Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | TERESA SOARES | ||
| Descritores: | CESSÃO DE QUOTA DIREITO DE PREFERÊNCIA EFICÁCIA REAL | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 06/02/2016 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | N | ||
| Texto Parcial: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | -É de atribuir eficácia real ao direito de preferência na cessão de quotas, consignado em contrato social, desde que se possa depreender do pacto que esse seria o alcance pretendido pelos outorgantes. (Sumário elaborado pela Relatório) | ||
| Decisão Texto Parcial: | Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa. I-Relatório: 1.M... Lda. intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra A..., A..., L... e mulher C..., H... e mulher F..., M... e marido P... e J... - SGPS, S.A., pedindo que: 1.-se reconheça o seu direito de preferência na cessão da quota que os 1.º a 5.º Réus detinham no capital social da Autora, realizada por escritura outorgada em 19.12.2002, no 4.° Cartório Notarial de Lisboa, e em consequência, se ordene a substituição da 6.ª Ré pela Autora na posição de cessionária e titular da referida quota, com efeitos retroactivos à data da outorga da referida escritura, mediante pagamento do respectivo preço da cessão no montante de 63.862,00 €; 2.-se ordene o cancelamento de toda e qualquer inscrição da titularidade da referida quota no capital social da Autora a favor da 6.ª Ré J..., SGPS, S.A. junto do Registo Comercial; 3.-Ou, quando assim não se entenda, a condenação dos 1.º a 5.º Réus no pagamento à Autor de uma indemnização do montante de 63.862,00 €, sem prejuízo de outro mais elevado que se venha a apurar em liquidação de sentença, a título de indemnização pelos prejuízos causados à Autora com a violação do direito de preferência na cessão de quota a favor da 6.° Ré J..., SGPS, S.A.. Alega, em síntese, que é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio de artigos religiosos e que os 1.º a 5.º Réus eram seus sócios, co-titulares de uma quota no valor nominal de 4.987,98 € deixada por óbito de J... Por carta datada de 20.12.2002 mas apenas recebida pela Autora 6.1.2003, o 1.º Réu deu conhecimento à Autora que a quota de que os cinco primeiros Réus eram titulares havia sido transferida para a Ré J... - SGPS, S.A. pelo montante de 63.862,00 € e pago em acções do capital social da 6.ª Ré. Alega ainda que nos termos do artigo 4.º do contrato de sociedade da Autora, em caso de cessão de quotas a estranhos, a sociedade tem direito de preferência, o qual goza de natureza real e eficácia erga omnes. Dado que a Ré J..., SGPS, S.A. não é nem nunca foi sócio da Autora, esta goza do direito de preferência na cessão operada. Não tendo os 1,º a 5.º Réus dado à Autora o direito de preferência, tem esta o direito de haver para si a quota alienada, mediante a substituição da Autora na posição da Ré J..., SGPS, S.A.. O exercício do direito de preferência foi deliberado na assembleia geral da Ré de 26.02.2003, tendo a Autora, à data da propositura da acção, reservas livres de montante não inferior a 130.000,00 €. Quanto ao pedido indemnizatório, a Autora alega que é uma sociedade familiar e que a Ré J..., SGPS, S.A. é uma sociedade anónima cujas acções podem a todo o tempo ser transferidas para terceiros e que, por conseguinte, a entrada desta como sócio da Autora traduz-se na possibilidade de um estranho interferir na sua vida societária e na perda do seu direito de controlar e impedir a entrada de terceiros na sociedade. Avalia o prejuízo no valor atribuído pelos Réus à quota cedida, 63.862,00 €. 2.Os Réus contestaram, arguindo a incompetência relativa do Tribunal de Comércio, a ilegitimidade do Réus C..., F... e P..., a falta de depósito do preço e a excepção de caducidade do direito da Autora propor a presente acção. Alegam ainda que a Autora não tinha direito de preferência, porquanto o artigo 4.º do contrato de sociedade não é válido por violar o disposto no artigo 229.º, n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais. Mais alegam não ter existido uma cessão de quota, mas apenas a transferência da quota de uma parte do património dos Réus para outra parte do seu património, dado que a Ré J... é uma sociedade que pertence à sua família. Acrescentam que não receberam qualquer preço pela transferência tendo apenas recebido acções da Ré J..., razão pela qual não é possível o exercício do direito de preferência. Quanto ao pedido indemnizatório negam a ainda existência de quaisquer prejuízos para a Autora. Concluem peticionando a condenação da Autora como litigante de má fé. 3.A Autora replicou, propugnando pela improcedência das excepções e do pedido de condenação como litigante de má fé e pede por sua vez a condenação dos Réus como litigantes de má fé. 4.Foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a excepção de incompetência relativa e relegando para final o conhecimento das restantes excepções. Realizada a audiência de julgamento veio a ser proferida sentença que julgou improcedente a excepção de caducidade e julgou válido o depósito do preço efectuado à ordem dos autos que viram a instância extinta por declaração de incompetência material; mais decidiu pela improcedência da acção, com a seguinte linha argumentativa: -o direito de preferência da Autora tem mera eficácia obrigacional e não real, pelo que não lhe assiste o direito a intentar a acção de preferência a que se referem os artigos 1410.º e 421.º, n.º 2 do Código Civil, substituindo-se à compradora da quota, mas tão só, se for caso disso, o direito de exigir do obrigado à preferência uma indemnização pelos danos causados; -tendo a cessão sido realizada através de um contrato de permuta, inexiste fungibilidade entre as acções dadas em troca pela Ré J... e a quantia pecuniária que a Autora pode dar em troca, pelo que os RR não estavam obrigados a dar preferência à A. no negócio, não havendo assim direito a qualquer indemnização. 5.Desta decisão veio o recorrente interpor o presente recurso para este Tribunal da Relação alegando, com as seguintes conclusões: 1.O presente recurso vem interposto da Sentença proferida nos presentes autos pelo que absolveu os RR., ora Recorridos, do pedido de reconhecimento do direito de preferência da Recorrente na cessão da quota dos 1.º a 5.º RR. na sociedade A., à 6. R. J... SGPS e bem assim, absolveu os 1.º a 5.º RR do pedido subsidiário de condenação dos mesmos em indemnização no valor de € 63.862,00, por violação do referido direito de preferência, especificamente, na parte em que decidiu absolver os RR. (i) por não poder “considerar-se que o pacto de preferência através do qual os sócios da Autora regularam a transmissão de quotas seja dotado de eficácia real” e “não tendo o pacto de preferência eficácia real não é possível à sociedade recorrer à ação de preferência prevista no artigo 1410.º do Código Civil” e (ii) por “no caso vertente, inexiste fungibilidade entre as acções dadas em troca pela Ré J... e a quantia pecuniária que a Autora pode dar em troca. Consequentemente, no caso vertente, os Réus não estavam obrigados a dar preferência à Autora”, e “inexistindo direito de preferência, a Autora não tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos causados decorrentes de não lhe ter sido dada preferência”. 2.-Ora, salvo melhor opinião, ao decidir como decidiu, negando provimento ao pedido do Recorrente e não reconhecendo o direito de lançar mão da ação de preferência, violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 413.º, 421.º, n.º 2, e 1410.º do Código Civil. 3.-No presente recurso estão em confronto duas visões completamente distintas da mesma questão jurídica: por um lado, (1) a visão teimosamente estática e conservadora, defendida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.09.2013, que, agarrando-se a duvidosos requisitos formalistas e conceitos totalmente desadequados da realidade – como o conceito de “permuta” e a impossibilidade de exercício de preferência neste tipo de negócios – abre porta à fraude à lei; por outro lado (2) uma visão dinâmica, moderna e consistente com a realidade e mais recentes teses, nacionais e estrangeiras, sobre a possibilidade de exercício da preferência em contratos de permuta, defendida no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (7.ª Secção), de 18.12.2012, que, afastando requisitos excessivos e adequando conceitos à realidade, fecha a porta à fraude. 4.-No Artigo 4.º do Pacto social da A. os sócios daquela sociedade convencionaram que “É livre a cessão de quotas à sociedade ou a outros sócios, mas a cessão a estranhos dependerá sempre do consentimento da sociedade, à qual caberá direito de preferência em primeiro lugar, passando tal direito, em segundo lugar, para os sócios não cedentes”, tendo o Tribunal a quo considerado validamente concluído por este meio um pacto de preferência nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 414.º, 415.º e 410, n.º 2 do CC. 5.-Não obstante, considerou o Tribunal a quo que o referido pacto era insusceptível de ser oponível a terceiros porquanto não reunia a totalidade dos requisitos exigidos pelo artigo 421.º, n.º 2, do CC, em concreto, dele não constava a menção expressa à atribuição de eficácia real. 6.-A interpretação assim efectuada do disposto no artigo 421.º do CC, é ilegal, na medida em que a remissão efectuada neste preceito para o disposto no artigo 413.º do CC, não diz respeito à totalidade dos requisitos de que a disposição faz depender a atribuição de eficácia real ao contrato-promessa, mas sim, apenas, aos requisitos de forma e de publicidade ali constantes, tal como resulta expressamente do texto da norma. Não sendo assim exigível, para que ao pacto de preferência seja reconhecida eficácia real, qualquer referência expressa a esse efeito no texto do pacto, mas apenas que o mesmo conste de escritura pública e se encontre registado, requisitos que o pacto em análise nos presentes autos, manifestamente, preenche. 7.-Os elementos de forma e de conteúdo do negócio jurídico são realidades distintas e não confundíveis, correspondendo a forma ao modelo como o negócio se apresenta exteriormente por referência a outros negócios e correspondendo o conteúdo da declaração à expressão da vontade das partes. No caso do preceito do artigo 421.º, n.º 2, do CC, exige-se apenas a verificação dos requisitos de forma e publicidade constantes do artigo 413.º, mas já não os relativos ao conteúdo ali enunciados. 8.-Esta conclusão é ainda melhor compreendida se atentarmos na evolução da redação dos preceitos constantes no artigo 421.º n.º 2 e 413.º do CC. Comparando as suas redações atuais, resultantes do DL 379/86 de 11 de Novembro, com a redação original do DL 47 344, de 1966, é forçoso concluir que o requisito da menção expressa, no texto do contrato, foi aditada ao artigo 413.º pelo DL 379/86, não constando da sua versão original. 9.-Diferentemente, na alteração levada a cabo ao artigo 421.º, pelo referido DL 379/86 não resultou aditado qualquer novo requisito à atribuição de eficácia real aos pactos de preferência, nada se exigindo relativamente ao conteúdo da declaração negocial. 10.-É esta interpretação, e não outra, que deve ser retirada da remissão feita no n.º 2 do artigo 421.º para os “requisitos de forma e de publicidade exigidos no artigo 413.º”. 11.-Ainda que assim não se entenda, não resulta igualmente legítimo concluir, como se conclui na Douta Decisão recorrida, que o aditamento ao requisito da “menção expressa” constante do artigo 413.º do CC tenha como resultado a inadmissibilidade de atribuição de eficácia real aos negócios jurídicos previstos no artigo 413.º e 421.º do CC, através de declarações tácitas. Já que, é apanágio da teoria geral do negócio jurídico e decorre do disposto no artigo 217.º, n.º 2, do CC, como aliás o salienta o Prof. Meneses Cordeiro, na obra citada supra, a admissibilidade de declarações tácitas que possam inferir-se das declarações expressas das partes. 12.-Sendo manifesto, no caso em apreço, atenta a sobejamente demonstrado natureza familiar da sociedade A., que foi intenção dos sócios daquela sociedade atribuir eficácia real ao pacto de preferência entre eles celebrado, na medida em que, só assim lhes seria possível garantir, com segurança que ficaria na sua disponibilidade a manutenção da sociedade nas mãos de familiares. 13.-De resto, o Pacto Social da A., data de 1978, data à qual remonta a redação do Artigo 4.º onde se inclui o pacto de preferência objecto dos presentes autos, encontrando-se, então, em vigor o artigo 421.º do Código Civil de 1966, na sua redação original, o qual previa que os pactos de preferência gozariam de eficácia real desde que se encontrassem reunidos os seguintes requisitos: (a) O pacto tivesse sido celebrado com vista a um contrato que tivesse por objecto uma coisa imóvel ou móvel sujeita a registo; (b) O pacto tivesse sido celebrado por escritura pública; e (c) O pacto tivesse sido objecto de inscrição no respectivo registo. 14.-Certo é que, como resultou sobejamente demonstrado nos autos e está reconhecido na Sentença recorrida que todos requisitos acima indicados se encontravam preenchidos no caso em apreço nos autos, razão pela qual e sempre terá que se concluir, a partir do registo do pacto social da A. na Conservatória do Registo Comercial – o que aconteceu através da apresentação 08/790215 -, o Artigo 4.º dos Estatutos da MJH, ora A., a passou a gozar de eficácia real. 15.-E, nem se diga, como o faz a Sentença recorrida, que “Muito embora numa leitura literal do artigo 421.º, n.º 1 na sua redação originária se pudesse considerar como sendo suficiente para a atribuição de eficácia real que a cláusula constasse de escritura pública e fosse registada, entendemos que, dependendo a atribuição de eficácia real da vontade das partes, a mesma teria de resultar do teor da própria cláusula”, porquanto, tal entendimento assenta numa metodologia interpretativa vedada pelo artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil, qual seja a de recorrida ao extrair da previsão dos artigos 421.º e 413.º do Código Civil, na sua redação original de 1966, um requisito – a necessidade de declaração expressa da atribuição de eficácia real – que não tinha, aquando do registo do Pacto Social da A., em 1979, qualquer correspondência na letra daquelas normas. 16.-Também não se use o argumento – como faz a Sentença recorrida – do texto do preâmbulo do DL379/86, para sustentar que a exigibilidade de uma declaração expressa já era pacificamente aceite anteriormente à entrada em vigor daquele diploma., uma vez que a expressão “passa a ser inequívoco”, utilizada no preâmbulo do DL 379/86, significa que, em 1986 era duvidoso que a lei já exigisse a declaração expressão da atribuição de eficácia real. E se era duvidoso era porque na doutrina e na jurisprudência havia quem pugnasse – tal como a aqui A., ora Recorrente -, que os artigos 413.º e 421.º do Código Civil, na sua redação original, não exigiam tal requisito. E, com certeza tais “dissidentes” não eram em número reduzido, caso contrário não se justificaria uma intervenção legislativa, como a que veio a ocorrer através do DL 379/86. 17.-Por esta ordem de razões, deveria a Douta Sentença recorrida ter concluído que o pacto de preferência constante do Artigo 4.º do pacto social da A. é dotado de eficácia real e que, consequentemente, à Recorrente haveria que ser reconhecida a legitimidade para lançar mão do Ação de Preferência, com vista ao exercício legal do seu direito potestativo de preferir na cessão da quota da sociedade levada a cabo pelos 1.º a 5.º RR. para a 6.ª R., J... SGPS. 18.-Não o fazendo, violou o disposto nos artigos 413.º, 421.º, n.º 2 e 1410.º do Código Civil. 19.-A Douta Sentença Apelada violou, igualmente, o disposto no artigo 413.º, 421.º e 1410.º do CC, ao decidir pelo indeferimento do pedido subsidiário de condenação dos RR. em indemnização no montante de € 63.862,00, pela celebração do negócio intitulado ”Aumento de Capital e Alteração do Contrato Social” em violação do direito de preferência da A., tendo nesta sede violado, igualmente, o disposto no artigo 228.º do CSC. 20.-Isto, na medida em que tal decisão tem por base o entendimento segundo o qual inexiste fungibilidade entre as ações dadas em troca pela 6.ª R. e a quantia pecuniária que a A. poderia dar em troca. 21.-Perplexamente, contrariamente ao que seria de esperar, a Sentença recorrida não faz qualquer análise a fungibilidade ou não entre as ações dadas pela 6.ª R. e a quantia pecuniária que a A. poderia dar em troca. 22.-Pelo contrário, a Sentença recorrida “agarra-se” ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.09.2013, anteriormente citado, proferido no processo que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa sob o n.º 388/04.4TYLSB – que “a lei restringe o direito de preferência à venda” -, para concluir, sem mais, que inexiste fungibilidade entre as ações dadas pela 6.ª R. e a quantia pecuniária que a A. poderia dar em troca. 23.-Ora, ao contrário do que, sem qualquer explicação adicional, se pugna na Sentença recorrida, existe completa fungibilidade entre as ações dadas em troca pela 6.ª R. e a quantia pecuniária que a A. poderia dar em troca. 24.-Com efeito, como contrapartida da transferência da quota da A., os 1.º a 5.º RR receberam, na realidade, da 6.ª R., J... SGPS a quantia de € 63.862,00, embora sob a forma de títulos transacionáveis de ações daquela sociedade, com o valor nominal de € 1,00/cada. 25.-Ora, o pagamento do preço, realizado por meio de entrega dos referidos títulos transacionáveis, em nada diverge da realização da prestação através de outros meios de pagamento, como sejam, o cheque ou qualquer título de crédito como a letra, ou a livrança. 26.-De resto, o efeito pretendido pelos RR. com a celebração do negócio de ”Aumento de Capital e Alteração do Contrato Social” - o de fazer ingressar no capital social da J... SGPS a quantia de € 63.862,00, aumentando o capital social nesse mesmo montante - é igualmente alcançável através do exercício da preferência pelo ora Recorrente. 27.-Adicionalmente, é indiferente aos 1.º e 5.º RR, do ponto de vista da sua qualidade de acionistas da 6ª R. J... SGPS e do conjunto de direitos e deveres adstritos a essa qualidade, que o aumento de capital da sociedade seja realizado em espécie ou em dinheiro. 28.-Sendo o capital social não mais do que uma mera cifra ou expressão patrimonial, é ainda indiferente do ponto de vista do seu aumento, que o capital social seja integrado por dinheiro ou por qualquer outro bem, na medida em que será a expressão patrimonial desses bens, e não os próprios, que verdadeiramente integrará o capital social. 29.-Assim, no caso em apreço, o efeito pretendido com a entrega da quota da A. pelos 1.º a 5.º RR. à J... SGPS seria igualmente alcançável, caso o A. viesse a exercer o seu direito de preferência, pelo que, ao contrário do que se sustenta na Douta Decisão recorrida, as prestações em questão sempre terão que se considerar, no caso e nas circunstâncias do autos, como fungíveis. 30.-Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Sentença recorrida e substituindo-a por Acórdão que, reconhecendo o direito de preferência da ora Recorrente e a fungibilidade entre as ações dadas pela 6.ª R. e a quantia pecuniária que a A. dá em troca, ordene a substituição da 6.ª R. pela A. na posição de cessionária da quota no capital social da A., com efeitos retroactivos à data da outorga da escritura pública de “Aumento de Capital e Alteração do Contrato Social”, celebrada a 19 de Dezembro de 2002. 31.-Ou, em alternativa, e caso se entenda que o direito de preferência do ora Recorrente não goza de eficácia real, condenar os 1.º a 5.º RR no pagamento de uma indemnização ao ora Recorrente, no valor de € 63.862,00 pelos prejuízos causados com a violação do seu direito de preferência, designadamente, decorrentes do facto de introduzirem no seio da sociedade familiar um estranho – a sociedade J... SGPS, aqui ora 6.ª R., sem prejuízo do que houver a liquidar em execução de sentença. 6.Houve contra-alegações, pugnado os RR pela manutenção do decidido, mas para além disso defendem que: -se terá de concluir pela caducidade do direito da A. -e pela falta de depósito do preço. 7.A matéria de facto fixada é a seguinte: 1.-A Autora intentou, em 04.07.2003, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, acção declarativa, com processo comum ordinário, contra os Réus, que correu os seus termos pela 2.ª Secção da 12.ª Vara Cível do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa sob o n.º 5978/03.0TVLSB, na qual alegou em síntese que: (i)A Autora é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio de artigos religiosos e regionais; (ii)O capital social da Autora é de 24.939,00 €, encontrando-se integralmente realizado, e é representado por cinco quotas iguais, cada uma no valor nominal de 4.987,98 € (quatro mil novecentos e oitenta e sete euros e noventa e oito cêntimos), correspondente a 20% do montante total do referido capital social, uma das quais, até 19 de Dezembro de 2002, pertencente em comum, sem determinação de parte ou direito, a A..., A..., L..., H... e M..., - os ora 1.º a 5.º Réus. (iii)Por escritura outorgada em 19 de Dezembro de 2002 no 4.º Cartório Notarial de Lisboa, os 1.º a 5.º Réus transferiram, pelo valor de 63.862,00 € (sessenta e três mil oitocentos e sessenta e dois euros), para a 6.º Ré, a sociedade J..., SGPS, S.A., a quota no valor nominal de 4.987,98 €, que os ditos 1.º a 5.° Réus detinham no capital social da Autora; (iv)o negócio realizado pelos 1.º a 5.º Réus, objecto da referida escritura outorgada em 19 de Dezembro de 2002, constitui uma verdadeira cessão onerosa de quota no capital social da sociedade Autora a terceiro estranho à dita Autora, nos termos do disposto no artigo 228.º do Código das Sociedades Comerciais; (v)Dispõe o Artigo Quarto do Contrato de Sociedade da Autora, que “É livre a cessão de quotas à sociedade ou a outros sócios, mas a cessão a estranhos dependerá sempre do consentimento da sociedade, à qual caberá direito de preferência em primeiro lugar, passando tal direito, em segundo lugar, para os sócios não-cedentes”; (vi)Assim, à Autora assiste o direito de preferência na aquisição na quota que os 1.º a 5.º Réus cederam à 6.ª Ré através da escritura outorgada em 19 de Dezembro de 2002, o qual goza de natureza real e eficácia erga omnes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 421.º do Código Civil; (vii)Pelo que, tem a Autora o direito de haver para si a quota alienada, pelo preço de 63.862,00 € (sessenta e três mil oitocentos e sessenta e dois euros), mediante substituição da Autora na posição contratual da 6.ª Ré, enquanto titular da referida quota, com efeitos retroactivos à data da outorga da escritura de cessão da quota, nos termos das disposições conjugadas do Artigo Quarto do Contrato de Sociedade da Autora e ainda dos artigos 413.º, 421.º e 1410.º, n.º 1, todos do Código Civil, direito que exerce pela presente acção. (viii)Mas, caso se entenda que à Autora não assiste o direito de se substituir à 6.ª Ré enquanto cessionária, na cessão da quota detida pelos 1.º a 5.º Réus, então, sempre deverão os ditos 1.º a 5.º Réus indemnizar a Autora pelos prejuízos que lhe causaram com a violação do direito de preferência da dita Autora previsto no Artigo Quarto do respectivo Contrato de Sociedade, como se requer, os quais correspondem ao valor que os 1.º a 5.º Réus atribuíram à quota por eles cedida a 6.ª Ré, em 19 de Dezembro de 2002, ou seja 63.862,00 €. 2.-Em 10 de Julho de 2003 a Autora depositou na conta n.º 05770401140114350, constituída exclusivamente para o efeito, na Caixa Geral de Depósitos, à ordem da Juiz da referida 2.ª secção da 12.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, o valor de 63.862,00 €. 3.-Por despacho judicial de 08.01.2004, notificado às partes por ofício expedido em 14.01.04, transitado em julgado em 29.01.2004, foi na acção referida em 1) julgada procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, em razão da matéria, para preparar e julgar a acção, considerando-se competente para o efeito o Tribunal de Comércio, tendo os Réus sido absolvidos da instância. 4.-A presente acção deu entrada em 06.02.2004. 5.-A Autora encontra-se inscrita na Conservatória de Registo Comercial de Ourém sob o n.º 00330 e tem como objecto social “comércio de artigos religiosos e regionais”. 6.-A Autora foi constituída por escritura outorgada em 16 de Dezembro de 1978, no Cartório Notarial de Ourém, a fls. 87 do Livro de Escrituras n.º B-78, do dito Cartório. 7.-Pela apresentação 08/790215 encontra-se registada na matrícula da Autora a constituição inicial da sociedade pelos sócios por M..., casado com M... em comunhão geral, A..., casado com M... em comunhão geral, A..., casado com F... em comunhão geral, A..., casado com A... em comunhão geral e A.., casado com J... em comunhão geral, cada um com uma quota de 60.000$00. 8.-Pela apresentação 22/930820, encontra-se registada na matrícula da Autora a transmissão de quota, de 60.000$00, por partilha da herança de M... a favor de A... e M... 9.-Pela apresentação n.º 011980521 encontra-se registada na matrícula da Autora a aquisição de uma quota de 60.000$00, em comum e sem determinação de parte ou direito a favor de M..., viúva, de M..., casada com A..., na comunhão de adquiridos, de A..., solteiro, maior e de A..., casado com M..., na comunhão de adquiridos, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária por óbito de A... 10.-O capital social da Autora é de 24.939,00 €, encontrando-se integralmente realizado, e é representado por cinco quotas iguais, cada uma no valor nominal de 4.987,98 € (quatro mil novecentos e oitenta e sete euros e noventa e oito cêntimos), correspondente a 20% do montante total do referido capital social, as quais, em 19 de Dezembro de 2002, se encontravam assim distribuídas: (vi) A..., titular de uma quota no valor nominal de 4.987,98€; (vii) A..., titular de uma quota no valor nominal de 4.987,98€; (viii) A... e M..., titulares em comum de uma quota no valor nominal de 4.987,98 €; (ix) M..., A..., A... e M..., titulares em comum, sem determinação de parte ou direito, de uma quota no valor nominal de 4.987,98 €; (x) A..., A...., L..., H... e M..., titulares em comum, sem determinação de parte ou direito, de uma quota no valor nominal de 4.987,98 €. 11.-A quota detida pelos 1.º a 5.º Réus no capital social da Autora pertencia originalmente ao 1.º Réu A..., casado com J..., sob o regime de comunhão geral de bens, tendo vindo ao património comum dos 1.º a 5.° Réus por dissolução daquela comunhão conjugal e sucessão hereditária, em consequência do óbito da dita Júlia em 25.03.2001. 12.-No dia 19.12.2002, no 4.º Cartório Notarial de Lisboa, o 2.° Réu por si e na qualidade de procurador dos Réus, M... e A...; L..., H... e J... – Sociedade de Participações Sociais, S.A., lavraram escritura de aumento de capital e alteração de contrato social da J... – SGPS, S.A., tendo declarado: “Que o capital social da referida sociedade é de cinquenta mil euros, totalmente subscrito e realizado e representado por cinquenta mil acções com o valor nominal de um euro, cada uma. Que, pela presente escritura, e em execução das deliberações tomadas na mencionada assembleia geral realizada em vinte e oito de Março do corrente ano aumentam o capital da aludida sociedade para seis milhões e quinhentos mil euros, sendo a importância do aumento de seis milhões quatrocentos e cinquenta mil euros integralmente subscrita, e realizada em dinheiro e parte pela transferência para a sociedade, de bens, pertencentes a eles outorgantes e mandantes (accionistas), quer em nome próprio, quer em comum e sem determinação de parte ou direito, pela forma seguinte: (…) e) A quantia de sessenta e três mil oitocentos e sessenta e dois euros a realizar pela transferência para a sociedade de uma quota no valor nominal de QUATRO MIL NOVECENTOS E OITENTA E SETE EUROS E OITENTA E SETE CÊNTIMOS no capital da sociedade comercial por quotas com a firma “M... LIMITADA“, NIPC 500828067, com sede ... matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Ourém sob o número ..., com o capital social de vinte e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e noventa cêntimos, quota esta pertencente, em comum e sem determinação de parte ou direito, aos accionistas A..., A..., L..., H... e M..., à qual é atribuído o valor de sessenta e três mil oitocentos e sessenta e dois euros. (…) Que este aumento é efectuado com a emissão de seis milhões quatrocentas e cinquenta mil novas acções, no valor nominal de um euro cada. Que, assim, o capital da dita sociedade passa a ser de seis milhões e quinhentos mil euros, representado por seis milhões e quinhentas mil acções com o valor nominal de um euro cada uma, distribuídas do seguinte modo: - A... – três milhões seiscentas e nove mil e setenta e seis acções; - A... – seiscentas e duas mil setecentos e sessenta e quatro acções; - H... - seiscentas e duas mil setecentos e sessenta e quatro acções; - L... – seiscentas e duas mil setecentos e sessenta e quatro acções; - M... – seiscentas e duas mil setecentos e sessenta e quatro acções; - Os cinco accionistas acima mencionados, em comum e sem determinação de parte ou direito – quatrocentas e setenta e quatro mil oitocentos e sessenta e oito acções; - “J... Limitada – cinco mil acções.“ 13.-Os 3.ª, 4.º e 5.º Réus outorgaram na escritura referida em 12) com conhecimento e autorização dos respectivos cônjuges, os Réus C..., F... e P... 14.-A 6.ª Ré nunca foi sócia da Autora. 15.-O administrador e representante da 6.ª Ré na escritura referida em 12) o Réu H..., nessa data, era também contitular da quota cedida. 16.-Dispõe o Artigo Quarto do contrato social da sociedade da Autora, datado de 16.l2.1978, celebrado por escritura pública que “É livre a cessão de quotas à sociedade ou a outros sócios, mas a cessão a estranhos dependerá sempre do consentimento da sociedade, à qual caberá direito de preferência em primeiro lugar, passando tal direito, em segundo lugar, para os sócios não cedentes”. 17.-São accionistas da J... SGPS, S.A a J... S.A. e os l.º a 5.º Réus. 18.-Na data da propositura da acção o valor das reservas livres constituídas pela Autora era de montante não inferior a 130,000,00 €. 19.-M..., A..., A..., M... e J... sempre actuaram no sentido de manterem exclusivamente no seio da família o controlo societário da Autora. 20.-O que os Réus entregaram em 6 de Janeiro foi uma cópia autenticada da escritura outorgada em 19.12. 21.-A J... S.A., accionista da J... SGPS, S.A., é totalmente detida por esta última. 22.-A sociedade J... SGPS, S.A é uma sociedade de índole familiar. 23.-Os estatutos da sociedade J... SGPS, S.A. limitam a entrada de estranhos no respectivo capital, conferindo aos actuais accionistas, designadamente a possibilidade de se oporem à entrada de estranhos no capital e de exercerem a preferência ou opção, consoante o caso, no respectivo negócio jurídico. 24.-A sociedade J..., SGPS, S.A. foi constituída com o objectivo de concentrar todas as participações sociais na holding familiar. 8.Nada obsta ao conhecimento do recurso. 9.Uma nota prévia atinente às contra alegações: Como se vê, não foi objecto do recurso interposto a questão da caducidade, nem do depósito do preço (nem poderia ser uma vez que tais questões forma decididas de forma favorável à A.) Donde, não tendo os RR interposto recurso da sentença, a decisão proferida quanto a estas questões transitou em julgado, não podendo, sem sede de contra-alegações virem os recorridos colocar a este tribunal essas mesmas questões. Se pretendiam vê-las apreciadas teriam que ter interposto recurso da sentença nesses segmentos que lhes foram desfavoráveis, por recurso autónomo ou subordinado. Posto o que delas não se conhecerá. Questões colocadas no âmbito do recurso e que importa resolver: -se o pacto de preferência tem eficácia real; -se existe fungibilidade entre as ações dadas em troca pela 6.ª R. e a quantia pecuniária que a A. poderia dar em troca. A decisão recorrida respondeu negativamente às duas questões enunciadas, seguindo de perto a orientação constante do acórdão do STJ proferido no processo 388/04.4TYLSB.L1.S1, que analisou situação em tudo semelhante à dos autos, onde os RR eram os mesmos destes autos e onde se discutia o exercício do direito de preferência relativamente a um negócio idêntico àquele que é objecto dos presentes autos, mas relativo à sociedade M..., Lda. Também no caso se tratava de sociedade de cariz familiar, com cláusula de preferência idêntica à dos presentes autos. Nesse processo, o Tribunal de Relação revogou a decisão de 1.ª instância que havia negado a existência de preferência e, na linha do Parecer do Professor Coutinho de Abreu (parecer tirado sobre essa decisão de 1.ª instância e também junto a estes autos, a fls 897 e sgs), veio a reconhecer que o direito de preferência estava dotado de eficácia real, defendendo-se que embora “a redacção da cláusula em questão não coincida literalmente com a dos dizeres legais, a verdade é que não pode deixar de haver-se, no mínimo, como declaração tácita de que as partes pretenderam atribuir-lhe eficácia real”. Contrariando este entendimento, veio o STJ a defender, no referido Acordão, a falta de eficácia real com a seguinte argumentação: ”…não parece que o tribunal da Relação tenha razão quando, sustentando no mínimo a existência de uma declaração tácita, conclui que «de resto, nem faria sentido a integração de uma tal cláusula se não fora a intenção de lhe atribuir eficácia real. Restaria esvaziada do seu conteúdo» (sublinhado nosso). Na verdade a circunstância da sociedade ter um substrato pessoal é transversal à maior parte das sociedades por quotas. Sustentar, como faz a Relação, que a cláusula que estabelece o direito de preferência ficaria esvaziada de conteúdo se não tivesse eficácia real não se nos afigura correcto. De facto tal entendimento levaria a retirar qualquer conteúdo à preferência com eficácia meramente obrigacional, o que carece de fundamento. Como se sabe, até ao Código Civil de 1966 o direito de preferência convencional sempre teve uma eficácia meramente obrigacional e a lei retirava daí – e da sua violação – as respectivas consequências: o obrigado à preferência respondia por perdas e danos no caso de não cumprir a obrigação. Assim, não é, salvo o devido respeito, correcto afirmar-se que a cláusula ficaria esvaziada de conteúdo se não lhe fosse atribuída eficácia real. Analisando o referido artigo do pacto social, no seu todo, entendemos que nem sequer de modo implícito os sócios quiseram atribuir eficácia real ao direito de preferência[8]. De facto parece claro que do pacto social nada resulta de modo a poder afirmar-se que o direito de preferência em questão produza efeitos em relação a terceiros. Na verdade não há qualquer declaração nesse sentido. E não tendo o direito de preferência eficácia real (a lei fala em declaração expressa) não é possível ao autor/sócio recorrer à acção de preferência prevista no artigo 1410.º do CC.” E defende também que os RR não estavam obrigados a dar a preferência (logo, não existe direito a indemnização, por violação do pacto) confirmando a posição tomada em 1.ª instância de que «tendo o negócio de cessão resultado de um contrato de permuta e inexistindo fungibilidade entre acções dadas em troca pela 6ª Ré e a quantia pecuniária que o A pode dar em troca, a este não assiste o direito de preferência e, por conseguinte, não estavam os RR obrigados a dar-lhe essa preferência.” Em sentido contrário a esta linha de raciocínio, o prof. Coutinho de Abreu, no Parecer referido defende e desenvolve as seguintes ideias: -a cláusula de preferência tem natureza societária, não se reduzindo a um civilístico pacto de preferência; -tal cláusula, porque tem a finalidade de impedir a entrada na sociedade de sujeitos indesejados pelos sócios e porque está registada, é oponível a terceiros, gozando de eficácia real; -o caracter não fungível das acções recebidas como contrapartida da quota cedida não obsta ao exercício do direito de preferência. Comecemos por dizer que não poderemos acompanhar o acordão do STJ quando generaliza, afirmando que “a lei fala em declaração expressa” e entendendo não ser questionável que a lei aplicável deva ser a lei actual e não a vigente à data da celebração do pacto (no caso desses autos 1956). Comecemos por recordar que a lei só fala em declaração expressa no tocante à eficácia real de promessa - art.º 413.º - e não já no tocante ao pacto de preferência – art.º 421.º - sendo certo que a exigência de declaração expressa só passou a ter assento normativo com a alteração ao CC levada a cabo pelo DL 379/86. Nem o 421.º, nem o artigo 413.º, na sua redação original, faziam qualquer referência implícita ou explícita à necessidade de uma declaração expressa, quanto à atribuição de eficácia real. Parece-nos ser pertinente a crítica que a recorrente faz à sentença recorrida quando afirma: “também não se use o argumento – como faz a Sentença recorrida – do texto do preâmbulo do DL 379/86, para sustentar que a exigibilidade de uma declaração expressa já era pacificamente aceite anteriormente à entrada em vigor daquele diploma. Com efeito, no preâmbulo do DL 379/86 diz-se taxativamente, a este propósito, que: “Também passa a ser inequívoco que a eficácia real da promessa não resulta da simples observância dos requisitos de forma e de publicidade fixados na lei, mas que depende de uma declaração expressa nesse sentido(artigo 413.º).” Ora, a expressão “passa a ser inequívoco”, utilizada no preâmbulo do DL 379/86, tem o significado evidente de “tornar claro o que era ambíguo ou duvidoso”. Ou seja, resulta daquele preâmbulo que, em 1986 era duvidoso que a lei já exigisse a declaração expressão da atribuição de eficácia real. E se era duvidoso é porque na doutrina e na jurisprudência havia quem pugnasse – tal como a aqui A., ora Recorrente - que os artigos 413.º e 421.º do Código Civil, na sua redação original, não exigiam tal requisito. E, com certeza tais “dissidentes” não eram em número reduzido, caso contrário não se justificaria uma intervenção legislativa, como a que veio a ocorrer através do DL 379/86. E, por fim, também não se diga – como o faz a Sentença recorrida – que “Entendimento contrário implicaria atribuir ope legis eficácia real a todos os pactos de preferência que estivessem integrados em contrato para o qual a lei exigisse a escritura pública e o registo, como é o caso dos pactos de preferência estabelecidos nos contratos de sociedade”. Com efeito, a A., ora Recorrente, não percebe qual o mal disso. Sendo hoje pacífico que “uma cláusula estatutária de preferência é barreira à entrada na sociedade de sujeitos indesejados pelos sócios (ou pela sociedade), é meio de controlo societário da composição do substracto pessoal da sociedade (sem prejudicar a possibilidade de sócio que quer ceder quota a ceda)”, que mal existe em “atribuir eficácia real ope legis a todos os pactos de preferência integrados nos contratos de sociedade celebrados por escritura pública e devidamente registados? Mas o Código Civil não está cheio de exemplos destes como é o caso dos contratos de compra e venda de imóveis?” Quanto à lei aplicável ao caso dos autos, entendemos, contrariamente ao defendido pelo STJ, dever ser a lei aplicável à data da celebração do pacto -1978 - por força do art.º 12.º do CC, uma vez que se tratam de alterações atinentes à validade formal do pacto. Mas por aí não ocorre divergência, uma vez que a alteração feita a exigir a «declaração expressa» das partes no tocante à eficácia real, incidiu apenas sobre o contrato-promessa, e não já sobre o pacto de preferência. Tendo ambos os preceitos sido modificados na mesma altura, não se compreende que, se o legislador entendesse ser de impor tal exigência aos pactos de preferência, a mesma não tivesse sido também inserta no texto do art.º 421.º Neste enquadramento, julgamos nada obstar a que a eficácia real possa ser retirada do contexto das declarações das partes, ou seja, surpreender-se de forma tácita e não explícita. Como diz o Prof. Coutinho de Abreu, não se tem que exigir que as partes usem as “palavras sacramentais”. Este mesmo autor defende in “Curso de Direito Comercial”, Vol. II, pág. 373, Almedina, 4ª Edição, 2011:“Uma cláusula de preferência (em contrato social) é uma nota personalística na caracterização da respectiva sociedade – é uma barreira à entrada na sociedade de sujeitos indesejados pelos sócios actuais; quando não seja exigido nem por lei nem pelo contrato social o consentimento da sociedade para a eficácia da cessão de quotas, uma tal cláusula aparecerá normalmente como (único) sucedâneo desse consentimento. Tendo isso em conta e tendo em vista os arts. 414.º , 421.º e 423.º do CCiv., entendo que tem «eficácia real» o direito de preferência estipulado em contrato social com forma legal e registado“. No caso dos autos, este entendimento lapidar não pode ser directamente aplicado, uma vez que para além da preferência também se faz depender a cessão do consentimento da sociedade. Contudo, provado que se os sócios “sempre actuaram no sentido de manterem exclusivamente no seio da família o controlo societário da Autora” - facto 19 - fazendo-se na cláusula de preferência em causa uma expressa alusão à “cessão a estranhos”, para a fazer depender do prévio consentimento da sociedade e da preferência primeiro à sociedade e depois aos sócios, julgamos depreender-se daqui que foi intenção das partes atribuírem à preferência eficácia real. Só desta forma se podia salvaguardar a intenção dos outorgantes de manterem a sociedade sob o controle familiar, caso os sócios interessados lograssem obter quórum para alcançar o consentimento da sociedade . Doutro modo, a violação do pacto levaria apenas à constituição do violador em obrigação de indemnizar, o que manifestamente não salvaguarda a pretensão estatutária. Entendemos assim não ser legalmente exigível o uso da expressão “eficácia real”, bastando para tanto que se possa depreender do pacto que esse seria o alcance pretendido pelos outorgantes. Conclui-se assim ser de atribuir “eficácia real” ao direito de preferência consignado no contrato social. Cabe agora aferir se existe infungibilidade das prestações a impedir a constituição do direito de preferência. A decisão recorrida, apoiando-se no acórdão do STJ supra e citando Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao artigo 423.º do Código Civil, “É já difícil admitir a preferência na troca dada a impossibilidade normal de o preferente entregar objecto igual ao que entregaria o adquirente. Mas não há impossibilidade absoluta.” (in Código Civil anotado, Vol. I, 4.ª edição, p. 400), conclui que, tratando-se, como se tratou, de uma permuta de quotas não estamos perante prestações fungíveis e logo não estavam os RR obrigados a dar preferência à A. Salvo melhor opinião, fazer uma leitura rígida da questão da fungibilidade é dar cobertura a potenciais situações fraudulentas. Entender-se como se entendeu é permitir que incumpridores contornem as regras a que estavam obrigados. Pensamos pertinente e de atender à argumentação desenvolvida no Parecer citado, onde se pode ler ”ainda que se admita que a preferência de certo negócio exige, no direito civil, paridade de condições (“tanto por tanto”), o mesmo não sucede a respeito da preferência em cessão em participações sociais [i] . Finalidade primeira desta preferência é, repita-se, possibilitar aos sócios evitar a entrada de estranhos indesejados na sociedade. Depois, quanto à contrapartida a prestar pelo preferente, não se exigirá mais, nem menos, do que o valor equivalente ao da contrapartida (sem simulação) oferecida pelo terceiro contratante (ou, em certos caso, o valor real da participação social.)…o valor comercial da quota cedida foi, como por lei tinha que ser regularmente fixado por ROC. E foi esse valor que determinou naturalmente, a contrapartida em acções da J... SGPS, SA. Está assim encontrado o preço da aquisição a quota a pagar pela A. Por outro lado, ainda é de notar que, se a Família S... tivesse cumprido a obrigação de preferência, teria recebido da A. o montante em dinheiro necessário à subscrição do mesmo número de acções da J..., SGPS, SA.” Julgamos assim não estarmos perante uma prestação infungível a obstar à preferência. A preferente pagará aos cedentes o valor das acções que estes receberam, como contrapartida da cessão. Pelo exposto, acorda-se em, julgando procedente a apelação, revogar a decisão recorrida e em consequência: 1.-reconhece-se à Autora M. de J.H., Lda. o seu direito de preferência na cessão da quota que os 1.º a 5.º Réus detinham no seu capital social, realizada por escritura outorgada em 19.12.2002, no 4.° Cartório Notarial de Lisboa, e em consequência, ordena-se a substituição da 6.ª Ré pela Autora na posição de cessionária e titular da referida quota, com efeitos retroactivos à data da outorga da referida escritura, mediante pagamento do respectivo preço da cessão no montante de 63.862,00 €. 2.-ordena-se o cancelamento de toda e qualquer inscrição da titularidade da referida quota no capital social da Autora a favor da 6.ª Ré J..., SGPS, S.A. junto do Registo Comercial. Custas da acção e do recurso pelos recorridos. Lx, 2016/06/02 Teresa Soares Maria de Deus Correia Nuno Sampaio [i]Apoiando-se aqui o autor em doutrina italiana que cita a fls. 18, nota de rodapé. | ||
| Decisão Texto Integral: |