Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1782/19.1T8BRR-E.L1-1
Relator: RENATA LINHARES DE CASTRO
Descritores: DESTITUIÇÃO
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
JUSTA CAUSA
PERDA DE CONFIANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Ocorre justa causa para destituição do administrador da insolvência se: a) o mesmo assumir uma conduta reveladora de inaptidão ou de incompetência para o exercício do cargo; b) ou uma conduta que revele violação culposa dos deveres inerentes a tal cargo, apreciada de acordo com a diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado; c) em ambas as hipóteses se verificando, ainda, uma quebra de confiança que inviabilize, em termos de razoabilidade, a manutenção nas funções para que foi nomeado e que o exercício do cargo pressupõe.
II. Não obstante a liquidação se tenha iniciado no ano de 2020 e ainda não tenha sido concluída, inexiste justa causa para destituição do administrador de insolvência quando:
- apenas está apreendido para a massa insolvente um direito de crédito que se encontra a ser apreciado e discutido em duas acções pendentes na justiça belga;
- esse direito de crédito tem subjacente a venda pela devedora (ainda não declarada insolvente) a uma sociedade de uma pedra preciosa (diamante negro), cujo preço não terá sido integralmente liquidado;
- com o consentimento dos credores, a massa insolvente, representada pelo administrador de insolvência, firmou um acordo com a sociedade compradora no sentido de a mesma proceder à venda do diamante e, com o produto obtido, ser liquidado o crédito de que aquela se arroga;
- as particulares características do bem a vender dificultam a concretização do negócio;
- encontra-se o administrador de insolvência a colaborar no processo da venda, sempre tendo informado o tribunal e os credores do estado das diligências em curso e prestado os esclarecimentos que lhe foram solicitados.
III. O quadro fáctico descrito em II não permite concluir por qualquer incapacidade/incompetência do administrador de insolvência ou pela violação dos deveres inerentes ao cargo, ao que acresce sequer ter sido invocada qualquer quebra irreversível da confiança que no mesmo foi depositada por forma a que se assuma como irrazoável que o tribunal o mantenha no exercício de tais funções.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO
Em 28/06/2019, AA requereu a insolvência de BB, Lda, a qual veio a ser declarada por sentença proferida em 06/08/2019, já transitada em julgado.
Nessa sentença foi nomeado Administrador da Insolvência (AI) CC.
Por despacho de 05/11/2019 foi o processo encerrado por insuficiência da massa insolvente.
Em 07/11/2019 veio o AI informar nos autos que, após a apresentação do relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE (o que ocorreu em 09/10/2019), tomou conhecimento da pendência de dois processos (os quais identificou) no Tribunal de Antuérpia, Bélgica, intentados pela devedora em momento anterior à declaração da insolvência, nos quais se discute “a compra e venda de pedra preciosa” que era propriedade da mesma[1].
No dia 11 do mesmo mês, informou estar a “encetar negociações para tentar firmar uma transacção” (“que reverta a favor da massa insolvente e dos credores”)[2], requerendo que fosse dado sem efeito o despacho de encerramento do processo.
Nessa sequência, por despacho proferido em 19/11/2019, o qual transitou em julgado, foi o despacho de encerramento dado sem efeito e determinado o prosseguimento dos autos para liquidação.
Em 31/08/2020, o AI juntou ao processo o auto de apreensão e arrolamento, no qual identifica como verba única uma pedra preciosa - “Diamante (…) que é objecto de disputa/litígio nos Tribunais Judiciais de Antuérpia, Bélgica, (em que a ora Massa Insolvente é Autora e a sociedade de direito belga DD é ré) (…)” (Ref.ª/Citius 27002307 – Apenso C).
Contudo, por despacho proferido em 03/12/2020, o qual transitou em julgado, o tribunal a quo determinou que se procedesse ao levantamento de tal apreensão[3], a qual deveria antes incidir sobre o direito de crédito que emerge das acções pendentes na justiça belga (Ref.ª/Citius 400977094).
Nessa sequência, em 15/12/2020, o AI juntou novo auto: “VERBA ÚNICA // Direito de crédito no âmbito dos processos judiciais que correm termos no Commercial Law Court of Antwerp (…), com o valor processual fixado de € 918.210,00 (…), valor por conta do qual recebeu, antes da declaração de insolvência, a quantia de € 250.000,00 (…), relativo à venda do diamante (…) que é objecto de disputa/litígio nos processos judiciais supracitados, ainda pendentes, em que a ora Massa Insolvente é Autora e a sociedade de direito belga DD é ré” (Ref.ª/Citius 27977077).
Em 13/05/2024, AA e EE vieram requerer a destituição do AI (apesar de a credora Lx Investment Partners também estar identificada como requerente, não veio a subscrever a peça processual).
Para tanto invocaram que: - não obstante o acordo celebrado entre a massa insolvente e a sociedade DD, o diamante ainda não foi vendido; desde Março de 2020 que o AI tem vindo a informar o tribunal e os credores que existem propostas de compra do diamante, ou interessados, e que a venda se irá concretizar num prazo muito curto; a DD, na posse da qual se encontrará o diamante, em Dezembro de 2022 apresentava € 95.446,00 de capitais próprios, um failure score de 8 em 100 (em que 1 é o pior e 100 o melhor), tinha recomendação de crédito negativa e apresentava um risco elevado e uma tendência de crescimento negativa; - a passividade do AI e o protelar da venda são prejudiciais aos interesses da massa; - as elevadas taxas de inflacção dos últimos anos já desvalorizaram o preço a receber pela massa insolvente em cerca de 89.540€; - o AI deveria ter exigido o cumprimento do contrato e a devolução do diamante e, não o fazendo, prejudicou grave e culposamente os interesses da massa insolvente[4].
Em 03/06/2024, o AI pronunciou-se no sentido de ser tal pretensão indeferida.
Alega encontrar-se a diligenciar pela salvaguarda dos interesses da massa, acompanhando semanalmente o processo de venda do diamante negro, acrescentando que a especificidade do produto contribui para a dificuldade da venda. Informou estar em curso o envolvimento de uma leiloeira portuguesa que está disposta a promover um leilão à escala mundial, com vista a vender a pedra preciosa. Mais referiu que “[o]utro cenário teria como realidade o prolongamento da situação com a previsível litigiosidade subjacente, já bastante discutida nos autos”.
Os demais credores não se pronunciaram.
Por despacho de 04/06/2024 foi ordenada a notificação do AI para juntar documentação comprovativa da contratação da leiloeira Leilosoc, o que o mesmo veio fazer no dia seguinte (Ref.ª/Citius 438166864), não obstante se tratar de um documento não assinado.
Em 10/07/2024, o tribunal a quo indeferiu a requerida destituição do AI.
Inconformado com tal despacho, o credor AA dele interpôs RECURSO, tendo formulado as CONCLUSÕES que aqui se transcrevem:
“1. Incluem-se na justa causa de destituição «todos os casos de violação de deveres por parte do [administrador de insolvência] nomeado, aqueles em que se verifica a inaptidão ou incompetência para o exercício do cargo, traduzidas na administração ou liquidação deficientes, inapropriadas ou ineficazes da massa, e (…) aqueles que traduzam uma situação em que, atentas as circunstâncias concretas, é inexigível a manutenção da relação com ele e infundada a pretensão do administrador de se manter em funções» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, Lisboa, 2013, pág. 349).
2. Integra esta previsão o comportamento do administrador de insolvência que ao longo de mais de três anos, podendo ter na sua posse um diamante com o valor de €5.000.000,00, conforme contrato assinado, o deixar ficar na posse de uma empresa com capitais próprios de pouco mais de €90.000,00 e sem que se mostre contratado o seguro previsto no mesmo contrato.
3. E é tanto pior este comportamento num cenário de inflação em que o valor que a massa prevê arrecadar se desvalorizou já, nos últimos três anos, em quase €90.000,00.
4. Violou por isso a douta sentença recorrida o disposto no art.º 56.º, n.º 1, do CIRE.
Termos em que deverá, na procedência deste recurso, ser destituído o administrador de insolvência.”
A Massa Insolvente, representada pelo AI, apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, com as seguintes CONCLUSÕES:
“I. O administrador de insolvência deve prover à conservação e frutificação dos direitos do insolvente, por força do disposto no arigo 55.º n.º 1 alínea b) do CIRE.
II. O administrador de insolvência deve prestar oportunamente ao tribunal todas as informações necessárias sobre a administração e a liquidação da massa insolvente, dispõe o arigo 55.º n.º 5 do CIRE.
III. No exercício das suas funções, os administradores judiciais devem orientar sempre a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores em cada um dos processos que lhes sejam confiados, determina o artigo 12.º n.º 2 da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro.
IV. No caso dos autos, o Administrador de insolvência nomeado tem pugnado, tal com atrás foi dito, pelo cumprimento estrito dos deveres legais a que está obrigado.
V. Aos Recorrestes incumbe o ónus da prova da violação dos deveres do administrador de insolvência que seja de tal modo grave que ponha em causa a sua manutenção no cargo.
VI. Ora, o administrador da insolvência não praticou ou deixou de praticar qualquer acto que consubstancie a violação grave os deveres de que foi incumbido.
VII. Os Recorrentes invocam, em suma, (i) que a passividade do administrador da insolvência com o protelamento da venda são prejudiciais aos interesses da massa, uma vez que o preço a receber pela massa insolvente pela venda do diamante já desvalorizou em razão das taxas de inflação dos últimos anos; (ii) que o administrador da insolvência deveria ter exigido o cumprimento do contrato e a devolução do diamante e não o fazendo prejudicou grave e culposamente os interesses da massa insolvente.
VIII. Estas alegações estão desprovidas de qualquer facto que as sustente, não logrando alegar e provar factos que permitam concluir que o administrador da insolvência tenha agido de forma inapta ou incompetente para o exercício do cargo para o qual foi nomeado nos presentes autos ou, que a sua conduta constitua uma violação grave dos deveres a que se encontra legalmente obrigado.
IX. Pelo contrário, os autos revelam que o sr. administrador da insolvência tem tido uma conduta diligente no desempenho das funções que lhe estão incumbidas, no estrito e escrupuloso cumprimentos dos deveres legalmente previstos no artigo 55.º n.º 1 al. b) e 5 do CIRE e artigo 12.º n.º 2 da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro.
X. Outro dado que é bastante elucidativo é que o Estado Português, o maior credor, com um crédito de € 7.628.179,92, no total de € 7.871.840,79, com 96,90% dos créditos reconhecidos, não se pronunciou sobre o pedido de destituição.
XI. Na presente lide estamos em presença de um direito de crédito, cujo despacho de apreensão transitou em julgado, e que está a ser dirimido num processo judicial pendente num Tribunal Belga.
XII. O administrador da insolvência, na tentativa de recuperar esse crédito, celebrou acordo com a devedora, no sentido da venda do diamante negro por parte da DD e com esta tem colaborado nesse processo.
XIII. Atendendo às dificuldades inerentes à especificidade do diamante em questão (negro), à má publicidade que a mesma tem devido ao seu histórico anterior à declaração de insolvência, ao mercado restrito onde se promove a sua comercialização, o administrador de insolvência tomou a inciativa de encontrar uma solução que pudesse ser implementada.
XIV. E essa inicitiva produziu os seus frutos com a intervenção de uma sociedade leiloeira portuguesa que está a promover, neste momento, a realização a breve trecho de um leilão internacional.
XV. A alternativa de proceder à venda do direito de crédito resultará num prejuízo para a massa insolvente, uma vez que o preço de venda de um direito de crédito sofrerá, notoriamente, a significativa diminuição de valor e não irá imprimir uma maior celeridade dos pagamentos aos credores.
XVI. Igualmente, a solução preconizada pelos Recorrentes de denunciar o acordo e de pedir a restituição do diamante a favor da Massa é continuar ou iniciar mais demandas judiciais nos Tribunais belgas, com as inevitáveis delongas até obter uma decisão transitada em julgado, cujo sentido é incerto.
XVII. Pelo exposto, deve o despacho judicial recorrido ser confirmado por este Venerando Tribunal, pois, só assim se fará JUSTIÇA!”
O recurso foi correctamente admitido e os autos subiram a esta instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, ressalvadas as questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, sem prejuízo de o tribunal ad quem não estar limitado pela iniciativa das partes - artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, 635.º e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Assim, a questão a decidir traduz-se em aferir da existência de justa causa para a destituição do Sr. AI.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
No despacho recorrido, o tribunal a quo considerou:
“- BB, Lda., foi declarada insolvente por sentença de 06/08/2019, transitada em julgado, na qual foi nomeado administrador da insolvência o Sr. Dr. CC, aleatoriamente seleccionado de entre os constantes da lista de administradores da insolvência do distrito de Lisboa;
- por despacho de 19/11/2019, transitado em julgado, na falta de oposição dos credores, e considerando que o despacho de encerramento não havia transitado em julgado e a possível existência de activo a liquidar, foi este despacho dado sem efeito e determinado o prosseguimento dos autos para liquidação;
- o sr. administrador da insolvência reconheceu 8 créditos sobre a insolvente no montante global de € 7.871.840,79, dos quais € 7.628.179,92 da Autoridade Tributária e Aduaneira, não havendo sido deduzida impugnação da lista de créditos;
- encontram-se pendentes dois processos judiciais nos tribunais de Antuérpia intentados por BB, Lda, relacionados com uma pedra de diamante negra importada pela insolvente em 2008, com o peso bruto de 823,60 carat, para cobrança do preço, no montante de € 816.618,92, e arresto da pedra de diamante;
- por decisão judicial de 24/01/2019, proferida pelo Tribunal de primeira instância de Antuérpia, foi decretada a apreensão do referido diamante;
- face ao pagamento parcial, encontra-se em dívida à massa insolvente a quantia de € 668.210;
- nos presentes autos de insolvência, encontra-se apreendido o direito de crédito da massa insolvente (€ 668.210) no âmbito dos processos judiciais que correm na Justiça Belga;
- a concretização do direito de crédito da massa insolvente depende da venda do diamante por parte de DD, na sequência do acordo com esta firmado;
- por requerimento de 20/03/2023, o sr. administrador da insolvência juntou aos autos cópia traduzida do acordo celebrado com DD, cujo teor se dá por reproduzido;
- o sr. administrador de insolvência tem prestado informação nos autos da intenção de potenciais compradores em adquirir o diamante negro, nomeadamente requerimentos de 02/12/2021 (ref. 31011594), 12/05/2022 (ref. 32542261), 28/10/2022 (ref. 34014823), 23/06/2023 (ref. 36347062), 12/10/2023 (ref. 37255131), 21/02/2024 (ref. 38546107) e 05/06/2024 (ref. 39574344) dos autos de liquidação, cujo teor se dá por reproduzido;
- a pedido dos credores AA, Berteloot SAS, Laroque et Fils SARL e Camping du Colvert SARL, e atenta a posição assumida pelo sr. administrador da insolvência, foi convocada assembleia de credores para prestação de esclarecimentos sobre o estado das acções em que é autora a massa insolvente pendentes em Antuérpia e sobre o cumprimento do acordo celebrado com a ali ré;
- por requerimento de 05/06/2024 (ref. 39574344) dos autos de liquidação informou, ainda, o sr. administrador da insolvência encontrarem-se em curso negociações no sentido de leiloeira portuguesa promover a venda daquele a nível mundial em paralelo com as diligências a executar pela DD, conforme minuta de contrato junta aos autos principais na mesma data (ref. 39574345), cujo teor se dá por reproduzido.”
Em complemento de tal factualidade, consideram-se, ainda, os seguintes factos:
- Em 09/06/2021 (Ref.ª/Citius 29499695), o AI apresentou requerimento no qual, para além do mais, referiu: “(…) 5. Depois das diligências feitas e das negociações tidas, no dia 27 de Janeiro de 2020, o Administrador de insolvência enviou missiva a cada um dos credores comunicando a existência de duas propostas apresentadas pela DD e Black Falcon, pedindo que se pronunciassem sobre qual das propostas deveria ser aceite. // 6. Do conjunto dos credores, 5 deles decidiram aceitar a proposta apresentada pela DD e um dos credores não tomou posição concreta sobre as propostas apresentadas. // 7. Os credores que votaram pela aceitação da proposta foram: AA, EE, Berteloot, SAS, laroquet et Fils, SARL, Camping du Colvert, SAS. // 8. A credora que não tomou posição foi a Administração Tributária e Aduaneira. // 9. O Administrador de insolvência obteve a aprovação da maioria dos credores para aceitar a proposta apresentada pela DD, nos termos do Artigo 161.º do CIRE. // (…) 28. A DD apresentou uma proposta de liquidar o capital em dívida no valor de de € 668.210,00 (…) // 30. No dia 11 de Março de 2020, O Administrador de insolvência, com a concordância prévia e a aprovação expressa dos credores referidos em 7. deste articulado, celebrou com a DD um acordo para esta proceder ao pagamento da quantia de € 668.210,00. // 31. O acordo pressuponha a venda do diamante a um terceiro. // (…) 36. O acordo firmado no dia 11 de Março de 2020 coincidiu com o início da pandemia do COVID-19 na Europa. // (…) 40. O investidor perdeu o interesse na compra do diamante à DD. (…)”;
- Na informação prestada em 02/12/2021, para além do mais, o AI refere: “O Administrador de Insolvência, tudo tem feito e está a fazer no sentido de recuperar o crédito apreendido nos presentes autos, prevê que até ao final do ano de 2021, se consiga concretizar o acordo firmado o ano passado, liquidar o activo alienado e recuperar o crédito da MI (…)”;
- Na informação prestada em 12/05/2022, para além do mais, o AI refere: “(…) 13. O Administrador de Insolvência, mantém um estreito contacto com a DD, na pessoa do seu sócio-gerente, o Sr. PH, através de reuniões semanais via Zoom. // O Administrador de Insolvência tem constantemente sido informado acerca do estado da liquidação. // 14. Apesar dos diversos constrangimentos enunciados, foram identificados alguns interessados, com quem o Sr. PH, da DD manteve e nalguns casos ainda mantém, contactos e negociações: (…) // 17. O Administrador de Insolvência, tudo tem feito e está a fazer no sentido de recuperar o crédito apreendido nos presentes autos, prevê que até ao final do ano de 2022, se consiga concretizar o acordo firmado o ano passado, liquidar o activo alienado e recuperar o crédito da MI (…)”;
- Na informação prestada em 28/10/2022, para além do mais, o AI refere: “(…) 12. O Administrador de Insolvência tem constantemente sido informado acerca do estado da liquidação, mantém um estreito contacto com a DD, na pessoa do seu sócio-gerente, o Sr. PH, através de reuniões semanais via Zoom. // As reuniões ocorrem, todas as terças-feiras, às 11:00 e nas últimas duas semanas, também sexta-feira, à mesma hora. // 13. Os investidores interessados, deixaram de ser 4 e passaram a ser 2. Menos investidores, mas mais interesse: (…) // 16. O prazo previsto para a concretização da venda, até ao final do ano de 2022, foi ultrapassado com a disputa entre o Dubai e a leiloeira, no entanto o Administrador de Insolvências, impôs como data-limite para o pagamento do Direito de Crédito da MI, o Mês de Fevereiro de 2023, o prazo previsto pela Leiloeira. // 17. O Administrador de Insolvências, continua a tudo fazer no sentido de com a maior brevidade e do melhor modo possível, recuperar o crédito apreendido nos presentes autos. Prevê concretizar o acordo firmado com a DD, liquidar o activo alienado e recuperar o crédito da MI, até Fevereiro de 2023 (…)”;
- Em 15/12/2022, por ter sido determinado pelo tribunal recorrido, o AI juntou aos autos cópia do acordo celebrado em 11/03/2020 entre a massa insolvente e a sociedade DD (cuja tradução foi junta,  em 20/03/2023).
- Nessa sequência, o credor AA apresentou requerimento em 02/01/2023, no sentido de dever o AI prestar esclarecimentos[5], o qual foi secundado por outros três credores (requerimento de 16/06/2023 apresentado por Berteloot SAS, Laroque Et Fils SARL e Camping Du Colvert SARL);
- Na informação prestada em 23/06/2023, para além do mais, o AI refere que houve um “retrocesso no processo de venda” mas que “[e]pera concluir a venda com brevidade“;
- Por despacho de 07/07/2023, foi designada uma assembleia de credores para “prestação de esclarecimentos sobre o estado das acções em que é autora a massa insolvente pendentes em Antuérpia e sobre o cumprimento do acordo celebrado com a ali ré”, a qual teve lugar em 13/09/2023[6];
- Na informação prestada em 12/10/2023, para além do mais, o AI refere: “(…) a venda, parece estar agora mais perto que nunca. // O Administrador de Insolvências, aguarda até ao final do mês de Outubro, por informações muito concretas, acerca da venda do activo (…);
- Na informação prestada em 21/02/2024, para além do mais, o AI refere: “(…) O Administrador de Insolvências, pode confirmar que o Sr. PH, tem efectuado múltiplas diligências de venda que, por ora, o principal interessado e promitente-comprador está situado no Médio-Oriente – Países Árabes, que o Sr. PH já lá foi duas vezes (as negociações com os Árabes, são muito difíceis e a presença física é muito importante), que talvez seja bom realizar esta venda de outro modo que não seja a negociação particular e que, para já o que quer que se faça terá de ser depois do Ramadão, que decorre de 8 de Março a 10 de Abril. // Este facto, não quer dizer que as diligencias de venda vão ser suspensas, antes pelo contrário, o Sr. PH, informou que este período é uma oportunidade para confirmar os métodos de venda, reforçar contactos, bem como efectuar outras diligências.”;
- Na informação prestada em 05/06/2024, para além do mais, o AI refere: “(…) O Administrador de Insolvências, através dos seus esforços conseguiu envolver uma sociedade leiloeira portuguesa, LEILOSOC que está disposta a promover um leilão à escala mundial, com vista a vender a pedra preciosa. // Na presente data, a Massa Insolvente está a “fazer a ponte” entre a DD e a LEILOSOC que estão a ultimar o acordo para que o leilão seja, com a maior brevidade possível, uma realidade onde a salvaguarda do direito de crédito da Massa sobre a DD é uma condição sine qua non. // O referido acordo, não sendo em regime de exclusividade, permite à DD e ao seu sócio-gerente a continuação das acções de promoção e diligencias de venda que tem vindo a desenvolver. (…)”;  
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O CIRE implementou e intensificou a ideia da desjudicialização do processo de insolvência, atribuindo um papel preponderante ao AI (e também aos credores) - não obstante o juiz continuar a deter poderes de controle, a sua intervenção está cingida à função jurisdicional[7].
Sendo o AI um órgão da insolvência, ao mesmo estão acometidos os poderes de administração da massa insolvente, dos quais destacamos os de proceder à liquidação e subsequente repartição do respectivo produto final pelos vários credores – cfr. artigos 81.º, n.º 1, e 55.º do CIRE. Nesse âmbito, incumbe-lhe proceder à apreensão dos bens para a massa insolvente e proceder à respectiva venda[8] (sempre visando o pagamento aos credores, deverá proceder “com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente” – cfr. artigos 36.º, n.º 1, al. g), 55.º, n.º 1, al. a), 149.º, 150.º e 158.º, n.º 1, todos do CIRE), para tanto diligenciado por forma a ultrapassar os obstáculos com que possa vir a ser confrontado.
Prescreve o n.º 1 do artigo 56.º do CIRE que “[o] juiz pode, a todo o tempo, destituir o administrador da insolvência e substituí-lo por outro, se, ouvidos a comissão de credores, quando exista, o devedor e o próprio administrador da insolvência, fundadamente considerar existir justa causa.”
Por outras palavras, o AI apenas poderá ser destituído do cargo desde que exista justa causa, não obstante a lei não facultar uma concreta definição do que se deverá entender por tal.
Em virtude de se tratar de um conceito vago, abstracto e indeterminado, mostra-se necessário proceder à análise da concreta factualidade que tenha sido apurada e, a partir dela, ajuizar se a mesma se revela apta a constituir justa causa.
Mostra-se pacificamente aceite que constituirá justa causa para destituição a violação grave (culposa e injustificada) pelo AI dos deveres legais – cfr., entre outros, os artigos 55.º, n.º 1, 61.º ou 62.º (para além do que consta do n.º 1 do 59.º), todos do CIRE - ou estatutários - cfr. artigo 12.º, n.º 1 e 2 do Estatuto do Administrador Judicial (EAJ)[9] - a que está vinculado enquanto tal.
Mas, igualmente será de concluir nesse sentido sempre que se verifique alguma circunstância que torne objectivamente insustentável a manutenção do cargo.
Assim, num primeiro momento, há que apurar se o AI praticou (por acção ou por omissão) os factos que lhe são imputados, e, no momento subsequente, indagar se tais factos são ou não susceptíveis de inviabilizar a sua permanência no cargo.
Fazendo um paralelismo com o que ocorre em sede laboral (com as devidas adaptações), diremos que a justa causa implica o preenchimento dos seguintes requisitos: a) uma conduta reveladora de inaptidão ou incompetência para o exercício do cargo ou uma conduta culposa caracterizada pela violação dos deveres inerentes a tal cargo; e, cumulativamente, b) uma impossibilidade de manutenção do AI no cargo para o qual foi nomeado por quebra de confiança.
Nessa medida, também aqui, imperam, de forma implícita, regras conformativas dos conflitos de direitos, nomeadamente os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade. Tanto a gravidade, como a culpa, terão de ser apreciadas em termos objectivos e concretos (em face do caso concreto e segundo critérios de objectividade e razoabilidade).
A inexigibilidade de permanência do AI no cargo justificar-se-á sempre que, nas concretas circunstâncias demonstradas (factualidade que tenha resultado provada), a sua continuidade no exercício de tais funções se revele incomportável por a conduta assumida ser susceptível de destruir ou abalar seriamente a confiança que o cargo implica (a confiança que deve existir entre o mesmo, o tribunal, os credores e os órgãos da insolvência), criando sérias dúvidas ou reservas sobre a idoneidade futura da sua conduta[10]. Releva aqui, particularmente, a exigência geral da boa-fé na execução dos contratos (artigo 762.º do CCivil). [11]
Citando Catarina Serra[12], “só uma violação grave dos deveres do administrador da insolvência, que torne infundada a expectativa ou a pretensão da sua continuidade em funções, pode dar origem à sua destituição”, sendo que existirá justa causa para esta última “quando o administrador adopte um comportamento geral ou pratique algum acto em particular que o torne desmerecedor da confiança dos restantes órgãos processuais ou das partes”.
Daí que, como Carvalho Fernandes e João Labareda[13] escrevem, “[c]obrem-se todos os casos de violação de deveres por parte do nomeado, aqueles em que se verifica a inaptidão ou incompetência para o exercício do cargo, traduzidas na administração ou liquidação deficientes, inapropriadas ou ineficazes da massa, e, segundo o entendimento que temos por correto, aqueles que traduzam uma situação em que, atentas as circunstâncias concretas, é inexigível a manutenção da relação com ele e infundada a possível pretensão do administrador de se manter em funções (…)”[14]. Acrescentam, contudo: “para lá desta disposição de caráter geral, há normas específicas que consagram casos particulares de destituibilidade, como acontece, v.g., com os arts 168º e 169º” (estes dois preceitos elencam, a título exemplificativo, situações nas quais a lei considera verificar-se justa causa para a destituição do AI).
Já Marco Carvalho Gonçalves[15], sintetiza diversos outros casos nos quais a destituição estará igualmente justificada. Entre outros, exemplifica os seguintes: a) quando o AI viole, de forma reiterada e injustificada, os deveres de boa-fé e de cooperação com o tribunal, não respondendo às notificações que lhe sejam dirigidas, b) procure alienar os bens da massa insolvente por um valor inferior ao que consta do respectiva auto de apreensão ou revele o “desconhecimento de aspectos essenciais da dinâmica da liquidação do activo”; c) incumpra o dever de apresentar informações periódicas sobre o estado da administração e da liquidação; ou d) releve inaptidão ou incompetência no exercício das suas funções, traduzida na administração deficiente, inapropriada ou ineficaz da massa.
Tendo subjacente que o poder de destituição conferido ao juiz se assume como um poder revestido de carácter funcional e, nessa medida, é um poder vinculado (o qual não poderá deixar de ser exercido quando se verifique justa causa[16]), no caso, a 1.ª instância decidiu não destituir o AI.
Para tanto consignou-se na decisão recorrida:
“Os administradores da insolvência estão sujeitos aos deveres impostos no art. 12.º do Estatuto do administrador judicial (Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro), nomeadamente, ao dever de orientar a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores, e competem-lhe as funções previstas no art. 55.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. // Incumbe aos requerentes da destituição o ónus da prova da violação dos deveres do administrador que seja de tal modo grave que torne inexigível a sua manutenção no cargo. // Ora, no caso em apreço, não se vislumbra que o sr. administrador da insolvência tenha violado de forma grave os deveres de que foi incumbido. // No essencial, invocam os credores requerentes da destituição que a passividade do sr. administrador da insolvência e o protelar da venda são prejudiciais aos interesses da massa, porquanto o preço a receber pela massa insolvente pela venda do diamante já desvalorizou em razão das taxas de inflação dos últimos anos; que o sr. administrador da insolvência deveria ter exigido o cumprimento do contrato e a devolução do diamante e não o fazendo prejudicou grave e culposamente os interesses da massa insolvente. // No entender do tribunal, não lograram os credores requerentes provar factos que permitam concluir que o sr. administrador da insolvência tenha agido de forma inapta ou incompetente para o exercício do cargo ou que constituam violação grave dos deveres a que se encontra adstrito. // Na verdade, os autos revelam que o sr. administrador da insolvência tem tido uma conduta diligente no desempenho das funções que lhe estão incumbidas. // Não deixa de ser revelador que o maior credor, o Estado Português, com um crédito de € 7.628.179,92, no total de € 7.871.840,79 reconhecidos, não se tenha manifestado no que respeita ao pedido de destituição. // Acresce que, por um lado, não podemos olvidar que o que está apreendido nos autos é um direito de crédito em discussão em processo judicial na Justiça Belga, sendo que o sr. administrador da insolvência, na tentativa de concretizar com a maior brevidade esse crédito, decidiu celebrar acordo com a devedora no sentido da venda do bem inerente (o aludido diamante negro) e com esta tem colaborado nesse procedimento. Aliás, com vista à agilização da venda do referido diamante, o sr. administrador da insolvência diligenciou, recentemente, pela intervenção de leiloeira com sede em Portugal, em paralelo com a DD. // Por outro lado, não podemos deixar de ter em consideração a especificidade do bem que se pretende vender, venda que, a materializar-se, permitirá satisfazer o direito de crédito da massa insolvente. // Dir-se-á, finalmente, que a alternativa de, ao invés de aguardar a venda do diamante e o ressarcimento do direito de crédito da massa insolvente por essa via, proceder à venda do direito de crédito resultará, certamente, em prejuízo para a massa insolvente (em virtude de o preço de venda de um direito de crédito importar, notoriamente, a respectiva diminuição de valor) e não redundará na maior celeridade dos pagamentos aos credores.” (sublinhados nossos).
No essencial, corrobora-se a conclusão a que chegou a 1.ª instância.
A nomeação para o cargo de AI, e a sua aceitação, acarreta para o mesmo, não apenas o dever de uma actuação proactiva, mas igualmente uma postura colaboradora, devendo responder às solicitações que o tribunal lhe dirija, por forma a esclarecer qualquer dúvida, emitir pronúncia acerca de qualquer questão que lhe seja colocada ou carreando para os autos elementos cuja junção se revele necessária e tenha sido determinada.
O exercício das funções inerentes a tal cargo não é compatível com uma postura de passividade, de desinteresse, de silêncio, antes devendo corresponder ao desempenho de um gestor criterioso e ordenado, como referido no artigo 59.º do CIRE[17].
No caso, não se poderá afirmar que o desempenho do AI não esteja a ser pautado por tais critérios.
Sendo inquestionável que a liquidação se iniciou no ano de 2020, ainda não estando concluída, não poderemos deixar de atender às circunstâncias do caso.
Como bem refere a decisão recorrida, o que se encontra apreendido para a massa insolvente é um direito de crédito que está em discussão na justiça belga (e não o diamante) – sendo que as circunstâncias nas quais tal negócio ocorreu (inclusive o preço acordado), não estão aqui em causa, nem poderão, como tal, ser discutidas.
Não obstante, em face das acções que se encontram pendentes na Antuérpia, entre a massa insolvente, representada pelo AI, e a sociedade DD, a quem a devedora vendeu o diamante (a qual não liquidou integralmente o preço, sendo esse o fundamento do direito de crédito apreendido), foi firmado um acordo, no sentido de se proceder à venda da pedra preciosa a terceiro, por forma a que a primeira receba o montante que lhe é devido.
Tal acordo beneficiou do consentimento expresso dos credores da massa insolvente (com excepção da credora Autoridade Tributária, a qual não se pronunciou), nos quais se inclui o aqui recorrente.
Sendo certo que até à data tal venda não se concretizou, importa realçar que, para além das dificuldades criadas pelos efeitos da pandemia Covid-19 (apesar de não obstativas do prosseguimento da liquidação), o objecto da venda (diamante) e respectivo valor assumem características muito particulares que igualmente não facilitarão a realização do negócio.
Ora, a apreciação da conduta do AI terá de ter subjacente a repercussão que a mesma teve no processo, mas também as particularidades e complexidade que no caso ocorrem.
Como resulta da factualidade provada, a qual não foi impugnada, têm vindo a ser efectuadas diligências tendentes à venda do diamante, diligências essas que o AI tem acompanhado  e para as quais tem colaborado, sendo que, mais recentemente, também ele recorreu aos serviços de uma leiloeira portuguesa, como forma de, em conjunto com a sociedade DD, se conseguir a venda (como acordado).
E sempre tem informado o tribunal e os credores do estado de tais diligências.
O recorrente insurge-se contra o facto de o AI não ter pedido a restituição da pedra preciosa (argumentando que os prazos consignados no acordo com a DD foram ultrapassados e nesse acordo estava previsto que, caso o mesmo não fosse cumprido, o diamante seria devolvido).
Porém, não nos poderemos alhear do facto de não ser o diamante negro que se mostra apreendido, mas tão somente o direito de crédito a dirimir nos litígios judiciais pendentes na Antuérpia.
Nessa medida, o referido acordo, mais não constituiu do que uma forma de ultrapassar os riscos da incerteza do desfecho que tais acções poderão ter e uma tentativa de alcançar uma solução mais célere.
Como defendido por Carvalho Fernandes/João Labareda[18], “Mesmo quando a lei lhe atribui a possibilidade de opção entre várias alternativas, o administrador deve agir de acordo com aquela que, segundo as circunstâncias concretas e ao olhar de um gestor criterioso e ordenado, se evidenciar como a mais favorável e proveitosa para a melhor tutela dos interesse dos credores. É a esta luz que têm sempre que ser avaliadas as faculdades múltiplas que cabem ao administrador, bem como os deveres que sobre ele impendem. E a essa mesma luz será apreciado o seu procedimento e, correspondentemente, medida a sua responsabilidade”.
Se tal celeridade não está a ser conseguida, nem assim poderá ser imputável ao AI, sendo que os elementos constantes do processo não permitem corroborar o entendimento do recorrente de que aquele assume uma postura de passividade, lesiva dos interesses dos credores (que “a inércia do administrador de insolvência está a causar danos aos credores”).
Quanto ao mais, designadamente quanto à invocada situação económica da sociedade DD, como bem refere a 1.ª instância, nenhuma prova foi produzida (apesar de o recorrente ter identificado no ponto 6 do seu requerimento um “Doc. 1”, nada juntou).
E mesmo que se admita que, desde 2020, possa ter ocorrido uma desvalorização do “preço a receber pela massa insolvente” – no valor de 89.540€ (como referido no requerimento de 13/05/2024) ou já de 90.000€ (como referido no presente recurso) -, nem assim se poderá concluir no sentido de se tratar de uma consequência imputável a algum comportamento censurável do AI.
Mais se dirá que, mesmo que o AI quisesse “executar” o acordo que firmou com a DD, não é crível que o conseguisse fazer sem recurso aos tribunais. Ou seja, que lhe fosse possível, num prazo mais curto, obter um resultado mais favorável às finalidades do processo.
E, não se poderá deixar de frisar, também a opção de liquidar o bem apreendido para a massa insolvente não se nos afigura ser a mais vantajosa para os credores (apesar de se desconhecer o valor que poderia ser obtido com a alienação do direito de crédito apreendido, segundo a experiência nos revela, sempre seria substancialmente inferior, desde logo por o mesmo estar a ser discutido na justiça belga).
Por fim, há que referir que, com excepção do recorrente e do credor EE (ambos detentores de créditos laborais), nenhum outro veio subscrever o pedido de destituição do AI, nomeadamente a credora Autoridade Tributária e Aduaneira (detentora de um crédito de 7.628.179,92€, num universo de 7.871.840,79€ de créditos reclamados, verificados e graduados - cfr. Ref.ªs/Citius 24701614 e 402688244, apenso A). Como salientam Carvalho Fernandes e João Labareda[19], as posições evidenciadas no processo pelos demais intervenientes constituem contributos para a boa ponderação do juiz (apesar de não serem vinculativos para o juiz).
Inexiste qualquer facto indiciador de estarmos em face de uma actuação que se revele desprovida de falta de zelo e de diligência, ou sequer de ineficácia[20], antes denotando que o AI sempre actuou em prol de serem alcançadas as finalidades do processo – através do património da devedora, ressarcir os credores (cfr. artigo 1.º do CIRE) -, sempre informando o processo do estado das diligências realizadas e prestando os esclarecimentos que lhe foram solicitados (pautando, pois, a sua actuação por critérios de idoneidade e transparência).
Não logrou o recorrente demonstrar, nem tal resulta do processo, que tenha o AI praticado ou omitido qualquer acto que envolva uma administração deficiente, inapropriada ou ineficaz (contrária à que seria levada a cabo por um administrador diligente), sendo que toda a sua actuação foi acompanhada e consentida pelo tribunal e pelos credores (incluindo o recorrente). 
Os elementos constantes dos autos não permitem afirmar a existência de qualquer violação (e, menos ainda, uma violação grave e injustificada) dos deveres que sobre o AI impendiam, bem como que o mesmo revele inaptidão ou incompetência para o cargo (manifesta incapacidade traduzida numa administração ou liquidação deficiente, inapropriada ou ineficaz da massa[21]), para além de não estar igualmente demonstrado que tenha ocorrido quebra do vínculo de confiança exigido para o exercício do mesmo (confiança essa que no mesmo foi depositada pelo próprio julgador, aquando da sua nomeação). Aliás, o recorrente nem alega que tal quebra de confiança tenha ocorrido (factor essencial à justa causa para destituição).
Por assim ser, impõe-se concluir que a actuação do Sr. AI não preenche os requisitos elencados para que se possa concluir pela existência de justa causa para a sua destituição.
Como sumariado pelo acórdão da Relação do Porto de 11/12/2024, “I – O conceito de justa causa de destituição do administrador assenta na ideia de inexigibilidade de continuação da relação, por grave violação de deveres e importante atentado ao princípio da confiança que está subjacente às relações funcionais estabelecidas com o Tribunal, os órgãos de gestão, credores e demais interessados na insolvência, dificultando ou inviabilizando o objectivo ou finalidade do processo. II – Interessa a falta importante e grave, quer na sua dimensão individualizada, quer no domínio do resultado consequencial – a justa causa de destituição só ocorrerá, em princípio, quando a falta ou falha do nomeado se objective ou repercuta no âmbito do processo, dificultando ou inviabilizando se alcancem as suas finalidades, pois só então se poderá ter por irremediavelmente ferida a relação de confiança que a manutenção do exercício do cargo pressupõe.”
Uma última nota, não menos relevante:
Os autos de insolvência chegaram a ser encerrados por inexistência de bens, tendo sido por iniciativa do AI que tal despacho veio a ser dado ser efeito, prosseguindo-se depois para a fase de liquidação (tendo sido apreendido o direito de crédito nos moldes da descritos). Não obstante tal iniciativa tenha tido subjacente a informação que o próprio recorrente terá prestado ao AI (segundo este último refere no seu requerimento de 18/11/2019), o certo é que foi a actuação do mesmo que deu causa ao prosseguimento do processo (apensos de apreensão e de liquidação).
Tal facto traduz, sem margem para dúvida, um acto revelador do bom desempenho das funções atribuídas ao AI (enquanto servidor da justiça e do direito), em total colaboração com o tribunal e com os credores, por forma a melhor salvaguardar os interesses destes últimos.
Por assim ser, a decisão recorrida assume-se como acertada, nenhuma censura nos merecendo.
Improcede, assim, o presente recurso.
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IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam as Juízas desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente, mantendo-se o decidido pela 1.ª instância.
Custas pelo apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que o mesmo beneficie – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2025
Renata Linhares de Castro
Ana Rute Costa Pereira
Paula Cardoso
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[1] Em requerimento apresentado em 18/11/2019, para além do mais, o AI informou ter sido emitida pela sociedade devedora a factura n.º 18, de 09/10/2017, no valor de 918.210€ (venda de um diamante à sociedade DD, pelo montante de 1.000.000€, ao qual foi deduzido o valor devido pelo trabalho de lapidação da pedra efectuado pela compradora), bem como ter-lhe sido transmitido que teriam já sido pagos 250.000€ em 2018 e, ainda, que 25% do diamante serão detidos por terceira pessoa (L).
[2] Por requerimento de 04/02/2020, o AI juntou aos autos procuração a constituir mandatário para representar a massa insolvente nos processos judiciais que correm termos na Antuérpia.
[3] Com fundamento no facto de, à data da insolvência, a propriedade do diamante já ter sido transmitida, razão pela qual não poderia o mesmo ser incluído na massa insolvente (tanto mais que se mostra judicialmente reclamado, na justiça belga o pagamento do respectivo preço).
[4] Não obstante referir juntar um documento, nada foi anexado ao requerimento.
[5] Com o seguinte teor: “1. De acordo com o artigo 5.º, n.º 1, do acordo (Validade do Depósito), ficou estipulado que o mesmo tinha a duração de dez dias a partir da entrega do diamante à primeira contratante (DD), entrega que terá sido concluída no prazo de três dias úteis a contar da assinatura do acordo (art.º 3.º, n.º 2). // 2. Conforme artigo 6.º, esse depósito tinha por objecto a venda do diamante a terceiro e essa venda, nos termos conjugados dos artigos 5.º e 6.º, deveria concretizar-se em dez dias contados do início do depósito. // 3. Isto é, considerando a data do acordo (11 de Março de 2020, data em que foi assinado pelas duas partes), o diamante terá sido depositado à guarda da DD até 16 de Março de 2020 (terceiro dia útil) e a venda deveria ter sido concretizada pela depositária até 26 de Março de 2020 (…) // 4. Ora, conforme artigo 7.º do acordo, que se passa a traduzir (…) se a venda do diamante não for feita até ao termo do depósito especificada no artigo 5.º, a primeira contratante compromete-se a entregar o diamante nas mãos do representante indicado pela segunda contratante (a massa insolvente). // 5. Perante isto, parece evidente que o diamante deveria estar já na posse de um representante da massa insolvente há mais de dois anos e, se é este o único acordo celebrado entre esta e a DD, e sem prejuízo do processo em curso em Antuérpia, de que se desconhecem os termos, parece também haver mais do que razões para a resolução do negócio e venda pela massa a um terceiro, pelo seu real valor de mercado. // 6. Recorde-se, a esse propósito, a avaliação constante do processo (requerem não da insolvente de 25 de Novembro de 2019) em que é referido um valor de €12.000.000,00 (pelo que é estranho o seguro ter sido feito, segundo art.º 3.º, n.º 6, do acordo por apenas €668,210.00). // Perante isto, tornam-se ainda mais necessárias explicações cabais sobre a forma como está a ser conduzido o processo, explicações que seria pertinente serem dadas perante a assembleia de credores.”
[6] No âmbito de tal diligência, para além do mais, foi proferido o seguinte despacho: “Notifique o Sr. Administrador de Insolvência para no prazo de 30 dias informar os autos sobre o estado do cumprimento do acordo celebrado entre a Massa Insolvente e a DD. // Deverá no mesmo prazo juntar aos autos, caso entretanto não haja sido concretizada a transferência para a Massa Insolvente do montante de 668.210,00 € referido no acordo, certidão dos articulados da acção que se encontra pendente no Tribunal de Antuérpia bem como cópia do contrato de seguro mencionado na cláusula 3.ª do acordo entre a Massa Insolvente e a DD."
[7] Cfr. ponto 10 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18/03, pelo qual foi o CIRE aprovado.
[8] Tal função é exercida sob a fiscalização da Comissão de Credores ou, na falta desta, da Assembleia de Credores, e pelo juiz – artigos 55.º, n.º 5, 58.º e 68.º do CIRE.
[9] O artigo 12.º do EAJ, aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26/02, prescreve: “1 - Os administradores judiciais devem, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se servidores da justiça e do direito e, como tal, mostrar-se dignos da honra e das responsabilidades que lhes são inerentes. 2 - Os administradores judiciais, no exercício das suas funções, devem atuar com absoluta independência e isenção, estando-lhes vedada a prática de quaisquer atos que, para seu benefício ou de terceiros, possam pôr em crise, consoante os casos, a recuperação do devedor, ou, não sendo esta viável, a sua liquidação, devendo orientar sempre a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores em cada um dos processos que lhes sejam confiados. (…)”
[10] Casos nos quais ocorre uma “quebra irreversível do elo de confiança que legitimou a sua investidura em tal cargo”, como se escreveu no acórdão da Relação do Porto de 04/02/2014 (Proc. n.º 197/09.4TYVNG-AY.P1, relator João Diogo Rodrigues), disponível in www.dgsi.pt, como todos os demais que vierem a ser citados.
[11] Cfr. acórdão desta Relação de Lisboa de 17/04/2012 (Proc. n.º 664/10.7TYLSB-O.L1-1, relator Eurico Reis): “(…) II. No que respeita à construção da compreensão/extensão lógica do conceito de “justa causa” para efeitos de destituição do Administrador da Insolvência, tem necessariamente o intérprete de socorrer-se das indicações deixadas pelo Legislador nomeadamente nos arts. 168º e 169º do CIRE, e, a partir destes exemplos, pode concluir-se que existirá justa causa para a destituição do Administrador da Insolvência quando o mesmo se comporte de forma que ultrapasse os limites da boa fé, dos bons costumes e com violação dos fins económico e social dos direitos que lhe cumpre exercer (art. 334º do Código Civil), quando ele se mostre manifestamente incapaz para o exercício das funções ou ainda quando, fundamentadamente, se quebre o indispensável vínculo de confiança que tem de existir entre aquele e os credores e aquele e o Tribunal.”
[12] Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2.ª Edição, 2021, págs. 90/91.
[13] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3.ª edição, 2015, pág. 334.
[14] Cfr., ainda, nesse sentido, o acórdão do STJ de 02/02/2010 (Proc. n.º 1173/05.1TBCLD-A.L1-7, relator Luís Espírito Santo), no qual se pode ler: “há que ponderar que ao Administrador compete, no desempenho das suas funções, uma actuação especialmente diligente, orientada por critérios de transparência, ordem e rigor, conforme se exige, em particular, a alguém está incumbido de gerir bens alheios”.
[15] Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, 2023, págs. 146 a 148.
[16] Nesse sentido, CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, obra citada, pág. 336, e CATARINA SERRA, obra citada, pág. 91.
[17] Cfr., entre outros, ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, Vol. I, Almedina, 4.ª edição, 2022, pág. 349.
[18] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3.ª edição, 2015, pág. 232
[19] Obra citada, pág. 335.
[20] Como se sumariou no acórdão da Relação de Coimbra de 15/02/2022 (Proc. n.º 3549/16.0T8LRA-K.C1, relator Freitas Neto), “A justa causa exigida pelo artigo 56.º do CIRE para a destituição do administrador da insolvência implica a demonstração de actos que envolvam uma administração notoriamente deficiente, inapropriada ou ineficaz da massa insolvente, e que, por isso mesmo, nunca seriam praticados por um administrador medianamente diligente e sagaz.
[21] Cfr. acórdão da Relação do Porto de 11/12/2024 (Proc. n.º 2095/24.2T8VNG-E.P1, relator João Ramos Lopes).