Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
I.–Relatório
A Albufeira Hotel GMBH & CO Betriebs KG recorreu para o Tribunal da Propriedade Intelectual do despacho da Vogal do Conselho Directivo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, de 29/06/2023, pelo qual foi indeferido o seu pedido de modificação da decisão do Director de Marcas e Patentes do mesmo instituto, de 19/12/2022, de concessão do registo da marca nacional n.º 688488
pedido pela Royal Lido Resort, SA.
Invocou para tanto a violação dos seus direitos de propriedade industrial prioritários, derivados da titularidade do registo do logótipo n.º 47707
, marca nacional nº 467780, ROCAMAR HOTELS & RESORTS e da marca da União Europeia n.º 18102700 ROCAMAR, bem como a possibilidade de prática de actos de concorrência desleal.
Foi proferida sentença julgando o recurso improcedente, mantendo o despacho recorrido e, por consequência, o registo da marca.
Inconformada com a sentença, dela veio apelar a Recorrente Albufeira Hotel GMBH & CO. Betriebs KG, formulando as seguintes conclusões:
1.–Na douta sentença recorrida é dado por provado que a Recorrente é titular dos direitos de logótipo e marca sobre a expressão ROCAMAR seguintes:
- logótipo n.º 47707 
- marca nacional nº 467780, ROCAMAR HOTELS & RESORTS
- marca nacional nº 495353
2.–Em primeiro lugar, verifica-se a prioridade dos registos de logótipo e marca da Recorrente, posto que quando a Recorrida requereu o registo da marca em causa, já o logótipo e as marcas da Recorrente estavam há muitos anos registados.
3.–Em segundo lugar, a marca registanda destina-se a assinalar serviços que são manifestamente afins aos serviços para que estão registadas as marcas n.ºs 467.780 e 495.353 da Recorrente.
4.–A elevada afinidade entre esses serviços é mais um factor que não pode ser desvalorizado na formulação do juízo a fazer sobre a possibilidade de confusão entre marcas.
5.–Em terceiro lugar, não pode concordar-se com o entendimento do Tribunal a quo, ao concluir que a marca registanda não seja facilmente confundível e não exista um risco de associação com o logótipo e as marcas da Recorrente.
6.–Aliás, na sentença recorrida, e referindo-se ao conjunto dos sinais distintivos em confronto, afirma-se – e bem – que «O elemento dominante destas marcas é, de facto, a expressão “Rocamar”».
7.–Igual entendimento foi seguido na sentença do 1.º Juízo do Tribunal a quo, de 01/03/2018, que recusou o registo da marca nacional nº 552510, ROCAMAR LIDO RESORTS (confirmada pelo acórdão desta Relação de Lisboa de 11/07/2018).
8.–Não se conformando com a decisão proferida, a aqui Recorrida apelou para esta Relação que, mantendo a decisão já proferida, considerou:
«As marcas em confronto: marcas nominativas nº 467780 “ROCAMAR HOTELS & RESORTS” e 552510 “ROCAMAR LIDO RESORTS”, têm diferentes designações, divergindo nos vocábulos “HOTELS” e “LIDO”.
Mas, o factor preponderante reside nos vocábulos que mais se destacam – “ROCAMAR” e “RESORT” – que são iguais em ambas as marcas, quer no plano fonético, quer no plano conceptual.
Os sinais em apreciação, na sua apreciação global, dos quais se evidencia os assinalados vocábulos, são susceptíveis de gerar confundibilidade no consumidor.» - sublinhados nossos.
9.–No mesmo sentido, a Divisão de Anulação do IEPI, decidiu em 27/06/2019 anular a marca da União Europeia n.º 16743916, ROCAMAR LIDO RESORTS, da Recorrida.
10.–Acentue-se que a marca que a Recorrida pretende registar incorre, de forma clara, na previsão do n.º 3 do artigo 238.º do CPI – «Considera-se imitação ou usurpação parcial de marca o uso de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada» - disposição legal que na sentença foi citada, mas de seguida, surpreendentemente, não foi aplicada.
11.–Por consequência, pede-se a este tribunal que revogue a douta sentença recorrida, com fundamento em imitação, substituindo-a pela recusa do registo da marca nacional n.º 688488, nos termos do disposto no artigo 232.º, n.º 1, alíneas b) e d) do mesmo código.
12.–Acresce que o uso da marca registanda poderá induzir os consumidores em erro ou confusão, possibilitando à Recorrida, mesmo independente da sua intenção, fazer concorrência desleal contra a Recorrente, nos termos definidos no artigo 311º, alínea a) do CPI.
13.–Mutatis mutandis, sobre a possibilidade de concorrência desleal, lê-se na sentença do 1.º Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual de 01/03/2018 (cf. págs. 10 e 11 do Doc. n.º 12 junto à P.I.), que recusou o registo da marca nacional nº 552510, ROCAMAR LIDO RESORTS:
«A concorrência existe quando o consumidor é induzido a atribuir os produtos ao mesmo produtor (estabelecimento ou sociedade) ou a pensar que existem relações comerciais, económicas ou de organização entre as empresas que produzem ou comercializam os produtos.
O consumidor atribui a origem dos produtos ou serviços a uma organização comum, pensando tratar-se da mesma e atribui os produtos à mesma origem, conforme se assinalou supra. – Neste sentido ver, Américo da Silva Carvalho, Marca Comunitária, Coimbra Editora, pág. 82 e segs.
Assim, e face à conclusão supra enunciada de que existe risco de confundibilidade entre os dois sinais, pela semelhança fonética e verbal, é forçoso concluir que o registo da marca da recorrida seria susceptível de levar à prática de actos de concorrência desleal, ainda que não intencional».
14.–Sobre a verificação do referido risco de associação entre a marca registanda com o logótipo e marcas da Recorrente, que possibilitará a concorrência desleal, deve ser ponderado que no âmbito dos serviços de hotelaria e de restauração é comum a existência de grupos hoteleiros com estabelecimentos no Continente e na Madeira (é o caso das bem conhecidas cadeias hoteleiras Pestana Hotels & Resorts, Vila Galé Hotéis, Accor Hotels e Tivoli Hotels & Resorts, por exemplo), sendo por isso irrelevante que, presentemente, os hotéis da Recorrente e da Recorrida se localizem em pontos diferentes do país.
15.–O entendimento do Tribunal a quo de que «estão em causa hotéis que se situam em zonas geográficas e reconhecidamente turísticas distantes e distintas entre si, não sendo verosímil que o consumidor médio comum não distinga entre o turismo a realizar na região do Algarve ou na região da Madeira», coarta, sem justificação legal (cf. artigo 4.º, n.º 1 do CPI), o direito de a Recorrente usar os seus sinais distintivos registados, se assim o entender, na Região Autónoma da Madeira, no momento que considerar mais adequado.
16.–E, como é evidente para todos, se for concedido o registo da marca ROCAMAR LIDO RESORT nada poderá impedir que a Recorrida se estabeleça em Albufeira, mesmo ao lado do hotel ROCAMAR da Recorrente…
17.–Sendo notória a possibilidade de a marca registanda servir para fazer concorrência desleal, deve ser revogada a sentença e recusado o pedido de registo em causa, nos termos do disposto no artigo 232.º, n.º 1, alínea h) CPI.
18.–A questão do alegado conhecimento pela Recorrente do hotel “Rocamar” da Recorrida, pelo menos desde o ano de 2010, sem que a Recorrente – segundo se alega – se opusesse a tal, é tratado de forma pouco aderente à realidade, tanto mais quando o próprio Tribunal a quo afirma que a Recorrida, em 2010, reclamou contra o pedido de registo da marca nacional n.º 467780, ROCAMAR HOTEL & RESORTS, mas se abstém de completar que a Recorrente contestou essa reclamação e esse pedido de registo foi-lhe concedido, para além de que, desde então, sempre se tem oposto a novas tentativas de registo e promovido a anulação (com sucesso) de registos de marcas com a expressão ROCAMAR, pela Recorrida.
19.–O que é certo, por decorrer da decisão sobre matéria de facto, é que a Recorrente se tem oposto consistentemente (pelas vias administrativa e judicial) a que a Recorrida registe marcas com a expressão ROCAMAR, pelo menos desde 2010, sendo inquestionável a sua legitimidade para se opor ao pedido de registo de marca sub judice, que foi pedido em 30/06/2022.
A Recorrida Royal Lido Resort SA apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
a)-A sentença a quo não merece qualquer reparo, tendo interpretado e aplicado correctamente as normas legais ao caso em concreto, sendo que, quer a instância administrativa, o INPI, quer o Tribunal de competência especializada, julgaram, e bem, que a marca requerenda, analisada no seu conjunto, e face a todas as circunstâncias aplicáveis ao caso concreto, não constituía uma imitação das marcas da Apelante.
b)- Com efeito, perante a composição dos direitos de propriedade industrial do grupo societário ao qual pertence a Apelada, conforme pontos 9 a 11 da matéria de facto, facilmente se verifica que a marca em apreço, n.º 688488
mais não é do que directa extensão daqueles direitos já concedidos, utilizados e em vigor, não confundíveis com as marcas da Apelante.
c)-Como resulta da matéria provada (pontos 9 a 16) a Apelada e, em particular a sua empresa-mãe (sociedade detentora da maioria das participações sociais) utiliza o designativo aqui em causa no hotel “ROCAMAR” desde, pelo menos, 1988 (no caso da empresa-mãe Roca Madeira e Mar), com ampla divulgação na Ilha da Madeira e nos circuitos turísticos, sendo um hotel reconhecido como uma referência regional, e factor determinante na promoção turística da zona do Caniço em Santa Cruz – Ilha da Madeira, contribuindo para a promoção da Ilha no panorama turístico internacional, e empreendimento de utilidade turística, e pública, pela Secretaria Regional do Turismo e Cultura.
d)-O designativo Rocamar encontra-se em pleno uso há quase 35 anos pela Roca, Madeira e Mar – Empreendimentos Turísticos, Lda. que detém a Apelada, e com esta partilha o mesmo administrador/gerente (…) (pontos 9 e 10 e documentos ali referidos) e no decorrer desses 35 anos e pelo menos há mais de 20 anos é um dos mais famosos hotéis da Ilha da Madeira, como se pode concluir do processado.
e)-No presente recurso não poderá ser ainda esquecido, como ensaia a Apelante, as sentenças e subsequentes acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa nos processos n.º 48/18YHLSB (incluindo a figura da preclusão por tolerância) e n.º 154/20.0YHLSB (ausência de imitação e de concorrência desleal), conforme consta da matéria de facto provada nos pontos 18 e 19 e respectivos documentos dados como integralmente reproduzidos na matéria de facto da sentença a quo).
f)-A este propósito releva apontar que na sentença e acórdão proferidos no âmbito do processo n.º 353/17.7YHLSB (conclusões n.º 7, 8, 9 e 13 do recurso) e a decisão administrativa da EUIPO, não estávamos perante uma marca mista como no presente caso, ou como nos processos referidos nos pontos 18 e 19 da matéria de facto, (sendo o processo n.º 154/20.0YHLSB e Acórdão o mais factualmente análogo ao caso em discussão nestes autos) mas sim uma marca puramente nominativa, e como tal os parâmetros de comparação não são os mesmos, e não haviam, naquelas marcas elementos figurativos, de estilização e de design bem como de posicionamento dos termos e caracteres, a considerar.
g)-Mas não menos importante e revelante é o facto de nos processos citados pela Apelante, as provas apresentadas e os elementos analisados não foram os mesmos e aquelas decisões foram proferidas em Março e Julho de 2018.
h)-Os acórdãos supra citados a favor da posição da Apelada (e das marcas da titularidade da empresa-mãe) foram proferidos em Dezembro de 2021 e Fevereiro de 2022 mediante um quadro factual mais completo e novamente se sublinhando que se tratavam de sinais mistos, cujas simbologias em absolutamente nada se assemelham às marcas da recorrente/apelante, e ainda contendo elementos verbais adicionais.
i)-Flagrante ainda é que o despacho da EUIPO invocado pela Apelante/Recorrente padece de um sério erro interpretativo, patente na afirmação de que o elemento ROCA MAR não seria perceptível pelo público português, o que é perfeitamente absurdo!
j)-A este propósito, é de especial relevância o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 10 de Fevereiro de 2022, proferido no processo n.º 154/20.0YHLSB.L1-PICRS [referente à marca nacional nº 610639; Relatora: Ana Pessoa] cujo excerto se transcreveu no corpo das alegações (artigo 48. supra).
k)-Ora, a marca aqui visada é, naturalmente, caracterizada por uma simbologia com relevância aos mesmos pormenores estilísticos e de design da marca objecto de estudo no processo n.º 154/20.0YHLSB – a marca nacional n.º 610639, concedida e em vigor.
l)-Tanto a sentença a quo como o Tribunal da Relação de Lisboa nesse processo análogo (154/20.0YHLSB), referente a marca mista da Apelada (n.º 610639) de composição similar à marca aqui em apreço (n.º 611247 e n.º 611248) e contando com um quadro factual mais completo do que os processos que a Apelante decidiu por bem evidenciar (e que não deixaram, ao contrário do que quer fazer crer, de ser devidamente equacionados na decisão do Tribunal a quo), decidiu que, não obstante a existência do elemento “ROCA MAR” no sinal da Apelada, este não era confundível com os sinais da titularidade da Apelante.
m)-Há que se ter presente, e é por demais evidente que os sinais em conflito, vistos no seu conjunto, são facilmente distinguíveis, sendo a percepção de conjunto aquela que se fixa na memória do consumidor.
n)-O que é, de facto e de direito, injustificado, é coarctar o direito da Apelada em ver registada a marca
em prol e benefício do grupo societário do qual faz parte, sendo detida pela titular dos registos, que efectivamente são utilizados, conforme se viu nestes autos - “ROCAMAR” (logótipo),
(marca), ROCAMAR” (marca),
,
,
o)-Resulta facilmente perceptível e sem necessidade de análise aprofundada ou confronto directo que as marcas da Apelante são compostas por vários outros elementos que não encontram paralelo na marca da Apelada e são globalmente distintos aos olhos do consumidor médio dos serviços em causa, para o qual a componente visual possui uma maior incidência face à maneira como as marcas da classe 43 são apresentadas e promovidas no mercado respectivo.
p)-Como já decidiu o TJUE (…) o elemento nominativo de um sinal não tem automaticamente um impacto mais forte (decisão de 31/01/2013, Processo n.º T-54/12, Sport, EU:T:2013:50, § 40) e, em certas situações, o elemento figurativo de uma marca composta pode, devido, nomeadamente, à sua forma, dimensão, cor ou posição no sinal, equiparar-se em força ao elemento nominativo (decisão de 23/11/2010, Processo n.º T-35/08, Artesa Napa Valley, EU:T:2010:476, § 37).
q)-O mesmo TJUE considerou, em processo referente a marcas da classe 43 (serviços hoteleiros) que a impressão visual causada por duas marcas que apresentam um elemento comum pode ser diferente, nomeadamente quando a comparação é realizada entre uma marca nominativa e um sinal composto (como o sinal pedido), constituído por um forte elemento figurativo e dois elementos nominativos, cuja impressão visual global é distinta do elemento em comum isoladamente considerado (Decisão de 19/06/2019, Processo n.º T-28/18 AC HOTELS BY MARRIOTT, ECLI:EU:T:2019:436; e ainda a jurisprudência ali citada - 8 de Dezembro de 2011, Processo n.º T-586/10, não publicado, EU:T:2011:722, n.º 33, e de 17 de Maio de 2013, (JULIUS K9), Processo n.º T-231/12, não publicado, EU:T:2013:264, n.º 34).
r)-Conforme foi decidido pela 2ª Câmara de Recurso da EUIPO num processo relativo a marcas destinadas a hotéis e alojamento temporário e serviços de restauração:
“no que diz respeito ao alojamento de hóspedes e restauração, os clientes seleccionam e reservam estes serviços com maior frequência através de brochuras ou através da Internet onde as marcas podem ser facilmente visualizadas. No entanto, mesmo nos casos em que o serviço é recomendado ou reservado oralmente, é improvável que o destinatário/consumidor não solicite esclarecimentos adicionais sobre o exacto prestador de serviço ao ouvir a mera referência 'hotel'” (ver decisão do 2.º Boards of Appeal de 20 de Novembro de 2007 no processo R 385/ 2007-2 no parágrafo 33).
s)-Na apreciação global do risco de confusão, os aspectos visuais, fonéticos ou conceptuais dos sinais em conflito nem sempre têm o mesmo peso. Há que examinar as condições objectivas em que as marcas podem estar presentes no mercado (acórdãos TJUE, processo T-88/05, de 8 de Fevereiro de 2007 – NARS/MARS; e de 27 de Abril de 2003, Alejandro/IHMI – Anheuser Busch (BUDMEN), T-129/01, Colect., p. II-2251, n.º 57, e NLSPORT, NLJEANS, NLACTIVE e NLCollection, n.º 53 supra, n.º 49; acórdão MATRATZEN, n.º 55, supra, n.º 31, e acórdão de 11 de setembro de 2011, CM Capital Markets/IHMI, T-390/03). – Caja de Ahorros de Murcia (CM) [2005], Colet., p. II-1699, n.º 44; acórdão do TG (oitava secção) processo t-480/12, the coca-cola company, e jurisprudência aí citada, nomeadamente Acórdão de 11 de dezembro de 2014; acórdão de 21 de fevereiro de 2013, Esge/IHMI — De’Longhi Contra-alegações de Recurso Tribunal da Relação de Lisboa Benelux (KMIX), T-444/10, EU:T:2013:89, n.os 36 e 37 e jurisprudência aí referida; v. igualmente, neste sentido, acórdãos La Española, EU:T:2007:264, e BRILLO’S, , EU:T:2008:545].
t)-Neste sector a comunicação meramente verbal caiu no desuso e a massiva maioria dos consumidores acabará por recorrer à internet (o próprio site do hotel ou, websites como booking.com; Trivago, Tripadvisor etc onde também consta a informação das refeições servidas nos hotéis) ou a um folheto, visualizando assim a marca antes de optar por efectuar uma reserva (Inclusive esta vertente foi alvo de um estudo académico da Universidade do Algarve intitulado “Visual attention to the main image of a hotel website based on its position, type of navigation and belonging to Millennial generation: An eye tracking study” (cfr. documento n.º 40 que foi junto com a resposta ao recurso).
u)-Para mais, a coexistência anterior e actual entre as marcas da Apelante e Apelada, quer a nível registal quer a nível de mercado é relevante, assim como a (comprovada) tolerância (tudo reconhecido no processo n.º 48/18.9YHLSB – ponto 18 da matéria de facto e documentos ali reproduzidos) pois não se poderá desassociar a marca da sua vertente comercial nem se poderá desassociar a ratio da norma ínsita no art. 238.º do CPI à finalidade de evitar a confusão do consumidor, e, no fundo, à protecção do público.
v)-A sentença aqui em crise não poderia deixar de considerar relevante tal aspecto, e em particular o facto da sociedade que detém a Apelada “explora(r) um hotel denominado “Rocamar”, desde 1988 na ilha da Madeira, amplamente divulgado no panorama turístico mediante brochuras de viagens, publicidade e artigos de imprensa, associados à ilha da Madeira, sendo que, pelo menos desde 2010, que a Recorrente sabe da existência do uso da aludida expressão nos sobreditos termos” mediante a reclamação deduzida “no processo de registo da marca nacional n.º 467780 pedido pela Recorrente em 08/06/2010.”
w)-Por outro lado, também relevou, e bem, pois o juízo de Contra-alegações de Recurso Tribunal da Relação de Lisboa confundibilidade não se poderá cingir a critérios meramente técnicos e matemáticos ou dogmas que não se quedam perante evidências do próprio mercado onde se inserem, que era, e é, relevante o facto das marcas designarem empreendimentos distintos em localidades geograficamente distantes e de características específicas como tem sido o entendimento jurisprudencial.
x)-Com o devido respeito, não se poderá defender uma visão tão condescendente do consumidor, como se de um ignóbil ignorante se tratasse ao ponto de não distinguir o turismo a realizar na região do Algarve, mais concretamente nas praias de Albufeira, com o seu tipo de público específico, ou na região da Ilha Madeira, também caracterizada por um tipo de turismo e tipo de público específico, ainda mais perante claras discrepâncias nos conjuntos sinaléticos da Apelante e Apelada, devidamente considerados na sentença a quo que considerou, e bem, relevante o próprio historial da implementação do hotel, nos anos 80, do grupo madeirense na região da Ilha da Madeira.
y)-Não será de aceitar que se chegue ao cúmulo e à contradição de, não obstante todos os registos identificados no ponto 11 da matéria de facto, que pertencem ao grupo, e os Acórdãos do TRL e STJ supracitados (pontos 18 e 19 da matéria de facto e documentos 35 a 38), simplesmente se altere a decisão de concessão da marca n.º 688488 
z)-Por fim, refira-se ainda que de acordo com a teoria da distância, o titular de uma marca não poderá exigir que a marca tenha maior distância distintiva em relação à sua do que a distância que ele mesmo estabelece relativamente a outras (vd. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-05-2012, proferido no âmbito do Processo n.º 885/05.4TYLSB.L1-7 – artigo 76 das alegações) e neste caso essas outras marcas são marcas da sociedade que detém a Apelada/Recorrida, vigentes e de plena e intensa utilização como resultou dos autos.
aa)-Face a todo o exposto, não poderá existir susceptibilidade de confusão, e muito menos confusão fácil como exige a lei, não sendo as marcas em causa confundíveis aos olhos do consumidor médio dos serviços em causa, nem ocorrendo um risco de associação.
bb)-Para mais, não resultam quaisquer indícios de condutas desleais, quer intencionais quer não, por parte da Apelada perante a Apelante, e mesmo tendo em consideração o elemento em comum entre as marcas em análise, estamos perante sinais e concorrência balizada dentro dos parâmetros socialmente aceites e tolerados nas práticas comerciais, uma vez que as marcas em causa são insusceptíveis de induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão ou acarretarem um risco de associação com as marcas prioritárias, não se enquadrando a situação em apreço na previsão do artigo 232.º n.º 1 al. h) e 311.º do CPI.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
II.–Questões a decidir
Nos termos dos artigos 635.º, nº4 e 639.º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (artigo 5.º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Assim, sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, a única questão a decidir é se a sentença incorreu em erro de julgamento e se a marca nacional n.º 688488
constitui imitação dos sinais de que cujo registo a Recorrente é titular e/ou se o seu registo possibilita a prática de actos de concorrência desleal.
*
III.–Fundamentação
III.1.–Os factos
A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1.–A Recorrida deduziu pedido de registo em 30/06/2022 da marca nacional n.º 688488
para assinalar produtos/serviços da classe 43: hotéis; serviços de hotel, restauração, café e bar, o que foi concedido em 19/02/2022.
2.–Por não se conformar com essa decisão, a Recorrente requereu, ao abrigo do artigo 22.º do CPI, a modificação da decisão de concessão do referido registo.
3.–Por despacho do INPI de 29/06/2023 foi decidido indeferir o pedido de modificação de decisão de concessão do registo da marca nacional n.º 688488.
4.–A Recorrente é titular do logótipo n.º 47707
, requerido em 20-06-1974 e concedido em 03-05-1989.
5.–A Recorrente é titular da marca nacional n.º 467780 ROCAMAR HOTELS & RESORTS, requerida em 08-06-2010 e concedida em 20-09-2012, destinando-se a assinalar, na classe 43, serviços de restauração (alimentação); alojamento temporário.
6.–A Recorrente é titular da marca da União Europeia n.º 018102700 ROCAMAR, concedida em 24/06/2021, para assinalar serviços hoteleiros, serviços de restauração (alimentos e bebidas), serviços de alojamento temporário da classe 43.
7.–Correu termos no então 1.º Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual o processo n.º 353/17.1YHLSB, tendo sido proferida decisão transitada em julgado que onde se revogou o despacho do INPI que concedera a Roca, Madeira e Mar - Empreendimentos Turísticos Lda o registo da marca nacional nº 552510, “ROCAMAR LIDO RESORTS”, cfr. documentos n.º 13 e 14 juntos com o recurso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
8.–Correu termos no EUIPO o processo de anulação n.º 19 968 C, tendo sido proferida decisão onde se declarou a nulidade da marca da UE n.º 16 743 916 ROCAMAR LIDO RESORTS, cfr. documento n.º 16 junto com o recurso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
9.–A Recorrida é uma sociedade anónima constituída em 2019, com o capital social de € 200 000,00 (cfr. documento A junto com a resposta ao recurso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), detendo a Roca, Madeira e Mar - Empreendimentos Turísticos, Lda. uma quota de €74.000,00 e sendo o seu administrador único (…). 10. A Roca, Madeira e Mar – Empreendimentos Turísticos, Lda. é uma sociedade por quotas constituída em 1985 (cfr. documento 7 junto com a resposta ao recurso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), com o seguinte objecto social: exploração de hotéis, restaurantes, bares, esplanadas, direito real de habitação periódica e serviços conexos de turismo.
11.– A Roca, Madeira e Mar – Empreendimentos Turísticos, Lda é titular:
- Do logótipo n.º 17187 “ROCAMAR”, requerido em 17/01/1986 e concedido em 01/06/1989.
- Do Logótipo n.º 12612
requerido em 30/05/2008 e concedido em 26/08/2008;
- Da marca nacional n.º 339599 “ROCAMAR”, requerido em 08/09/1999 e concedido em 08/08/2000, para assinalar serviços de criação e manutenção de páginas para a internet, na classe 42;
- Marca Nacional n.º 610638
requerida a 12/09/2018 e concedida a 23/01/2019, para assinalar serviços de: hotéis; serviços de hotel, restauração, café e bar, na classe 43;
- Marca Nacional n.º 610639
requerida a 12/09/2018 e concedida a 10/02/2022, para assinalar serviços de: hotéis; serviços de hotel, restauração, café e bar, na classe 43;
- Marca Nacional n.º 626980
requerida a 10/07/2019 e concedida a 19/05/2022, serviços de: hotéis; serviços de hotel, restauração, café e bar, na classe 43.
12.–O primeiro Hotel Rocamar é um hotel de 4 estrelas, localizado numa ravina, construído à beira de uma rocha junto ao mar, na cidade do Caniço, na ilha da Madeira, referenciado no website institucional do sector do turismo na Madeira.
13.–O hotel com o nome “ROCAMAR” foi inaugurado oficialmente em Maio de 1988 pelo então Presidente do Governo Regional AJJ e foi objecto de declaração de utilidade turística pela Secretaria Regional do Turismo e da Cultura da Região Autónoma da Madeira em 23/12/1988, publicado no JORAM a 30/12/1988.
14.–Da inauguração em 1988 pelo Presidente do Governo Regional do hotel “ROCAMAR”, resultou uma placa em bronze como um autêntico marco daquela data, cfr. documento 9 junto com a resposta ao recurso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
15.–A Secretaria Regional do Turismo e Cultura emitiu em 23 de Dezembro de 1988, um despacho de utilidade turística ao hotel “Roca Mar”, cfr. documento 10 junto com a resposta ao recurso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
16.–O uso da palavra “ROCAMAR” para distinguir o Hotel tem sido efectuado ao longo dos anos, nomeadamente em brochuras de viagens (cfr. documentos 15 a 20 juntos com a resposta ao recurso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), artigos de imprensa (cfr. documento 21 a 28 juntos com a resposta ao recurso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), publicidade e prémios (cfr. documentos 29 a 30 junto com a resposta ao recurso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.).
17.–No âmbito do processo de registo da marca nacional n.º 467780 a favor da Recorrente, pedido em 08/06/2010, a Roca, Madeira e Mar -Empreendimentos Turísticos Lda deduziu reclamação em 30/07/2010 com fundamento na existência de direitos prioritários decorrentes dos logótipos n.º 12612 e 17187, cfr. documentos 32 e 33 juntos com a resposta ao recurso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
18.–Correu termos no então 1.º Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual o processo n.º 48/18.9YHLSB, instaurado pela ora Recorrente contra a ora Recorrida, peticionando a anulação do logótipo n.º 12162 “Rocamar Mar Hotel”, a qual foi julgada improcedente, cfr. documentos 34 a 36 juntos com a resposta ao recurso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
19.–Correu termos no então 1.º Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual o recurso de propriedade industrial sob o n.º 154/20.0YHLSB, cfr. documentos 37 a 39 junto com o recurso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, tendo sido proferida decisão onde se revogou o despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que não concedeu o registo da marca nacional n.º 610639, concedendo-se, consequentemente, protecção jurídica à marca n.º 610639
da ora Recorrida.
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III.2.– Do mérito do recurso
2.1.– matéria de facto
Nos termos do disposto no art. 662.º, n.º1 do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Compulsados os documentos referidos nos pontos 14 e 16, impõe-se corrigir os factos considerados provados naqueles e nos pontos 12 e 13 da matéria de facto provada.
Com efeito, o hotel referido nos pontos 12, 13, 14 e 16 não é designado de “Rocamar” e sim de “Roca Mar”, como decorre dos referidos documentos - reproduzindo-se, a título de exemplo:














Também o ponto 18 da matéria de facto contém o que se afigura ser um lapso de escrita no que respeita ao número do logótipo e uma incorrecão no que respeita à sua composição, como decorre da análise dos documentos n.º 34 a 36 juntos aos autos, que importa corrigir e alterar. Com efeito, o logótipo cuja anulação foi pedida é um sinal misto e não contém os elementos nominativos ROCAMAR MAR HOTEL e sim, apenas ROCA MAR HOTEL.
Assim, ao abrigo do disposto no referido art. 662.º, n.º1 do Código de Processo Civil altera-se a matéria de facto nos seguintes termos:
12.–O primeiro “Hotel Roca Mar” é um hotel de 4 estrelas, localizado numa ravina, construído à beira de uma rocha junto ao mar, na cidade do Caniço, na ilha da Madeira, referenciado no website institucional do sector do turismo na Madeira.
13.–O hotel com o nome “Roca Mar” foi inaugurado oficialmente em Maio de 1988 pelo então Presidente do Governo Regional AJJ e foi objecto de declaração de utilidade turística pela Secretaria Regional do Turismo e da Cultura da Região Autónoma da Madeira em 23/12/1988, publicado no JORAM a 30/12/1988.
14.–Da inauguração em 1988 pelo Presidente do Governo Regional do hotel “Roca Mar”, resultou uma placa em bronze como um autêntico marco daquela data, cfr. documento 9 junto com a resposta ao recurso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
15.–A Secretaria Regional do Turismo e Cultura emitiu em 23 de Dezembro de 1988, um despacho de utilidade turística ao hotel “Roca Mar”, cfr. documento 10 junto com a resposta ao recurso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
16.–O uso do sinal “Roca Mar” para distinguir o Hotel tem sido efectuado ao longo dos anos, nomeadamente em brochuras de viagens (cfr. documentos 15 a 20 juntos com a resposta ao recurso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), artigos de imprensa (cfr. documento 21 a 28 juntos com a resposta ao recurso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), publicidade e prémios (cfr. documentos 29 a 30 junto com a resposta ao recurso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.).
18.–Correu termos no então 1.º Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual o processo n.º 48/18.9YHLSB, instaurado pela ora Recorrente contra a ora Recorrida, peticionando a anulação do logótipo n.º 12612
a qual foi julgada improcedente, cfr. documentos 34 a 36 juntos com a resposta ao recurso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
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2.2.–erro de julgamento
Nos termos do art. 232.º, n.º1 do Código da Propriedade Industrial constitui fundamento do registo da marca:
b)-A reprodução de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços afins ou a imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada;
c)-A reprodução de logótipo anteriormente registado por outrem para distinguir uma entidade cuja atividade seja idêntica aos produtos ou serviços a que a marca se destina;
d)-A reprodução de logótipo anteriormente registado por outrem para distinguir uma entidade cuja atividade seja afim aos produtos ou serviços a que a marca se destina ou a imitação, no todo ou em parte, de logótipo anteriormente registado por outrem para distinguir uma entidade cuja atividade seja idêntica ou afim aos produtos ou serviços a que a marca se destina, se for suscetível de induzir o consumidor em erro ou confusão.
Quanto ao conceito de imitação ou usurpação, dispõe o art. 238.º, n.º1 do CPI que a marca registada se considera imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:
a)- A marca registada tiver prioridade;
b)- Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c)- Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
Da matéria de facto resulta evidente a prioridade do registo do logótipo
e das marcas nacional n.º 467780 ROCAMAR HOTELS & RESORTS e da União Europeia n.º 018102700 ROCAMAR tituladas pela Recorrente, bem como a semelhança ou afinidade dos serviços comercializados pela Recorrente e os assinalados pelas suas marcas e aqueles que a marca registanda
se destina a assinalar.
Em todos estes sinais o elemento mais distintivo é o nominativo ROCAMAR, único, aliás, que compõe a marca da EU da Recorrente. HOTELS & RESORTS são meras referências ao tipo de estabelecimento distinguido e o elemento figurativo abstracto do logótipo, não tem um significado perceptível. Tal como na marca registanda, LIDO RESORT, MADEIRA ISLAND e **** são referências comuns ao tipo, localização e categoria do estabelecimento assinalado (LIDO RESORT faz ainda parte da denominação social da Recorrida Royal Lido Resort, SA).
Não restam dúvidas de que a marca registanda reproduz o elemento ROCAMAR que constitui desde logo a marca da EU titulada pela Recorrente, mas que é também o elemento mais distintivo do seu logótipo e marca nacional.
Realça-se o decidido em 27.06.2019 pela Divisão de anulação do EUIPO, que concluiu pela anulação da marca da UE n.º 16743916 ROCAMAR LIDO RESORTS, titularidade da sociedade Roca, Madeira e Mar – Empreendimentos Turísticos, Lda, face ao registo prioritário das marcas n.º 467780 ROCAMAR HOTELS & RESORTS, n.º 495353
, assinalando serviços semelhantes e/ou afins, e logótipo
titularidade da Recorrente:
Os serviços assinalados dirigem-se ao público em geral e o grau de atenção considera-se médio.
O elemento LIDO será entendido pelo público relevante com o significado de um tipo de praia e RESORTS com o da palavra da língua inglesa resorts (sendo de uso comum no sector da prestação de serviços hoteleiros e de comidas/bebidas), em suma, lugares onde as pessoas passam as suas férias. Tanto LIDO como RESORTS fazem referência a um local onde o estabelecimento que presta os serviços pode estar localizado, pelo que tem uma distintividade limitada. O elemento ROCAMAR, presente em ambos os sinais, será visto pelo público relevante como um termo de fantasia, sem um significado particular, com um grau de distintividade médio, sendo em todo o caso o mais distintivo do sinal cuja anulação foi pedida.
Conceptualmente não são similares (embora o público perceba o significado dos elementos LIDO e RESORTS, o sinal ROCAMAR não tem um significado particular). Visualmente, coincidem no elemento ROCAMAR e diferem no elemento figurativo e nos restantes elementos LIDO e RESORTS.
Os consumidores tendem a centrar-se no primeiro elemento do sinal quando se deparam com uma marca. O que se deve ao facto de lerem da esquerda para a direita, e faz com que seja a parte situada à esquerda (parte inicial) o que primeiro atrai a atenção do leitor. Visualmente, conclui-se que têm um grau de similitude médio.
Foneticamente, a pronúncia coincide no som do elemento ROCAMAR, e difere no dos elementos LIDO RESORTS, concluindo-se que têm uma similitude fonética acima da média.
No caso dos autos trata-se de um sinal misto, a que à marca nominativa anulada pelo EUIPO - tendo também o Tribunal da Propriedade Intelectual revogado o despacho do INPI que concedera a Roca, Madeira e Mar - Empreendimentos Turísticos Lda o registo da marca nacional nº 552510 ROCAMAR LIDO RESORTS (cfr. facto provado 7) - se acrescentaram os elementos MADEIRA ISLANDS, os elementos figurativos
e **** e o desenho das letras e arranjo gráfico do sinal. Não deixará, no entanto, de ser entendido e memorizado como um lido resort de quatro estrelas ROCAMAR localizado na ilha da Madeira.
Remetendo o consumidor para a ideia de rocha (do latim rocca; tradução do espanhol roca, razoávelmente conhecido pelo público português - em língua portuguesa uma roca é um instrumento mecânico de fiar) e mar, ROCAMAR será visto como uma expressão de fantasia, um vocábulo que resulta da aglutinação de duas palavras e que remete sensorialmente para uma ideia, mas que não existe na língua portuguesa.
Não desconhecendo o afirmado no acórdão de 10.02.2022 desta Secção, proferido no processo n.º 154/20.0YHLSB.L1 – em que estava em causa o registo da marca nacional nº 610639
titulado pela sociedade Roca, Madeira e Mar-Empreendimentos Turísticos, Lda - não vemos que MAR seja o elemento que mais se destaca em ROCAMAR, seja gráfica, fonetica ou conceptualmente. O facto de a ideia de mar e rochas para que remete ser vulgarmente usada para distinguir estabelecimentos hoteleiros em países com fronteira com o oceano, não retira ao vocábulo ROCAMAR uma distintividade intrínseca acima da média, como aliás foi decidido pelo EUIPO na já referida decisão de 27.06.2019 da Divisão de anulação.
Não procede o argumento que consta da sentença e que a Recorrida subscreve nas suas contra-alegações, de que “estão em causa hotéis que se situam em zonas geográficas e reconhecidamente turísticas distantes e distintas entre si, não sendo verosímil que o consumidor médio comum não distinga entre o turismo a realizar na região do Algarve ou na região da Madeira”. Com efeito, nada impede a Recorrente de usar as suas marcas – protegidas em todo o território nacional e a marca da EU em todo o território da União Europeia - para distinguir um hotel que venha a abrir na Madeira, caso em que o risco de confusão e a possibilidade de prática de actos de concorrência desleal resultará patente. Ou mesmo de exercer a sua actividade naquela região, usando o seu logótipo
(cujo registo foi requerido em 1974 e concedido em 3.05.1989, sendo prioritário em relação ao logótipo n.º 17187 ROCAMAR titulado pela Roca, Madeira e Mar – Empreendimentos Turísticos, Lda e o primeiro sinal a ser pedido e concedido com o vocábulo ROCAMAR). Acresce, como alegado pela Recorrente, que no âmbito dos serviços de hotelaria e de restauração é comum a existência de grupos hoteleiros com estabelecimentos no Continente e na Madeira.
Pelo recente acórdão desta Secção, proferido no proc. 205/23.6YHLSB.L1, foi julgado improcedente o recurso intentado pela aqui Recorrente da sentença que confirmou o registo das marcas nacionais n.º 611247
e n.º 611248
titulado pela Roca, Madeira e Mar-Empreendimentos Turísticos, Lda, ali se referindo que “A criação de um ligeiro espaço entre «Roca» e «Mar» confere também distintividade ao que é nominativo, acentuando assim a diversidade da impressão globalizante”. Com efeito, no caso destas marcas o elemento nominativo distintivo não é ROCAMAR como na marca registanda, e sim os elementos ROCA (e) MAR, afinal o nome do hotel inaugurado na Madeira em 1988 e que fazem parte da denominação social da titular daquelas marcas.
A marca registanda
aproxima-se das marcas prioritárias da Recorrente ao não conter nem o elemento ROYAL associado ao desenho da coroa, como no caso da marca
, nem o espaço que separa os elementos ROCA e MAR, como no caso das marcas
e
, não sendo os elementos figurativos da marca registanda chamativos o suficiente para dominarem a impressão visual produzida.
A Recorrida invoca o registo das marcas titularidade da Roca, Madeira e Mar-Empreendimentos Turísticos, Lda como “antecedentes” da marca registanda, alegando que esta sociedade faz parte do mesmo grupo e detém a sociedade Recorrida.
Da matéria de facto não resulta demonstrada a existência nem do grupo societário nem da relação de domínio invocadas pela Recorrida. A sociedade Roca, Madeira e Mar-Empreendimentos Turísticos, Lda é uma das (actuais) accionistas da Recorrida, com quem não se confunde e que, cfr. decorre do documento A junto aos autos, não é sequer a maioritária – tem acções representativas de €74.000,00 do seu capital social de €200.000,00, a par de outra sociedade com igual número de acções, existindo ainda outros cinco accionistas, não sendo a Recorrida por ela “detida”, como erradamente a própria afirma e se refere na decisão do INPI, nem é sua “empresa-mãe”, como referido na conclusão c) das suas contra-alegações.
Naturalmente, e para o que no caso releva, sendo actualmente uma das suas maiores accionistas, a Recorrida terá a sua autorização para usar as marcas de que aquela é titular. Sem prejuízo, relativamente à marca nacional n.º 339599 ROCAMAR titulada pela accionista da Recorrida, sublinha-se que é destinada a assinalar serviços de criação e manutenção de páginas para a internet, na classe 42, sem semelhança ou afinidade com os serviços assinalados com as marcas tituladas pela Recorrente ou com a marca registanda; e que, sendo o logótipo um sinal distintivo do comércio que serve para distinguir uma entidade que preste serviços ou comercialize produtos, o logótipo ROCAMAR titulado pela accionista não é adequado a distinguir a sociedade Recorrida.
De tal relação, contudo, não decorre o direito que a Recorrida parece vir invocar, a ver registada uma marca que entende ser uma “directa extensão dos direitos já concedidos ao grupo societário ao qual pertence, utilizados e em vigor e não confundíveis com as marcas da Recorrente” e a “não ver coarctado o direito a ver registada a marca
em prol e benefício do grupo societário do qual faz parte”. O registo de uma marca é constitutivo de direitos e está condicionado à não verificação de qualquer dos fundamentos de recusa previstos no Código da Propriedade Industrial, v.g. no já citado art. 232.º, n.º1.
Relativamente ao alegado pela Recorrida nas conclusões c) e d) das suas contra-alegações, vimos já, a propósito da alteração da matéria de facto, que o sinal usado para distinguir o hotel inaugurado na Madeira em 1988 é ROCA (e) MAR (o que dos documentos resulta que se mantinha, pelo menos, em 2023 - cfr. doc. 11) e não o vocábulo ROCAMAR. Sendo de sublinhar que em 1988 já o registo do logótipo ROCAMAR da Recorrente havia sido pedido (em 1974, vindo a ser concedido em 1989).
Será por ROCAMAR que um hotel assinalado com a marca registanda será identificado, transmitido na oralidade, pesquisado na internet (um “hotel Rocamar”, no caso na ilha da Madeira) – como impressivamente a própria Recorrida alega nas conclusões das suas contra-alegações. Será por ROCAMAR que os seus serviços serão pesquisados na internet, tal como os oferecidos pela Recorrente com as suas marcas ROCAMAR e ROCAMAR HOTELS & RESORTS (hotéis e resorts ROCAMAR), o que suscitará confusão com um ROCAMAR LIDO RESORT, induzindo a crer que se trata de um dos seus RESORTS ROCAMAR, pertencendo ao mesmo “grupo hoteleiro” – como se decidiu no acórdão de 11.07.2018 deste Tribunal da Relação, que confirmou a sentença que revogou o despacho do INPI que havia concedido o registo da marca nacional n.º 552510 ROCAMAR LIDO RESORTS pedido pela Roca, Madeira, Mar - Empreendimentos Turísticos, Lda (doc. n.º14 junto com o requerimento inicial), concluindo que o registo da marca sempre levaria à prática de actos de concorrência desleal, ainda que não intencionais.
Ora, em relação àquela marca nominativa, a marca mista registanda
excluindo a indicação geográfica MADEIRA ISLAND e o uso de RESORT no singular, apenas difere nos elementos figurativos
e ****, o que não é suficiente para afastar a conclusão a que se chegou no referido acórdão de 11.07.2018, em conformidade, de resto,com o decidido pelo EUIPO.
A Recorrida alega a coexistência, quer a nível registal quer no mercado, das suas marcas e das tituladas pela Recorrente. Vimos já que as marcas invocadas não são tituladas pela Recorrida e sim por uma sua accionista, e que as marcas ROCAMAR tituladas pela Recorrente e assinalando serviços de alojamento/hotéis/restauração são prioritárias.
Quanto à coexistência no mercado, o que resulta da matéria de facto é uma grande litigiosidade entre as titulares dos registos, e nenhuma demonstração de que a referida coexistência se baseie na ausência de risco de confusão por parte do público interessado. No mesmo sentido decidiu a Divisão de anulação do EUIPO, na decisão já citada, referindo a propósito o acórdão do TGUE de11/05/2005,- 31/03, Grupo Sada, EU:T:2005:169, § 86 (“É certo que não se pode excluir inteiramente que, em determinados casos, a coexistência de marcas anteriores no mercado possa, eventualmente, diminuir o risco de confusão entre duas marcas em conflito constatado pelas instâncias do IHMI. Todavia, essa eventualidade só pode ser tomada em consideração quando, no mínimo, no decurso do processo respeitante aos motivos relativos de recusa no IHMI, o requerente da marca comunitária tiver demonstrado devidamente que a referida coexistência assentava na inexistência de risco de confusão, no espírito do público pertinente, entre as marcas anteriores que invoca e a marca anterior da interveniente em que se baseia a oposição e sob reserva de que as marcas anteriores em causa e as marcas em conflito sejam idênticas.)
Como também referiu o EUIPO, deve resultar demonstrado que as marcas coexistem no mercado, o que poderia indicar que os consumidores estão habituados a ver as marcas sem as confundir. Só em condições excepcionais devem ser consideradas provas da coexistência de outras marcas como um indício de “diluição” do carácter distintivo da marca registanda que poderia ser contrário a uma presunção de risco de confusão.
Quanto à invocação pela Recorrida da teoria da distância em relação às marcas “da sociedade que detém a Apelada/Recorrida, vigentes e de plena e intensa utilização”, também não pode proceder.
Como referimos já, a Recorrida não é detida pela sociedade titular dos registos do logótipo e marcas que constam da matéria de facto, que é só, actualmente, uma das suas accionistas, sendo que é o registo que é constitutivo e é ao seu titular que o direito de propriedade e do exclusivo são conferidos pelo registo; o logótipo distingue apenas a sociedade Roca, Madeira, Mar – Empreendimentos Turísticos, Lda e não é prioritário em relação ao logótipo
titulado pela Recorrente; a primeira marca contendo ROCAMAR, titulada pela accionista da Recorrida não assinala serviços semelhantes ou afins dos das marcas tituladas pela Recorrente; e os restantes sinais que compõem as marcas tituladas pela Roca, Madeira, Mar - Empreendimentos Turísticos, Lda não são compostos, pelo menos em exclusivo, ou de forma predominantemente distintiva, por ROCAMAR; por último, mas essencial, o que está aqui em causa - despoletado pelo pedido de modificação da decisão do INPI de conceder o registo da marca à Recorrida – é apreciar se se verificam ou não fundamentos de recusa do registo de uma marca previstos no Código da Propriedade Industrial.
Também não procede o argumento de que “pelo menos desde 2010, que a Recorrente sabe da existência do uso da aludida expressão nos sobreditos termos pela Recorrida, mediante a reclamação deduzida por esta no processo de registo da marca nacional n.º 467780 pedido pela Recorrente em 08/06/2010, sendo, ela própria também titular da marca nacional n.º 339599 “ROCAMAR”, concedida em 08/08/2000 (tudo sem prejuízo de ter sido declarada a nulidade da marca da UE n.º 16 743 916.)”
Da matéria de facto não resulta demonstrado o invocado uso da expressão ROCAMAR pela Recorrida, nomeadamente que esta seja titular do registo de alguma marca ou sinal distintivo do comércio que contenha aquela expressão. Como também não resulta demonstrada a propriedade do hotel Roca Mar inaugurado em 1988 no Caniço, na ilha da Madeira (constando do doc. n.º10 reproduzido em sede de apreciação da matéria de facto que, em 1988, se tratava da sociedade Reis & Gois, Lda) desconhecendo-se, portanto, se será actualmente a Recorrente ou mesmo a sua accionista.
A preclusão por tolerância está prevista no art. 261.º do CPI para o direito a requerer a anulação do registo da marca posterior, ou a opor-se ao seu uso, em relação aos produtos ou serviços nos quais a marca posterior tenha sido usada, salvo se o registo da marca posterior tiver sido efectuado de má-fé. O que não é o que está em causa nestes autos e sim, antes, o próprio registo da marca.
Pelo que, em conclusão, o presente recurso deve ser julgado procedente.
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IV.–Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar o recurso procedente e, revogando a sentença recorrida, negar protecção à marca nacional n.º 688488
titularidade da Royal Lido Resort, SA.
Custas pela Recorrida (art. 527.º do CPC).
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Lisboa, 3.07.2024
Eleonora Viegas - (Relatora)
Alexandre Au-Yong Oliveira - (1º Adjunto)
Armando Cordeiro - (2º Adjunto)