Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CELINA NÓBREGA | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO ENTIDADE PÚBLICA EMPRESARIAL NULIDADE CONVALIDAÇÃO CASO JULGADO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | Sumário: 1-A sentença proferida na acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho forma caso julgado relativamente ao trabalhador que, citado nos termos do artigo 186.º-L n.º 4 do CPT, não intervenha na acção 2-O artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009 estatui uma presunção de laboralidade mediante a verificação de, pelo menos, duas das características que enumera, presunção que é ilidível pelo empregador. 3- No ano de 2020 inexistiam as restrições orçamentais à contratação de trabalhadores por parte das entidades públicas empresariais e que vigoravam desde o ano de 2013. 4- Subsistindo, nesse período, o contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré, entidade pública, ao abrigo do artigo 125.º do Código do Trabalho, operou a convalidação desse contrato com efeitos retroactivos. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: Relatório AA, administrativo, residente na Rua ...Unhos, veio propor acção declarativa com processo comum contra RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL, S.A. pedindo que, julgando-se procedente a acção, em consequência, seja a Ré condenada: a)A reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre Autor e Ré e a atribuir ao Autor a categoria de “Técnico Administrativo”, com efeitos a 1 de Março de 2016, com todas as consequências daí decorrentes, designadamente remuneratórias; b) A pagar ao Autor a quantia de € 31 826,64, acrescida de juros à taxa legal desde o vencimento de cada prestação; e c) Nas diferenças que venham a ocorrer na retribuição e respectivos subsídios durante a pendência da presente acção. Invocou para tanto, em resumo, que, em 1 de Março de 2016, celebrou com a Ré um contrato a termo por seis meses, que denominaram de “Contrato de Prestação de Serviços relacionados com análise e controlo de conteúdos inseridos no G-Média TX”, que foi sucessivamente renovado até 1 de Setembro de 2016, estando a decorrer a sexta renovação, com início em 01.01.2022 e termo em 01.12.2022, que o Autor está adstrito à Direcção de Compras e Património onde exerce as funções de Técnico Administrativo, que, por determinação da Ré, o Autor presta a sua actividade na sede da RTP, com instrumentos e equipamentos da Ré, tem um horário estipulado pela Ré e tem de justificar as suas faltas perante o trabalhador da Ré a quem reporta, que tem um retribuição fixa que aufere nos 12 meses do ano, que, na mesma data em que a Ré admitiu o Autor, admitiu, por contrato denominado de prestação de serviços, 3 trabalhadores e posteriormente outra trabalhadora que desempenham as mesmas funções que o Autor e que foram integrados na empresa com contrato de trabalho com a categoria de Técnico Administrativo, na qual deve ser qualificado o Autor desde 1 de Março de 2016, sendo-lhe devidas as respectivas diferenças salariais. Concluiu que está sujeito à disciplina e direcção da Ré e que estão verificados os requisitos a que alude o artigo 12.º do Código do Trabalho. Designada a audiência de partes, foi requerida a suspensão da instância com vista à formalização de um acordo, que não foi conseguido. A Ré contestou por excepção e por impugnação. Por excepção, invocou a nulidade da contratação por falta da necessária autorização governamental e a impossibilidade de a Ré reconhecer eventuais situações de trabalho dependente, sem aquela autorização, a impossibilidade de o Tribunal reconhecer eventuais situações de trabalho dependente celebradas pela Ré, por originariamente inválidas e a prescrição dos créditos reclamados relativos ao período anterior a 9 de Janeiro de 2017. Por impugnação, refutou a existência, entre o Autor e a Ré, de uma relação de cariz laboral, defendendo que se trata de um contrato de prestação de serviços, posto que o Autor não faz parte da estrutura organizativa da Ré, não recebe quaisquer ordens, directivas e instruções, nem é fiscalizado ou tem quaisquer superiores hierárquicos e que todos os indícios a que alude o artigo 12.º do CT se encontram liminarmente afastados. Mais invocou que a relação jurídica em causa já foi anteriormente objecto de apreciação judicial que julgou a acção improcedente e que, para além de genérica, é infundada a comparação que o Autor faz com alguns trabalhadores do quadro da Ré e que, mesmo a considerar-se a existência de um contrato de trabalho não é devida a totalidade das quantias que o Autor reclama. Pediu, a final, que: a)As invocadas excepções sejam julgadas procedentes e, em consequência, determinada a absolvição da Ré da instância; b) Caso assim não se entenda, que a acção seja julgada improcedente, por não provada, e a Ré absolvida dos pedidos formulados pelo Autor.; c) Caso assim não se entenda e caso o Tribunal considere que a relação jurídica aqui em causa configura um contrato de trabalho, seja declarada a nulidade de tal contrato de trabalho, absolvendo a Ré do pedido de integração do Autor no seu quadro de pessoal; d) Caso assim não se entenda, devem as diferenças salariais que se entenda serem devidas ser reduzidas em função da prescrição invocada, bem como do demais alegado na contestação. O Autor respondeu pugnando pela improcedência das excepções. Dispensada a realização da audiência prévia e fixado o valor da causa em €31.826,64, foi proferido despacho saneador que relegou para momento posterior o conhecimento das excepções, abstendo-se o Tribunal a quo de proferir o despacho previsto no artigo 596.º do CPC, na consideração de que a matéria controvertida não se reveste de especial complexidade. Realizou-se a audiência de julgamento, tendo as partes acordado quanto ao facto alegado no artigo 8.º da petição inicial. Após, foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo: “Por tudo o que ficou exposto, nos termos das disposições legais citadas, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência: I – Condeno a ré a reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre autor e ré, desde 01 de Março de 2016; II – Condeno a ré a atribuir ao autor a categoria profissional de Técnico Administrativo, desde a mesma data, com todas as consequências daí decorrentes; III – Declaro a nulidade do referido contrato de trabalho, desde 23/09/2022; IV – Condeno a ré a pagar ao autor as diferenças salariais na remuneração base, decorrentes da atribuição da categoria profissional de Técnico Administrativo, desde 01/03/2016 (ano rectificado) até 23/09/2022; V – Condeno a ré a pagar ao autor os subsídios de férias e de Natal, desde 01/03/2016 (ano rectificado) até 23/09/2022, sendo os relativos ao ano de 2016 calculados proporcionalmente, em função do tempo de actividade prestado; VI – Condeno a ré a pagar ao autor os subsídios de transporte, desde 01/03/2016 (ano rectificado) até 23/09/2022, calculados nos termos da cláusula 48.ª do AE aplicável; VII – Condeno a ré a pagar ao autor juros de mora à taxa legal sobre as quantias em dívida, desde a data dos vencimentos respectivos até integral pagamento; VIII – Absolvo a ré do demais peticionado. Custas por autor e ré, na proporção do decaimento - art. 527º, nºs 1 e 2 do CPC – que fixo em 1/5 para o primeiro e 4/5 para a segunda. Registe e notifique. D.N.” Inconformado, o Autor pediu a rectificação da sentença e recorreu, sintetizando as alegações nas seguintes conclusões: “1-A douta sentença declara a nulidade do Contrato de Trabalho retroagindo a sua eficácia ao dia 23/09/2022, data em que o A. foi notificado da contestação da R. Sendo a fundamentação a seguinte: “ O nº 2 do art. 1º dos estatutos da ré, aprovados pela Lei nº 39/2014 de 09/07 dispõe: “2 – A sociedade rege-se pelos presentes estatutos, bem como, relativamente a tudo quanto nos mesmos não se encontre regulado, pelo disposto, nomeadamente, no regime jurídico do setor público empresarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro, e no Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março.”. Sobre um caso paralelo, decidiu o STJ, por acórdão de 13/07/2017, Proc. 723/14.7TTPRT.P1.S1, em cujo sumário doutrinal, além do mais, pode ler-se: “1. Provando-se que a trabalhadora exercia uma actividade em favor de pessoa colectiva de direito público, no caso uma entidade pública empresarial do sector da saúde, sendo o contrato a termo declarado nulo, não pode o mesmo converter-se em contrato de duração indeterminada, se não fez prova de ter sido admitida através dum processo de selecção aberto a todos os cidadãos, conforme impõe o n.º 2 do artigo 47.º da CRP. 2. A previsão deste preceito constitucional abrange também a admissão dum trabalhador ao serviço duma pessoa colectiva pública mesmo que o regime laboral seja o do contrato individual de trabalho. 3. (…)”. Nos termos do disposto nos arts. 5º e 10º, nº 2, da Lei nº 23/2004 de 22/06 e do nº 2 do art. 47º da CRP, verifica-se uma impossibilidade legal de constituição de uma relação de trabalho subordinado entre o autor e a Ré Já que, o autor não alegou nem, consequentemente, provou ter sido admitido na ré ao abrigo de um processo de recrutamento, aberto a todos os candidatos reunissem condições para o efeito. Assim, só pode considerar-se nulo o contrato de trabalho que vinculou o autor à ré, por violação expressa das referidas normas legais e constitucional, o que será declarado a final. E tendo tal nulidade sido arguida pela ré na contestação, a eficácia da sua declaração opera à data em que o autor foi notificado da contestação da ré-vd. Ac. STJ de 07/09/2017, proc.329/06.4TTALM.L1.S1.” 2-A nulidade do Contrato de Trabalho não foi alegada pela R.-entidade contratante-nos termos e com a fundamentação plasmada na douta sentença, não tendo sido alegada pela R. a disposição constante do nº 2 do artigo 47º da Constituição da República Portuguesa. 3-Não está em causa, na presente decisão, a celebração de um novo contrato, mas do reconhecimento em Tribunal de um contrato que tem vindo a vigorar desde 01 de Março de 2016. 4-Não foi um objectivo da presente acção judicial, impor à R. a contratação do A. 5-O A. foi contratado por iniciativa da R., sendo que a finalidade da presente acção é discutir a natureza do vínculo estabelecido por via daquele contrato, entre A. e R. 6-Tendo sido apurada a natureza de Contrato de Trabalho e a atribuição de Categoria Profissional ao A. 7- Ao declarar a nulidade do referido contrato, a douta Sentença premeia a precarização da relação de trabalho, com violação do direito à segurança no emprego, esse sim protegido por norma Constitucional. ( Artºs 53º, 58º e 59º da CRP). 8-Os factos alegados na Contestação da R. não objectivaram qualquer nulidade do contrato de trabalho, baseado no facto de que o A. não terá sido admitido na ré ao abrigo de um processo de recrutamento, aberto a todos os candidatos que reunissem condições para o efeito. 9-De qualquer forma qualquer processo de recrutamento aberto, seria sempre algo sobre o qual o A. não teria a possibilidade de ter qualquer intervenção ou controlo. 10-O recrutamento do A. partiu de um processo inteiramente controlado e na disponibilidade da R. a qual, tendo admitido o A. vem desde 01 de Março de 2016, exercendo o seu poder de autoridade e direcção sobre o A., 11-O qual, A., presta a sua actividade, mediante retribuição e sob subordinação jurídica, tal como resulta da factualidade provada e levada em consideração pelo douto Tribunal, para proferir sentença que determina o seguinte: “ I – Condeno a ré a reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre autor e ré, desde 01 de Março de 2016; II – Condeno a ré a atribuir ao autor a categoria profissional de Técnico Administrativo, desde a mesma data, com todas as consequências daí decorrentes.” 12- Ao ser proferida sentença que determina a nulidade do contrato, com base num princípio constitucional, (nº 2 do artº 47º da CRP), não alegado em sede de Contestação, o Tribunal “a quo” excedeu os seus poderes de cognição, ao ter emitido pronúncia baseada numa formulação não alegada. 13-Para mais, caso tivesse sido alegada, teria sido fundamento de “abuso de direito”, no exercício do contraditório por parte do A. abuso de direito praticado pela R. (artº334.º do C. Civil) na modalidade de venire contra factum proprium. 14-De facto, tendo o inteiro domínio do processo de admissão de trabalhadores, o teria feito contra lei, prevalecendo-se da mesma para vir posteriormente alegar a nulidade do contrato de trabalho e da mesma tirar vantagens pecuniárias, usando a actividade do trabalhador, que teria contratado em desconformidade com a lei que não poderia deixar de conhecer. 15-A declaração da nulidade do contrato de trabalho com efeitos a 23/09/2022, fundamentada numa disposição Constitucional não alegada pelas partes, viola o princípio da igualdade previsto no artº 12º da CRP, já que nas mesmas circunstâncias, qualquer trabalhador veria reconhecida na relação estabelecida entre A. e R., um contrato de trabalho por tempo indeterminado. 16- Termos em que se requer seja revogada a douta sentença, na parte que declara a Nulidade do Contrato de trabalho desde 23/09/2022, substituindo-a por outra que considere a existência do contrato de trabalho entre a R. e o A. desde 01/03/2016 e por tempo indeterminado. Sem conceder quanto à revogação da sentença no que respeita à declaração de Nulidade do Contrato de Trabalho desde 23/09/2022, e caso se mantenha por douta decisão deste Venerando Tribunal. 17-O A. havia peticionado na alínea c) do seu pedido e reproduzida na douta sentença: c) Seja a ré condenada no pagamento das diferenças que venham a ocorrer na retribuição e respectivos subsídios, durante a pendência da presente acção. 18-Foi a R. absolvida desta parte do pedido, tendo sido concedida procedência do pedido de reposição de diferenças salariais e respectivos subsídios, até 23/09/2022, porquanto foi declarada a nulidade do contrato a partir dessa data. 19- Refere o artigo 122º nº 1 do Código do Trabalho (Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro): “ O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado” 20-Ao absolver a R. das prestações peticionadas na alínea c) do pedido: “Seja a ré condenada no pagamento das diferenças que venham a ocorrer na retribuição e respectivos subsídios, durante a pendência da presente acção”, a douta sentença não fez uma correcta apreciação da lei aplicável. 21-O A. não pode ser prejudicado no seu direito à retribuição, porquanto continuou a executar as suas funções a favor da A., com a mesma natureza jurídica daquele que executou até 23/09/2022. 22- Ao decidir pela absolvição da R. do pedido das diferenças da retribuição e respectivos subsídios, a partir de 23/09/2022, a douta Sentença desconsiderou e não aplicou o regime dos artºs 121º a 125º do Código de Trabalho, que considera que o contrato produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado. 23-Decidindo, neste segmento, como decidiu, o Tribunal “ a quo” violou as normas constantes do artº 12º da Lei do Contrato de Trabalho, para além das já mencionadas, constantes dos artºs 121º a 125º da mesma Lei. 24-Ao decidir pela absolvição da R. das diferenças de retribuição e respectivos subsídios a partir de 23/09/2022, a douta decisão violou os princípios da proporcionalidade, igualdade e boa fé, consagrados nos artºs 12º e 266º da CRP, porquanto deu um tratamento mais favorável ao empregador, que faz uso do trabalho efectivamente prestado pela parte mais fraca da relação de emprego, premiando a precarização das relações de trabalho e a alegação em abuso de direito de factos e lei que a R. (RTP) não poderia desconhecer aquando da contratação do A. 25-Termos em que se Requer, caso venha a considerar-se a nulidade do contrato de trabalho, seja a douta sentença revogada o segmento que absolve a R. do pedido das diferenças da retribuição e respectivos subsídios a partir de 23/09/2022, sendo a mesma substituída por outra que condene a R a pagar ao A. as diferenças da retribuição e respectivos subsídios, também a partir de 23/09/2022 e, enquanto se mantiver a execução do trabalho por parte do A. Assim sendo: a) Requer seja revogada a douta sentença, na parte que declara a Nulidade do Contrato de trabalho desde 23/09/2022, substituindo-a por outra que considere a existência do contrato de trabalho entre a R. e o A. desde 01/03/2016 e por tempo indeterminado. Sem conceder quanto à revogação da sentença no que respeita à declaração de Nulidade do Contrato de Trabalho desde 23/09/2022, e caso se mantenha por douta decisão deste Venerando Tribunal, b) Caso venha a considerar-se a nulidade do contrato de trabalho, seja a douta sentença revogada o segmento que absolve a R. do pedido das diferenças da retribuição e respectivos subsídios, a partir de 23/09/2022, sendo a mesma substituída por outra que: condena a R. a pagar ao A. as diferenças da retribuição e respectivos subsídios, também a partir de 23/09/2022 e, enquanto se mantiver a execução do trabalho por parte do A. COMO É DE LEI E DE JUSTIÇA” A Ré contra-alegou e formulou as seguintes conclusões: “I. A celebração de contratos de trabalho está, desde 1 de janeiro de 2013, legalmente condicionada (necessidade de prévia obtenção de autorização governamental) às empresas públicas, por força da legislação orçamental (cfr., designadamente, o artigo 28.º, n.º 2 da Lei de Orçamento de Estado para 2016, por se tratar da Lei em vigor no início da produção de efeitos do contrato de prestação de serviços objeto dos presentes autos). II. Também o número 1 do art. 94.º do Decreto-Lei de Execução Orçamental de 2016 completava tal regra (Decreto-Lei n.º 18/2016, de 13/04), ao determinar que: “[…] Os membros do Governo responsáveis pelo setor de atividade podem autorizar o recrutamento de trabalhadores, por pessoas coletivas de direito público e empresas do setor empresarial do Estado, para a constituição de vínculos de emprego por tempo indeterminado, ou a termo, em situações excecionais, fundamentadas na existência de relevante interesse público no recrutamento, ponderada a carência dos recursos humanos, bem como a evolução global dos mesmos e desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos: […]”, ao que acresce ainda o regime decorrente do n.º 5 do referido art. 94.º do Decreto-Lei de Execução Orçamental de 2016, ao determinar que “[o] disposto no [referido] artigo prevalece sobre todas as disposições legais, gerais ou especiais, contrárias”. III. Assim, tendo o Tribunal a quo entendido que a relação jurídica que foi sendo executado pelas partes era um contrato de trabalho e não uma prestação de serviços, seria forçoso ser consequente com tal interpretação e, na linha do peticionado na contestação da Recorrida, declarar a nulidade deste contrato (cfr., a este propósito, designadamente, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-05-2023, proferido no âmbito do processo n.º 1524/22.4T8PDL.L1-4 e disponível em www.dgsi.pt). IV. E, acrescente-se, quer corrobore a fundamentação da Sentença quer siga de perto a fundamentação supra apontada, o Tribunal ad quem não poderá deixar de confirmar a nulidade deste contrato, caso venha a ser confirmada a sua natureza laboral. V. A nulidade é uma matéria de inequívoco conhecimento oficioso por parte do Tribunal (artigo 286.º do Código Civil), pelo que, tendo o Tribunal Recorrido entendido que a relação jurídica aqui em causa configurava um contrato de trabalho, sempre seria forçoso concluir pela respetiva nulidade. VI. Assim, caso se venha a consolidar a qualificação deste vínculo com de trabalho, deverá a Sentença Recorrida, na parte em que declarou a nulidade de tal contrato, ser integralmente mantida. VII. Quanto aos efeitos da declaração de nulidade, muito embora o número 1 do artigo 289.º do Código Civil determine que a mesma tenha efeitos retroativos, o Código do Trabalho prevê uma solução especial e distinta da que resulta do Código Civil, justamente no número 1 do artigo 122.º do Código do Trabalho. VIII. Contudo, esta disposição do Código do Trabalho terá, necessariamente, de ser interpretada no sentido de apenas prever a produção de efeitos como se o contrato fosse válido até ao momento da declaração de nulidade. IX. Só assim se compreende, aliás, também o próprio artigo 125.º, número 2, do Código do Trabalho, que, tratando dos efeitos da convalidação de contrato de trabalho, determina que a convalidação só produz efeitos a partir da cessação da causa da invalidade, ainda que o contrato tenha sido executado anteriormente. X. Termos em que, salvo melhor entendimento, deve igualmente ser rejeitado, neste segmento, o recurso do Recorrente e, consequentemente, mantida a Sentença Recorrida, na parte em que limitou a condenação no pagamento de diferenças salariais até 22/09/2022. Nestes termos, deverá improceder, totalmente, o presente Recurso de Apelação interposto pelo Recorrente, devendo ser mantida, no segmento objeto do recurso, a Sentença Recorrida, só assim se fazendo, A tão costumada JUSTIÇA!” A Ré ainda interpôs recurso subordinado que concluiu nos seguintes termos: “A. A presunção de laboralidade constante do artigo 12.° do Código do Trabalho tem natureza juris tantum, o que significa que pode ser ilidida. E estará ilidida sempre que, não obstante a verificação de duas ou mais alíneas do referido normativo, se possa concluir pela inexistência de subordinação jurídica. B. Remete-se, a este propósito, para o Acórdão do STJ de 7.1.2001 (in www.dgsi.pt) "a prova indiciária da subordinação tem de ser apreciada no seu todo e não reportada a factos isolados" (também Acórdão da Relação de Coimbra de 23.2.1995 in CJ, XX, 1,78 e Acórdão da Relação de Lisboa, de 27.4.2005, in www.dgsi.pt). C. No caso em análise, ainda que o Recorrido preste a sua atividade nas instalações da Recorrente ou em local por esta indicado, trata-se de um facto pouco relevante, sendo certo que também não ficou demonstrado que tenha sido imposta ao Recorrido tal obrigação. D. Quanto ao recebimento da quantia certa mensal de € 900,00, sublinha-se que resulta do contrato que foi acordado um valor total, correspondente ao número de meses de duração do contrato, sendo o pagamento fracionado em prestações mensais de € 900,00 cada. E. Contudo, a remuneração ajustada é uma contrapartida dos serviços contratados e não de um trabalho entendido como atividade profissional de carácter genérico. F. Não se provou que o Recorrido receba da Recorrente qualquer quantia a título de subsídio de férias e de Natal (típico dos trabalhadores subordinados) ou qualquer outro valor para além da quantia mensal de € 900.00. G. Não ficou provada a sujeição do Recorrido a qualquer horário de trabalho, nem mesmo ao controlo das horas de entrada e saída das instalações da Recorrente. H. O Recorrido não está nem nunca esteve integrado na estrutura organizacional da Recorrente, sem prejuízo de o seu trabalho ser avaliado. I. Provou-se que as partes celebraram um contrato de prestação de serviços. Ora, não tendo sido invocado qualquer vício de vontade, temos de presumir que a vontade das partes está devidamente expressa no clausulado do contrato e corresponde à sua vontade real. J. Também não ficou provado que a Recorrente, em alguma ocasião, tenha exercido qualquer ação ou advertência disciplinar o Recorrido. K. É sabido que qualquer atividade humana pode ser executada em benefício de outrem em regime de autonomia ou de forma subordinada, configurando-se a relação contratual correspondente como um contrato de prestação de serviços ou como um contrato de trabalho. L. Assim, o decisivo para a qualificação do contrato utilizado e do respetivo regime jurídico não é a atividade em si mesma, mas o modo como é executada, isto é, de forma autónoma ou subordinada. M. Não assumem qualquer significado as circunstâncias ligadas ao modo de execução da atividade quando tal particular modo de execução for imposto pela própria natureza dessa atividade, não constituindo, portanto, uma tradução da autonomia ou da subordinação jurídica. N. Assim, os indícios a considerar para a qualificação da relação entre as partes nunca poderão ser as circunstâncias impostas por tal natureza, que não constituem, até por expressa opção legislativa, uma tradução da subordinação jurídica. O. É precisamente o que, como referido, ocorre no caso presente em relação, nomeadamente, ao local da execução das funções do Recorrido (as instalações da Recorrente), pois tal não decorre de qualquer obrigação que lhe tenha sido imposta nesse sentido. P. Assim sendo, no caso dos autos, como se disse, este suposto indicador de subordinação relacionado com o local de execução dos serviços contratados não tem valor indiciário e, como tal, não suporta a atuação da presunção prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21.5.2015 - AZEVEDO MENDES -, no âmbito do Proc. n.º 725/14.3TTCBR.C1) Q. Em suma, nos casos dos autos, os supostos indícios da existência de contratos de trabalho não assumem qualquer relevância para efeitos de qualificação da relação estabelecida entre a Recorrente e o Recorrido, pois estão em causa circunstâncias ou características que são impostas pela natureza dos serviços prestados e pelo fim próprio do destinatário da prestação. R. Resulta claro do clausulado dos contratos de prestação de serviços celebrados com o Recorrido que não cabia à Recorrente dirigir ou orientar a execução dos serviços prestados por este e que o início e fim da prestação desse mesmo serviço estaria unicamente condicionado à sua natureza e aos fins a que se destina, sem que, no entanto, estivesse o Recorrido obrigado a observar qualquer horário estabelecido. S. Com efeito, todos os indícios considerados no âmbito da presunção prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho encontram-se liminarmente afastados/ilididos e/ou plenamente justificados, quer pela natureza da atividade da Recorrente quer pela natureza dos serviços a prestar pelo Recorrido, pelo que esta mesma presunção se encontra ilidida. T. Por conseguinte, tendo considerado que a relação jurídica aqui em causa configura uma relação de trabalho subordinado, a Sentença Recorrida violou, em especial, o disposto no referido artigo 12.º do Código do Trabalho, devendo assim ser substituída por um outra que absolva a Recorrente dos pedidos formulados na presente ação, incluindo os relacionados com diferenças remuneratórias conexas com o reconhecimento do contrato de trabalho. NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE DOUTAMENTE SE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER CONSIDERADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, DEVE A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR UM ACÓRDÃO QUE ABSOLVA A RECORRENTE DOS PEDIDOS CONTRA SI FORMULADOS NA PRESENTE AÇÃO ASSIM SE FAZENDO A TÃO COSTUMADA JUSTIÇA! O Autor contra-alegou concluindo: Como refere Monteiro Fernandes in Direito do Trabalho 19.º Edição, pag.148: “ O elemento chave da identificação do trabalho subordinado há-de pois encontrar-se no facto de o trabalhador não agir no seio de uma organização própria, antes se integrar numa organização de trabalho alheia, (que tanto pode ser uma empresa como um lar de família), o que implica, da sua parte, a submissão às regras que exprimem o poder de organização do empregador-à autoridade deste, em suma, derivada da sua posição na mesma organização”. Desta forma: Verifica-se que a Douta Sentença Recorrida está bem fundamentada e alicerçada na exposição dos processos valorativos e críticos de que resultou a formação da sua convicção neste segmento da douta Sentença que Condenou a ré a reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre autor e ré desde 1 de Março de 2016 e a atribuir ao autor a categoria profissional de Técnico Administrativo desde a mesma data, tendo justificado a forma como fixou a factualidade apurada com o recurso a todos os meios de prova, testemunhal e documental e que lhe permitiram formar o raciocínio que serviu de suporte à sua convicção. A fundamentação permite conhecer as provas que serviram para formar a convicção do Meritíssimo Juiz a quo, que apresenta de forma transparente as razões em que faz assentar esse exame crítico e a formação da convicção do Tribunal. Salvo melhor opinião o Recorrente não colocou em crise a forma como o Tribunal apreciou a prova, uma vez que, não justificou a partir da análise dos meios de prova que aduziram, que devesse ter sido aplicado outra decisão de direito, à factualidade apurada pelo tribunal. Nestes termos e nos demais de Direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser totalmente negado provimento ao Recurso interposto, mantendo-se assim, a decisão no segmento ora Recorrido, com todas as devidas e legais consequências. Assim fazendo: JUSTIÇA” Foi proferido despacho que rectificou os pontos IV, V e VI do dispositivo da sentença, rectificação assinalada supra e admitiu ambos os recursos. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido da improcedência dos recursos. Não houve resposta. Foram colhidos os vistos. Face ao teor da sentença junta pela Ré com a sua contestação, por despacho de 07.03.2025 foi determinado se solicitasse ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho-Juiz 3, Processo n.º 18373/17.4T8LSB, Acção de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho, o envio de certidão com nota de trânsito em julgado da sentença aí proferida, bem como o envio da petição inicial, da contestação, da resposta, caso existisse, declaração de AA a aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público ou articulado próprio que tivesse apresentado e que fosse certificada a data da notificação a que alude o artigo 186.º-L n.º 4 do CPT e a data da notificação da sentença às partes e a AA. Em 02.06.2025 foram enviados a este Tribunal os elementos solicitados. Por despacho de 03.06.2025 a Relatora determinou fosse dado conhecimento às partes do teor da certidão junta aos autos e para, querendo, se pronunciarem sobre a possibilidade de existência de caso julgado parcial e de convalidação do contrato celebrado entre as partes. O Autor pronunciou-se nos seguintes termos: “1-A acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, prevista nos art.ºs. 186-K e 186-R do CPT, tem por escopo o combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relação de trabalho subordinado, agindo o Ministério Público na defesa de interesses de ordem pública. 2-Esta acção especial surgiu com o objectivo de instituir mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços, não necessitando de qualquer intervenção do trabalhador. 3-O interesse público no combate aos falsos recibos verdes, implica a falta de legitimidade do trabalhador, designadamente, para transigir no processo, ou confessar ou desistir do mesmo. 4-Na instauração desta acção, dispensa-se, expressamente, a iniciativa e até o consentimento do trabalhador, ao qual é conferida apenas a possibilidade de apresentar articulado próprio e constituir advogado. 5-O interesse público no combate aos falsos recibos verdes, que preside à acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho instituída pela Lei n.º 63/2013, de 27.08, implica a falta de legitimidade do trabalhador para desistir do pedido formulado na acção proposta peloM.º P.º ou para acordar. 6-No Processo 18373/17.4T8LSB, o ora Recorrente não teve qualquer intervenção. 7-É certo que, nesse processo lhe foi dado conhecimento da sentença proferida mas, contra a douta decisão, nada se lhe ofereceu fazer, já que carecia de legitimidade para dela recorrer, uma vez que não era PARTE. 8- Não poderá defender-se que a decisão na acção de reconhecimento judicial da existência de contrato de trabalho forma caso julgado na acção comum intentada pelo trabalhador e, a par, não se reconhecer ao trabalhador legitimidade para daquela recorrer. 9-É certo que, a recorrida RTP, juntou com a sua Contestação, a Sentença proferida no Procº 18373/17.4T8LSB, mas a mesma não ousou extrair dessa Sentença qualquer consequência, designadamente, que a mesma formasse caso julgado. 10-Nos termos do art.º 580º nº 1 do CPC, “Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.” 11- E nos termos do nº 2 do mesmo artigo: Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.” 12-A considerar-se que se tenha formado caso julgado quanto ao A., ora Recorrente, salvo o devido respeito, tal significaria que a acção intentada pelo MP e na qual o ora Recorrente não teve qualquer intervenção-sendo-lhe até vedado recorrer da decisão- constituiria “uma armadilha” que defraudaria os seus legítimos direitos ao reconhecimento da existência de um contrato de trabalho. Nestes termos se pugna pela inexistência de caso julgado relativamente à decisão proferida no Procº 18373/17.4T8LSB, concluindo conforme no Recurso do A.. Como é de Lei e Justiça.” A Ré, por seu turno, pronunciou-se da forma seguinte: “1. Efetivamente, a relação jurídica aqui em causa já foi anteriormente objeto de apreciação judicial, no âmbito de uma ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, tendo essa mesma ação sido julgada improcedente (processo n.º 18373/17.4T8LSB; Juízo do Trabalho de Lisboa, Juiz 3). 2. Tal como reconhecido pelo próprio Autor desta ação, a Decisão proferida no aludido processo n.º 18373/17.4T8LSB foi-lhe oportunamente comunicada, justamente com o objetivo de lhe estender os efeitos do caso julgado. 3. Tal como referido no Acórdão n.º 6330/23.6T8LSB.L1-4, proferido em 07/02/2024 pelo Tribunal da Relação de Lisboa e disponível em www.dgsi.pt, «…esta comunicação, ao concreto trabalhador, de cópia da respectiva sentença (quer ele tenha intervindo quer ele se tenha abstido de intervir na concreta lide) visa estender-lhe os efeitos do caso julgado dessa decisão, de forma a salvaguardar o efeito útil que da mesma decorra (cfr. Joana Vasconcelos em “A posição processual do/a trabalhador/a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho”, Temas do Direito do Trabalho e do Processo de Trabalho, 8 de Abril de 2016, CEJ (gravação vídeo).». 4. Com efeito, em face do exposto, parece, salvo melhor entendimento, que estamos, efetivamente, perante uma situação de caso julgado, tal como já havia sido sugerida nos artigos 31.º a 33.º da contestação e agora assinalada no Despacho a que se responde, sendo certo que se trata de uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, 5. Exceção essa que deverá assim ser conhecida e declarada pelo Tribunal. 6. Relativamente à apontada possibilidade de convalidação deste contrato, a partir de 2022, tendo por base o disposto no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.01.2025, proferido no âmbito do processo n.º 20408/22.0T8LSB.L1, entende a Ré que, não obstante o teor desse mesmo Acórdão, a verdade é que, no seu entender, salvo melhor opinião, deverão, para estes efeitos, ser consideradas as regras constantes do artigo 58.º da Lei de Enquadramento Orçamental, aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro. 7. Na verdade, nos termos do n.º 1, alínea a), desse mesmo preceito legal, «A vigência da lei do Orçamento do Estado é prorrogada quando se verifique: a) A rejeição da proposta de lei do Orçamento do Estado…», 8. Sendo certo que, de acordo com o n.º 2, «A prorrogação da vigência da lei do Orçamento do Estado abrange o respetivo articulado e os correspondentes mapas, bem como decretos-leis de execução orçamental.» (sublinhado nosso). 9. O que significa que, salvo melhor entendimento, no período compreendido entre 1 de janeiro e 28 de junho de 2022 foram mantidas as restrições da Ré em matéria de contratação de trabalhadores subordinados, resultantes da Lei do Orçamento de Estado e da Lei de Execução do Orçamento de Estado para 2021, que, no referido lapso temporal (janeiro a junho de 2022) continuaram a vigorar, cominando com a nulidade as contratações que não tivessem sido precedidas da respetiva autorização governamental.” Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. * Questão prévia: Do caso julgado parcial Dos autos resultam provados os seguintes factos: - Em 14.08.2017, o Ministério Público veio, ao abrigo do art. 15º-A, da Lei nº 107/2009 de 14/09 e nos termos dos artigos 186º-K e seguintes do CPT, propor acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, pedindo que fosse reconhecida a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, entre AA e “Rádio e Televisão de Portugal, S.A.”, com início reportado a 01 de Março de 2016 (Acção de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho, proferida no Processo n.º 18373/17.4T8LSB, do Juízo do Trabalho de Lisboa, Juiz 3). -Fundamentou a acção nos seguintes factos: “No dia 03.05.2017, pelas 16h:20m, AA, encontrava-se no local de trabalho supra referido, mais especificamente, na Direção de Aquisição de Conteúdos e Controle de Grelhas (DACCG), exercendo as funções de administrativo. No momento da visita, procedia à correção dos títulos FAC (fichas de aquisição de conteúdos) I. A DACCG encontra-se nas instalações supra melhor identificadas, as quais são propriedade da beneficiária da atividade; O AA, II. Utiliza os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à beneficiária da atividade – computador, impressora, telefone fixo, material de escritório (ex: papel, canetas) e dispõe de mobiliário do seu local de trabalho – secretária, cadeira com rodízios, cacifo – pertencente à RTP; III. Exerce a sua atividade nas instalações da RTP, supra identificadas; IV. Utiliza o mail de serviço que lhe foi atribuído pela RTP –...@ext.rtp.pt; V. Cumpre o horário de trabalho da restante equipa – 9h – 18h, com 1 hora de intervalo para almoço e dois dias de descanso semanal (sábado e domingo); VI. Está obrigado ao dever de assiduidade sendo que, caso falte, terá que comunicar a sua ausência à Dr.ª BB, assim como compensa as horas em falta - tem cartão de acesso às instalações, com o qual regista as suas entradas e saídas; VII. Trabalha em exclusividade para a RTP, com a qual celebrou contrato de prestação de serviços, encontrando-se em situação de dependência económica da mesma, para a sua subsistência recebendo, como contrapartida da sua atividade, o valor mensal de 900€; VIII. Exerce as funções que lhe são determinadas pela sua Diretora, BB e que incluem a organização e pesquisa documental, prestando apoio em solicitações mais urgentes; IX. Faz parte da estrutura orgânica da RTP – integra-se na estrutura hierárquica (tendo, como chefia direta, BB) e na equipa da DACCG, sendo-lhe distribuído o trabalho normalmente, sem distinção relativamente aos restantes colegas dos quadros da RTP, encontrando-se numa fase de aprendizagem, tendo em vista o colmatar de um défice de recursos humanos que se verificava na equipa; X. Presta serviço para a RTP, de forma ininterrupta e a tempo inteiro, desde 1 de Março de 2016. XI. Encontra-se inscrito nas Finanças e na Segurança Social na qualidade de trabalhador independente e a efetuar os respetivos descontos legais. (…).” A Ré contestou por excepção e por impugnação. O Ministério Público respondeu pugnando pela improcedência das excepções. O Citius certificou a elaboração da notificação do Trabalhador AA, com data de 26.09.2017, do teor da petição inicial de fls. 40 a 46, da contestação de fls. 83 a 159, da resposta de fls. 164 a 171 e do despacho de fls. 173 dos autos, cujas cópias foram juntas. Mais foi o trabalhador notificado para, no prazo de 10 dias, aderir aos factos apresentados na petição inicial, ou querendo, no mesmo prazo, apresentar articulado próprio e constituir mandatário. Não consta que o trabalhador tenha apresentado articulado próprio ou constituído mandatário. Em 23.05.2018 realizou-se a audiência de julgamento na qual estiveram presentes o Ministério Público, o Ilustre Mandatário da Ré, o Trabalhador AA e a testemunha arrolada pelo Ministério Público. - Por sentença proferida em 14.05.2018, transitada em julgado no dia 03.07.2018, a acção foi julgada improcedente e a empregadora absolvida do pedido. - O Citius certificou a elaboração da notificação da sentença às partes e a AA com data de 15.05.2018. - Na identificada sentença foram considerados provados os seguintes factos: “A) – A empregadora tem como objecto social a prestação de serviços públicos de rádio e de televisão. B) - No dia 12 de Junho de 2017, foi levantado o auto de fls. 19 e 20 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na sequência de uma acção inspectiva realizada pela Autoridade para as Condições do Trabalho, em 03/05/2017, na Av. Marechal Gomes da Costa, nº 37, 1800-225 Lisboa. C) – No dia 03/05/2017, AA encontrava-se no local referido em B), mais especificamente, na Direcção de Aquisição de Conteúdos e Controle de Grelhas (DACCG), exercendo as funções de administrativo. No momento da visita, procedia à correcção dos títulos FAC (fichas de aquisição de conteúdos). D) - A DACCG encontra-se nas instalações identificadas em B), as quais são propriedade da empregadora. E) - O trabalhador utiliza equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à empregadora, tais como secretária, computador e telefone. Apreciando. Nos termos do artigo 576.º do CPC: “1-As exceções são dilatórias ou perentórias. 2 - As exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal. 3 - As exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.” É dilatória a excepção do caso julgado (artigo 577.º al.i, do CPC). Embora sem aludir expressamente à existência de caso julgado, veio a Ré, nos artigos 31.º a 33.º da sua contestação, invocar que o objecto desta acção já tinha sido apreciado na acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho cuja cópia da sentença juntou aos autos. De qualquer modo, face ao disposto no artigo 578.º do CPC, a excepção do caso julgado é de conhecimento oficioso. Por isso, sempre se imporia a este Tribunal o seu conhecimento. O conceito de caso julgado é-nos dado pelo artigo 580.º do CPC, nos seguintes termos: “1 - As exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado. 2 - Tanto a exceção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior. 3-(…).” E o artigo 581.º do CPC dispõe, quanto aos requisitos da litispendência e do caso julgado, o seguinte: “1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.” Sobre a litispendência e a excepção do caso julgado, escrevem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no “Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª Edição, Almedina, pag. 590: “Quer a exceção da litispendência, feita valer quando ambas as acções estão pendentes, quer a exceção do caso julgado, feita valer quando uma delas foi já definitivamente julgada, por decisão transitada em julgado (art.628), têm na sua base a ideia de repetição, que surge quando os elementos definidores das duas acções são os mesmos. (…) Além dum objectivo manifesto de economia processual, as exceções da litispendência e do caso julgado visam evitar que a causa seja julgada mais do que uma vez, o que brigaria com a força do caso julgado. Não faria, efetivamente, sentido que, proferida e transitada em julgado uma decisão, o tribunal (o mesmo ou outro), fora dos casos excepcionais em que tal é permitido (recurso extraordinário de revisão e, na atual,- embora estranha- configuração da lei, recurso para uniformização de jurisprudência: (arts.696 e 698-1), fosse de novo ocupar-se, perante as mesmas partes, do mesmo objecto, reapreciando-o quer para reproduzir a decisão anterior (o que seria inútil), quer para a contradizer, decidindo diversamente (o que desfazaria a sua eficácia). Havendo já caso julgado, a decisão que o n.º 2 proíbe de reproduzir ou contradizer, está já adquirida (…).” E sobre as duas funções que exerce o caso julgado escreve o Professor Alberto dos Reis, no “Código de Processo Civil anotado”, Volume III, 4.ª Edição -Reimpressão, Coimbra Editora, LIM, pag.93: “O que pode aceitar-se como exacto é o seguinte: o caso julgado exerce duas funções: a) uma função positiva; b) uma função negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade; exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal. A função positiva tem a sua expressão máxima no princípio da exequibilidade, consagrado no n.º 1 do art.º 46.º e nos arts.47 a 49.º, servindo de base à execução, o caso julgado afirma inequivocamente a sua força obrigatória, definida no art.671.º A função negativa exerce-se através da excepção de caso julgado.” Como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.06.2024, Processo 1606/22.2T8LSB.L1, consultável em www.dgsi.pt,“A jurisprudência dos tribunais superiores vem decidindo que “ainda que se não verifique o concurso dos requisitos ou pressupostos para que exista a exceção de caso julgado (exceptio rei judicatae), pode estar em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida noutro processo, com outras partes, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objeto da decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta” (Ac. STJ de 21/03/2013, Procº 3210/07.6TCLRS.L1.S1). José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto escrevem, por seu turno, que “a exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado; pela exceção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito”, efeito este que assenta numa relação de prejudicialidade (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 2ª Ed., Coimbra Editora, 354). Daí que se diga que a função positiva do caso julgado é exercida através da autoridade do caso julgado. A função negativa é exercida através da exceção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas. Isto é, com o trânsito em julgado de uma sentença, produzem-se dois distintos efeitos – a autoridade do caso julgado, entendida como proibição de contradição da decisão transitada, e a exceção de caso julgado, entendida esta como duplicação de causas. Ou, numa outra perspetiva, “o caso julgado há-de poder ser invocado quanto aos fundamentos da decisão, sempre que a situação inversa provoque contradição prática insanável entre os fundamentos de duas decisões capaz de inutilizar ou inviabilizar na prática a pretensão salvaguardada na primeira decisão” (J.P. Remédio Marques, A Acção Declarativa Á Luz do Código Revisto, 2ª Ed., Coimbra Editora, 665).” Regressando ao caso, sustenta o Recorrente, em suma, que o interesse público no combate aos falsos recibos verdes, implica a falta de legitimidade do trabalhador, designadamente, para transigir no processo, ou confessar ou desistir do mesmo, que na instauração desta acção, dispensa-se, expressamente, a iniciativa e até o consentimento do trabalhador, ao qual é conferida apenas a possibilidade de apresentar articulado próprio e constituir advogado, que, no Processo 18373/17.4T8LSB, o Recorrente não teve qualquer intervenção, que é certo que, nesse processo lhe foi dado conhecimento da sentença proferida mas, contra a douta decisão, nada se lhe ofereceu fazer, já que carecia de legitimidade para dela recorrer, uma vez que não era parte e que não se pode defender que a decisão na acção de reconhecimento judicial da existência de contrato de trabalho forma caso julgado na acção comum intentada pelo trabalhador e, a par, não se reconhecer ao trabalhador legitimidade para daquela recorrer. Vejamos. A acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho está prevista nos artigos 186.º-K a 186.º-R do CPT. Não obstante a acção ser intentada pelo Ministério Público (artigo 186.º-K n.º 1 do CPT), o artigo 186.º-L n.º 4 do CPT prevê a possibilidade de intervenção do trabalhador ao dispor: “Os duplicados da petição inicial e da contestação são remetidos ao trabalhador simultaneamente com a notificação da data da audiência final, com a expressa advertência de que pode, no prazo de 10 dias, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário.” Ou seja, caso pretenda, o trabalhador pode intervir naquela acção, quer aderindo aos factos apresentados pelo Ministério Público, quer apresentando articulado próprio, quer constituindo advogado. Na acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho em que se discutiu se entre AA e a Rádio e Televisão de Portugal, S.A. se estabeleceu um vínculo laboral com início em 01.03.2016 (tal como se discute nestes autos), o trabalhador foi citado nos termos e para efeitos do disposto no artigo186.º-L n.º 4 do CPT. Apesar de ter sido chamado a intervir na acção, não consta dos autos que o Autor tenha usado da faculdade que lhe confere a mencionada norma. Mas se não o fez foi porque não quis. Acresce que o trabalhador foi notificado da sentença, conforme preceitua o artigo 186.º-O n.º 9 do CPT. E conforme decorre do disposto no artigo 320.º do CPC, “A sentença que vier a ser proferida sobre o mérito da causa aprecia a relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir, constituindo, quanto a ele, caso julgado.” Ou seja, a sentença proferida na acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho formou caso julgado relativamente a ele. E salvo o devido respeito, também não nos parece defensável o entendimento de que ao Autor está vedado recorrer da sentença. De acordo com o artigo 186.º-P do CPT, da decisão proferida nos termos do presente capítulo é sempre admissível recurso de apelação para a Relação, com efeito meramente devolutivo. A norma não restringe o recurso ao Ministério Público e à empregadora. Aliás, tal restrição contrariaria o disposto no artigo 631.º n.º 2 do CPC que determina que as pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias. Como esclarece o Acórdão deste Tribunal da Relação de 07.02.2024, proferido no Processo n.º 6330/23.6T8LSB.L1-4, de 07.02.2024, consultável em www.dgsi.pt e que vem citado pela Ré “(…)VI–A sentença é sempre comunicada ao respectivo trabalhador, visando estender-lhe os efeitos do caso julgado dessa decisão de forma a salvaguardar o efeito útil que da mesma decorra.” Assim, considerando o objecto da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho supra identificada e o objecto da presente acção é de concluir que a sentença proferida naqueles autos formou caso julgado (parcial) relativamente à inexistência de contrato de trabalho no período compreendido entre 01.03.2016 e 03.07.2018, o que impede este Tribunal e também impedia o Tribunal a quo de apreciar da existência de contrato de trabalho nesse período, pelo que, a sentença recorrida não se pode manter na parte em que declarou a existência de um contrato de trabalho entre o Autor e a Ré no período compreendido entre 01.03.2016 e 03.07.2018. Contudo, resultando dos autos que a relação contratual se manteve, nada obsta a que este Tribunal se debruce sobre a mesma com vista a apurar se, depois de 03.07.2018, entre o Autor e a Ré se estabeleceu uma relação de cariz laboral. Objecto do recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º nº 2 do CPC). Por razões de precedência lógico-jurídica apreciar-se-á as questões suscitadas nos recursos pela seguinte ordem: 1.ª-Se a sentença é nula por excesso de pronúncia (recurso do Autor). 2.ª- Se entre o Autor e a Ré não se estabeleceu um vínculo de natureza laboral (considerando-se apenas o período posterior a 03.07.2018, na sequência da verificação do caso julgado parcial) (recurso da Ré) 3.ª- Se a sentença recorrida errou ao declarar a nulidade do contrato de trabalho desde 23.09.2022 quando, ao invés, deveria ter considerado que se tratava de um contrato de trabalho por tempo indeterminado (recurso do Autor). 4.ª-Se a Ré deveria ter sido condenada a pagar ao Autor as diferenças de retribuição e respectivos subsídios, também a partir de 23.09.2022 (recurso do Autor). Fundamentação de facto A sentença considerou provados os seguintes factos: A) – O autor celebrou com a ré um contrato para Análise e Controlo de Grelha de Conteúdos inseridos no denominado programa G-Média Tx, cuja cópia consta de fls. 7 a 9 vº dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida. B) – O contrato, referido em A), foi celebrado para ter o seu início em 01 de Março de 2016. C) – Foi celebrado com um prazo inicial de seis meses, tendo como termo o dia 31 de Agosto de 2016. D) – Do contrato, referido em A), resultava que o mesmo poderia ser renovado, mediante acordo das partes. E) – Tal contrato foi denominado de “Contrato de Prestação de Serviços Relacionados com Análise e Controlo de Conteúdos Inseridos no G- Media TX”. F) – Tendo, entretanto, o dito contrato sido sucessivamente renovado por períodos de um ano cada, a partir de 01 de Setembro de 2016. G) – Estando a decorrer, à data da propositura da acção, a sexta renovação contratual, com início em 01/01/2022 e termo em 31/12/2022. H) – O autor está adstrito à Direcção de Compras e Património. I) – Nesta Direcção, exerce funções administrativas. J) – O autor exerce actividade na Secretaria Central da RTP, aí procedendo, além do mais, à recepção, registo, distribuição e análise de correspondência. K) – Ao autor são fornecidos pela ré todos os equipamentos e instrumentos, necessários à sua actividade, tais como computador, impressora, telefone e papel. L) – Equipamentos e instrumentos de trabalho que pertencem e são propriedade da ré. M) – O autor comunica as eventuais faltas ao serviço ao Sr. CC, a quem reporta. N) – O autor recebe durante 12 meses a quantia mensal de € 900,00, mediante recibo. O) – Na mesma data da celebração do contrato com o autor, a ré admitiu também por contrato que denominou de “Prestação de Serviços”, as seguintes funcionárias: a) DD; b) EE. P) – As quais foram integradas nos quadros da empresa, com contrato de trabalho. Q) – Às mesmas, foi atribuída a Categoria profissional de “Técnico Administrativo”. * Para uma melhor compreensão do contrato celebrado entre as partes, a que alude a al.A) dos factos provados, insere-se, de seguida, o respectivo texto: (…) * Fundamentação de direito Comecemos, então, por apreciar se a sentença é nula por excesso de pronúncia. Embora o Recorrente não tenha invocado expressamente a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, a verdade é que basta uma breve análise das conclusões para se retirar que o faz. E, nessa sede, invoca o Recorrente, em resumo, que a nulidade do contrato de trabalho não foi alegada pela Ré nos termos e com os fundamentos constantes da sentença, pois a Ré não invocou a norma do artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa e que, ao ser proferida sentença que determina a nulidade do contrato, à luz do nº 2 do artigo 47º da CRP, não alegado em sede de contestação, o Tribunal “a quo” excedeu os seus poderes de cognição, ao ter emitido pronúncia baseada numa formulação não alegada. Mais alega que se a Ré tivesse contestado com esse fundamento, o Autor sempre teria invocado abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium. Vejamos: O artigo 615.º do CPC, aplicável ao caso por força do que dispõe o artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), enuncia, de modo taxativo, as causas de nulidade da sentença. Nos termos do n.º 1, al.d) do referido artigo, “é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.” Esta norma está em estreita relação com a 2.ª parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC que estatui que o juiz “ não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” Assim, como escrevem os Professores José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre no “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, Almedina, pag. 737 “ Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art.608.º-2) é nula a sentença em que o faça”. E como elucida o Professor Alberto dos Reis no “Código de Processo Civil anotado”, Volume V, (Reimpressão), Coimbra Editora, LIM, pags.143 e 144: “O juiz conheceu na sentença, de questão de que não podia tomar conhecimento. Quando isso suceder, a sentença é nula.(…).Proíbe-se aqui ao juiz que se ocupe de questões que as partes não tenham suscitado, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso. Portanto, a nulidade prevista na 2.ª parte do n.º 4 do art.668.º desenha-se assim: A sentença conheceu de questão que nenhuma das partes submeteu à apreciação do juiz. Mas não existe nulidade, se por lei o juiz tinha o poder ou o dever de conhecer ex officio da questão respectiva.” Regressando ao caso em análise. Na contestação, a Ré, além de se ter defendido por impugnação, também deduziu excepções de entre as quais a nulidade da contratação do Autor decorrente das proibições à constituição de relações de trabalho subordinado com entidade do sector público empresarial do Estado onde se integra, enquanto empresa pública, sendo-lhe aplicável o Decreto-Lei n.º 133/2013, de 03.10 e consequente impossibilidade de a Ré assumir essa relação laboral. Fundamentou a mencionada nulidade nas Leis do Orçamento do Estado e Leis de Execução Orçamental que identificou desde 2013 até 2022 e concluiu que a lei comina como nula a contratação de trabalhadores fora do âmbito do regime especial, sendo-lhe, pois, vedada a contratação de trabalhadores sem a necessária autorização governamental, omissão que se verifica no caso, pelo que, o contrato de trabalho está ferido de nulidade originária e insuprível (cfr. arts.9.º a 25.º da contestação). E finalizou pedindo, além do mais, e caso o Tribunal considere que a relação jurídica em causa configura um contrato de trabalho, que seja declarada a nulidade de tal contrato de trabalho, absolvendo-se a Ré do pedido de integração do Autor no seu quadro de pessoal. Sobre a alegada nulidade da contratação pronunciou-se a sentença recorrida nos seguintes termos:” No entanto, o contrato celebrado entre as partes terá que ser considerado nulo desde a notificação da contestação ao autor (23/09/2022). Senão, vejamos. O nº 2 do art. 1º dos estatutos da ré, aprovados pela Lei nº 39/2014 de 09/07, dispõe: “2 – A sociedade rege-se pelos presentes estatutos, bem como, relativamente a tudo quanto nos mesmos não se encontre regulado, pelo disposto, nomeadamente, no regime jurídico do setor público empresarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro, e no Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março.”. Sobre um caso paralelo, decidiu o STJ, por acórdão de 13/07/2017, Proc. 723/14.7TTPRT.P1.S1, em cujo sumário doutrinal, além do mais, pode ler-se: “1. Provando-se que a trabalhadora exercia uma actividade em favor de pessoa colectiva de direito público, no caso uma entidade pública empresarial do sector da saúde, sendo o contrato a termo declarado nulo, não pode o mesmo converter-se em contrato de duração indeterminada, se não fez prova de ter sido admitida através dum processo de selecção aberto a todos os cidadãos, conforme impõe o n.º 2 do artigo 47.º da CRP. 2. A previsão deste preceito constitucional abrange também a admissão dum trabalhador ao serviço duma pessoa colectiva pública mesmo que o regime laboral seja o do contrato individual de trabalho. 3. (…)”. Ora, nos termos do disposto nos arts. 5º e 10º, nº 2, da Lei nº 23/2004 de 22/06 e do nº 2 do art. 47º da CRP, verifica-se uma impossibilidade legal de constituição de uma relação de trabalho subordinado entre o autor e a ré. Já que, o autor não alegou nem, consequentemente, provou ter sido admitido na ré ao abrigo de um processo de recrutamento, aberto a todos os candidatos que reunissem condições para o efeito. Assim, só pode considerar-se nulo o contrato de trabalho que vinculou o autor à ré, por violação expressa das referidas normas legais e constitucional, o que será declarado a final. E tendo tal nulidade sido arguida pela ré na contestação, a eficácia da sua declaração opera à data em que o autor foi notificado da contestação da ré – vd. Ac. STJ de 07/09/2017, proc. 329/06.4TTALM.L1.S1.” Do exposto resulta que a sentença apreciou a nulidade da contratação, questão que lhe foi submetida à apreciação pela Ré e que também era de conhecimento oficioso. Sucede que a referida análise foi levada a cabo, entre outros, à luz de um fundamento que não foi alegado pela Ré - o artigo 47.º n.º 2 da CRP. Porém, tal circunstância não inquina a sentença de nulidade por excesso de pronúncia, pois “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”(artigo 5.º, n.º 3 do CPC) Conclui-se, pois, não proceder a invocada nulidade da sentença por excesso de pronúncia. * Analisemos, agora, se entre o Autor e a Ré não se estabeleceu um vínculo de natureza laboral (considerando-se apenas o período após 03.07.2018) Concluiu a sentença recorrida que a relação é laboral estribando-se nos seguintes fundamentos: “(…). Ora, no caso dos autos, atendendo ao que ficou consignado no probatório - cfr. alíneas H) a N) -, os factos provados são suficientes para caracterizar o vínculo contratual estabelecido entre o autor e a ré como contrato de trabalho, à luz dos critérios doutrinais e jurisprudenciais acima referidos. Na verdade, resultou provado que: – O autor está adstrito à Direcção de Compras e Património; – Nesta Direcção, exerce funções administrativas; – O autor exerce actividade na Secretaria Central da RTP, aí procedendo, além do mais, à recepção, registo, distribuição e análise de correspondência; – Ao autor são fornecidos pela ré todos os equipamentos e instrumentos, necessários à sua actividade, tais como computador, impressora, telefone e papel; – Equipamentos e instrumentos de trabalho que pertencem e são propriedade da ré; – O autor comunica as eventuais faltas ao serviço ao Sr. CC, a quem reporta; – O autor recebe durante 12 meses a quantia mensal de € 900,00, mediante recibo. Assim, compulsada a factualidade adquirida nos autos e apreciando globalmente os indícios que emergem da relação contratual em causa, resulta que os factos apurados permitem concluir pela caracterização da relação jurídica em causa como contrato de trabalho subordinado. Mostrando-se provados factos suficientes para o reconhecimento da existência, desde 01 de Março de 2016, de um vínculo de natureza laboral entre o autor e a ré, como tal enumerados nas alíneas a), b), e d) do nº 1 do art. 12º do CT.” Invoca, a Ré/Recorrente, muito em suma, que, no caso, não assume relevância a circunstância de o Autor prestar a actividade nas instalações da Ré porque não se provou que tal tenha sido determinado pela mesma, pelo que deve ser desconsiderado, que foi acordado um valor global correspondente ao número de meses de duração do contrato, sendo o pagamento fraccionado em 900,00€ mensais, não se provou que o Recorrido recebe subsídio de férias e de Natal, o Recorrido não está integrado na estrutura organizacional da Ré, sem prejuízo do seu trabalho ser avaliado, o Recorrido não está sujeito a horário de trabalho, nem releva a sua assiduidade, não se provou que a Ré exerce poder disciplinar sobre o mesmo e que as partes celebraram um contrato de prestação de serviços a que não foi apontado qualquer vício de vontade. Apreciando: Da factualidade provada resulta que o Autor celebrou com a Ré um contrato para Análise e Controlo de Grelha de Conteúdos inseridos no denominado programa G-Média Tx, cuja cópia consta de fls. 7 a 9 vº dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida (al.A) dos factos provados) e que o contrato, referido em A), foi celebrado para ter o seu início em 01 de Março de 2016 (al.B) dos factos provados). Dos autos ainda resulta que, em 04.07.2018, a relação contratual ainda se mantinha, pelo que, a qualificação desta relação contratual deverá ser feita à luz do Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro e que entrou em vigor no dia 17 seguinte, sem prejuízo do que dispõe o Código Civil sobre as modalidades de contrato de trabalho e de prestação de serviços. Nessa sequência, ao presente caso, é aplicável a presunção de laboralidade a que alude o artigo 12.º do Código do Trabalho o que, naturalmente, não afasta a aplicação do método indiciário, caso a sua aplicação se revele necessária, sendo sabido que o mencionado artigo 12.º consagra alguns dos índices que já eram contemplados no dito método. Na verdade, como elucida o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.01.2025, Proc. 31164/23.4T8LSB.L1-4, consultável em www.dgsi.pt, “(…)V. Na operação de qualificação de uma relação jurídica laboral, a falha no preenchimento de pelo menos duas das alíneas do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho não nos dispensa, ainda assim, de, num segundo momento, proceder à análise global dos indícios que tenhamos em presença com recurso ao modelo indiciário, modelo que convoca a averiguação, no caso concreto, dos denominados indícios negociais internos e externos.” De acordo com o artigo 1152º do Código Civil, “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”. O artigo 11.º do Código do Trabalho define o contrato de trabalho como sendo “aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade desta.” Por seu turno, o contrato de prestação de serviços está definido no artigo 1154º do Código Civil, nos seguintes termos: “ Contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”. Como vem sendo entendido, o que verdadeiramente diferencia o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços é a existência de subordinação jurídica que enforma aquele e não este. Sobre a figura da subordinação jurídica, escreve António Monteiro Fernandes, em “Direito do Trabalho”, 16.ª Edição, Almedina, pag.114: “A subordinação jurídica consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das regras que o regem”. Assim, a subordinação jurídica, traço característico e distintivo do contrato de trabalho de outras figuras contratuais, traduz-se na dependência e sujeição do prestador da actividade face às ordens, autoridade e instruções de quem contrata essa actividade. Ou seja, no contrato de trabalho o credor da prestação impõe dentro dos parâmetros e regras do contrato e sobre o prestador da actividade recai a obrigação de acatar em consonância com essa imposição. Sucede, porém, que, na maioria das vezes, a realidade da vida não permite que, facilmente, se consiga apreender, nas relações contratuais, o elemento subordinação jurídica, daí que, para fazer face a essa dificuldade, acrescida com a permanente evolução social, a jurisprudência e a doutrina se tenham socorrido, ao longo dos anos, do denominado método indiciário para aferir da existência de um contrato de trabalho. Com vista a facilitar essa demanda, o Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2002 de 27 de Agosto, veio introduzir no seu artigo 12.º a denominada presunção de laboralidade, determinando presumir-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente, se verificassem as cinco circunstâncias que enumerava. A mencionada norma foi alterada pela Lei n.º 9/2006 de 20 de Março, mas a alteração introduzida também não facilitou a questão da qualificação do contrato de trabalho, posto que a verificarem-se os requisitos a que aludia estaríamos já perante um contrato de trabalho e não perante uma presunção de laboralidade. O Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, aplicável ao caso, manteve a presunção de laboralidade estatuindo o seu artigo 12.º o seguinte: “1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. 2 - Constitui contra-ordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado. 3 - Em caso de reincidência, é aplicada a sanção acessória de privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, por período até dois anos. 4 - Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente, administrador ou director, nas condições a que se referem o artigo 334.º e o n.º 2 do artigo 335.” Perante o vocábulo “algumas”, temos entendido que, para que opere a presunção de laboralidade basta que se verifiquem, pelo menos, duas das circunstâncias que a norma enuncia. E como se refere no sumário do Acórdão do STJ de 08.10.2015, Proc. n.º 292/13.5TTCLD.C1.S1, in www.dgsi.pt, “ (…). II – A existência do contrato de trabalho presume-se desde que se verifiquem algumas das circunstâncias – e bastam duas – elencadas no nº 1, do art. 12º, do Código de Trabalho de 2009. Presunção em benefício exclusivo do trabalhador, uma vez que, quem tem a seu favor a presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz, por força do estatuído no nº 1 do art. 350º, do Código Civil. III – Tratando-se, porém, de uma presunção iuris tantum admite prova em contrário, nos termos do nº 2, do art. 350º, do Código Civil. Prova a cargo do empregador, se pretender ilidir a presunção. Caso em que lhe caberá provar que a situação em causa não constitui um contrato de trabalho, antes reveste as características de um contrato de prestação de serviço, dada a autonomia com que é exercida.” Regressando ao caso verifica-se que ficou provado que o Autor está adstrito à Direcção de Compras e Património, que nesta Direcção exerce funções administrativas, que exerce a sua actividade nas instalações da Ré e com os equipamentos e instrumentos de trabalho que pertencem e são propriedade à Ré (cfr. factos provados H), I), J), K e L). Também se provou que ao Autor é paga, com periodicidade mensal, uma quantia certa, €900,00, e como contrapartida da actividade que desenvolve (facto provado N). Donde, como refere a sentença recorrida, estão verificadas as características a que aludem as alíneas a), b) e d) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho, pelo que se presume a existência de contrato de trabalho. Resta saber se a Ré ilidiu a presunção. Invoca a Ré que não assume relevância a circunstância de o Autor prestar a actividade nas instalações da Ré porque não se provou que tal tenha sido determinado pela Ré, pelo que deve ser desconsiderado esse facto índice. Ora, para que se verifique a característica da alínea a), basta que se prove que a actividade é realizada em local pertencente ao beneficiário da prestação (1.ª parte da norma). E é isso que sucede no caso. A desconsideração desse facto como índice relevante dependia da prova, por parte da Ré, de que não impôs ao Autor esse local de trabalho, o que não sucedeu. Com efeito, entendemos que apenas nos casos a que se refere a 2.ª parte da alínea a) é que incumbe ao trabalhador a prova de que a empregadora lhe determinou o local de trabalho, pois a execução da actividade pode não ocorrer nas instalações do beneficiário da prestação e, nesses casos, faz sentido o trabalhador ter de provar que o seu local de trabalho, que não é nas instalações do empregador, foi-lhe por este imposto. Consequentemente, embora até se possa admitir que, face à natureza das funções desempenhadas pelo Autor (recepção, registo, distribuição e análise de correspondência), aquelas pudessem ser desempenhadas nas instalações da Ré, mesmo assim, tal constatação, só por si, não afasta o facto índice em causa. No que respeita à circunstância de os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pelo Autor pertencerem ao beneficiário da actividade, a Ré nada provou no sentido de que tal decorreu de opção do Autor ou sobre as razões por que assim é. Por isso, também não vemos como desconsiderar a característica da alínea b). Por último e no que respeita à retribuição, ficou provado que o autor recebe durante 12 meses a quantia mensal de € 900,00, mediante recibo. Ou seja, o Autor recebe, com periodicidade, uma quantia certa e que é contrapartida da sua actividade. Invoca a Recorrente que, de acordo com o contrato de prestação de serviços, foi estipulado um montante global correspondente ao número de meses de duração do contrato, sendo o pagamento fraccionado em 900,00€ mensais. Nos termos da cláusula 7.ª do contrato de prestação de serviços junto aos autos, as partes acordaram que, pela execução dos serviços prestados, a Ré pagaria ao Autor o montante global de 5.400,00€. O contrato foi inicialmente celebrado por seis meses (1 de Março de 2016 a 1 de Agosto de 2016, com a possibilidade de ser renovado por igual ou diferente período). Ora, é certo que, da divisão do valor global de € 5 400,00 por € 900,000 se obtém seis meses. Sucede, porém, que ficou provado que, a partir de 01 de Setembro de 2016, o contrato foi sucessivamente renovado por períodos de um ano (al.F) dos factos provados. Mas não resultou provado que, a partir desse momento, as partes acordaram num montante global que correspondesse a €900,00 durante 12 meses. E o que se provou e não foi impugnado pela Ré, é que o Autor recebe durante 12 meses a quantia mensal de €900,00, mediante recibo, sendo que também a Ré não provou que subjacente ao pagamento da dita quantia estivesse causa distinta da da contrapartida da actividade prestada pelo Autor. Consequentemente, é de concluir que a Ré não ilidiu a presunção de laboralidade. Acresce que ficou provado que o autor comunica as eventuais faltas ao serviço ao Sr. CC, a quem reporta (facto provado M) do que se extrai a existência de uma cadeia hierárquica e, no fim de contas, a integração do Autor na organização da Ré. Em suma, improcede o recurso da Ré devendo ser declarado que entre o Autor e a Ré se estabeleceu uma relação contratual de natureza laboral desde 04.07.2018. * Apreciemos, agora, se a sentença recorrida errou ao declarar a nulidade do contrato de trabalho desde 23.09.2022 quando, ao invés, deveria ter considerado que se tratava de um contrato de trabalho por tempo indeterminado. Nesta sede invoca o Recorrente, em síntese, que não está em causa a celebração de um novo contrato mas apurar a natureza do vínculo que tem vindo a vigorar desde 01 de Março de 2016, que o recrutamento do Autor partiu de um processo controlado e na disponibilidade da Ré e que a declaração de nulidade do contrato de trabalho com efeitos a 23.09.2022, premeia a precarização da relação do trabalho, com violação do direito à segurança no emprego, viola o princípio da igualdade já que nas mesmas circunstâncias, qualquer trabalhador veria reconhecido um contrato de trabalho por tempo indeterminado, bem como os princípios consagrados no artigo 266.º da CRP. Apreciando: A Lei n.º 39/2014, de 9 de Julho que alterou a Lei n.º 8/2007, de 14 de Fevereiro, aprovou os Estatutos da Ré. Estatui o n.º 1 do artigo 1.º que “A sociedade adota a forma de sociedade anónima e a denominação de Rádio e Televisão de Portugal, S. A., e é doravante designada por sociedade.” Nos termos do n.º 2 do artigo 1.º da referida Lei, “A sociedade rege-se pelos presentes estatutos, bem como, relativamente a tudo quanto nos mesmos não se encontre regulado, pelo disposto, nomeadamente, no regime jurídico do setor público empresarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro, e no Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março.” De acordo com o artigo 6.º n.º 1 dos citados Estatutos, “O capital social da sociedade é de (euro) 1 422 373 340 e encontra-se integralmente realizado pelo Estado.” Assim, a Ré é uma empresa pública que integra o sector público empresarial do Estado. E nos termos do artigo 40º dos referidos Estatutos, “Ao pessoal da sociedade é aplicado o regime jurídico do contrato individual de trabalho.” Embora nos presentes autos apenas esteja em causa a qualificação da relação contratual desde 04.07.2018, como refere a Ré e sem prejuízo do que se dirá infra, desde 2013 que as sucessivas Leis do Orçamento do Estado têm vindo a impor às empresas do sector empresarial do Estado restrições à contratação de trabalhadores, o que vêm admitindo em situações excepcionais que enumeram e mediante autorização governamental, restrições essas que subsistiam em 04.07.2018, conforme artigo 51.º n.ºs 2 e 5, da Lei do Orçamento do Estado para 2018 (Lei n.º 114/2017 de 29.12. 2017) e artigo 144.º n.ºs 1 a 6, 9 e 10 da Lei de Execução Orçamental (Decreto-Lei n.º 33/2018 de 15 de Maio). Sucede, porém, que como se escreve no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.01.2025, consultável em www.dgsi.pt: “(…) IV – No lapso temporal compreendido entre 1 de Janeiro e 28 de Junho de 2022 inexistia no nosso ordenamento jurídico o obstáculo das sucessivas leis orçamentais à contratação de trabalhadores por parte das entidade públicas empresariais na medida em que a remissão do artigo 59.º, n.º 2 da LOE de 2021 – então em vigor em duodécimos – para o Decreto-Lei de execução orçamental, era uma remissão sem objecto por inexistir, então, qualquer Decreto-Lei de execução orçamental em vigor ou cuja vigência houvesse sido prorrogada.” E tal conclusão foi fundamentada nos seguintes termos: “Para tanto, há que recuar ao Orçamento de Estado para o ano de 2019. As previsões normativas específicas que condicionavam a atividade da recorrente enquanto entidade pública empresarial durante o ano de 2019, encontravam-se desde logo no artigo 53.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2019 - LOE) que previa, a respeito da contratação de trabalhadores por pessoas colectivas de direito público e empresas do sector público empresarial, que: «1 - As pessoas coletivas públicas, ainda que dotadas de autonomia administrativa ou de independência estatutária, designadamente aquelas a que se referem o n.º 3 do artigo 48.º da Lei-Quadro dos Institutos Públicos, aprovada pela Lei n.º 3/2004, de 15 de janeiro, na sua redação atual, e o n.º 3 do artigo 3.º da Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, na sua redação atual, apenas com exceção das referidas no n.º 4 do mesmo artigo, só podem proceder ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego por tempo indeterminado ou a termo nos termos do disposto no decreto-lei de execução orçamental. 2 - As empresas do setor público empresarial só podem proceder ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego por tempo indeterminado ou a termo nos termos do disposto no decreto-lei de execução orçamental. 3 – (…) 4 - (…) 5 - (…) 6 - As contratações de trabalhadores efetuadas em violação do disposto no presente artigo são nulas.» De acordo com o artigo 54.º da mesma lei, “[e]m 2019, as empresas do setor empresarial do Estado prosseguem uma política de ajustamento dos seus quadros de pessoal, adequando-os às efetivas necessidades de uma organização eficiente, só podendo ocorrer aumento do número de trabalhadores nos termos do disposto no decreto-lei de execução orçamental”. Segundo a LOE para 2019, o recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego por tempo indeterminado por parte das empresas públicas empresariais só poderia, assim, ser feito nos termos do disposto no decreto-lei de execução orçamental. O Decreto-Lei n.º 84/2019, de 28 de Junho, que veio estabelecer as normas de execução orçamental relativamente ao Orçamento do Estado para 2019 (DLEO de 2019), dispôs no seu artigo 157.º, relativo justamente à contratação de trabalhadores por pessoas colectivas de direito público e empresas do sector público empresarial, que: «1 - As pessoas coletivas de direito público, ainda que dotadas de autonomia administrativa ou de independência estatutária, designadamente aquelas a que se refere o n.º 3 do artigo 3.º da Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, na sua redação atual, e as empresas do setor público empresarial podem proceder à celebração de acordos de cedência de interesse público com trabalhadores de entidades abrangidas pelo âmbito de aplicação da LTFP e ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego por tempo indeterminado, ou a termo, bem como para a conversão de contratos a termo em contratos por tempo indeterminado, no âmbito da autonomia de gestão, desde que expressamente autorizados no ato de aprovação do plano de atividades e orçamento. 2 – (…) 3 - (…) 4 - (…) 5 - Nos casos não abrangidos pelos números anteriores, o membro do Governo responsável pela área das finanças, após despacho favorável do membro do Governo responsável pela respetiva área setorial, pode ainda autorizar, em situações excecionais devidamente sustentadas na análise custo-benefício efetuada pelas entidades, com fundamento na existência de relevante interesse público, ponderada a carência dos recursos humanos e a evolução global dos mesmos, o recrutamento de trabalhadores, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos: a) Os encargos decorrentes do recrutamento estejam incluídos na proposta de orçamento anual e plurianual, evidenciando o impacto no ano da contratação e no respetivo triénio, com identificação do montante remuneratório dos trabalhadores a contratar, tendo por referência a base da carreira profissional prevista em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou em regulamento interno, quando existam; b) O recrutamento seja considerado imprescindível, tendo em vista a prossecução das atribuições e o cumprimento das obrigações de prestação de serviço público da respetiva entidade; c) Seja impossível satisfazer as necessidades por recurso a pessoal que já se encontre colocado, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, em situação de valorização profissional ou ao abrigo de outros instrumentos de mobilidade; d) Cumprimento, atempado e integral, dos deveres de informação previstos na Lei n.º 57/2011, de 28 de novembro, na sua redação atual. 6 -(…) 7 - Para efeitos da emissão da autorização prevista no n.º 5, as entidades enviam aos membros do Governo responsáveis pela respetiva área setorial os elementos comprovativos da verificação daqueles requisitos e da respetiva submissão, no Sistema de Recolha de Informação Económica e Financeira, ou, quando não disponham de acesso a este sistema, do envio à DGTF, em formato eletrónico, no caso das empresas do setor público empresarial, ou no SIGO, ou, quando não disponham de acesso a este sistema, do envio à DGAEP, em formato eletrónico, no caso das pessoas coletivas de direito público. 8 - (…) 9 - (…) 10 - O disposto no n.º 5 não se aplica ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego com duração até seis meses, incluindo renovações, ao abrigo da Lei n.º 4/2008, de 7 de fevereiro, na sua redação atual, sendo a autorização da competência do respetivo órgão de direção ou administração, desde que verificados os requisitos previstos nas alíneas a), b) e d) do referido número. 11 - (…) 12 - São nulas as contratações de trabalhadores efetuadas em violação do disposto nos números anteriores. 13 - O disposto no presente artigo prevalece sobre todas as disposições legais, gerais ou especiais, contrárias.» Deste artigo 157.º do DLEO de 2019 decorre que as empresas do setor público empresarial apenas podem proceder ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego por tempo indeterminado, ou a termo, bem como para a conversão de contratos a termo em contratos por tempo indeterminado, no âmbito da autonomia de gestão, desde que expressamente autorizados. Nos termos do artigo 210.º do mesmo DLEO para o ano de 2019, o diploma “produz efeitos à data da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado, salvo se disposto em contrário nos artigos antecedentes, e até à entrada em vigor do decreto-lei de execução orçamental para 2020”. Uma vez que a LOE de 2019 entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2019 (artigo 351.º), é de considerar que o DLOE de 2019 tem a sua vigência reportada a essa data. Não restando dúvidas de que nesse período – no ano de 2019 –, a contratação de trabalhadores pelas empresas públicas e entidades públicas empresariais do sector empresarial do Estado, isto é, a celebração de contratos de trabalho, quer por tempo indeterminado quer a termo, depende de autorização governamental e desde que estejam verificados, cumulativamente, determinados requisitos, sob pena de nulidade do próprio acto de contratação, sobrepondo-se este vício a todas as outras normas legais, o que, atenta a generalidade da previsão, abrange as normas que no Código do Trabalho enformam o regime jurídico do contrato individual de trabalho. A Lei n.º 2/2020, de 31 de Março (que aprovou o Orçamento do Estado para 2020 e entrou em vigor em 1 de Abril de 2020 – artigo 430.º) veio dispor no seu artigo 50.º em termos similares ao artigo 53.º da LOE de 2019, o mesmo sucedendo com o artigo 59.º da Lei n° 75-B12020, de 31 de Dezembro (que aprovou o Orçamento de Estado para 2021 e entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2021 – artigo 445º) e com a Lei n.º 12/2022, de 27 de Junho (que aprovou o Orçamento de Estado para 2022 e entrou em vigor em 28 de Junho de 2022 – artigo 338.º). Ou seja, no âmbito de todas estas leis orçamentais (LOE) o recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego por tempo indeterminado por parte das empresas públicas empresariais só poderia ser feito nos termos do disposto no decreto-lei de execução orçamental, sob pena de nulidade. Quanto aos decretos lei de execução orçamental (DLEO) para que remetem estas Leis de Orçamento de Estado (LEO), verifica-se que depois do DLEO de 2019 não foram publicados outros decretos lei de execução orçamental relativamente às subsequentes Leis do Orçamento de Estado, apenas sendo publicado em 12 de Agosto de 2022 o Decreto-Lei n.° 53/2022 a estabelecer as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado para o ano 2022, aprovado pela Lei n.º 12/2022, de 27 de Junho. O decreto lei de execução orçamental de 2022 aprovado pelo Decreto-Lei n.° 53/2022 (DLEO de 2022) entrou em vigor em 28 de Junho de 2022, data da entrada em vigor da LOE de 2022 – artigo 167.º. E estabeleceu no seu artigo 141.º, relativo à contratação de trabalhadores por pessoas coletivas de direito público e empresas do setor público empresarial, de modo similar ao artigo 157.º do DLEO de 2019, que: «1 - As pessoas coletivas de direito público, ainda que dotadas de autonomia administrativa ou de independência estatutária, e as empresas do setor público empresarial podem proceder, no âmbito da respetiva autonomia de gestão, ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego por tempo indeterminado, ou a termo, à conversão de contratos a termo em contratos por tempo indeterminado, bem como à celebração de acordos de cedência de interesse público com trabalhadores de entidades abrangidas pelo âmbito de aplicação da LTFP, desde que expressamente autorizados no ato de aprovação do plano de atividades e orçamento. 2 - A proposta de plano de atividades e orçamento deve ser acompanhada do mapa de pessoal da entidade, com a caracterização dos respetivos postos de trabalho, desagregados por carreira, categoria e área de especialidade, quando aplicável, evidenciando os postos previstos, ocupados e não ocupados. 3 - O recrutamento a que se refere o n.º 1 deve ser devidamente sustentado na análise custo-benefício integrada no plano de atividades e orçamento aprovado, devendo no momento do recrutamento, estar reunidos os seguintes requisitos, sendo o comprovativo dos mesmos submetido no Sistema de Recolha de Informação Económica e Financeira (SIRIEF): a) A proposta de orçamento anual e plurianual ter incluídos os encargos decorrentes do recrutamento, evidenciando o impacto no ano da contratação e no respetivo triénio, com identificação do montante remuneratório dos trabalhadores a contratar, tendo por referência a base da respetiva carreira e categoria profissional prevista em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou em regulamento interno, ou, quando não exista, a menor remuneração base que vinha sendo paga na empresa para o exercício da mesma categoria profissional, devendo esta assegurar a inexistência de práticas discriminatórias em matéria salarial; b) Existência de dotação orçamental para despesas com pessoal; c) O recrutamento seja considerado imprescindível, tendo em vista a prossecução das atribuições e o cumprimento das obrigações de prestação de serviço público da respetiva entidade; d) Ser impossível satisfazer a necessidade de recrutamento identificada, por recurso a trabalhadores que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, já se encontrem colocados em situação de valorização profissional ou ao abrigo de outros instrumentos de mobilidade, salvo no caso de empresas do setor empresarial do Estado; e) Cumprimento, atempado e integral, dos deveres de informação previstos na Lei n.º 104/2019, de 6 de novembro; f) Cumprimento dos demais requisitos legais aplicáveis. 4 - Nos casos não abrangidos pelos números anteriores e em situações excecionais devidamente sustentadas na análise custo-benefício efetuada pelas entidades, com fundamento na existência de relevante interesse público, ponderada a carência dos recursos humanos e a evolução global dos mesmos, o membro do Governo responsável pela área das finanças, após despacho favorável do membro do Governo responsável pela respetiva área setorial, pode ainda autorizar o recrutamento de trabalhadores, desde que se verifiquem cumulativamente os requisitos previstos no número anterior e o plano de atividades e orçamento esteja aprovado ou a respetiva proposta tenha sido submetida, cumprindo as instruções para o efeito, na sua forma completa e corretamente instruída, tendo sido objeto de parecer favorável do órgão de fiscalização. 5 - O disposto no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, à celebração de acordos de cedência de interesse público com trabalhadores de entidades abrangidas pelo âmbito de aplicação da LTFP, ao abrigo dos quais devem ser celebrados, com a entidade cessionária, contratos de trabalho a termo resolutivo, no âmbito do Código do Trabalho aprovado em anexo à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redação atual. 6 - Para efeitos da emissão da autorização prevista no n.º 4, as entidades enviam aos membros do Governo responsáveis pela respetiva área setorial os elementos comprovativos da verificação daqueles requisitos e da respetiva submissão, no SIRIEF, ou, quando não disponham de acesso a este sistema, do envio à DGTF, em formato eletrónico, no caso das empresas do setor empresarial do Estado, ou no SIGO, no caso das pessoas coletivas de direito público. 7 - Atentas as especificidades inerentes às entidades públicas empresariais integradas no SNS, adicionalmente à autonomia de gestão conferida pelo n.º 1, e sem prejuízo das disposições constantes do Estatuto do SNS, pode ser concedida uma autorização excecional de recrutamento, fixada globalmente e por grupo profissional, com desagregação por entidade e por área de especialidade, quando aplicável, por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde, desde que, cumpridos os necessários requisitos legais, os encargos resultantes desses recrutamentos se encontrem previstos no orçamento aprovado de cada entidade, não sendo aplicável os n.ºs 4 e 5. 8 - O disposto no n.º 3 é igualmente aplicável aos recrutamentos previstos no n.º 3 do artigo 40.º da Lei do Orçamento do Estado. 9 - O disposto no n.º 4 não se aplica ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego com duração até seis meses, incluindo renovações, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 105/2021, de 29 de novembro, sendo da competência do respetivo órgão de direção ou administração a respetiva autorização, bem como, em casos excecionais, a prorrogação daquele prazo por mais seis meses, desde que verificados os requisitos previstos nas alíneas a), b), c), e) e f) do n.º 3. 10 - O disposto nos números anteriores aplica-se ao setor empresarial local, com as devidas adaptações, nos termos do disposto na Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto, na sua redação atual. 11 - São nulas as contratações de trabalhadores efetuadas em violação do disposto nos números anteriores. 12 - O disposto no presente artigo prevalece sobre todas as disposições legais, gerais ou especiais, contrárias. No que concerne ao período intermédio entre os decretos lei de execução orçamental de 2019 e 2022, em que não foram aprovados decretos lei de execução orçamental para os anos de 2020 e 2021, há ainda que atentar no que estabelece a Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro – com as alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2018, de 29 de Janeiro, pela Lei n.º 37/2018, de 7 de Agosto, pela Lei n.º 41/2020, de 18 de Agosto e pela Lei n.º 10-B/2022, de 28 de Abril[3], lei de valor reforçado. É o seguinte o teor do artigo 58.º da Lei n.º 151/2015 (LEO): «Artigo 58.º Regime transitório de execução orçamental 1 - A vigência da lei do Orçamento do Estado é prorrogada quando se verifique: a) A rejeição da proposta de lei do Orçamento do Estado; b) A tomada de posse do novo Governo, se esta tiver ocorrido entre 1 de julho e 30 de setembro; c) A caducidade da proposta de lei do Orçamento do Estado em virtude da demissão do Governo proponente; d) A não votação parlamentar da proposta de lei do Orçamento do Estado. 2 - A prorrogação da vigência da lei do Orçamento do Estado abrange o respetivo articulado e os correspondentes mapas, bem como decretos-leis de execução orçamental. 3 - A prorrogação da vigência da lei do Orçamento do Estado não abrange: a) As autorizações legislativas contidas no seu articulado que, de acordo com a Constituição ou os termos em que foram concedidas, devam caducar no final do ano económico a que respeitava a lei; b) A autorização para a cobrança das receitas cujos regimes se destinavam a vigorar apenas até ao final do ano económico a que respeitava aquela lei; c) A autorização para a realização das despesas relativas a programas que devam extinguir-se até ao final do ano económico a que respeitava aquela lei. 4 - Durante o período transitório em que se mantiver a prorrogação de vigência da lei do Orçamento do Estado respeitante ao ano anterior, a execução mensal dos programas em curso não pode exceder o duodécimo da despesa total da missão de base orgânica, com exceção das despesas referentes a prestações sociais devidas a beneficiários do sistema de segurança social e das despesas com aplicações financeiras. 5 - Durante o período transitório em que se mantiver a prorrogação de vigência da lei do Orçamento do Estado respeitante ao ano anterior, o Governo pode: a) Emitir dívida pública fundada, nos termos previstos na respetiva legislação; b) Conceder empréstimos e realizar outras operações ativas de crédito, até ao limite de um duodécimo do montante máximo autorizado pela lei do Orçamento do Estado em cada mês em que a mesma vigore transitoriamente; c) Conceder garantias pessoais, nos termos previstos na respetiva legislação. 6 - As operações de receita e de despesa executadas ao abrigo do regime transitório são imputadas às contas respeitantes ao novo ano económico iniciado em 1 de janeiro. 7 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os decretos-leis de execução das leis do Orçamento do Estado que entrem em vigor com atraso estabelecem os procedimentos a adotar.» Já especificamente quanto ao ano de 2022, o Decreto-Lei n.°126-C/2021, de 31 de Dezembro, veio regulamentar o regime transitório de execução orçamental previsto no artigo 58.º da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) com a prorrogação da vigência da LOE de 2021 (Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro) com efeitos a 1 de Janeiro de 2022 e até à entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2022. Este Decreto-Lei n.° 126-C/2021, de 31 de Dezembro, tem o seguinte articulado: «Artigo 1.º Objeto O presente decreto-lei regulamenta o regime transitório de execução orçamental previsto no artigo 58.º da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), aprovada em anexo à Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro, na sua redação atual. Artigo 2.º Regime transitório de execução orçamental 1 - O orçamento transitório tem como referência as verbas fixadas nos mapas orçamentais que especificam as despesas, aprovados pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, na sua redação atual, ajustados das alterações orçamentais ocorridas durante a execução orçamental do ano de 2021 decorrentes de alterações orgânicas do Governo e da estrutura dos serviços. 2 - Durante a vigência do regime transitório, a execução do orçamento das despesas deve obedecer ao regime duodecimal, considerando a despesa total da missão de base orgânica, com exceção das despesas previstas no n.º 4 do artigo 58.º da LEO. 3 - O cumprimento do regime duodecimal concretiza-se através da fixação mensal dos fundos disponíveis previstos na Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro, na sua redação atual, e no Decreto-Lei n.º 127/2012, de 21 de junho, na sua redação atual. 4 - A Direção-Geral do Orçamento estabelece as orientações necessárias à execução do regime transitório de execução orçamental, incluindo as aplicáveis àquela Direção-Geral e às entidades coordenadoras dos programas orçamentais, sendo as mesmas divulgadas e publicitadas no seu sítio da Internet. Artigo 3.º Regime excecional de execução orçamental do Plano de Recuperação e Resiliência O regime transitório de execução orçamental previsto no presente decreto-lei não prejudica o regime excecional de execução orçamental e de simplificação de procedimentos dos projetos aprovados no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência previsto no Decreto-Lei n.º 53-B/2021, de 23 de junho. Artigo 4.º Produção de efeitos O presente decreto-lei produz efeitos a 1 de janeiro de 2022. Artigo 5.º Entrada em vigor e vigência O presente decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e vigora até à entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2022.» À data da vinculação do recorrido – 10 de Janeiro de 2022 – estava em vigor a LOE de 2021 (Lei n.º 75-B/2020), por via desta prorrogação da sua vigência, e uma vez que a LOE de 2022 (Lei n.º 12/2022) apenas entrou em vigor em 28 de Junho de 2022. Quanto a esta asserção, não há dissídio entre as partes. Já no que concerne ao diploma de execução orçamental, alega a recorrente que o Decreto-Lei de execução orçamental para 2019 se manteve em vigor durante o período de 10 de Janeiro a 9 de Julho de 2022, nos termos do art. 58°, da Lei n° 151/2015, por não ter entretanto sido aprovado novo Decreto-Lei de execução orçamental, para os Orçamentos de Estado de 2020 e 2021, e, como acrescenta na resposta à notificação que lhe foi feita por iniciativa da ora relatora nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, porque nos termos do artigo 210.º do Decreto-Lei de execução orçamental para 2019, o mesmo produziria efeitos até à entrada em vigor do Decreto-Lei de execução orçamental para 2020, o que nunca chegou a acontecer pelo que o Decreto-Lei de execução orçamental para 2019 não deixou de vigorar, conforme entendimentos da Direcção Geral do Orçamento que também invoca. E daqui conclui que o contrato de trabalho celebrado entre as partes não pode considerar-se por tempo indeterminado e deve improceder o pedido de reconhecimento de um contrato sem termo entre as partes. O recorrido, aceitando que por força do artigo 58.º, n.º 1, da Lei n.º 151/2015, a LOE de 2021 se manteve em vigor no ano de 2022 no período relevante para a determinação do regime jurídico aplicável ao presente caso, alega por seu turno que o que artigo 58.º determina é a prorrogação da vigência da Lei do Orçamento de Estado, que abrange os decretos-lei de execução orçamental. E daí conclui, a contrario, que a cessação da vigência da Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2019 determinou, igualmente, a cessação da vigência do respectivo decreto-lei de execução orçamental, não havendo base legal para considerar que o decreto lei de execução orçamental de 2019 se manteve em vigor em 2022, ainda que não tenha sido aprovado um novo decreto lei de execução orçamental entretanto, pelo que não têm aplicação as regras do decreto lei de execução orçamental de 2019. Entendemos que assiste razão ao recorrido. Com efeito, quer a aprovação, quer a execução do Orçamento de Estado têm uma base anual, como decorre do disposto no artigo 106.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “[a] lei do Orçamento é elaborada, organizada, votada e executada, anualmente, de acordo com a respectiva lei de enquadramento, que incluirá o regime atinente à elaboração e execução dos orçamentos dos fundos e serviços autónomos”. A aprovação do OE é competência da Assembleia da República [art. 161.º, alínea g) da CRP] e a aprovação do decreto-lei de execução orçamental é da competência do Governo, ao qual cabe definir em cada ano, e por referência à LOE que tiver sido aprovada, as condições normativas para a sua execução e as condições que concretizam as normas da LOE que necessitem da sua mediação para serem executadas. Segundo o artigo 53.º da Lei de Enquadramento Orçamental (Lei n.º 151/2015): «1 - O Governo define por decreto-lei as operações de execução orçamental da competência dos membros do Governo e dos dirigentes dos serviços sob sua direção ou tutela. 2 - Em cada ano, o Governo estabelece, por decreto-lei, as normas de execução do Orçamento do Estado, incluindo as relativas ao orçamento dos serviços e entidades dos subsetores da administração central e da segurança social respeitante ao ano em causa, sem prejuízo da aplicação imediata das normas da presente lei que sejam exequíveis por si mesmas. 3 - Para efeitos do disposto no número anterior, o Governo deve aprovar num único decreto-lei as normas de execução do Orçamento do Estado, incluindo as relativas ao orçamento dos serviços e entidades dos subsetores da administração central e da segurança social. (…) 6 - O decreto-lei a que se referem os n.ºs 2 e 5 é aprovado até ao décimo quinto dia após a entrada em vigor da lei do Orçamento do Estado». Deste enquadramento normativo resulta que a vigência do decreto-lei de execução orçamental se encontra limitada pela própria vigência do orçamento a cujas normas visa dar execução[4]. Especificamente o decreto-lei de execução orçamental para 2019 (Decreto-Lei n.° 84/2019), indica logo no seu artigo 1.º que “estabelece as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado para 2019, aprovado pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado)”, e dispõe no seu artigo 210.º que “produz efeitos à data da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado salvo se disposto em contrário nos artigos antecedentes”[5], e “até à entrada em vigor do decreto-lei de execução orçamental para 2020”. Está, pois, claramente expresso o seu carácter anual, quer ao traçar o âmbito material do diploma por referência à execução da LOE de 2019, quer ao situar o início dos seus efeitos na entrada em vigor desta LOE de 2019, quer ao fazer coincidir o respectivo termo com a entrada em vigor do decreto-lei de execução orçamental para 2020, o que seria expectável que acontecesse no início do ano de 2020, em conformidade com o comando legislativo dirigido ao Governo pelo artigo 53.º, n.º 2, da LEO de, “em cada ano”, estabelecer por decreto-lei, as normas de execução do Orçamento do Estado. Esta limitação temporal da vigência do Decreto-Lei n.° 84/2019 é conforme com o denominado princípio da anualidade orçamental que resulta do artigo 106.º da Constituição República Portuguesa (ao prescrever ser o orçamento “anual”) e se mostra também plasmado no artigo 14.º, n.ºs 1 e 2, da Lei do Enquadramento Orçamental[6], com a única excepção de a vigência do Orçamento de um ano ser prorrogada no regime de duodécimos para o ano seguinte nos termos do artigo 58.º da Lei de Enquadramento Orçamental acima transcrito, prorrogando-se nestas circunstâncias também o DLEO a ele respeitante. Mas não foi isso o que aconteceu no ano de 2020 no que diz respeito à LOE de 2019, nem tal aconteceu em 2021 com a LOE de 2020, pois que em ambos os anos – 2020 e 2021 – foram aprovadas Leis de Orçamento de Estado (as Leis n.ºs 2/2020 e 25-B/2020, acima citadas). A circunstância de não ter chegado a ser publicado um decreto-lei de execução orçamental para 2020 (em desconformidade com o que prescreve o artigo 53.º da LEO), não significa que o DLEO de 2019 se mantenha vigente ad eternum, em contramão com as assinaladas indicações legislativas que reconduzem a vigência de cada decreto-lei de execução orçamental à vigência da Lei de Orçamento de Estado que visa executar, e atento o âmbito material traçado no artigo 1.º do diploma, que se circunscreve às “disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado para 2019, aprovado pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado)”. Não sofre dúvida que a LOE de 2021 (aprovada pela Lei n.º 25-B/2020) viu prorrogada a sua vigência para o ano económico de 2022 através do Decreto-Lei n.°126-C/2021, acima transcrito, e produziu efeitos até à entrada em vigor da LOE de 2022 (em 28 de Junho desse ano), por se ter verificado inicialmente a rejeição da proposta de LOE para 2022, situação prevista na alínea a), do n.º 1, do artigo 58.º da LEO – cfr. os artigos 2.º, 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.°126-C/2021. Mas esta prorrogação da vigência da LOE de 2021 para o ano de 2022 não autoriza, a nosso ver, a conclusão da recorrente de que o DLEO de 2019 tenha igualmente produzido efeitos naquele período de tempo com invocação do disposto no artigo 58.º, n.º 4 da LEO, ao menos no que concerne à matéria em análise nos presentes autos. Na verdade, o artigo 58.º, n.º 4 da LEO (Lei n.º 151/2015), ao dispor que “[a] prorrogação da vigência da lei do Orçamento do Estado abrange o respetivo articulado e os correspondentes mapas, bem como decretos-leis de execução orçamental”, tem naturalmente em vista o articulado da LOE cuja vigência prorroga – no caso o OE de 2021 –, bem como os correspondentes mapas e decretos-leis de execução orçamental, nada autorizando que o intérprete recue tal abrangência a mapas e decretos-leis de execução orçamental relativos a anos anteriores, ainda que no ano em causa os mesmos não existissem. A cessação da vigência da LOE de 2019 implicou a cessação da vigência (ou caducidade) do DLEO de 2019, inexistindo, a nosso ver, fundamento para se sustentar, sem um comando normativo expresso, que o DLEO de 2019 se mantinha em vigor no primeiro semestre de 2022, a par da Lei do Orçamento de Estado de 2021 que em tal período temporal viu prorrogada a sua vigência em conformidade com o artigo 58.º da LEO. O que o artigo 58.º, n.º 4 da Lei de Enquadramento Orçamental determina é que a prorrogação da vigência da Lei do Orçamento de Estado “abrange” os respectivos articulado, mapas e decretos-lei de execução orçamental, pelo que à prorrogação da LOE de 2021 não pode conceder-se o alcance de implicar a prorrogação da vigência do DLEO relativo à LOE de 2019. Como bem nota o recorrido, a cessação da vigência da Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2019 determinou, igualmente, a cessação da vigência do respectivo Decreto-Lei de execução orçamental. Salvo o devido respeito, não vislumbramos base legal para considerar que o Decreto-Lei de execução do orçamento de Estado de 2019 se manteve em vigor em 2022, ainda que não tenham sido, entretanto, aprovados novos decretos-lei de execução orçamental para os OE’s de 2020 e de 2021, já que tais vicissitudes que não podem contender com o tempo de vigência das leis. Recorde-se que a referência que o DLEO de 2019 faz no respectivo artigo 210.º a que inicia os seus efeitos com a vigência da LOE de 2019 e os termina com o DLEO de 2020 (não com um qualquer decreto-lei de execução orçamental posterior, ainda que surgisse apenas muitos anos depois, mas com o relativo ao OE do ano imediatamente subsequente, que identifica por referência à numeração), é expressiva no sentido da sua relação umbilical com o OE de 2019. O que é conforme com o princípio da anualidade orçamental plasmado nos artigos 106.º da Lei Fundamental e 14.º da Lei de Enquadramento Orçamental e impede, salvo o devido respeito, a interpretação feita pela recorrente e pelas Circulares da Direcção Geral do Orçamento que a mesma cita[7]. Assim, a nosso ver, não pode considerar-se que a prorrogação da vigência da LOE de 2021 nos termos do preceituado no artigo 58.º, n.º 4 da Lei de Enquadramento Orçamental seja susceptível de abranger, também, a prorrogação da vigência do DLEO de 2019, pelo que, não tendo aplicação as regras do DLEO de 2019, a remissão operada pelo artigo 59.º, n.º 2, da Lei do Orçamento do Estado de 2021 – esta sim aplicável ao período em apreço por força da prorrogação determinada pelo Decreto-Lei n.° 126-C/2021 –, não encontra concretização em qualquer diploma de execução orçamental. Ou seja, no lapso temporal compreendido entre 1 de Janeiro e 28 de Junho de 2022 inexistia no nosso ordenamento jurídico o obstáculo das sucessivas leis orçamentais à contratação de trabalhadores por parte das entidade públicas empresariais, na medida em que a remissão do artigo 59.º, n.º 2 da LOE de 2021 – então em vigor em duodécimos – para o Decreto-Lei de execução orçamental, era uma remissão sem objecto. E assim se conclui que à data do início do vínculo laboral que se estabeleceu entre as partes – em 10 de Janeiro de 2022 – não havia fonte jurídica de onde decorresse a nulidade do contrato então firmado e que viria a ser considerado um contrato de trabalho sem termo à luz do regime jurídico do Código do Trabalho.” Acompanhamos este entendimento e no que ao presente caso importa, impõe-se concluir que, no ano de 2020, também não se verificavam restrições orçamentais à contratação de trabalhadores por entidades empresariais do Estado, sem prejuízo de, no ano de 2021, o Decreto-Lei n.º 53-B/21, de 23 de Junho, instituir um regime excepcional de contratação de recursos humanos, culminando com o vício da nulidade a contratação por entidades públicas sem observância dos procedimentos que identifica. Em suma, entre o Autor e a Ré vigorava um contrato de trabalho desde 04.07.2018, relação essa que, devido às restrições orçamentais no que respeita à contratação de trabalhadores por entidades públicas, era nula. Inexistindo tais restrições à contratação no ano de 2020, como inexistiam, bem como no período a que alude o citado Acórdão, ao caso é aplicável o que dispõe o artigo 125.ºn.º 1 do Código do Trabalho. Nos termos desta norma, “Cessando a causa da invalidade durante a execução de contrato de trabalho, este considera-se convalidado desde o início da execução.” Ora, a causa de invalidade cessou em 01.01.2020, donde, o contrato de trabalho considera-se convalidado desde o início da execução, no caso, desde 04.07.2018 o que se impõe declarar. Não se acompanha, pois, a sentença quando conclui que a nulidade operou em 23.09.2022, data em que o Autor foi notificado da contestação onde foi arguida e que apenas lhe são devidos os créditos que reclamou até a mencionada data. Com efeito, por força da convalidação do contrato de trabalho, que opera com efeitos retroactivos e sendo certo que não foi posto em causa que o Autor exercia as funções correspondente à categoria de Técnico Administrativo, são-lhe devidas as retribuições relativas a tal categoria, as diferenças de retribuição e respectivos subsídios, desde a execução do contrato de trabalho, ou seja, desde 04.07.2018. Em consequência, procede parcialmente o recurso do Autor e improcede o recurso da Ré, devendo a sentença ser alterada em conformidade. Considerando o disposto no artigo 527.º nºs 1 e 2 do CPC, as custas do recurso do Autor são da responsabilidade de ambas as partes na proporção do respectivo decaimento e as custas do recurso da Ré são da sua responsabilidade. Decisão: Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa em: 1-Julgar o recurso do Autor parcialmente procedente e, em consequência: - Declarar que a sentença proferida na acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho que correu termos sob o n.º18373/17.4T8LSB, do Juízo do Trabalho de Lisboa, Juiz 3, formou caso julgado relativamente ao Autor no período compreendido entre 01.03.2016 e 03.07.2018; 2- Alterar os pontos I, II, IV, V e VI da sentença recorrida nos seguintes termos: I- Condenar a Ré a reconhecer a existência de um contrato de trabalho, por tempo indeterminado, entre o Autor AA e a Rádio e Televisão de Portugal, S.A. a partir de 04.07.2018. II-Condenar a Ré a atribuir ao Autor a categoria profissional de Técnico Administrativo, desde 04.07.2018, com todas as consequências daí decorrentes; IV-Condenar a Ré a pagar ao Autor as diferenças salariais na remuneração base, decorrentes da atribuição da categoria profissional de Técnico Administrativo, desde 04.07.2018; V Condenar a Ré a pagar ao Autor os subsídios de férias e de Natal, desde 04.07.2018, sendo os relativos ao ano de 2018 calculados proporcionalmente, em função do tempo de actividade prestada; VI – Condenar a Ré a pagar ao autor os subsídios de transporte, desde 04.07.2018, calculados nos termos da cláusula 48.ª do AE aplicável; - Revogar o ponto III do dispositivo da sentença recorrida. - Manter, no mais, a sentença recorrida. 3- Julgar o recurso da Ré improcedente. Custas do recurso do Autor por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento e custas do recurso da Ré, pela Ré. Registe e notifique. Lisboa, 10 de Julho de 2025 Celina Nóbrega Paula Santos Susana Silveira |