limitações, mormente quando estão em causa gravações consentidas pelos visados e cujo conteúdo não contende com a intimidade.
Afigura-se, assim, que a questão da admissibilidade das gravações, por estar em causa, ainda que de forma mitigada, o direito à palavra falada, conforme se decidiu no aresto já citado, deverá ser resolvida “(...) compatibilizando os vários interesses em conflito — da administração da justiça, por um lado, e da tutela dos direitos de terceiro, e da reserva da sua privacidade, pelo outro.”
 Na verdade, não se vê como pode deixar de se entender que quando alguém autoriza a gravação de entrevista acalente a expectativa absoluta de que a sua palavra está a ser “(...) proferida com a intencionalidade e a confiança na sua transitoriedade e historicidade, num contexto de espaço, tempo, vivência, gesto, ambiente de simbolizações (...).“4
 Pelo contrário, no momento em que toma a decisão de autorizar a gravação, o visado não pode deixar de saber e ponderar, que ao consentir no registo da sua voz está, obviamente, a transformar a transitoriedade da sua palavra em algo duradouro, que perdurará necessariamente no tempo e que fugirá ao seu controlo futuro. É que a gravação visa e pretende, exactamente, transformar a palavra instantânea e volátil em algo permanente, que sobrevirá ao espaço, tempo e contexto em que foi captada.
 Nestes temos e ao abrigo do disposto no art.32.º, n.º 8 da CRP, não se vê como a admissão de tais registos como prova possa consistir numa “abusiva intromissão da vida privada” e consubstanciar prova proibida.
 Muito pelo contrário, à luz da lei constitucional, impõe-se a conclusão que o direito dos visados à não audição dos seus registos fonográficos por terceiros, no caso concreto, é susceptível de ser limitado em prol da prossecução da Justiça.
 Estando em causa nos presentes autos a investigação de criminalidade grave, causadora de elevado prejuízo patrimonial e de danos acentuados na economia do país, a prossecução da Justiça no caso concreto terá necessariamente valor superior ao direito à palavra, levemente beliscado, considerando o consentimento da gravação e a circunstância de o seu conteúdo não contender com o direito à intimidade das gravações em causa.
 Acresce que por versarem o trabalho realizado pela P1..., LDA para a PT, cujo objecto constitui o “centro nevrálgico” dos factos em investigação, a omissão de tais elementos de prova poderá ter como consequência a impossibilidade de sindicar o fundamento das conclusões plasmadas no relatório da P1..., LDA, assim como impedir a avaliação rigorosa do seu conteúdo e obstar à descoberta da verdade.
 No que respeita às transcrições recolhidas nas buscas, por consistirem em meros documentos escritos, relativamente aos quais não se verifica a tutela do direito à palavra falada, nem qualquer outro, nada obstará à sua apreensão.
Com base no exposto, promove-se que seja determinada a junção aos autos das gravações e transcrições apreendidas.” (sic.)
***
       Cumpre apreciar e decidir:
Com os fundamentos do nosso despacho de fls. 57 a 62, ao abrigo das disposições conjugadas nos artºs 174º, nº 2, 176º, 177º, nº 5, 178º e 180º do CPP, e artºs 72º a 72ºb, do DL 224/2008, foi autorizada a realização de buscas às sociedades “P1…, Lda.”, “P2….” e “P3…, Lda.”, sitas na Rua X, em Lisboa.
A referida diligência de busca foi presidida pelo JIC signatário - ex vi do artº 268º, nº 1, al. c) do CPP.
Mais resulta do aludido despacho que a diligência de busca visava, entre o demais, lograr obter o relatório realizado pela P1..., LDA, a pedido do Conselho de Administração da PT, que visou a análise dos procedimentos e dos actos relativos às aplicações de tesouraria na RF…, SA., bem como dos demais elementos de base que lhe serviram de fundamentação.

Certo é que, atenta a matéria sob investigação, ao abrigo das disposições conjugadas nos artºs 179º, 180º,  182º, 183º, 268º-1 als. c) e e) e  269º, nº 1,  al. e)  todos do CPP e artº 11, nº 1, al. c) da Lei 109/2009, de 15/09, foi declarada a quebra de sigilo da correspondência e autorizado, no âmbito das buscas a realizar, o acesso a todos os documentos informáticos contidos nos computadores e outros documentos abrangidos por sigilo existentes no local a buscar, objecto de mandado de busca, sem prejuízo de que os eventuais ficheiros de correspondência fechados apreendidos fossem, desde logo, insertos em suporte magnético autónomo e apresentados ao JIC, para exame e decisão sobre a sua junção - ex vi dos artigos  179º, nº 3 e  artº 188º, nsº 1 e 4 e ambos do CPP.
Como bem resulta dos autos, os depoimentos prestados relativos a entrevistas efectuadas pela P1..., LDA, em 14-08-2014, foram voluntariamente concedidos, aliás, como reforçado pelo Mandatário presente na diligência.
Por outro lado, as transcrições efectuadas, por certo, correspondem fielmente o conteúdo das gravações.
Ao que resulta dos autos, o recurso a esse meio - gravação das ditas entrevistas e posterior transcrição das mesmas -, tratou-se simplesmente de uma opção por uma metodologia de trabalho, à qual os intervenientes não levantaram quaisquer objecções.
Relativamente aos meios de prova, trazemos aqui à colação o douto Aresto do Tribunal da Relação de Guimarães, in Pº 1680/03-2, de 29-03-2004, que abaixo nos permitimos transcrever parcialmente o seu sumário:
I - Os meios de prova são os elementos de que o julgador se pode servir para formar a sua convicção acerca de um facto, conf. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora – Manual de Processo Civil, pág.452.
II – Os meios de obtenção de prova são os instrumentos de que se servem as autoridades judiciárias para investigar e recolher meios de prova, conf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal II, pág. 209 a 210, que distingue os meios de prova dos meios da sua obtenção: “ É claro que através meios de obtenção de prova se podem obter meios de prova de diferentes espécies, v.g. documentos, coisas, indicação de testemunhas, mas o que releva de modo particular é que, nalguns casos, o próprio meio de obtenção da prova acaba por ser também um meio de prova. Assim, por exemplo, enquanto a escuta telefónica é um meio de obtenção de prova, as gravações são já um meio de prova.” podendo, no entanto, “ suceder que a distinção resulte penas da lei ter dado particular atenção ao modo de obtenção da prova, como nos parece acontecer, v.g., com as escutas telefónicas.”
III - Aos meios de obtenção da prova reportam-se os art°s 171° a 190° do C.P.P., sendo eles: os exames (art°171°a 173°), as revistas e buscas (art°174° a 177°), a apreensão (art°178° a 186°) e as escutas telefónicas (187° e seg.), não se mostrando assim expressamente previstos pelo legislador, como meio de obtenção de prova, os meios electrónicos de vigilância, o que não significa, sem mais, que os meios de prova assim obtidos sejam ilegais, mas apenas que não lhes foi dada “particular atenção”.
IV – A nossa lei constitucional, como forma de garantir a defesa dos direitos, liberdades e garantias que consagra, impõe limites à validade dos meios de prova, e na sequência dessas disposições constitucionais, a lei processual, no seu art° 126°, sob a epígrafe “Métodos proibidos de prova”, estabelece, no seu n°3: “Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.” (sic.)
Aqui chegados, cumpre-nos consignar que o objectivo da realização das buscas e a apreensão de todos os elementos melhor identificados no competente Auto, de fls. 87 e ss., foram em escrupulosa observância do enunciado no artº 32º, nº 8 da CRP e artº 126º, nº 1 do CPP.
Atentemos agora no “Código de Processo Penal, Comentários e Notas Práticas”, Coimbra Editora, ano de 2009 - Livro III - Da prova (artº 126º) - Anotações:
1 - O artº 126º do CPP está, sistematicamente, integrado no Livro III “Da Prova”, e, dentro deste, mo Título I dedicado às “Disposições Gerais”.  Reproduz o artº 126º do Projecto do CPP de 1986 (publicado no suplemento do Boletim do Ministério da justiça), com a alteração introduzida pela Lei 48/2007, de 29/08, consistente na introdução do segmento “não podendo ser utilizadas” no corpo do nº 3.
2 - O Artº 341º do CC dispõe que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. Do latim probatio, prova é o conjunto de actos praticados pelas partes, pelo juiz e por terceiros, destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um facto, da falsidade ou veracidade de uma afirmação.
Já os meios de prova são as coisas ou acções utilizadas para pesquisar ou demonstrar a verdade.
Em regra, não há limitações aos meios de prova, consagrando o princípio da liberdade probatória. Porém, como nenhum direito é absoluto, existem limitações ao direito à prova, como é o caso da proibição das provas obtidas por meios ilícitos.
O CPP, no artº 124.º e ss., prevê sete meios de prova típicos: a prova testemunhal; as declarações do arguido, do assistente e das partes civis; a acareação; a prova por reconhecimento (reconhecimento de pessoas e reconhecimento de objectos); a reconstituição do facto; a prova pericial; e a documental.
 Por sua vez, o art. 125.º do CPP, dispondo sobre a legalidade da prova, admite as provas que não forem proibidas por lei.
Nessa sequência, o art. 126.º, n.º 1, do mesmo diploma, sob a epígrafe “métodos proibidos de prova”, dispõe que são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas; e são ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, os actos descritos taxativamente nas diversas alíneas do n.º 2.
3. Os “métodos” proibidos de prova incluem os meios de prova e os meios de obtenção de prova, por forma a incluir como métodos de prova, todo e qualquer instrumento intelectual utilizado com o objectivo de provar um facto juridicamente relevante. Assim, não são admissíveis os métodos proibidos de prova referidos no art. 126.°, que mais não é do que um afloramento dos arts. 32.°, n.° 8, e 34.°, n.° 4, da CRP.
 Esta norma constitucional visa controlar toda a actividade investigatória, desestimulando a prática de actividades probatórias ilegais, bem como, visa assegurar os direitos e garantias fundamentais de todo indivíduo, como o direito à intimidade, à privacidade, à imagem, à inviolabilidade do domicílio, entre outros direitos.
 Na verdade, a busca da verdade não se pode considerar a busca da verdade como um valor absoluto, usando de quaisquer meios, mas tão só dos meios legalmente admissíveis.
Daí que as proibições de prova são verdadeiros limites à descoberta da verdade.
Nessa sequência, de acordo com o aludido normativo, são nulas as provas obtidas através dos meios indicados, o que significa inválida, bem como os actos que dela dependerem e que a ela possam afectar (art. 122.° do CPP).” (sic.)
Não obstante o supra exposto, não será despiciendo rememorar aqui o “Comentário Conimbricense do Código Penal”, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, in Coimbra Editora, ano de 1999 (artº 199.º):
II. O(s) bem(s) jurídico(s)
 § 9 O art. 199° protege o direito à palavra e o direito à imagem como bens jurídicos pessoais, correspondentes a duas expressões directas da personalidade. Na síntese do PA trata-se, em última instância, de proteger a “personalidade na sua comunicação inocente com os outros membros da sociedade” (AE Person 37). Na ordem jurídica vigente, o direito à palavra e o direito à imagem configuram bens jurídico-penais autónomos, tutelados em si e de per si, independentemente da sua valência do ponto de vista da privacidade / intimidade. Como, reportando-se concretamente à imagem, precisa a Relação de Lisboa (Ac. de 15-2-1989): “parece inquestionável hoje que o direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada e familiar são direitos distintos” (CJ 1989-1 154). No mesmo sentido, e também para o direito à palavra, cf. Acs. do STJ de 24-5-1989 (BMJ 387° 531 ss.) e 6-11-1996 (CJ 1996-3 192 ss.) e Ac. do TC de 18-1-1984 (BMJ 340° 177 s.).
 § 10 Como bem jurídico típico, o direito à palavra -  “o direito à própria palavra” de que falam os constitucionalistas MAUNZ / DÜRIG - identifica-se com o “poder soberano de domínio acústico sobre a própria palavra falada” (SCHMIDHÂUSER). E ainda: “a plena disponibilidade da pessoa humana sobre a palavra falada, como expressão directa da sua personalidade e da sua dignidade”. Traduz-se, por isso, no direito que assiste a cada um de decidir livremente se e quem pode gravar a sua palavra bem como, e depois de gravada, se e quem pode ouvir a gravação. O que se protege é, assim, “a confiança na volatilidade da palavra bem como, na conexão das palavras entre si e com a respectiva atmosfera (lugar, tempo e demais circunstâncias da expressão”. Nesta perspectiva pode representar-se o direito à palavra como o direito à transitoriedade da palavra: a pretensão e a convicção de que a palavra seja, por princípio, apenas ouvida no momento e no contexto em que é proferida, não podendo ser perpetuada para ser posteriormente invocada contra o autor, fora do espaço, tempo, vivência, gesto, ambiente de simbolizações e outros significantes). “ (sic.)
Com efeito, os elementos apreendidos no âmbito da busca não foram obtidos mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular, pelo que, ao abrigo do disposto no artº 126, nº 3 do CPP, a contrário, não consideramos se tratarem de provas nulas.
Por outro lado, também não podemos considerar que as gravações aqui em causa estejam abrangidas pelo regime legal das intercepções telefónicas, uma vez que tal meio de aquisição de prova teria que ser previamente autorizado pelo JIC, por despacho devidamente fundamentado, precedido de requerimento do MºPº -  ex vi do artº 187º do CPP, o que, manifestamente, não é o caso.
Em suma, constitui abusiva intromissão na vida privada a gravação de conversas ou contactos telefónicos, sem consentimento do outro interlocutor ou autorização concedida pela forma prevista na lei processual, o que, como é bom de ver, não se poderá aplicar ao caso concreto, até porque não estamos perante intercepções telefónicas, mas sim de documentos, in casu fonográficos, com as respectivas transcrições, as quais representam, obviamente, um documento escrito.
Relativamente à invocada possibilidade de algumas pessoas abrangidas poderem vir a ser constituídas arguidas, podendo por isso não prestar declarações, certo é que, ao momento, inexistem nos autos arguidos constituídos.
Neste tocante permitimo-nos transcrever, parcialmente, o sumário do Aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, Pº 54/2006-9:
I - O prazo para arguir as irregularidades a que se reporta o artº 123º do C.P.P. é de três dias no caso de buscas e apreensões realizadas na presença do interessado mas estando o mesmo desacompanhado de advogado que o represente no processo.
II - É ao MºPº que compete determinar quais as diligências que devem ser realizadas em ordem a descobrir e recolher as provas necessárias aos fins do inquérito, ainda que na realização de tais diligências seja assistido pelos órgãos de polícia criminal ou, quando a lei o determina, tenha que obter prévia autorização do Juiz de Instrução.
III - É o critério da investigação, cujo dominus é o MºPº, que determina a razoabilidade das buscas e da selecção/escolha dos objectos apreendidos.
IV - As razões e fundamentos da busca que devem constar dos respectivos mandados não têm que abarcar “…os indícios concretos que fundamentam a realização das buscas nem os reais meios de prova em que esses indícios assentam, o que bem se compreende para que a investigação não seja inviabilizada pela manipulação de elementos de prova”.
V - Podem ser objecto de apreensão quaisquer objectos relacionados com o crime ou que possam servir de prova, o que abarca coisas que estejam em poder ou que pertençam ao suspeito como coisas em poder ou pertencentes a terceiros.” (sic.)
Aqui chegados, não nos podemos olvidar do objecto dos presentes autos, que visam a investigação de factualidade grave, alegadamente causadora de elevados prejuízos patrimoniais e danos consideráveis na economia do país.
Por outro lado, temos bem presente, aliás, como sobejamente elencado no próprio decurso da diligência da busca, que:
- Os intervenientes nas aludidas entrevistas deram o seu expresso e inequívoco consentimento à realização da gravação (em face da anuência dada, acreditamos nós que os visados não consideraram que tal gravação contendia com o direito à sua intimidade);
- As transcrições, que acreditamos se encontrarem fidedignas face ao produto das gravações, são meros documentos escritos, relativamente aos quais não consideramos estarem sob tutela do direito à palavra falada.
Em face do sobre exposto e sem necessidade de mais considerandos, prevalecendo o interesse da descoberta da verdade e da boa administração da justiça sobre o interesse invocado, por considerarmos que nada obsta à sua efectiva apreensão, que aqui consignamos, determino a junção aos autos das ditas gravações e transcrições.

Notifique.”

*

3. Cumpre decidir:

3.1. As recorrentes, “P1..., Lda” e “P2..., Lda”, alegadamente “para melhor se entender a acuidade e o enquadramento do presente recurso (interposto do despacho do Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, expresso, no essencial, de fls. 161 e seguintes), procedem a, como se escreve, “rápida descrição dos factos relevantes”, por aí sublinhando que “no passado dia 6 de janeiro tiveram lugar diligências de busca, realizadas nas sedes das recorrentes, as quais foram baseadas no disposto nos artigos 174 e seguintes do CPP”, que “no decurso dessas buscas e como resulta do próprio despacho, foram apreendidos, entre vários outros, os seguintes elementos: - transcrição dos depoimentos prestados por JF... e MG..., relativos a entrevistas efetuadas por uma das RECORRENTES em 14 de agosto de 2014 (cfr. o documento 47 constante do auto de busca respetivo); - transcrição do depoimento de RM..., relativo a entrevista efetuada por uma das RECORRENTES em 14 de agosto de 2014 (cfr. o documento 48 constante do auto de busca respetivo); - e gravações e transcrições das entrevistas aludidas, que estão contidas no identificador DVD-Dados 4, (cfr. a página 11 do auto de busca)”, e que “no decurso da busca e tal qual resulta do auto correspondente, foi suscitada a questão da legalidade da apreensão e junção aos autos "de um conjunto de gravações e transcrições, que constam do designado DVD-DADOS 3, que foram copiados por CC…", bem como da transcrição dos depoimentos prestados por JF..., MG... e RM..., mencionados autonomamente. Cfr. fls. 12 a 14 do auto de busca” - cfr. fls. 219 e seguintes.

Ora, e desde já, cumpre assinalar que, e para lá do invocado “problema”, que, como igualmente se escreve, “não apresenta particular relevo”, aparentemente consubstanciado na “nota” de que, enquanto no auto de busca a questão da impropriedade da apreensão e junção aos autos dos elementos em causa incidiu, além do mais, no designado DVD-DADOS 3, já o despacho, diversamente, alude ao chamado DVD-DADOS 4. Cfr. fls. 161”, e aludindo-se a que “o DVD-DADOS 3 contém "os documentos de trabalho do Projeto A2 (PT), documentação arquivada da P1..., LDA (Map File Projeto A2), que foram copiados por Carolina Costa a partir do sistema informático da buscada, sem recurso a palavras-chave, tendo-se verificado dizerem respeito ao referido projeto"” e o “DVD-DADOS 4, por seu lado, incorpora "gravações e transcrições das entrevistas objeto do requerimento". Cfr. página 11 do auto de busca”, invocando-se que se verifica, “por ser assim, uma diferença entre o DVD que foi alvo da arguição de nulidade suscitada na busca (o designado DVD-DADOS 3) e o que é mencionado no despacho (designado DVD-DADOS 4)”, e consignando-se que “ambos os elementos foram apreendidos à recorrente denominada P2…, Lda. e mencionados sucessivamente no auto, como bem resulta da sua página 11” e que “as recorrentes não estão absolutamente seguras, acerca de qual seja o exato alojamento dos elementos apreendidos, pese embora hajam acompanhado as diligências, as quais, aliás, cabe dizê-lo, se processaram com bastante cooperação e cordialidade”, certo é que o tribunal “a quo” indica fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência e de critérios lógicos e de experiência, se possa compreender o conteúdo e razoabilidade daquela decisão, cumprindo a exigência de objectivação e explicitando, tanto quanto possível, de forma completa, os motivos, de facto e de direito, que o conduziram a proferir não outra mas “aquela” decisão, “supra” transcrita, com referência, nos autos principais, a fls. 159 a 177 (e aqui, recurso em separado, a fls.115 a 133).

 Analisados os indicados pressupostos legais, considerou-se no despacho de fls. 87 a 91 (ali 57 a 61) que, “in casu”, tendo presente a matéria sob investigação, com a complexidade inerente, as “diligências de busca”, bem como as relativas à “intercepção, gravação e apreensão de ficheiros electrónicos” se revelavam absolutamente indispensáveis para a descoberta da verdade, com consequente obtenção de prova, por isso mesmo, e em face “da possibilidade real” ali aventada, se declarando ainda “quebra de sigilo de correspondência”.

Independentemente das, suscitadas pelo Ministério Público, questões prévias, “infra” analisadas, atinentes, por um lado, à legitimidade, ou falta dela, da recorrente “P1…”, por outro, ao interesse em agir, ou falta dele, de ambas as recorrentes, e, ainda, à “delimitação dos elementos de prova abrangidos pelo objecto do recurso”, é nesse enquadramento que se profere o despacho revidendo, ali se citando a tida por pertinente doutrina e jurisprudência, com evidência de um juízo de proporcionalidade e adequação, em necessário equilíbrio entre a realização da justiça e os direitos processualmente decorrentes.

3.2. Por sua vez, no referente à “delimitação dos elementos de prova abrangidos pelo objecto do recurso”, aduz o Ministério Público que “pese embora o facto de no seu requerimento inicial, formulado no local da busca, as Recorrentes não terem invocado a nulidade relativamente a todas as gravações e transcrições apreendidas e de, por essa razão, as que não foram abrangidas não terem sido objecto do despacho a quo, vêm agora, em sede de recurso, alegar serem objecto do presente recurso uma vez que “(…) o escopo do presente recurso se concretiza na reacção contra a apreensão, quer a junção aos autos, determinada pelo DESPACHO, seja de todas as gravações, efectuadas com esta finalidade exclusiva, seja de todas as transcrições, independentemente do suporte em que se encontrem (gravação em DVD e/ou documento escrito) e das pessoas que hajam prestado o depoimento” de onde conclui que “(…) todas as gravações efectuadas com as finalidades identificadas e as transcrições delas operadas, estejam elas contidas no DVD-DADOS 3, o que se julga ser o caso, estejam antes guardadas no DVD-DADOS 4 ou se encontrem em qualquer outro recipiente.

Ora, acrescentando-se, na resposta, que, “relativamente ao exposto,” se afigura “que no acto da busca o requerimento das Recorrentes enfermou de lapso, na medida em que, contra o seu intento, não foram devidamente enumerados os itens apreendidos que se deveriam considerar abrangidos pela sua pretensão”, que “não tendo corrigido tal lapso até à prolação do despacho a quo vêm agora as Recorrentes invocar “o escopo do recurso” e outros fundamentos genéricos” e que, “apesar de não considerar tais fundamentos válidos, entende o Ministério Público que, efectivamente, o requerimento inicial das Recorrentes enfermava de lapso e que a sua intenção inicial terá sido a invocação da nulidade relativamente a todos as gravações e transcrições apreendidas, sendo certo que os fundamentos e a decisão do despacho a quo são susceptíveis de abranger a totalidade desses elementos”, o certo é que o Ministério Públiconão se opõe à delimitação do objecto do recurso nos termos indicados pelas Recorrentes”, pelo que é nesta medida que se tem por configurado o objecto do presente recurso.
3.3.1. Só que as recorrentes não têm a qualidade de assistentes, nem de ofendidas (pois não são titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação - cfr. Professor Figueiredo Dias, “in” Direito Processual Penal I, página 505), nem de arguidas, bem como não foram condenadas ao pagamento de qualquer importância, nem têm a defender qualquer direito afectado pela decisão.
Deste modo, a sua intervenção nos presentes autos, como particulares, ter-se-á de reconduzir a figura processual inominada para efeitos de recurso, o que, independentemente de, pelas circunstâncias ocorridas, serem, ou não, as entidades mais adequadas para protagonizar eventual interesse, particular, de terceiros (muito menos, como se observa, o interesse geral da repressão do crime, sem, de resto, qualquer eficácia, benefício/colaboração ou utilidade para o objecto do processo), para lá da razão histórica e da falta de norma legitimante, não consubstancia, sequer, motivo de, no caso, “reforço da defesa”, dado que, como se responde, pelo menos à data em causa, não tinham sido constituídos arguidos quaisquer das pessoas alvo das gravações, e respectivas transcrições, apreendidas à recorrente “P2..., Lda” e/ou do relatório elaborado pela mesma “P1…,Lda”, denominado “Portugal Telecom SGPS, S.A. Relatório 1-Análise factual de aplicações de tesouraria BES/GES” (Apenso B-15º Volume), as quais, bem como a dos respectivos elementos para tanto utilizados, foram objecto da busca em causa.
A consideração de que pessoas individuais, singulares ou colectivas, podem participar, em processo penal, na reacção formal, pressupunha ser legalmente possível, como não é, proceder ao preenchimento valorativo das cláusulas gerais relativas ao recurso por menção a interesses particulares de indistintos sujeitos de direito, em procura casuística de direitos individuais pretensamente violados ou em perigo de violação, o que, se só por aí fosse estruturada a legitimidade, seria contraditório com a natureza jurídico-pública do instituto da assistência penal.
Por outro lado, mesmo na consideração de ser o “jus puniendi” (e o, inerente, “jus procedendi”) de interesse público e, por isso, pela Constituição da República Portuguesa (cfr. artigo 219.º, n.º 1, e Código de Processo Penal, artigos 48.º a 50.º), ser ao Ministério Público que está deferido exercer a acção penal, certo é que a presente intervenção das recorrentes no processo, como particulares, não consubstancia qualquer protecção a vítima, ou auxílio a interesses da comunidade, muito menos prestado em efectivação da justiça, antes se perfilando como factor estranho, até pela, não surpreendente, falta da objectividade e/ou da imparcialidade que devem dominar o processo penal.
Essas serão, eventualmente, razões para, em abstracto, não terem sido legalmente previstos quaisquer termos em ordem a um tal género de intervenção, como sucede, “v.g.”, na situação do artigo 69.º, do Código de Processo Penal, sendo certo que, “de jure constituto”, no direito adjectivo penal “é de excluir a representação. É absolutamente proibida quanto ao réu, como é óbvio. E também não é de admitir quanto à parte acusadora. A intervenção da parte acusadora é mera colaboração consentida numa actuação que ao Estado exclusivamente deve pertencer. Não se trata de prosseguir, por meio da acção penal, um interesse próprio, mas um interesse do Estado. É natural, assim, que, não em atenção aos interesses particulares, mas somente ao interesse público, o Código de Processo Penal indique quais as pessoas que podem exercer a acção penal” - cfr. Professor Cavaleiro Ferreira, “in” Revista da Ordem dos Advogados, ano 5.º (1945), páginas 35 e seguintes, e “in” Obra Dispersa, Volume I, 1996, página 180.
Aliás, sendo distintos os pressupostos, adjectivos, da legitimidade e do interesse em agir (cfr. artigo 401.º, n.º 1, alíneas a) e d), do Código de Processo Penal), o legislador elenca expressamente os casos de legitimidade para o recurso, sempre limitados, de resto, pela exigência do n.º 2 do mesmo preceito: existência de interesse em agir.
O interesse em agir consiste (para lá - mesmo nos casos legalmente previstos de intervenção de particulares - da titularidade do interesse público mencionado, e de não ser caso de qualquer “relação material controvertida”, base de legitimidade civil, e, por aí, de interesse na apreciação jurisdicional dessa relação) na necessidade de uso do processo por determinado sujeito de direito, o qual, por situação de concreta carência, necessita de tutela jurisdicional, mas sempre tendo em conta a indisponibilidade do objecto processual em análise.
A legitimidade das recorrentes pressupunha, assim, um interesse directo, a elas aferido, na impugnação do despacho revidendo, em pressuposto processual que se não observa, pois que as mesmas, enquanto sujeitos processuais, e por alusão à decisão recorrida, não justificam enquadramento substantivo em ordem a poderem impugnar tal despacho através de recurso.
Deste modo, as recorrentes não têm legitimidade para o efeito, até porque, desde logo, e tendo em conta o objecto do recurso, a decisão recorrida não foi contra elas proferida - cfr. artigo 401.º n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal -, nem, visto o referido (“não”) estatuto processual, pode ser entendido que se mostram “afectadas” pelo despacho “in judice” - cfr. artigo 69.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
A decisão revidenda não afecta as recorrentes, não atinge quaisquer direitos processuais a elas aferidos, pelo que, tendo em vista os fins das penas, não é de considerar, por inexistentes, quaisquer interesses, directos ou indirectos, das mesmas recorrentes como particulares, muito menos em ordem a ser-lhes deferida a tutela jurisdicional solicitada no recurso interposto, pois que não são titulares, por ali, de qualquer interesse juridicamente protegido.
 Não tendo as recorrentes, em face do objecto do processo, um interesse directo na impugnação que justifique o presente ataque, por via de recurso, ao despacho revidendo (cfr.Professor Germano Marques da Silva, “in” Do Processo Penal Preliminar, página 425), não têm igualmente legitimidade para recorrer, pois que o objecto processual lhes é alheio, não se demonstrando que eventual futura decisão as possa vir a afectar e/ou contra elas vir a ser proferida.
3.3.2. No tocante à legitimidade, ou falta dela, da recorrente “P1…, Lda”, e sendo pacífico que as gravações e, respectivas, transcrições, objecto do recurso “in judice”, resultam de apreensão efectuada ao estabelecimento “P2…,Lda”, note-se que o relatório denominado “Portugal Telecom SGPS, S.A. Relatório 1- Análise factual de aplicações de tesouraria BES/GES” (Apenso B, 15.º Volume), cuja apreensão, bem como dos elementos para tanto utilizados, constituía objecto da busca em causa, foi elaborado, por tal ter sido com ela contratado, pela mesma “P2…, Lda”, de tal relatório constando (cfr. fls. 5) referência à “análise” efectuada, “envolvendo”, para lá do mais, “fundamentalmente”, e enquanto “procedimentos”, as “entrevistas” que foram apreendidas nos autos, cujas gravações e respectivas transcrições foram, aliás, como se responde, “encontradas no gabinete de CC…, colaboradora a cargo de quem esteve a elaboração do relatório em questão” - (cfr. fls.2 do Apenso B, 15.º Volume).
Ora, tendo “legitimidade para recorrer aqueles que tiverem a defender um direito afectado pela decisão”, como resulta do artigo 401.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, nunca seria suficiente para reconhecer legitimidade à “P1..., Lda” em ordem ao presente recurso, e sem que se evidencie qualquer direito, adjectivo e/ou material, daquela que possa estar afectado pela decisão do tribunal “a quo”, a circunstância de a mesma partilhar instalações, ali tendo as respectivas sedes (cfr. ali fls. 220, e aqui fls. 3), com a “P2..., Lda”.
3.3.3. Por outro lado, aduz, com pertinência, o Ministério Público que “nenhuma das recorrentes apresenta interesse em agir no presente recurso”, para tanto invocando: - O artigo 401.º, n.o 2, do Código de Processo Penal, quando dispõe que “não pode recorrer que não tiver interesse em agir”; - O “Acórdão de Fixação de Jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça (Assento n.º 8/99, Recurso n.º 1151/96, publicado no Diário da República, I SÉRIE-A, n.º 185, de 10.08.1999), relativamente a assistente (mas que aqui é de trazer à colacção por a razão de ser daquela situação justificar no caso “in judice” semelhança de “regime”/solução, em integração do sistema jurídico, e dentro do espírito da lei, no sentido de que “este interesse em agir tem de ser concreto e do próprio, pelo que é insuficiente se o Tribunal, concluindo que se não está face a um mero desejo de vindicta privada, nada mais encontrar; como insuficiente é para por aquele se concluir se o MP, nas suas alegações escritas, emitir parecer no sentido de o Tribunal a quo ter usado de uma benevolência que se não justifica na determinação da medida concreta da pena (havia de ter recorrido e no recurso ter pedido a agravação; a reformatio in pejus é proibida - artigo 409 CPP)”; - O “Acórdão do STJ de 01.03.2006 (disponível em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stjmostradoc.php?nid=22024&codarea=2) no qual se decidiu, referindo-se ao anterior, que “(...) parece assim líquido, face aos fundamentos do referido acórdão para fixação de jurisprudência, que o direito dos assistentes ao recurso passa pela verificação de um interesse em agir concreto e próprio”; - O Acórdão do STJ de 18.01.2012, no processo n.º1740/10.1JAPRT (disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ac16ce4b013889 68025799f0054a062?OpenDocument), quando decidiu que o interesse em agir “(...) significa necessidade que o assistente tenha de usar este meio para reagir contra uma decisão que comporte uma desvantagem para os interesses que defende, ou que frustre uma sua expectativa ou interesse legítimos, que significa que só pode recorrer de uma decisão que determine uma desvantagem; não poderá recorrer quem não tem qualquer interesse juridicamente protegido na correcção da decisão”.
É nesta medida que, bem, se concluiu quea definição do concreto interesse em agir supõe, pois, que se identifique qual o interesse que, no caso, a assistente pretende realizar no processo, e especificamente em cada fase do processo: o interesse em agir consiste na necessidade de apelo aos tribunais para acautelar um direito ameaçado que necessite de tutela e só por essa via possa obtê-la; o interesse em agir radica na utilidade e imprescindibilidade o recurso aos meios judiciários para assegurar um direito em perigo: trata-se de uma posição objectiva perante o processo, que é ajuizada a posteriorie quenão tendo invocado qualquer interesse específico - um “concreto e próprio” interesse ou vantagem - na aplicação de uma pena mais elevada, distinto das finalidades públicas de aplicação da pena, não apresenta ao tribunal base suficiente para poder determinar se a decisão, que foi de condenação, foi proferida «contra» a assistente, e se existe «interesse em agir» relevante que possa integrar o pressuposto de admissibilidade do recurso”.
Por isso se refere, “em síntese, que se encontra legal e jurisprudencialmente assente que o interesse em agir do recorrente em processo penal se tem de fundar num interesse específico concreto próprio, o qual tem de ser devidamente invocado e alegado no recurso” e que “da leitura atenta das alegações das recorrentes decorre que a sua discordância face ao decidido no despacho recorrido assenta, única exclusivamente, na violação do direito à palavra e de outros direitos, cujos titulares são terceiros que não as recorrentes, sendo no interesse desses terceiros que se pretendem ver restabelecidos tais direitos com a revogação do despacho “a quo.
Nessa medida, referenciando-se, designadamente, que “não pode sustentar o despacho recorrido o facto de ainda não existirem arguidos constituídos”, pois que “algumas da pessoas cujos depoimentos foram gravados podem vir a ser investidas nessa qualidade”, certo é que o interesse em agir das recorrentes funda-se, apenas, “no interesse abstracto em que o direito à transitoriedade da palavra falada e o direito à não auto-incriminação do arguido, entre outros, sejam respeitados de acordo com o seu ponto de vista e da sua óptica específica de conformidade à legalidade”, pois que, “nem mesmo a título lateral são invocados quaisquer outros interesses nos quais a pretensão das recorrentes se pudesse concretamente alicerçar num interesse próprio, designadamente, a violação de segredo profissional, sendo certo que não estando em causa elementos fornecidos no âmbito de relação entre cliente e Revisor Oficial de Contas, nunca seria aplicável nesta sede o disposto nos artigos72.º e 72.º A, do Dec. Lei n.º 487/99, de 16 de Novembro”, motivo porque, de resto, e segundo o Ministério Público, “terá conduzido à sua não invocação”.
3.3.4. Assim sendo, nos termos dos artigos, conjugados, 414.º, n.ºs 2 e 3, 417.º, n.º 6, alínea b), e 420.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, por falta de legitimidade, desde logo no tocante à recorrente “P1…,Lda”, e por falta de interesse em agir, quanto a ambas as recorrentes, “P1..., Lda” e “P2..., Lda”, há que rejeitar o recurso interposto, ora “in judice”.

3.4.
Invocam, ainda, as recorrentes (cfr. conclusões 44.ª e 45.ª) que “uma interpretação do disposto nos artigos 199, n.º 1, alíneas a) e b) do CP, bem como dos artigos 126, n.º1, n.º 2, alínea a), e n.º 3, 167, n.º 1 e 187, n.ºs 5 e seguintes e 188, estes últimos do CPP, no sentido de considerar que, uma gravação que foi consentida de acordo com determinadas condições, para finalidades determinadas e com destinatários específicos, pode ser usada como prova ou como meio de prova, mesmo que haja sido violado o teor do consentimento prestado, implicaria a inconstitucionalidade das referidas normas, por violação do disposto nos artigos 18, n.ºs 1 e 2, 26, n.º 1, 32, n.º 8 e 34, n.º 4, todos da CRP” e que “uma interpretação do disposto nos artigos 199, n.º 1, alíneas a) e b) do CP, bem como dos artigos 126 n.º1, n.º 2 alínea a) e n.º 3, 164 n.º 1, 167 n.º 1 e 187 n.ºs 5 e seguintes, e 188, estes últimos do CPP, no sentido de considerar que pode ser junta aos autos e usada como prova documental ou meio de prova, uma transcrição de um texto, que corresponda ao teor de uma gravação, que não pode, por seu lado, ser utilizada como prova ou meio de prova, implicaria a inconstitucionalidade das referidas normas, por violação do disposto nos artigos 18, n.ºs 1 e 2, 26, n.º 1, 32, n.º 8 e 34, n.º 4, todos da CRP”.

Para além de uma questão de constitucionalidade ter de ser suscitada antes da prolação da decisão recorrida, de modo a permitir ao tribunal “a quo” pronunciar-se sobre ela, e esta só ser invocada na motivação de recurso, com a estruturação que se observa, e de o recurso, quanto a ambas, “P1..., Lda”, e “P2..., Lda”, dever ser rejeitado, as recorrentes, em rigor, não suscitam, muito menos no relativo às questões da legitimidade e/ou do interesse em agir, que determinam tal rejeição, qualquer questão de constitucionalidade normativa, susceptível de, eventualmente, constituir objecto de um recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei do Tribunal Constitucional.

As normas invocadas, se interpretadas como o foram, não configuram qualquer inconstitucionalidade por violação dos princípios consignados na Constituição da República Portuguesa.

De resto, há que entender o requisito num sentido funcional, de acordo com o qual uma questão de constitucionalidade normativa só se pode considerar suscitada, de modo processualmente adequado, quando o recorrente identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação da inconstitucionalidade arguida.
Por outro lado, e se tanto ainda for de considerar, resulta do despacho revidendo, “supra” transcrito, e para onde se remete, que “os elementos apreendidos no âmbito da busca não foram obtidos mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular, pelo que, ao abrigo do disposto no artº 126, nº 3 do CPP, a contrário”, não se podem considerar como sendo “provas nulas”, que “também se não pode considerar que as gravações aqui em causa estejam abrangidas pelo regime legal das intercepções telefónicas, uma vez que tal meio de aquisição de prova teria que ser previamente autorizado pelo JIC, por despacho devidamente fundamentado, precedido de requerimento do MºPº - ex vi do artº 187º do CPP, o que, manifestamente, não é o caso”, e que constituindo “abusiva intromissão na vida privada a gravação de conversas ou contactos telefónicos, sem consentimento do outro interlocutor ou autorização concedida pela forma prevista na lei processual”, tal “não se poderá aplicar ao caso concreto, até porque não estamos perante intercepções telefónicas, mas sim de documentos, in casu fonográficos, com as respectivas transcrições, as quais representam, obviamente, um documento escrito”, sendo que, “relativamente à invocada possibilidade de algumas pessoas abrangidas poderem vir a ser constituídas arguidas, podendo por isso não prestar declarações, certo é que, ao momento, inexistem nos autos arguidos constituídos.

De resto, evidencia-se que foram asseguradas todas as garantias processuais das recorrentes, “maxime” o recurso - cfr. artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa -, e que, nessa medida, se observou o princípio do contraditório, não sendo, em rigor, nesta medida, suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa, e não se verificando os respectivos pressupostos.

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III - DECISÃO:

Nestes termos, em conformidade com o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos dos artigos, conjugados, 414.º, n.ºs 2 e 3, 417.º, n.º 6, alínea b), e 420.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, em rejeitar o recurso, ora “in judice”, interposto pela “P1..., Lda” e pela “P2..., Lda” e, nos termos do artigo 420.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, em condenar as recorrentes ao pagamento da importância, cada uma, de cinco (5) UCs.

Notifique.

(Elaborado em computador e revisto pelo relator, o primeiro signatário).

Lisboa, 2015.06.11

Guilherme Castanheira

Maria Guilhermina Freitas