Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
16075/21.6T8LSB.L2-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO DE GRUPO
ÓNUS DE COMUNICAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
INVALIDEZ TOTAL E PERMANENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/15/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário: da responsabilidade do relator:
I. Aplica-se o regime das cláusulas contratuais gerais ao contrato concreto através do qual o beneficiário adere ao contrato de seguro de grupo.
II. Atenta a jurisprudência do TJUE expressa no acórdão de 20.4.2023, C-264/22, há apenas que aquilatar se houve ou não comunicação das cláusulas contratuais gerais, no âmbito de um contrato de seguro de vida de grupo, sendo a não comunicação oponível sempre à seguradora pelo consumidor.
III. Tendo a autora provado apenas que foi vítima de um acidente de trabalho, tendo ficado afetada de uma IPP de 13% com IPATH, não demonstrando que essa incapacidade não lhe permite a angariação de meios de subsistência, essa factualidade é insuficiente para consubstanciar uma invalidez total e permanente, mesmo com recurso à vontade conjetural das partes (cf. Artigo 9º da LCCG).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de (...):

RELATÓRIO
BB intentou ação contra a Ré SEGURADORAS UNIDAS SA, pedindo que este seja condenada a lhe pagara a quantia de € de 60.000,00€, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal desde 07/08/2018, até efetivo e integral pagamento.
Alega que a sua entidade patronal se obrigou, no âmbito do contrato de trabalho, a celebrar um seguro de vida e invalidez, que cobria os riscos de Vida e de Incapacidade/Invalidez total e Permanente, o que fez com a Ré. A Autora, por força de acidente de trabalho, ficou a padecer de invalidez com atribuição de Incapacidade Permanente Absoluta e Definitiva para o seu trabalho habitual, com Inibição de Voo. Contudo, a Ré apesar e interpelada não procedeu ao pagamento da indemnização devida, invocando a segunda parte do Parágrafo Primeiro do artº 3º do Contrato de Seguro de Vida e Invalidez, no segmento: “e além disso, apresentar um grau de incapacidade de 75% de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”. Defende a A que tal nunca foi comunicado ao segurado, pelo que é inválida a referida cláusula, contrária à boa fé e se deve considerar excluída.
A ré contestou, referindo que não só a A não preenche os requisitos contratualmente previstos para se enquadrar numa situação de “Invalidez Total e Permanente”, como também o alegado desconhecimento do teor da cláusula que os define que, se impugna, não é imputável à Ré. Conclui pela improcedência do pedido.
Foi requerido pela A o Incidente de Intervenção Provocada, chamando à demanda e a SATA INTERNACIONAL , SERVIÇOS E TRANSPORTES AEREOS SA.
A Chamada apresentou a sua contestação, admitindo que, no contrato de trabalho, se obrigou a efetuar um segundo seguro de acidentes pessoais que cobrisse a situação de morte ou invalidez total, mas nunca que se pretendia abranger uma indemnização por incapacidade para o exercício do trabalho habitual. Refere que a Autora não está impedida de exercer outra profissão, sendo certo que a sua incapacidade geral é apenas de 13%, tendo já sido indemnizada pelo seguro de acidente de trabalho pela sua IPATH. Conclui pela improcedência da pretensão da Autora.
A Autora respondeu referindo que a Ré SATA comprometeu-se a efetuar um seguro de Vida, de Invalidez total e permanente, que resultante de acidente e que a torne incapaz para exercer a sua profissão habitual, e não outro. Refere que não foi cumprido o dever de comunicar (que se destinava a dar conhecimento da existência do contrato) nem o dever de informar (que se destinava a que o destinatário) tomasse conhecimento, atempado e efetivo do conteúdo do especifico do contrato e das suas particularidades, mormente a clausula ora arrogada de determinada percentagem) conforme art° 5° da Lei CCG e por isso dever-se-á ter a mesma por excluída.
Foi proferido saneador-sentença, o qual foi objeto de recurso, tendo o Tribunal da Relação de (...) decidido “revogar o saneador-sentença recorrido, prolatado em 12-03-2023 e, em sua substituição, determinar a prolação de despacho de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas da prova, nos termos do artigo 596.°, n.º 1, do CPC, seguindo-se os ulteriores termos do processo”.
Foi marcada novamente Audiência Prévia, neste tendo sido proferido despacho que identificou o objeto do litígio (Do direito da Autora a haver das Rés o pagamento do montante de € 60,000,00) e enunciou o tema da prova (Saber se a Autora teve conhecimento, porque lhe foi comunicado, do teor das cláusulas do contrato do seguro designadamente sobre as suas coberturas).
Após julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a Ré e a chamada do pedido.
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou a Autora formulando, no final das suas alegações, as seguintes
CONCLUSÕES:
Primeira :
- O presente recurso vem interposto da sentença de fls., que desconsiderou o pedido da Autora e bem assim a decisão do Tribunal da Relação de (...) que, julgando procedente a apelação revogou o saneador/sentença de 12/03/2023, determinando e em sua substituição determinou a prolação do objecto do litígio e da enunciação dos temas da prova.
Dando cumprimento a esta orientação foi fixada a Audiência prévia a 11/01/2024 que determinou o objecto do litígio:
Do direito da Autora a haver das Rés o pagamento dp montante de 60.000,00€;
- Saber se a Autora teve conhecimento, porque lhe foi comunicado, do teor das clausulas do contrato de seguro, designadamente sobre as suas coberturas.
Foram ainda admitidos todos os róis de testemunhas e admitido o depoimento de parte da Autora.
Segunda:
DOS FACTOS:

Não causou surpresa a decisão do tribunal “a quo” que seguindo na esteira do saneador/sentença (alterado pelo Acórdão da Relação) manteve a argumentação centrada apenas na questão da atribuição da IPATH, não levando em consideração (como referido pela Relação e que sustentou a sua decisão), não sendo esta o objecto do litígio.
Existe uma incongruência e contradição quanto á questão de “mais se provou” (pag.4 da sentença) quando se refere:
a) O teor das clausulas do contrato de seguro designadamente quanto ás suas coberturas, NAO FOREM COMUNICADAS Á Autora pelos RR.
b) A Autora sabia que o seguros de vida a efectuar pela SATA nos termos constantes da alínea c), cobria a Invalidez total.
Terceira:
- Ora como determinou o douto Acórdão da Relação, o saneador/sentença foi revogado e determinada em sua substituição fosse um despacho de identificação do objecto do litígio e a enunciação dos TEMAS DE PROVA.
Quarta
- E, de facto foi determinado o objecto do litígio: O pagamento do valor de 60.000,00€ e bem assim o tema da prova : Saber se tinham sido comunicadas á A., pelas RR, o teor das clausulas do contrato de seguro, que a sentença, em 4) acima, já reconheceu que não foram comunicadas nem explicadas.

Quinta:
- A Autora foi ouvida a interrogatório do seu Mandatário, conforme sistema de gravação H@bilus media studio com inicio as 10H29 e termo ás 10H59, cuja transcrição se anexa:
(…)
Sexta:
- Não podendo a Autora concordar com o referido na segunda questão do tema (Mais se provou) – Pag. 4, já que a Autora não conhecia o termo invalidez total, que nunca lhe foi explicado nem estava escrito de forma clara e compreensível.
Setima:
- Ora como se comprova e a douta sentença confirma, o Tema da Prova, e que não corresponde à realidade de que a Autora tivesse conhecimento das condições contratuais do contrato de Seguro, querendo sustentar-se que a Autora tinha conhecimento do que quer que fosse sobre o contrato de seguro, não é motivo para determinar a improcedência do pedido da A, sendo que o que importava para o que adiante se provará em termos de direito, era saber se as clausulas contratuais do contrato de seguro foram ou não comunicadas e explicadas á A. e já se concluiu que não foram.
DO DIREITO:
Oitava:
- Na parte do Direito iremos seguir de perto, o Acordão do Tribunal da Relação de (...) nº 16075/21.6T8LSB13 de Julho de 2023 – Desembargador Carlos Castelo Branco
A decisão do Tribunal da Relação de (...) de 13 de Julho de 2023, decidiu revogar o saneador-sentença de 12/03/2023, determinando a prolação do despacho de identificação do litígio e a enunciação do tema da prova.
Nona:
- E como acima já se identificou, a Mª Juiz “quo” quanto ao tema da prova, reconheceu que não foram comunicadas nem explicadas, o conteudo do contrato de seguro.
Decima:
- E o objecto do litígio, também foi reconhecido como sendo o do pagamento do valor de 60.000€, conforme estabelecido na clausula nº 3 do contrato de seguros, e actualizada aquando da migração para a actual Ré Generali Seguros SA, e que constitui matéria de facto dada como assente na alinea f) do Acórdão da Relação de 13 de Julho de 2023.
Decima-Primeira:
- Não vamos prosseguir pela 2ª questão tendo em conta, sobretudo o Acórdão de 20/04/2023 proferido no processo nº C-263/22 do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Decima-Segunda:
- E para justificar esta nossa preferência, no que tange á obrigatoriedade das dispoições comunitárias. recorremos ao Principio do PRIMADO DA UNIÃO EUROPEIA:
O Primado da União Europeia, é uma norma que regula a relação entre o direito europeu e o direto nacional dos Estados Membros.
As normas de direito da União Europeia e e as normas nacionais podem ter como objecto as mesmas condições de vida.
Nesses casos é possivel que entrem em conflito, na medida em que resoluções incompatíveis entre si.
O principio do primado actua, como uma norma que determina que, em caso de conflito, os Estados membros têm o dever de aplicar a norma de direito da União Europeia e de desaplicar a norma de direito nacional.
Este princípio foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (Acórdão do tribunal de 15 de Julho de 1964, Flaminio Costa contra ENEL, Processo 6-64 (Edição especial portuguesa 1964 00585)que fundamentou a necessidade de homogeneidade ba aplicação do Direito Europeu e no facto de os Estados Membros não podem invocar o direito nacional para fundamentarem o incumprimento das suas obrigações europeias (o que também é um principio geral de direito internacional).
As consequências da desconformidade entre o Direito da União Europeia e o Direito Nacional é a desaplicação do direito nacional enquanto se mantiver a situação de desconformidade.
Decima-Terceira:
- A Mª Relatora no citado Acórdão da Relação de (...) de 13/07/2023 elucida que o segurador não está isento da responsabilidade de informar, a qual lhe deriva, em primeira linha, de ser o predisponente das clausulas gerais do contrato (cfr art0s 50, 60 e 80 da LCCG) aprovada pelo DL 446/85.
Decima-Quarta:
- Assim, no artº 3º (Garantias) do Contrato de Seguro é nulo o valor percentual de 75% aí identificado, por não ter sido comunicado nem explicado á Autora, deve ser excluído do contrato não produzindo os efeitos vinculativos pretendidos pelos RR e pela douta sentença
(contrato juntos aos como doc. 17 da p.i.), é uma clausula abusiva.
Decima – Quinta:
- Mas o que são clausulas abusivas?
A esta questão responde o artrº 3º da Directiva 93/13/CEE:
Cláusulas abusivas», as cláusulas de um contrato tal como são definidas no artigo 3º :
1. Uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.
2. Considera-se que uma cláusula não foi objecto de negociação individual sempre que a mesma tenha sido redigida previamente e, consequentemente, o consumidor não tenha podido influir no seu conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão.
O facto de alguns elementos de uma cláusula ou uma cláusula isolada terem sido objecto de negociação individual não exclui a aplicação do presente artigo ao resto de um contrato se a apreciação global revelar que, apesar disso, se trata de um contrato de adesão.
Se o profissional sustar que uma cláusula normalizada foi objecto de negociação individual, caber-lhe-á o ónus da prova.
3. O anexo contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser consideradas abusivas, nomeadamente a constante na alínea b).
Decima-Sexta:
- Ora, Mª Desembargadora, suscitaram-lhe dúvidas acerca da compatibilidade.
Para tanto foi decidido colocar perante o TJUE as seguintes questões prejudiciais:
1) – O artº 5º da Directiva 93/13/CEE, ao exigir que “as clausulas propostas ao consumidor estejam sempre redigidas de forma clara e compreensivel, devendo interpretar-se, de acordo com o Considerando 20 da Directiva, no sentido de exigir que o consumidor tenha sempre a oportunidade de tomar conhecimento de todas as clausulas ?
2) – O artº 4º, nº 2 da Directiva 93/13/CEE, ao exigir, como requisito para a exclusão do controlo das clausulas, relativas ao objecto principal do contrato, que essas clausulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensivel, deve interpretar-se no sentido de exigir que o consumidor tenha sempre oportunidade de tomar conhecimento de tais clausulas?
3) – No quadro de uma legislação nacional que autoriza o controlo jurisdicional do caracter abusivo das clausulas que não tenham sido objecto de negociação individual relativas á definição do objecto principal do contrato: O art0 30 n01 da Directiva 93/13/CEE interpretada de acordo com a alínea i) da lista indicativa referida no n0 3 do mesmo artigo, opõe-se a que, num contrato de seguro de grupo contributivo, a seguradora posso opor á pessoa segurada uma clausula de exclusão ou de limitação do risco segurado que não lhe tenha sido comunicada.
Por Acórdão de 20/04/2023, o TJUE atraves do processo C-262/22 respondeu à 1ª e á 2ª questões, da seguinte forma: O artigo 40 n0 2 e o art0 50 da Directiva 93/13/CEE, relativa ás clausulas abusivas dos contratos celebrado com os consumidores, lidos á luz da vigésima considerada nesta Directiva, devem ser interpretados no sentido de que: um consumidor deve ter sempre a possibilidade de tomar conhecimento, antes da celebração de um contrato, de TODAS as clausulas que este contém;
E respondeu á 3ª questão prejudicial da seguinte forma: O art0 30 n0 1 e os art0s 40 a 60 da Directiva 93/13/CEE devem ser interpretados no sentido de que: Quando uma clausula de um contrato de seguro relativa á exclusão ou limitação da cobertura do risco segurado, da qual o consumidor em causa não pode tomar conhecimento antes da celebração desse contrato, e qualificada de abusiva pelo juiz nacional, este tem de afastar a aplicação dessa clausula a fim de que não produza efeitos vinculativo
Decima-Sétima:
- Assim, na decorrência da interpretação do art0 760 da LCS, á luz desta jurisprudência europeias, verifica-se que um consumidor – aqui concretizando a posição da Autora – deve ter sempre a possibilidade de tomar conhecimento, antes da celebração de um contrato, de todas as clausulas que este contém, invocando a Autora que não lhe foi comunicado o teor da segunda parte do paragrafo 10 do art0 30, nomeadamente a questão dos 75% de incapacidade nele inscrito, e o Tribunal “a quo” decidiu no saneador/sentença e agora novamente da sentença, sob escrutínio, decidiu não ter a Ré Seguradora o dever de informar e explicar, o que não se concebe.
Decima-Oitava:
- Pelo que se percebe pelo exposto na esparsa jurisprudencia dos nossos tribunais superiores e bem assim nos tribunais da União Europeia, a quem Portugal deve obediência, NÃO FAZ SENTIDO dizer-se que a obrigação de informação e esclarecimentos, que incumbem ao tomador do seguro não se afigura extensiva à seguradora, como se refere a pag. 8 da douta sentença.
Mas se assim fosse, a Tomadora também é Ré e também tem responsabilidades, e também foi demandada e tambem ficou provado que não comunicou á Autora as clausulas do contrato de seguro.
Decima-Nona.
- Ora, decisão “a quo” não respeitou o cumprimento da Lei, quer a LCS, quer o DL 446/85 quer ainda a Directiva 93/13/CCE, descrita no Acórdão do TJUE de 20/04/2023 o TJUE atraves do processo C-262/22, nem respeitou o desequilíbrio significativo em detrimento da Autora, violando as regras nacionais e internacionais, devendo tais clausulas interpretadas no sentido de ser considerada abusiva por falta de comunicação e explicação, não produzindo qualquer efeito a indicação dos 75%.
Deve ser reforçada a posição da obrigatoriedade da comunicação e explicação das clausulas contratuais, decretando-se nulo o texto do art0 30 no que tange ao percentual identificado na alinea b) e no Paragrafo primeiro, desatendendo-se totalmente a improcedência da decisão sob escrutínio.
AO DECIDIR COMO DECIDIU, a sentença, ora sob escrutínio, contrariou a sedimentada e profusa jurisprudência dos nossos tribunais superiores e ainda a legislação comunitária, no que tange à apreciação e aplicação das clausulas contratuais gerais abusivas resultantes do contrato de seguro objecto do presente recurso:
- Ac. do Tribunal de Justiça da EU (Primeira Secção) de 20/04/2022-
P0 C 262/22;
- Ac. STJ de 9/11/2017 – P0 26399/09.5T2SNT.L1.S1
- Ac. TRC de 2/6/2015 – p0 5202/12.4TBLRA.C1
- Ac. TRL de 9/11/2017 - P0 75/15.2T8VFC-A.4-2;
- Ac. TRE de 6/12/2018 – P0 3132/17.2T8LSB.L1.2;
- Ac. STJ de 29/11/2016 – P0 1274/15.8T8GMR.S1;
- Ac. STJ de 20/06/2017 – P0 1709/13.4TBFLG.G1;
- DL. 72/2008 (LCS) nomeadamente o art0 760
- Directiva 93/13/CEE do Conselho de 14/03/1993;
- Decreto-Lei 446/95, de 25/10, art0 50, 60. 80, 90, 120, 150,
180,210;
- CRP art0 80
- NCPC art0 1540, ex vi do art0 m80 do CC
TERMOS EM QUE, deve ser concedido provimento ao presente recurso de apelação, decretando-se a anulação da sentença proferida e sob escrutínio, substituindo-a por outra que considere que

1) A falta de comunicação e explicação das clausulas contratuais gerais torna nulo o percentual de 75% descrito, não produzindo os efeitos vinculativos pretendidos pelas RR;
2) Que determine que os RR deverão pagar à Autora o valor do objecto do litígio, isto é a quantia de 60.000,00€ (sessenta mil euros;
3) Que determine que os RR sejam condenados a pagar juros de mora sobre os 60.000€, a taxa legal de 4% ao ano desde a data de 07/08/2018, que é a data do trânsito em julgado da sentença que determinou a incapacidade da Autora e, se assim não se entender, deverão ser contabilizados juros de mora á taxa legal desde a data da propositura da presente acção ou seja desde 01/07/2021.
4) Mais deve ser decretado que os RR sejam condenados a pagar as custas processuais.
Assim confiadamente se espera ver julgado, porque assim sem mostra ser de, Lei e de Direito.
*
Contra-alegaram a Ré e Chamada, concluindo pela improcedência da apelação.

QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4, e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito. Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20, de 11.5.2023, Oliveira Abreu, 26881/15, de 25.5.2023, Sousa Pinto, 1864/21, de 11.7.2023, Jorge Leal, 331/21, de 11.6.2024, Leonel Serôdio, 7778/21, de 29.10.2024, Pinto Oliveira, 5295/22, de 13.2.2025, Luís Mendonça, 2620/23. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).

Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Incongruência e contradição quanto a factos provados;
ii. Inobservância da comunicação das cláusulas contratuais do contrato de seguro e consequências daí emergentes;
iii. Existência de cláusula abusiva no contrato de seguro.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
A jurisprudência citada neste acórdão sem menção da origem encontra-se publicada em www.dgsi.pt.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
a) A Autora, celebrou com a sua Entidade Patronal – SATA INTERNACIONAL – Serviços e Transportes Aéreos SA, um contrato individual de trabalho, na data de 29//01/1999 (Doc. 1, a fls.7 dos autos) o qual foi renovado em 30/01/2000 (Doc.2, a fls. 10 dos autos), tendo a Autora, passado à situação de contratada sem termo a 1.01.2002.
b) O local de trabalho, conforme consta do contrato de trabalho, é a base operacional de (...) (Clausula 3ª).
c) Conforme dispõe a clausula 8ª de ambos os Contratos de Trabalho mencionados em a) “A Primeira Outorgante compromete-se a efetuar um Seguro de Vida, de Invalidez Total, no montante de 10.000.000,00 (dez milhões de escudos) e o Seguro de Acidentes de Trabalho e Doenças profissionais nos termos legais”.
d) A Autora, quando se encontrava a desempenhar a sua atividade profissional habitual, como Assistente de Bordo, por conta e ordem da sua Entidade Patronal, (SATA), foi vítima de um acidente de trabalho que ocorreu em 17/03/2013.
e) A SATA transmitiu a sua responsabilidade pela reparação dos acidentes de trabalho, para a Ré, ao abrigo da apólice de acidentes de trabalho com o nº 00142790.
f) A SATA celebrou com a Ré, um contrato de Seguro de Capital por morte ou Invalidez em benefício dos seus empregados, onde se inclui a A, com capital de 60.000,00€ e que consta de fls.27 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido;
g) No âmbito do processo que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de (...) Oeste – Juízo do Trabalho de Sintra, Juiz 3, cujos autos correram sob o nº (...)T8SNT-A., veio a considerar a atribuição de uma IPATH à Sinistrada e condenar a Seguradora a pagar à Autora uma pensão anual e vitalícia.
h) Tal decisão foi notificada à Autora e ao seu Mandatário a 11/07/2018, tendo transitado em julgado a 06/09/2018.
i) O art.3º da Apólice referida em f) dispõe:
O Segurador pagará:
a) Em caso de Morte por Doença ou Acidente de um Segurado (...)
b) Em caso de Invalidez Total e Permanente 75% por acidente de um Segurado (Pessoa Segura), reconhecida até aos 60 anos . 1 Capital
§ Primeiro: O Segurado/Pessoa Segura é considerado em estado de invalidez total e permanente sempre que, em consequência de uma doença ou acidente, se encontre totalmente incapaz de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade lucrativa de acordo com os seus conhecimentos e aptidões de forma permanente, e além disso, apresentar um grau de incapacidade de 75% de acordo com a “Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho e Doenças Profissionais” oficialmente em vigor no momento do reconhecimento da Invalidez.
(...)”
j) Com data de 01-10-2020, foi concretizada a inscrição no Registo Comercial da fusão, por incorporação, das companhias Generali – Companhia de Seguros, S.A. e Generali Vida – Companhia de Seguros S.A. (sociedades incorporadas) na Seguradoras Unidas, S.A. (sociedade incorporante), e, simultaneamente, a Seguradoras Unidas, S.A. alterou a sua denominação social para “Generali Seguros, S.A.”.
k) A A. foi vítima de um acidente de trabalho em 17-03- 2013, cujo correspondente processo correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de (...) Oeste, Juízo do Trabalho de Sintra – Juiz 3, com o proc. nº (...)T8SNT, sendo a ora Ré entidade responsável ao abrigo do contrato de seguro de acidentes de trabalho então vigente e que havia sido celebrado entre a entidade empregadora da A. e a Seguradoras Unidas, SA.
l) No âmbito do incidente de revisão posteriormente apenso ao aludido processo judicial, foi decidido ter a A. ficado afetada de uma IPP de 13% com IPATH, de acordo com os critérios constantes da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro.
m) A Ré Seguradora encontra-se a liquidar à A. a correspondente pensão anual e vitalícia decorrente da incapacidade fixada nos referidos autos.
n) Consta do art. 8º das Condições Particulares do contrato, “8.1 Recai sobre o Tomador do Seguro o dever de informar os Segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, bem como sobre as obrigações e os direitos dos Segurados em caso de sinistro. Para o efeito o Tomador do Seguro deverá disponibilizar aos Segurados cópia das Condições Gerais e Especiais facultadas pelo Segurador aquando da celebração do contrato”.
Mais se provou que:
- O teor das cláusulas do contrato de seguro, designadamente quanto às suas coberturas, não foram comunicadas à Autora pelas RR.
- A Autora sabia que o seguro de vida a efetuar pela SATA, nos termos do que consta da al. c), cobria a invalidez total.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Incongruência e contradição quanto a factos provados
A apelante argui que existe uma incongruência e contradição quanto à questão de “mais se provou” quando se refere na sentença:
a) O teor das cláusulas do contrato de seguro designadamente quanto às suas coberturas, NAO FOREM COMUNICADAS à Autora pelos RR.
b) A Autora sabia que o seguros de vida a efetuar pela SATA nos termos constantes da alínea c), cobria a Invalidez total.
O Tribunal a quo fundamentou a resposta a esses factos provados nestes termos:
«Com base no depoimento destas duas testemunhas o tribunal deu como provado que à A não foram comunicadas as cláusulas que constam do seguro de vida contratado e de que a A era beneficiária. Nem outra prova foi oferecida.
Por outro lado, com base nas declarações da A, o Tribunal deu como provado de que esta sabia que existia um seguro de vida e que este cobria “invalidez total”, sendo que também como base nas declarações que prestou, se provou que a A trabalhou depois do acidente e de sair da SATA, que é fisioterapeuta de formação, tendo terminado o curso em 2009, apesar de no momento de encontrar desempregada, o que em nada contraria o que já constava do elenco de factos que estavam assentes.»
Ao contrário do que sustenta a apelante não ocorre contradição porquanto a não comunicação das cláusulas do contrato de seguro constitui questão diversa do conhecimento da existência de um seguro de vida que cobriria a “invalidez total”. Este conhecimento foi expresso pela autora em sede de declarações de parte e, além do mais, do contrato de trabalho da autora junto com a petição (documento nº4) consta a cláusula 8ª com este teor: «A Primeira Outorgante compromete-se a efetuar Seguro de Vida, de Invalidez Total no montante de 10.000.000 (dez milhões de escudos), e o Seguro de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais nos termos legais.» Ou seja, o conhecimento evidenciado pela Autora está, desde logo, fundamentado pelo próprio teor do texto do contrato de trabalho.
Termos em que improcede a arguida incongruência/contradição.
Inobservância da comunicação das cláusulas contratuais do contrato de seguro e consequências daí emergentes
Resulta da matéria de facto provado que o teor das cláusulas do contrato de seguro, designadamente quanto às suas coberturas, não foi comunicado à autora pelas Rés.
Não suscita discussão entre as partes que o contrato de seguro em causa é integrado por cláusulas contratuais gerais, subsumíveis ao regime do Decreto-lei nº 446/85, de 25.10. De todo o modo, conforme se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.4.2024, Ferreira Lopes, 3065/16, aplica-se o regime das cláusulas contratuais gerais ao contrato concreto através do qual o beneficiário adere ao contrato de seguro de grupo.
No âmbito do contrato de seguro de vida de grupo, gerou-se controvérsia jurisprudencial quanto à determinação do interveniente obrigado à comunicação das cláusulas contratuais gerais ao segurado, sobre se tal incumbência recai sobre a seguradora ou sobre o tomador do seguro, no caso a Chamada Sata Internacional.
Na síntese do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.3.2023, Graça Trigo, 2224/14:
II. Na resolução da questão de saber se a ré seguradora estava adstrita à obrigação de comunicar à autora, enquanto aderente a um seguro de grupo contributivo, as cláusulas de exclusão da cobertura do seguro, assim como de saber, se, entendendo-se ser o tomador do seguro o obrigado a comunicar tais cláusulas contratuais à autora, se deve, porém, considerar que o incumprimento dessa obrigação pelo dito tomador do seguro é oponível à ré seguradora, constatou-se que a jurisprudência nacional tem resolvido de forma divergente as dificuldades de conjugação do regime do art. 4.º do DL n.º 176/95, de 26.07, relativo aos seguros de grupo, com o regime dos arts. 5.º e 8.º, al. a), do DL n.º 446/85, de 25.10, respeitante às CCG:
a) De acordo com uma das orientações adotadas, o regime do DL n.º 176/95, relativo aos seguros de grupo, é um regime especial que afasta a aplicação do regime das CCG; consequentemente, deverá entender-se que, não estando a seguradora legalmente adstrita aos deveres de comunicação e de informação das cláusulas do contrato de seguro de grupo, o incumprimento de tais deveres não lhe é oponível pelo segurado;
b) De acordo com outra orientação, o regime do DL n.º 176/95 não afasta a aplicação do regime das CCG, devendo entender-se seja que a seguradora se encontra vinculada aos deveres de comunicação e de informação das cláusulas consagrados em tal regime, seja, em alternativa, que o incumprimento desses deveres pelo tomador do seguro é oponível à seguradora.
III. Suscitaram-se dúvidas acerca da compatibilidade da primeira orientação jurisprudencial com o efeito útil da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 05.04.1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, decidindo-se colocar perante o TJUE as seguintes questões prejudiciais:
1ª) O art. 5.º da Diretiva 93/13/CEE, ao exigir que «as cláusulas propostas ao consumidor estejam (…) sempre redigidas de forma clara e compreensível», deve interpretar-se, de acordo com o Considerando 20 da Diretiva, no sentido de exigir que o consumidor tenha sempre oportunidade de tomar conhecimento de todas as cláusulas?
2ª) O art. 4.º, n.º 2, da Diretiva 93/13/CEE, ao exigir, como requisito para a exclusão do controlo das cláusulas relativas ao objeto principal do contrato, que «essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível», deve interpretar-se no sentido de exigir que o consumidor tenha sempre oportunidade de tomar conhecimento de tais cláusulas?
3ª) No quadro de uma legislação nacional que autoriza o controlo jurisdicional do carácter abusivo das cláusulas que não tenham sido objeto de negociação individual relativas à definição do objeto principal do contrato: (i) O art. 3.º, n.º 1, da Diretiva 93/13/CEE, interpretado de acordo com a alínea i) da lista indicativa referida no n.º 3 do mesmo artigo, opõe-se a que, num contrato de seguro de grupo contributivo, a seguradora possa opor à pessoa segurada uma cláusula de exclusão ou de limitação do risco segurado que não lhe tenha sido comunicada e que, em consequência, a pessoa segurada não tenha tido oportunidade de conhecer; (ii) ainda que, simultaneamente, a legislação nacional responsabilize o tomador do seguro pela violação do dever de comunicação/informação das cláusulas pelos danos causados à pessoa segurada, responsabilidade essa, porém, que, em regra, não permite colocar a pessoa segurada na situação em que estaria se a cobertura do seguro tivesse funcionado?
IV. Por acórdão de 20.04.2023 (processo C‑263/22), o TJUE respondeu à primeira e à segunda questões suscitadas em sede de reenvio prejudicial da seguinte forma: «O artigo 4.º, n.º 2, e o artigo 5.º da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, lidos à luz do vigésimo considerando desta diretiva, devem ser interpretados no sentido de que: um consumidor deve ter sempre a possibilidade de tomar conhecimento, antes da celebração de um contrato, de todas as cláusulas que este contém.». E respondeu à terceira questão prejudicial nos seguintes termos: «O artigo 3.º, n.º 1, e os artigos 4.º a 6.º da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que: quando uma cláusula de um contrato de seguro relativa à exclusão ou à limitação da cobertura do risco segurado, da qual o consumidor em causa não pôde tomar conhecimento antes da celebração desse contrato, é qualificada de abusiva pelo juiz nacional, este tem de afastar a aplicação dessa cláusula a fim de que não produza efeitos vinculativos relativamente a esse consumidor.».
Atento o teor deste Acórdão do TJUE de 20.4.2023, C-263/22, há que acompanhar as ilações expressas no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.2.2024, Cura Mariano, 2445/22:
I. Nos termos do artigo 91.º do Regulamento do Processo do Tribunal de Justiça, os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia, incluindo os proferidos em resposta a reenvio prejudicial, têm força obrigatória desde o dia da sua prolação nos Estados-membros, aplicando-se retroativamente desde o momento da entrada em vigor da norma interpretada.
II. Esta força obrigatória vincula não só o tribunal nacional que procedeu ao reenvio no processo em que o fez, mas a interpretação do direito europeu por ele efetuada passa a vincular os Estados Membros e todos os tribunais nacionais desses Estados, na aplicação futura da legislação objeto de reenvio a casos materialmente idênticos, refletindo o princípio do primado do direito da União Europeia, o qual a nossa Constituição acolhe no seu artigo 8.º, n.º 4.
III. Assim, atento o decidido no acórdão do TJUE no seu acórdão de 20 de Abril de 2023, proferido no Processo C‑263/22, a não comunicação de uma cláusula limitativa da cobertura do risco segurado pelo tomador de um seguro de grupo, a quem incumbia proceder a essa comunicação, pode ser oposta à seguradora no sentido de se considerar tal cláusula excluída do contrato de seguro.
Ou seja, mesmo que se seguisse a tese de que era apenas à tomadora que incumbia comunicar o teor das cláusulas contratuais gerais do contrato de seguro à ora Autora, o incumprimento dessa comunicação é oponível pela Autora à seguradora/Ré. Dito por outras palavras, atenta a jurisprudência do TJUE expressa no acórdão de 20.4.2023, C-264/22, há apenas que aquilatar se houve ou não comunicação das cláusulas, sendo a não comunicação oponível sempre à seguradora pelo consumidor.
A sanção para a não comunicação das cláusulas é a sua exclusão do contrato singular, nos termos do Artigo 8º, al. a), do Decreto-lei nº 446/85, de 25.10.. Assim, está excluída do contrato de seguro em apreço a cláusula segundo a qual: « § Primeiro: O Segurado/Pessoa Segura é considerado em estado de invalidez total e permanente sempre que, em consequência de uma doença ou acidente, se encontre totalmente incapaz de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade lucrativa de acordo com os seus conhecimentos e aptidões de forma permanente, e além disso, apresentar um grau de incapacidade de 75% de acordo com a “Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho e Doenças Profissionais” oficialmente em vigor no momento do reconhecimento da Invalidez
Nos termos do Artigo 9º do Decreto-lei nº 446/85, de 25.10
Artigo 9.º
(Subsistência dos contratos singulares)
1 - Nos casos previstos no artigo anterior os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afetada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos.
2 - Os referidos contratos são, todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados no número anterior, ocorra uma indeterminação insuprível de aspetos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé.
Nos termos desta norma, a subsistência dos contratos singulares pressupõe a aplicação das regras legais supletivas adequadas, assim como de eventuais regras especiais. Na ausência destas, há que integrar a lacuna do contrato com recurso às regras de integração de negócios jurídicos.
«(…) a integração do contrato segundo o regime comum pressupõe a existência de uma lacuna negocial, portanto, de um aspeto essencial do contrato carecido de regulamentação, e determina, a final, a consideração da denominada vontade conjetural ou hipotética das partes, isto é, a vontade que as partes teriam manifestado se houvessem antecipado o vício da cláusula e a correspondente ineficácia negocial (sancionada com a inexistência jurídica ou com a nulidade negocial, em função da tese propugnada quanto ao desvalor jurídico do ato). Nas palavras da lei, “a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso” (cf. artigo 239º, 1ª parte do CC). A regra do apelo à vontade conjetural cede, no entanto, em termos gerais, na eventualidade de ser outra a solução imposta pelos ditames da boa fé (cf. artigo 239º, 2 ª parte do CC) (Ana Filipa Morais Antunes, Comentário à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, p. 196).
«Não provando a seguradora o cumprimento de tais deveres, com a consequência da exclusão das mesmas do contrato, nos termos do artº 8º, do DL 446/85, e não se pondo em causa a validade do mesmo, não sendo a situação dos autos reconduzível à nulidade prevista no artº 9º, nº 2, do DL nº 446/85, por não ocorrer uma indeterminação insuprível de aspetos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé, subsiste o contrato de seguro, de acordo com o artº 9º, do mesmo diploma, vigorando na parte afetada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos (arts 10º do mesmo diploma e º 236º a 239º do Código Civil)» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.3.2023, Fátima Gomes, 2079/19).
Inexiste norma legal supletiva que defina o que deve entender-se por “invalidez total e permanente”. Com efeito, nos termos da Lei nº 98/2009, de 4.9., apenas se refere que:
«1 - O grau de incapacidade resultante do acidente define-se, em todos os casos, por coeficientes expressos em percentagens e determinados em função da natureza e da gravidade da lesão, do estado geral do sinistrado, da sua idade e profissão, bem como da maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e das demais circunstâncias que possam influir na sua capacidade de trabalho ou de ganho.
2 - O grau de incapacidade é expresso pela unidade quando se verifique disfunção total com incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho.
3 - O coeficiente de incapacidade é fixado por aplicação das regras definidas na tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais, em vigor à data do acidente» (artigo 20º).
Assim, há que densificar o conceito contratual de “invalidez total e permanente” com recurso à vontade conjetural das partes.
Nesta sede, o Tribunal a quo referiu o seguinte:
«Em primeiro lugar, o contrato de trabalho que a A celebrou faz menção de seguro de vida, de invalidez total e de seguro de acidentes de trabalho, nunca mencionando “invalidez permanente absoluta para o trabalho habitual” (IPATH): “A Primeira Outorgante compromete-se a efectuar um Seguro de Vida, de Invalidez Total, no montante de 10.000.000,00 (dez milhões de escudos) e o Seguro de Acidentes de Trabalho e Doenças profissionais nos termos legais”.
Depois, parece-nos do contexto em que se insere que se pode retirar que o seguro é indiferente aos rendimentos do lesado – designadamente, ao seu rendimento do trabalho por conta de outrem –, o que sugere que não é a perda deste rendimento – nem, consequentemente, a afetação da capacidade para o exercício desta concreta atividade profissional – que justifica a prestação do segurador, mas sim, no fundo – e ainda que esta prestação seja de capital, e não indemnizatória –, a perda da capacidade geral para obtenção de rendimentos pelo exercício de uma atividade profissional: “total” não é de todo equivalente a “profissional” ou “habitual”.
A noção de IPATH surge no âmbito dos acidentes de trabalho. A propósito da natureza da incapacidade, estabelece o art. 19.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais: LAT) que pode esta ser (i) temporária parcial (ITP), (ii) temporária absoluta (ITA), (iii) permanente parcial (IPP), (iv) permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) e (v) permanente absoluta para todo e qualquer tipo de trabalho (IPA), sendo esta última a incapacidade mais grave que um sisnistrado pode ficar a padecer.
A IPATH, pelo contrário, pressupõe uma IPP e a IPP é fixada com recurso a uma tabela. Já a IPATH resulta apenas de uma afirmação, de uma constatação, não é graduada pois não está pensada para a avaliação da capacidade de trabalho em geral. Assim, a constatação de que à Autora foi atribuída uma IPATH não contende a atribuição do coeficiente de IPP, ou seja, não significa que a Autora padece de uma “invalidez total”.
Pretender que se atribua à IPATH os efeitos de uma IPA é ficcionar duas realidades que são distintas. Mesmo excluindo a cláusula que não foi comunicada à Autora, mantendo a validade do contrato de seguro celebrado de que a A é beneficiária, não podemos concluir que existe a obrigação de a Ré Generali pagar à A uma indemnização por força de uma invalidez que não é total, mas apenas parcial.»
Esta análise afigura-se-nos pertinente e fundamentada pelo que nos limitaremos a enunciar argumentação de reforço.
Na jurisprudência do STJ sobre esta temática, relevam os seguintes arestos.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.2.2025, Jorge Leal, 759/19:
I. A previsão de invalidez absoluta e definitiva, constante de uma apólice de seguro, é suscetível de ser entendida por um declaratário normal como uma situação em que a pessoa afetada se encontra num estado que a deixa totalmente incapaz, para o resto da vida, de exercer a sua atividade, designadamente laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência.
II. Tal interpretação da dita cláusula é reforçada pela inclusão, na apólice, da estipulação de que “o segurado/pessoa segura é considerado em estado de invalidez absoluta e definitiva quando, em consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer atividade remunerada.”
III. O entendimento referido em I e II não obsta a que, em certos casos, se considere que uma aparente permanência de razoável capacidade laboral residual seja considerada, ainda assim, não obstativa de um juízo de invalidez absoluta e definitiva para o efeito da cobertura pelo seguro.
IV. Sendo a situação de invalidez absoluta e definitiva o facto constitutivo do direito exercido, cabe ao segurado o ónus de demonstrar que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 49 pontos, por referência à Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, de que padece, não lhe permite a angariação de meios de subsistência, para os efeitos referidos em I a III.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.4.2024, Ferreira Lopes, 3065/16:
Não é abusiva, nem desproporcionada, a cláusula que exige para a verificação do risco “invalidez para qualquer profissão”, a prova de que a pessoa segura “perdeu, em consequência de doença ou acidente, completa e, segundo todas as previsões, definitivamente para o resto da vida, a capacidade de exercer a sua profissão, ou qualquer outra atividade lucrativa”, a acrescer ao grau de desvalorização igual ou superior a 66,6%.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.3.2023, Tibério Silva, 747/16:
Provando-se que a autora, “operária indiferenciada”, apresenta incapacidade permanente e absoluta para o exercício da sua profissão habitual (IPATH) e Incapacidade Parcial Permanente para qualquer outra profissão, de 67,5 %, necessitando de ajudas técnicas de suporte para membro superior para promover a elevação da mão, de ajuda de terceira pessoa para a realização de algumas comuns tarefas do quotidiano, de medicação analgésica, de sessões de fisioterapia, e que, sendo dextra, as lesões e sequelas que apresenta são na mão direita, sem que, ademais, se perspetive outra qualquer atividade de uma natureza diversa daquela que vinha exercendo, deverá considerar-se portadora de invalidez permanente.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.11.2020, Acácio das Neves, 4093/18:
II. Tal “invalidez absoluta e definitiva do segurado”, terá que ser entendida, à luz da interpretação feita por um declaratário normal, nos termos do artigo 236º do C. Civil, como correspondendo a uma situação em que, por doença ou acidente, o segurado fique impossibilitado de trabalhar e auferir rendimentos que lhe permitam obter meios de subsistência e de fazer face à obrigação que assumiu perante a entidade bancária
III. Assim, deverá considerar-se como não verificada tal invalidez quando o autor apenas logrou provar que, na sequência de acidente vascular cerebral, ficou com uma IPP de apenas 43,3%, e não logrou provar, conforme lhe competia, que deixou de poder exercer a sua atividade laboral, que necessita de ajuda de terceira pessoa para o ajudar a levantar, transportar, tomar as refeições, fazer a higiene pessoal e as suas necessidades e que as sequelas de que é portador o impedem de exercer toda e qualquer profissão.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.2019, Rosa Coelho, 2978/15:
II – A previsão de invalidez absoluta e definitiva, constante de uma apólice de seguro, é suscetível de ser entendida por um declaratário normal como uma situação em que a pessoa afetada se encontra num estado que a deixa totalmente (completamente, sem restrição) incapaz, para o resto da vida, de exercer a sua atividade, designadamente laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência.
III – A situação em que o segurado não pode continuar a desempenhar a atividade profissional anterior, mas pode desempenhar funções de natureza idêntica dentro da sua área de formação técnico profissional, desde que com menor intensidade e exigindo menor esforço físico, é conciliável com uma situação de incapacidade parcial.
IV – Sendo a situação de invalidez absoluta e definitiva o facto constitutivo do direito exercido, cabe ao segurado o ónus de demonstrar que a sua atual e subsistente capacidade de trabalho não lhe permite a angariação de remuneração.
Ora, no caso em apreço, o que a autora logrou provar foi apenas que foi vítima de um acidente de trabalho, tendo ficado afetada de uma IPP de 13% com IPATH (k) e l)). A Autora não alegou nem demonstrou que essa incapacidade não lhe permite a angariação de meios de subsistência, que esteja impedida de desempenhar outras profissões que lhe facultem a angariação de meios de subsistência. Muito pelo contrário, o tribunal a quo apurou e expressou que com «base nas declarações que prestou, se provou que a A trabalhou depois do acidente e de sair da SATA, que é fisioterapeuta de formação, tendo terminado o curso em 2009, apesar de no momento de encontrar desempregada, o que em nada contraria o que já constava do elenco de factos que estavam assentes
Consoante a jurisprudência do STJ acima enunciada, o conceito de invalidez total e permanente ou absoluta e definitiva, apesar de ser compatível com uma capacidade laboral residual, exige – no entanto – a demonstração de que o segurado não está em condições de angariar meios de subsistência. Essa alegação e demonstração em concreto claudicam em completo no caso em apreço.
Dito de outra forma, o apelo à vontade conjetural das partes, nos termos dos Artigos 236º e 239º do Código Civil, é insuficiente para considerar que consubstancia uma situação de “invalidez total e permanente” a mera existência de uma IPP de 13% com IPATH, tendo a autora exercido subsequentemente atividade remunerada.
Existência de cláusula abusiva no contrato de seguro.
A apelante argui que a exigência de uma incapacidade de 75% integra uma cláusula abusiva, devendo ser declarado nulo o texto contratual que exige tal incapacidade.
O conhecimento desta questão está prejudicado a partir do momento em que, a montante, se entendeu que tal cláusula está excluída do objeto do contrato (Artigo 608º, nº2, do Código de Processo Civil ).
Custas
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 15.7.2025
Luís Filipe Sousa
Rute Sabino Lopes
João Novais
(assinado eletronicamente)