Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL RIBEIRO MARQUES | ||
Descritores: | NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL DIREITO TRANSITÓRIO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/01/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. Da aplicabilidade imediata do NCPC, expressa no art. 5º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26/6, não decorre a inutilização dos actos praticados à sombra do CPC velho, dado não lhe ter sido conferida eficácia retroactiva.
2. No domínio processual é aplicável a doutrina estabelecida, em termos genéricos, no art. 12º do C. Civil, com as necessárias adaptações, da qual deriva que a validade e regularidade dos actos processuais anteriores aferem-se pela lei antiga, na vigência da qual foram praticados. 3. No NCPC prevê-se (art 607º, n.º 1), à semelhança do que ocorria já no domínio do CPC aprovado pelo D.L. n.º 44129, de 28/12/1961 (art. 653º, n.º 1), a reabertura da audiência de discussão e julgamento sempre que o tribunal não se julgue suficientemente esclarecido. 4. Acontece que na data em que foi ordenada a reabertura da audiência, já o tribunal tinha proferido despacho autónomo sobre a matéria de facto controvertida constante da base instrutória, nos termos do art. 653º, do CPC velho. 5. Com a prolação dessa decisão esgotou-se o poder jurisdicional do tribunal de 1ª instância quanto à fixação desses factos – art. 666º do CPC velho e art. 613º do NCPC. 6. Ainda que no NCPC seja na sentença (art. 607º), e não já em despacho autónomo, que o tribunal declara os factos que considera provados e os que julga não provados, efectuando a análise crítica das provas produzidas, a entrada em vigor do NCPC não tem a virtualidade de apagar do processo o despacho anteriormente proferido a declarar os factos provados e não provados constantes da base instrutória. 7. Encontrando-se a matéria de facto já julgada, a “reabertura” da audiência carece de sentido, constituindo um acto que a lei não admite – art. 195º, n.º 1, do NCPC. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I. FS, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra PA, pedindo que seja declarado que é filho do réu. Alegou, em suma, que nasceu a 15 de Novembro de 1990, na constância do casamento de sua mãe com JR; que a presumida paternidade foi impugnada por este último, tendo, por sentença transitada em julgado, sido declarado que aquele não é o seu pai biológico; que, como reconheceu nesse processo, a sua mãe admitiu que manteve relações de cópula completa com o ora Réu PA durante os 180 dias dos 300 que antecederam o nascimento do autor; que o réu tem consciência de que o A. é seu filho, pois em diversas ocasiões e ao longo dos últimos anos enviou dinheiro á mãe; que o A. sofre da doença denominada “B- Thalassemia”, a qual é hereditária, tendo ficado provado que a sua mãe não é portadora dessa doença. O réu contestou, alegando, em síntese, que conheceu a mãe do A., pois a mesma trabalhou para a sociedade “C, Lda”, da qual era um dos sócios; que é falso que tenha mantido relações de cópula completa com a mãe do A. e muito menos durante os 180 dias que antecederam o nascimento do A.; e que tinha um bom relacionamento profissional com a mãe do A., chegando a emprestar-lhe dinheiro para pagamento das prestações da casa. O Autor replicou, alegando, que sofre da doença “B-Thalassemia”, a qual é hereditária e que tal doença tem origem nos Países do Golfo Pérsico, o que constitui mais um forte indício de que o A. é filho do R. Conclui requerendo que o R. se submeta à efectivação do teste de ADN. Foi proferido despacho saneador, organizados os factos assentes e a base instrutória. Pelo despacho de fls. 88 foi ordenada a realização de exames de ADN ao réu para determinar se é o pai do autor. Ouvidas as partes sobre a forma de realização desse exame, veio o autor requerer que o mesmo seja realizado em Portugal, no INML, e, caso tal não seja possível, uma vez que não existe representação diplomática portuguesa na Síria, e sendo os assuntos deste país acompanhados pela Embaixada de Portugal em Nicósia, requer em alternativa que seja aí realizada a recolha do material biológico. Refere ainda que o réu é uma pessoa muito influente na Síria, sendo o seu irmão o actual cônsul honorário de Portugal em Alepo. De sua vez, o réu veio dizer que tem a sua residência na Síria e, por motivos profissionais, familiares e do conflito bélico em curso, não tem qualquer possibilidades de sair da Síria; que os dois consulados Portugueses na Síria foram encerrados por força do estado de guerra; e que apenas aceita que a perícia seja realizada no seu país e por ordem de um tribunal judicial Sírio. Seguidamente foi proferido despacho com o seguinte teor: “Fls. 103 e 107: Uma vez que o R. não aceita, ou não pode, deslocar-se a Portugal, e que a Síria não é parte na Convenção de Haia de 18 de Março de 1970 (aprovada pelo DL 764/74, de 30-XII), não se mostra possível a recolha de material biológico (quer no I.N.M.L., quer através das competentes autoridades judiciárias sírias). A recolha de material biológico do R. através da Embaixada de Portugal em Nicósia não tem cabimento legal – não se mostrando viável, quer pelo estado de guerra (praticamente notório) em que se encontra a Síria, quer pela relação de parentesco alegada (a fls. 103), a sua recolha através do Cônsul Honorário de Portugal em Alepo. Assim, mostra-se inviabilizada a realização do exame determinado a fls. 88. Notifique.” Após foi designada data para a realização do julgamento. Realizado este, por despacho exarado na acta de julgamento (datado de 12/07/2013), respondeu-se à matéria constante da base instrutória. Posteriormente, a Sra. Juíza proferiu o seguinte despacho (datado de 9/10/2013): “Preparando-me para proferir sentença, verifico que da prova já produzida, tudo indicia que o Autor é efectivamente filho do Réu. Efectivamente o Autor padece de doença hereditária comum nas pessoas oriundas de África, Sudoeste Asiático e Mediterrâneo. O Réu é natural da Síria, país sito no Sudoeste Asiático. Da prova produzida resultou que a mãe do Autor manteve relações de cópula com o Réu, que o Autor é portador desta doença hereditária e que não a herdou de sua mãe. Ora, todos estes factos são indiciadores de que, de facto, o Autor é filho do Réu. No entanto, entendo que, para o cabal esclarecimento dos mesmos e tendo o Réu recusado submeter-se a testes de ADN, necessário se torna ouvir a mãe do Autor. Assim sendo, e de harmonia com o disposto no art. 607º, 1 do Novo Código de Processo Civil, aplicável aos processos pendentes, cfr. art. 5º, 1, da Lei 41/2013, de 26 de Junho, determino a reabertura da audiência de julgamento a fim de ser inquirida MS. Para o efeito, designo o dia 01 de Novembro de 2013 às 10:00 horas. Notifique”. Pelo requerimento de fls. 140/143 o réu arguiu a nulidade desse despacho, o que foi indeferido pelo despacho de fls. 160/161. O Réu juntou exames clínicos a fim de tentar demonstrar não ser portador da doença “B-Thalassemia”. O Autor impugnou tais exames. Reaberta a audiência de julgamento, o tribunal inquiriu a progenitora do autor. Após foi proferida sentença, na qual se fixaram os factos provados e respectiva fundamentação, tendo-se concluído na mesma pela procedência do pedido, sendo o autor sido declarado filho do réu. Inconformado, veio o réu interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões: I. O despacho que ordenou a reabertura da audiência de discussão e julgamento é nulo por consubstanciar a prática de um ato que a Lei não admite e influir no exame e decisão da causa, violando de forma expressa o disposto nos artigos artigo 5° da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, 12° e 8° do Código Civil, artigo 607° do actual CPC e artigos 13°, 18°, 203° e 204° da Constituição da República Portuguesa; II - A aplicação do artigo 5° da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho e consequentemente do nº 1 do artigo 607° do actual CPC, com a interpretação que a Ma Juiz de Circulo lhe pretende dar, na medida em que limita injustificadamente os direitos do ora Recorrente, padece do vício de inconstitucionalidade por violar o "princípio da igualdade", enquanto acepção do direito de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20.°, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa; III - A nulidade do acto de despacho que ordenou a reabertura da audiência de julgamento implica a nulidade nos termos subsequentes, onde se inclui a audiência do dia 01/ 11/2013 e a inquirição de MS - cfr. artigo 195° nº 1 parte final e 198° n.º 2 do NCPC; IV - Termos em que, o depoimento de MS não pode ser tomado em consideração por ser nulo e de nenhum valor nos presentes autos; V - Devendo ser desentranhado, e anulado tudo o posteriormente processado, onde se inclui a sentença ora recorrida, e proferido Douto Acórdão que atenta a matéria de facto fixada nos autos, julgue a acção improcedente, por não provada e absolva o R. do pedido. VI - Na sentença recorrida, a Mma Juíza a quo teria que indicar e considerar como assente a matéria de facto dada como provada nos autos por despacho de fls ... proferido em 12/07/2013 e, quando muito, considerar os factos provados por documentos juntos aos autos posteriormente à data em que foi proferido o referido despacho sobre a matéria de facto; VII - Não podendo conhecer - como fez - de questões que não foram colocadas pelas partes, que não são de conhecimento oficioso e que não cabem na previsão do nº 2 do artigo 5° do NCPC; VIII - Ao conhecer questões que não foram colocadas pelas partes, o Douto Tribunal a quo cometeu um excesso de pronúncia, violando o disposto no n.º 2 do art. 608.° do NCPC (anterior n.º 2 do art. 660.° do CPC e tornando nula a sentença; IX - A Sentença é nula nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d), do n.º 1 do art.º 615° do NCPC (anterior artigo 668.° do CPC) porque o Tribunal a quo pronunciou-se sobre questão que não podia conhecer; X - A Douta Sentença recorrida, para além de violar a lei substantiva, baseou -se em errada apreciação da prova produzida em sede de audiência e julgamento e na consequente errada decisão sobre a matéria de facto e aplicação do direito à mesma; XI - O Tribunal a quo julgou incorrectamente a matéria dos factos constantes dos artigos 1º, 2°, 3°, 4° e 5° transcritos em III precedente, o que implica a alteração da decisão proferida quanto à matéria de facto, porquanto, perante os meios de prova carreados para o processo, os referidos factos devem merecer a resposta de NÃO PROVADOS; XII - A testemunha RM limitou-se a referir que MS lhe tinha contado ter tido um relacionamento extraconjugal com o R. e ora Recorrente e que tinha suspeitas de que o A. e Recorrido na presente acção, não era filho do seu marido JR; XIII - A testemunha não indicou se as relações sexuais foram de cópula completa; XIV - A testemunha não indicou em que datas ocorreram as relações sexuais; XV - O depoimento desta testemunha é um testemunho indirecto; XVI - O depoimento desta testemunha não é um testemunho apto a provar que o Réu e ora Recorrente teve relações sexuais com a mãe do A. durante o período legal de concepção; XVII - Nem a provar que as mesmas, a terem existido, o foram em regime de exclusividade; XVIII - O testemunho de RM não permite provar que o Réu e ora Recorrente é o pai biológico do Autor; XIX - O mesmo se dizendo do depoimento de MS Ribeiro, na medida em que esta testemunha se limita a afirmar que teria tido relações sexuais com o Réu ora Recorrente, mas sem precisar, em concreto, as datas e muito menos se essas relações ocorreram no período de concepção do Recorrido; XX - Termos em que, tal testemunho não é apto a provar que o Réu é o pai biológico do Autor; XXI - Por outro lado, MS afirmou ainda em Tribunal que gerou um segundo filho, do sexo feminino, e que tal criança não seria filha de JR e nem do Réu; XXII - Em suma a testemunha MSes afirmou que durante o seu casamento manteve relações sexuais com mais do que dois parceiros. XXIII - Esta circunstância seria mais do que suficiente para julgar de forma restritiva os artigos 1 e 2 da base instrutória, porém a Mma. Juiz assim não o entendeu; XXIV - O Recorrente vive na Síria, Pais assolado pela guerra não lhe sendo permitido deslocar-se a Portugal; XXV - O Recorrente não se recusou a submeter a testes de ADN, tendo-se disponibilizado a realizar testes de ADN na Síria (Pais onde reside e onde foi regularmente citado para a presente acção); XXVI - O teste de ADN é imprescindível para a decisão da presente acção e o Tribunal a quo não esgotou todas as vias possíveis à sua realização; XXVII - O Tribunal a quo - como forma de contornar a impossibilidade do ora Recorrente se deslocar a Portugal para a realização do referido teste de ADN - deveria ter solicitado aos Tribunais Sírios, através de expedição de carta rogatória, a realização desse teste na Síria em instituição credenciada indicada pelo Tribunal; XXVIII - O facto de a Síria não ser parte da referida Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial concluída em Haia aos 18 de Março de 1970 (aprovada pelo DL n.º 764/74, de 30/12), não obsta à expedição de carta rogatória para que a recolha de material biológico seja efectuada na Síria e o teste de ADN realizado em instituição credenciada indicada pelo próprio Tribunal Sírio; XXIX - O Recorrente não padece de doença hereditária comum das pessoas oriundas de África, Sudoeste Asiático e Mediterrâneo conforme relatório médico junto a fls. dos autos, o que, por si só, também impunha a realização do referido exame de ADN; XXX - O relatório médico em causa foi emitido por entidade habilitada e idónea, a qual merece total credibilidade e como tal, deveria ter sido considerado pelo Tribunal a quo; XXXI - A Sentença recorrida padece de erro na apreciação da prova produzida em sede de julgamento, tendo sido incorrectamente julgados os concretos pontos de facto atrás enunciados, sendo que, no entender do ora Recorrente, a correcta decisão a proferir sobre as questões de facto impugnadas é a seguinte: Art. 1ºda BI (facto 4 da sentença) - Não Provado que MR manteve relações de cópula completa com o ora R. PA entre 19 de Janeiro e 19 de Maio de 1990; Art. 2° da BI (facto 6 da sentença) - Provado apenas que o réu enviou por diversas ocasiões dinheiro a MS; Art. 3° da BI (facto 7 da sentença) - Provado que o A. sofre da doença hereditária "Beta-Thalassemia" - não sendo sua mãe portadora desta doença; Art. 4° da BI (facto 8 da sentença) - Provado que o R. conheceu a mãe do ora A. quando esta trabalhou para a "C. Lda"; Art. 5° da BI (facto 9 da sentença) - Provado que em virtude do bom relacionamento existente, o R. emprestou dinheiro à mãe do A. para pagamento de algumas prestações do crédito à habitação da sua casa de família, uma vez que esta alegou ter graves dificuldades financeiras; Art. 6° da BI - Não provado que o R. nunca manteve relações de cópula completa, ou quaisquer contactos físicos, com MS. Facto 5 da sentença - Não provado que entre os anos de 1989 e 1992 MR apenas manteve relações de cópula com o Réu e com JR. Facto 10 da sentença - Provado apenas que o Réu se encontra impedido de se deslocar a Portugal para realização dos testes de ADN, tendo solicitado que os mesmos fossem requeridos a Tribunal Sírio e realizados na Síria; XXXII - A prova produzida e dada como assente pelo Tribunal a quo nos autos é insuficiente para determinar a procedência da presente acção, impondo-se outro julgamento da matéria de direito; XXXIII - O Autor propôs a presente acção de investigação de paternidade fundando-a em presunções legais de filiação, designadamente e em concreto, na que se reporta o art. 1871°,1, e), do Código Civil; XXXIV - É ao A. e ora Recorrido que cabia provar que a sua mãe MR tinha tido relações sexuais com o ora Recorrente durante o período de concepção. XXXV - Prova essa que o A. e ora Recorrido não conseguiu efectuar; XXXVI - O Tribunal a quo estava obrigado à regra constante do artigo 414° do NCPC (anterior artigo 516° do CPC) que estabelece que, em caso de dúvida sobre a realidade de um facto, ela se terá de resolver contra a parte à qual o facto aproveita; XXXVII - A presente acção de investigação da paternidade deveria ter sido julgada pelo Douto Tribunal a quo como improcedente, por não provada e o ora Recorrente absolvido do pedido; XXXVIII - A não realização do teste de ADN não se deveu a facto ou acção culposa do ora Recorrente; XXXIX - Mas à inacção do Douto Tribunal a quo que não cuidou de ordenar a emissão de carta rogatória para recolha do material biológico do Recorrente e realização do teste de ADN na Síria, em instituição credenciada a indicar pelo Tribunal Sírio; XL - Não estando reunidos no presente processo os pressupostos da inversão do ónus da prova constantes do n.º 2 do artigo 344º do Código Civil; XLI - A prova produzida e dada como assente pelo Tribunal a quo nos autos é insuficiente para determinar a procedência da presente acção; XLII - O facto de ter ficado provado nos autos que o A. sofre da doença hereditária "Beta-Thalassemia" - não sendo sua mãe portadora desta doença, não é um facto que constitua prova bastante para considerar que o A. e ora Recorrido é filho biológico do Recorrente; XLIII - Não ficou provado nos autos que o ora Recorrido padeça de tal doença; XLIV - Pelo que, o Douto Tribunal a quo teria forçosamente que ter julgado improcedente a presente acção, por não provada e em consequência ter absolvido o ora Recorrente do pedido; XLV - A sentença recorrida viola o disposto nos artigos 1871º, nº 2, 342º e 346º do Código Civil, bem como no artigo 414º do NCPC (anterior artigo 516º do CPC); XLVI - Não se aplicando no presente caso a presunção constante da alínea e) do nº 1 do artigo 1871º do Código Civil, porque o A. e ora Recorrido não logrou fazer prova da ocorrência de relações sexuais entre a sua mãe e o ora Recorrente no período da concepção; XLVII - Não subsistindo quaisquer dúvidas de que a Mma Juíza a quo errou tanto no julgamento da matéria de facto como na aplicação do direito, pelo urge revogar a Douta Sentença recorrida; XLVIII - Devendo ser proferido Acórdão a julgar a acção improcedente por não provada e a absolver o Recorrente do pedido, por força do disposto nos referidos normativos. Termina pedindo seja dado provimento ao recurso e, em consequência seja declarado nulo todo o processado após 09/10/2013, devendo a sentença recorrida ser substituída por Acórdão que atenta a matéria de facto fixada nos autos, julgue a acção improcedente, por não provada e absolva o R. do pedido; e caso assim se não entenda seja revogada a decisão da 1ª Instância e ordenar que o processo baixe à 1ªa Instância para emissão de carta rogatória para realização de teste de ADN na Síria, em instituição credenciada a indicar pelo Tribunal Sírio, na medida em que, a matéria de facto provada nos autos é insuficiente para estabelecer com segurança a filiação de paternidade do ora Recorrente com o Recorrido. Não foram apresentadas contra-alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. Na sentença foram considerados provados os seguintes factos: 1 – FS nasceu em Lisboa a … de Novembro de 1990; 2- O Autor foi registado como filho de MR e de JR; 3- Por sentença de … de Julho de 2008 (processo nº …, do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de …) foi declarado que o ora A. não era filho de JR. 4- MR manteve relações de cópula completa com o Réu PA entre os anos de 1989 e 1992; 5- Durante esse período de tempo apenas manteve relações de cópula com o Réu e com JR. 6- O Réu tem consciência de que o Autor é seu filho e enviou, por diversas ocasiões, dinheiro a MS; 7- O Autor sofre da doença hereditária “Beta-Thalassemia”, não sendo a sua mãe portadora da mesma; 8- O Réu conheceu a mãe do Autor quando antes de esta trabalhar na “C, Lda.” 9 – Em virtude do bom relacionamento existente, o R. emprestou dinheiro à mãe do A. para pagamento de algumas prestações do crédito à habitação da sua casa de morada de família, atentas dificuldades financeiras; 10 - O Réu entende qua apenas tem de ser submetido a exames de ADN na Síria e por ordem de tribunal Sírio, cfr. fls. 107 e 108; 11 - A Síria não faz parte da Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial, concluída em Haia aos 18 de Março de 1970 (aprovada pelo DL764/74, de 30/12), cfr. fls. 91 a 96. *** III. As questões a decidir resumem-se, essencialmente, a saber: - se o despacho que ordenou a reabertura da audiência de discussão e julgamento é nulo por consubstanciar a prática de um acto que a lei não admite e influir no exame e decisão da causa, o que acarreta a nulidade dos termos subsequentes, incluindo a sentença; - se a sentença é nula por excesso de pronúncia; - se o Tribunal a quo deveria ter solicitado aos Tribunais Sírios, através de expedição de carta rogatória, a realização de teste de ADN na Síria, em instituição credenciada indicada pelo Tribunal; - se é caso de alterar a matéria de facto fixada em 1ª instância; - se é caso de revogar a sentença recorrida. * IV. Do mérito da apelação:
Da arguida nulidade processual: No recurso interposto da sentença final, o apelante impugnou a decisão que ordenou a reabertura da audiência de discussão e julgamento, já após o tribunal ter respondido à matéria de facto constante da base instrutória. A questão de que cumpre conhecer é, pois, a de saber se esse despacho enferma de nulidade e, em caso de resposta afirmativa, quais as consequências da mesma.
Dos factos: Realizado o julgamento, por despacho exarado na acta de julgamento (datado de 12/07/2013), a Exma. Sra. Juíza respondeu à matéria constante da base instrutória, dando como provados os seguintes factos: - MS manteve relações de cópula com o réu PA (resposta ao art. 1º). - O réu enviou por diversas ocasiões dinheiro a MS (resposta ao art. 2º). - O A. sofre da doença hereditária “Beta-Thalassemia” – não sendo sua mãe portadora desta doença (resposta ao art. 3º). - O R. conheceu a mãe do A. quando esta trabalhou para a “C. Lda, cujo sócio era (resposta ao art. 4º). Posteriormente, dia 9/10/2013, a Sra. Juíza proferiu o seguinte despacho: “Preparando-me para proferir sentença, verifico que da prova já produzida, tudo indicia que o Autor é efectivamente filho do Réu. Efectivamente o Autor padece de doença hereditária comum nas pessoas oriundas de África, Sudoeste Asiático e Mediterrâneo. O Réu é natural da Síria, país sito no Sudoeste Asiático. Da prova produzida resultou que a mãe do Autor manteve relações de cópula com o Réu, que o Autor é portador desta doença hereditária e que não a herdou de sua mãe. Ora, todos estes factos são indiciadores de que, de facto, o Autor é filho do Réu. No entanto, entendo que, para o cabal esclarecimento dos mesmos e tendo o Réu recusado submeter-se a testes de ADN, necessário se torna ouvir a mãe do Autor. Assim sendo, e de harmonia com o disposto no art. 607º, 1 do Novo Código de Processo Civil, aplicável aos processos pendentes, cfr. art. 5º, 1, da Lei 41/2013, de 26 de Junho, determino a reabertura da audiência de julgamento a fim de ser inquirida MS. Para o efeito, designo o dia 01 de Novembro de 2013 às 10:00 horas. Notifique”. Reaberta a audiência de julgamento, o tribunal inquiriu a progenitora do autor. Posteriormente foi proferida sentença, na qual se consideraram provados os factos, alguns deles diversos dos que decorrem da resposta à matéria da base instrutória exarada a 12/07/2013, nomeadamente que a mãe do autor manteve relações de cópula completa com o Réu PA entre os anos de 1989 e 1992 e que durante esse período de tempo manteve ainda relações de cópula com JR.
Do direito: O despacho cuja nulidade foi arguida no processo data de 9/10/2013. Nessa altura já vigorava o Novo CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26/6, na qual se estabelece (art. 5º, n.º 1) que “sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o Código de Processo Civil aprovado em anexo à presente lei, é imediatamente aplicável às acções declarativas pendentes”. Da aplicabilidade imediata do NCPC não decorre, porém, que o mesmo tenha atingido os actos praticados à sombra do CPC velho, dado não lhe ter sido conferida eficácia retroactiva. E, no domínio processual, é aplicável a doutrina estabelecida, em termos genéricos, no art. 12º do C. Civil, com as necessárias adaptações. Daí deriva que a validade e regularidade dos actos processuais anteriores aferem-se pela lei antiga, na vigência da qual foram praticados. “O respeito da validade e eficácia dos actos anteriores pode inclusivamente obrigar à aplicação da lei antiga mesmo a actos posteriores à entrada em vigor da nova lei, se tal for necessário para que os actos anteriormente realizados não percam a utilidade que tinham” – cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pag. 49; em sentido diverso vide Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, pags. 57/60. Assim, tendo sido proferido dia 9/10/2013 o despacho que ordenou a reabertura da audiência de julgamento, é indubitável que a validade e regularidade do mesmo deve ser aferida em face do NCPC. Ora, neste prevê-se (art 607º, n.º 1), à semelhança do que ocorria já no domínio do CPC aprovado pelo D.L. n.º 44129, de 28/12/1961 (art. 653º, n.º 1), a reabertura da audiência de discussão e julgamento sempre que o tribunal não se julgue suficientemente esclarecido. Acontece que na data em que foi ordenada a reabertura da audiência já o tribunal tinha proferido decisão sobre a matéria de facto controvertida constante da base instrutória. E, com a sua prolação, esgotou-se o poder jurisdicional do tribunal de 1ª instância em matéria de fixação dos factos (provados ou não provados) constantes da base instrutória – art. 666º do CPC velho e art. 613º do NCPC. Ficou assim encerrado em 1ª instância o julgamento sobre a matéria de facto controvertida. Não se ignora que no NCPC é na sentença (art. 607º), e não já em despacho autónomo, como ocorria no CPC velho (arts. 653º e 657º), que o tribunal declara os factos que considera provados e os que julga não provados, efectuando a análise crítica das provas produzidas. Porém, a entrada em vigor do NCPC não tem a virtualidade de apagar do processo o despacho anteriormente proferido a declarar os factos provados e não provados, nem de pôr em crise a sua validade formal. Este continua a produzir no processo todos os seus efeitos. Por outra via: A reabertura prevista na lei (art. 607º, n.º 1, do NCPC e art. 653º, n.º 1, do CPC velho) visa as situações em que o tribunal não se encontra suficientemente esclarecido para julgar a matéria de facto. Encontrando-se esta já julgada, a “reabertura” da audiência carece de sentido, tendo, no caso em apreciação, conduzido à realização de um 2º julgamento sobre a matéria de facto por parte do mesmo tribunal, o que constitui um acto que a lei não admite. No domínio da lei nova, após a fixação dos factos em 1ª instância, só o Tribunal da Relação pode ordenar, em caso de dúvida sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova - cfr. art. 662º, n.º 2, al. b). Foi assim cometida uma nulidade processual – art. 195º do NCPC. Essa nulidade influi na decisão da causa, pois que o tribunal, após reabrir a audiência de julgamento, deu como assentes factos diversos dos anteriormente fixados, os quais relevam na decisão de direito, na medida em que aí se deu como provado que a mãe do autor manteve relações de cópula completa com o réu PA entre os anos de 1989 e 1992 e, por via disso, verificada a presunção de paternidade a que se reporta o art. 1871º, n.º 1, al. e) do C. Civil. Consequentemente, encontrando-se a nulidade cometida coberta por despacho, importa revogar a decisão que ordenou a reabertura da audiência de julgamento e todo o processado posterior, incluindo a sentença – art. 195º, n.º 2, do NCPC. Procede, por isso, na parte em análise, a apelação, mostrando-se prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas na mesma.
V. Decisão: Pelo acima exposto, julga-se a apelação procedente, revogando-se a decisão proferida dia …/10/2013 que ordenou a reabertura da audiência de julgamento e anulando-se todo o processado posterior, incluindo a sentença. Custas pelo vencido a final. Notifique. Lisboa, 1 de Julho de 2014 (Manuel Ribeiro Marques - Relator) (Pedro Brighton - 1º Adjunto) (Teresa Sousa Henriques – 2ª Adjunta) |