Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | EURICO REIS | ||
| Descritores: | DEPOIMENTO DE PARTE GERENTE GRAVAÇÃO DA PROVA NULIDADE | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 09/15/2009 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVOS E APELAÇÃO | ||
| Decisão: | AGRAVOS PROVIDOS E APELAÇÃO PREJUDICADA A APRECIAÇÃO | ||
| Sumário: | 1. Deve ser admitido o depoimento de parte do sócio gerente de uma sociedade à matéria inscrita em números da base instrutória nos quais se pergunta se essa sociedade Autora negociou com uma pessoa singular enquanto tal ou enquanto legal representante de uma outra empresa. 2. A irregularidade consubstanciada na não gravação ou na deficiência da gravação dos depoimentos prestados em audiência assume uma relevância ética e jurídica não comparável com as reguladas através do art.º 201º do CPC e, por isso, tal como estatuído no art.º 9º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, pode ser suscitada a todo o tempo, enquanto puder influenciar o exame e a decisão da causa. 3. O registo fidedigno da prova testemunhal produzida na audiência de discussão e julgamento é um suporte indispensável do direito a um efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto, o qual, por sua vez, é um elemento fundamental do direito a um julgamento leal e equitativo que a todos é garantido pelo n.º 4 do art.º 20º da Constituição da República, pelo n.º 1 do art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada em Roma em 4 de Novembro de 1950 (e ratificada por Portugal através da Lei n.º 65/78 de 13 de Outubro), e pelo art.º 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembleia-Geral da ONU a 10 de Dezembro de 1948. (Sumário do Relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa: 1. “A, LDA” intentou contra B os presentes autos de acção declarativa com processo comum e forma ordinária que, sob o n.º 3270/04.1TVLSB, foram tramitados pela 3ª secção da 11ª Vara Cível do Tribunal da comarca de Lisboa e nos quais, no que releva para a presente instância de recurso, foram, sucessivamente, proferidas as seguintes decisões, a segunda das quais a sentença que julgou de mérito quanto ao pedido formulado pela Autora contra o Réu: a) a de fls 420: “… Depoimento de parte: Não admito o depoimento de parte do sócio-gerente da autora à matéria dos quesitos 49º a 51º da base instrutória, por esta respeitar a factos favoráveis à autora e logo insusceptíveis de prova por confissão – artigos 552º nº 2, 553º nº 1 e 554º nº 1 do Código de Processo Civil e artigo 352º do Código Civil. ...”; b) a de fls 627 a 638, cujo decreto judiciário é o seguinte: “… Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, condena-se o réu a pagar à autora a quantia correspondente aos juros remuneratórios e imposto de selo respectivo, pagos pela autora à instituição bancária durante um período que se fixa em dois anos, bem como a quantia que, em liquidação de execução de sentença, se venha a apurar tenha sido efectivamente paga pela autora ao réu por conta da elaboração do projecto em causa nos autos. Custas pela autora e pelo réu na proporção de, respectivamente, 2/10 e 8/10. …”; c) a de fls 768 a 770, cujo decreto judiciário é o seguinte: “Req. fls 697/700/704 Nos presentes autos, veio o réu/recorrente, através de requerimento de 07.11.2008 (cfr fls 697), arguir nulidade processual, pedindo seja ordenado, em consequência, a repetição do julgamento na parte correspondente aos depoimentos que não foram devidamente registados a fim de ser proferida decisão de facto e sentença como for de direito. … Por isso, tem de se considerar que a nulidade em causa não foi arguida tempestivamente e, por conseguinte, deve ter-se por sanada. Pelo exposto, indefere-se a arguida nulidade. Custas do incidente pelo réu/recorrente, fixando-se em 2 (duas) Uc’s a taxa de justiça. Notifique.”. Inconformado, o Réu B deduziu recursos contra todas essas decisões, o primeiro e o terceiro recebidos como agravo e o segundo como apelação, pedindo que as mesmas sejam revogadas e substituídas por outras que determinem, respectivamente, que: i) quanto ao despacho de fls 420, se “...(admita) o requerido depoimento do sócio-gerente da R.” (fls 465 verso), formulando, para tanto, as 3 conclusões que se encontram a fls 465 verso e nas quais, em síntese, invoca que: “A) Alegando o R não ser parte na relação material controvertida decorrente de um suposto incumprimento contratual por a A não ter contratado consigo mas com um terceiro, é esse facto – a celebração de contrato com o terceiro – a provar-se, desfavorável à A; …” (sic); ii) quanto à sentença de fls 627 a 638, “(seja repetido) o julgamento na parte não gravada… (e) ordenada a ampliação da matéria de facto, para que seja a final proferida uma sentença recta e justa” (fls 749 e 763), formulando, para tanto, as 14 conclusões que se estendem por fls 763 a 766 e nas quais, em síntese e para além de alegar que devem ter-se por confessados os factos enunciados no documento de fls 92 (conclusão V) e que os factos declarados, mesmo que inalterados, não são suficientes para decretar a sua condenação (conclusões VI a XIV), invoca que: “I.… os depoimentos prestados na segunda sessão de julgamento, ocorrida em 28 de Janeiro de 2008… por si mesmos e conjugados com a experiência comum, imporiam a decisão de “não provado” às alíneas E) e F) da factualidade tida por assente (se fossem quesitos) – e a resposta de provado aos quesitos 13º, 34º, 43º, 47º, 48º, 49º e 50º; III. Sucede, porém, que esses depoimentos não ficaram gravados, falta essa que influi decisivamente na decisão da causa por viciar o julgamento da matéria de facto e, consequentemente, os actos seguintes, causando o efeito de uma nulidade processual: o de anulação e repetição do acto viciado e dos actos posteriores que dele dependam…; IV. As alíneas E e F da factualidade assente, porque controvertidas, deverão transitar para a base instrutória, na qual se deveriam também questionar as… afirmações da contestação …(descritas a fls 763 verso a 764 verso); ...” (sic). ii) quanto à decisão de 768 a 770, se proceda à “...repetição da prova, como expressamente requerido pelo recorrente” (fls 830), formulando, para tanto, as 12 conclusões que se estendem por fls 827 a 830 e nas quais, em síntese, invoca que: “A) A falta de gravação ou a sua deficiência, porque influi decisivamente na decisão da causa, constitui a omissão de um acto prescrito por lei, o que vicia o julgamento da matéria de facto e, consequentemente, os actos seguintes, porquanto se tem de extrair da deficiência da gravação o efeito próprio de uma nulidade processual: o de anulação e repetição do acto viciado e dos actos posteriores que dele dependam. … I) O Art. 9º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, diploma extravagante que regulamentou a documentação da prova produzida em audiência, constitui lei especial, em tudo o que nele se encontrar regulado, face ao CPC, estatui que “se, em algum momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição sempre que tal for essencial ao apuramento da verdade”. … K) Assim, …não foi extemporâneo o requerimento para que se repetisse aquela prova… L) Entendendo de outro modo, por apelo a uma suposta regra implícita gerada por um particular entendimento de normas gerais de processo, afastadas por aquela norma especial, que impõe, e de uma forma explícita, uma solução oposta, violou o douto despacho o referido Art. 9º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro.” (sic). A recorrida “A, LDA” contra-alegou apenas quanto aos dois últimos recursos, pugnando quer pelo não provimento do agravo (fls 857 a 873), quer pela improcedência da apelação, relativamente à qual também suscitou a questão prévia da deserção do recurso por extemporaneidade da apresentação das alegações do recorrente (fls 779 a 807). Relativamente aos agravos, o Mmo Juiz a quo sustentou as decisões recorridas conforme despachos de fls 687 verso e 875. 2. Considerando as conclusões das alegações do recorrente (as quais são aquelas que delimitam o objecto do recurso – n.º 3 do art.º 668º do CPC e artºs 671º a 673º, 677º, 678º e 684º, maxime nºs 3 e 4 deste último normativo, e 661º n.º 1, todos do mesmo Código e com as redacções aplicáveis), mas também a “questão prévia” suscitada pela apelada, as matérias a dirimir nesta instância de recurso são as seguintes, as quais, face ao estatuído nos nºs 1 e 2 do art.º 660º do CPC, serão apreciadas pela ordem pela qual vão enunciadas: - deve ou não ser admitido o depoimento de parte do sócio-gerente da Autora à matéria dos nºs 49º a 51º da base instrutória? - o requerimento de fls 697 foi ou não apresentado em tempo? - o Réu apresentou ou não em tempo as suas alegações respeitantes à apelação? - a falta da gravação dos depoimentos testemunhais prestados na audiência de discussão e julgamento ou a existência de deficiências nessa gravação, constitui ou não nulidade que obriga à repetição da produção da prova afectada por esse vício? - no caso dos autos existem ou não fundamentos que imponham a alteração e ampliação da selecção da matéria de facto realizada a fls 300 a 306? - a matéria de facto declarada provada nos autos permite ou não a condenação do Réu nos termos decretados na sentença de fls 627 a 638? E sendo estas as questões que compete julgar, tal se fará de imediato, por nada obstar a esse conhecimento e por terem sido cumpridas as formalidades legalmente prescritas (artºs 700º a 720º do CPC e também 749º, no que respeita aos agravos, tudo considerando as redacções aplicáveis), tendo sido oportunamente colhidos os Vistos dos Ex.mos Desembargadores Adjuntos. 3. No presente processo foram declarados provados em 1ª instância os factos descritos a fls 629 a 634, sob a epígrafe “”Factos Provados”, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. No que respeita aos agravos, a factualidade relevante encontra-se transcrita no ponto 1 do presente acórdão, cabendo apenas sublinhar que nos nºs 49º a 51º da base instrutória o que se pergunta é o seguinte: “49º - O orçamento cuja cópia é DOC 5 a fls 48, reproduz os termos que foram ajustados entre a empresa “BB, LDA” e a empresa A.? 50º - No dia 8-3-2001, a A. adjudicou o projecto de arquitectura conjunto habitacional e terciário nas Laranjeiras – o dos autos – à “BB, LDA”, conforme DOC 19 a fls 69? 51º - Originando a factura a fls 68?”. 4. Discussão jurídica da causa. 4.1. Deve ou não ser admitido o depoimento de parte do sócio-gerente da Autora à matéria dos nºs 49º a 51º da base instrutória? 4.1.1. Da análise dos autos resulta, de forma muito linear, que a primeira linha de defesa do Réu assenta na sua alegação de que a Autora não negociou com ele mas sim com a sociedade “BB, LDA” de que o mesmo é sócio-gerente. Ora, é a essa questão que respeitam as três alíneas em causa, sendo que só por manifesto lapso terá sido desatendido o requerimento do Réu de que o sócio-gerente da Autora prestasse depoimento de parte quanto aos números 49º a 51º da base instrutória. São, portanto, procedentes as conclusões das alegações de recurso que respeitam ao agravo que aqui se discute – sendo certo que são estas que se aceitam como definidoras do objecto do recurso, devendo, portanto, entender-se que a referência feita a fls 445 apenas aos nºs 49º e 50º se ficou a dever, também, a um mero lapso, este de escrita. 4.1.2. Deste modo e com estes fundamentos, concede-se provimento ao agravo e revoga-se integralmente o despacho lavrado pelo Tribunal de 1ª instância que agora foi sindicado, decretando-se, em sua substituição, que se admite o depoimento de parte do sócio-gerente da Autora à matéria dos nºs 49º a 51º da base instrutória, sendo, consequentemente, anuladas as respostas dadas a fls 599 a 604 ao perguntado nesses números da base instrutória e declarada sem efeito a sentença de fls 627 a 638. O que, sem necessidade de apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta. 4.2. O requerimento de fls 697 foi ou não apresentado em tempo? 4.3. O Réu apresentou ou não em tempo as suas alegações respeitantes à apelação? * 5. Pelo exposto e em conclusão, no presente processado de recurso a correr termos pela 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, pelas razões expostas no ponto 4 supra, delibera-se: |