Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANTAS DE BARROS | ||
Descritores: | CONCESSÃO COMERCIAL RESOLUÇÃO NULIDADE DE SENTENÇA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/28/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA | ||
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Sumário: | 1. A hipoteca é uma garantia que se exercita pela afectação do bem sobre que incide, à satisfação do crédito, o que se alcança pela realização do respectivo valor, pelo que o meio de o credor hipotecário tornar efectivo o seu direito em relação aos bens hipotecados é a execução. 2. Acarretando a venda do bem hipotecado, com prévio concurso de credores, conclui-se que o recurso à hipoteca não é meio adequado para reagir contra a falta de pagamento dos combustíveis, pois implicaria a perda do posto e, consequentemente, a impossibilidade definitiva de a agora recorrente continuar essa sua actividade. 3. Ao atrasar as entregas ou deixar de vender combustíveis face à falta de pagamento de fornecimentos anteriores, não houve violação de qualquer obrigação resultante do contrato, pelo que não há fundamento para a resolução do mesmo ou de indemnização. 4. Ao contrato de concessão comercial são aplicáveis as cláusulas do próprio contrato, as normas que regulam o contrato de agência, que é o nominado com que tem mais afinidades, que constam do DL nº 178/86, de 3 de Julho e os princípios legais aplicáveis à generalidade dos contratos. 5. A resolução infundada, e por isso ilícita, confere à outra parte o direito a ser indemnizada conforme o estipulado no contrato para o caso de extinção da relação contratual, bem como pelos danos resultantes. (F.G.) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Relação de Lisboa P, L.ª, instaurou contra A - Combustíveis, SA, acção de processo comum, na forma ordinária, pedindo que - se decrete a resolução do contrato que denomina de compra exclusiva, que celebrou com a ré em 25 de Setembro de 1998 tendo em vista a comercialização de combustíveis e lubrificantes da produção desta num posto de abastecimento que possui em Meda, por incumprimento do mesmo, que comunicou à agora ré por notificação judicial avulsa efectuada em 1 de Outubro de 2002; - se condene a ré a pagar-lhe, a título de indemnização por danos resultantes desse incumprimento contratual, a quantia de €250 000,00, e que - se declare nula e de nenhum efeito a hipoteca constituída a favor da R. para garantia das obrigações que assumiu no referido contrato, ordenando-se o cancelamento da respectiva inscrição na Conservatória do Registo Predial da Meda. Alega, em resumo, que - em 25 de Setembro de 1998, as partes celebraram entre si um contrato de «compra exclusiva», nos termos do qual a R. se obrigava a fornecer à A. e esta a adquirir àquela, ambas com carácter de exclusividade, os produtos comercializados pela R., para revenda no posto de estabelecimento da primeira; - nos termos do dito contrato, mais a R. se obrigou a, no prazo de um ano, substituir os equipamentos que se encontravam no posto de abastecimento da A. e a aí instalar novos; - apesar da garantia real que foi constituída a seu favor, no valor de 40 000 000$00, a R. recusava-se a efectuar fornecimentos à A. sem que a factura anterior, independentemente do respectivo montante, se encontrasse liquidada; - em consequência, o posto de combustível ficou sem combustível, por diversas vezes, desde Agosto de 2001 até à data da propositura desta acção; - os prejuízos resultantes para a A. cifram-se em €250000, 00, tendo em conta os clientes que a A. foi perdendo e os lucros que deixou de auferir, bem como os gastos com o despedimento e indemnização de trabalhadores. A ré contestou, defendendo que -como contrapartida pela exclusividade da compra aceite pela autora no contrato em questão, a contestante assumiu o encargo de suportar um financiamento bancário de 15 mil contos a conceder a «P, Lda.», para obras no dito posto de abastecimento, bem como a concessão de um bónus especial e o fornecimento gratuito de certa quantidade de produto; - A 8 de Julho de 1999, a A. comunicou à R. que os futuros fornecimentos e facturas deveriam ser feitos em nome da autora, o que aceitou por considerar que juridicamente significava que a aqui autora passou a assumir a posição contratual que cabia à P. - a substituição dos equipamentos existentes no posto de abastecimento propriedade da A. obedecia à avaliação que a R. fizesse da respectiva necessidade; - nos termos do dito contrato, a A. deveria pagar pontualmente os fornecimentos, caso contrário assistia à ré a faculdade de suspender os fornecimentos enquanto a situação de mora se mantivesse; - a R. limitou-se a reduzir e a atrasar os fornecimentos de combustível à A. e só após terem falhado muitas insistências para conseguir o pagamento do que estava em atraso relativamente a fornecimentos já feitos. - os danos de imagem atingem sobre tudo a R., donde conclui que o pedido da autora deve improceder. Em reconvenção, pede que a autora seja condenada a pagar-lhe a quantia de 683.740,22 €, sendo - 86 773,00 € em conformidade com a cláusula 10ª, n.º 5, do dito contrato; - 19 563,34 €, valor da factura nº 23791, vencida e não paga, a que acrescem juros vencidos e não pagos, até á data da contestação, de 3.188, 77 €, e - 574.215,11 € como indemnização pelos lucros cessantes; - mais pedindo a reconvinte que a autora seja condenada a indemnizá-la pelos prejuízos que venham a ser-lhe causados pelo facto de esta última ter colocado o posto de abastecimento à venda, sem a informar e lhe permitir exercer o direito de preferência, bem como nos juros de mora contados sobre o indicado montante global, desde a data da contestação até pagamento. A autora apresentou réplica, em que: - reconhece dever a factura n.º 23 791; - recusa o pagamento de qualquer indemnização, por não ter dado lugar à resolução do contrato; -contrapõe não ter vendido o posto de abastecimento, concluindo que a reconvenção deve ser julgada improcedente. No saneador considerou-se a instância válida e regular. Organizados os factos já assentes e os controversos tidos por relevantes para a decisão da causa, procedeu-se a julgamento, constando de fls. 454 a 458 a decisão sobre os últimos, posto o que foi proferida a sentença em que se julgou improcedente o pedido da autora e parcialmente procedente a reconvenção, condenando-se a autora a pagar à ré a quantia de 19.563,34 €, correspondente ao montante da factura nº 23791, acrescida de juros de mora contados desde 8.6.2001 às taxas aí indicadas, e absolvendo-a do mais que vem pedido. Foi dessa decisão que recorreram, quer a autora, quer a ré. Nas suas alegações, a primeira formula as seguintes conclusões: 1 . A apelante intentou a presente acção contra a ré em 2/12/2002, alegando que as partes celebraram entre si um contrato de “compra exclusiva”, nos termos do qual a ré se obrigava a fornecer à A e esta a adquirir àquela, ambas com carácter de exclusividade, os produtos comercializados pela R, para revenda no posto de estabelecimento da primeira; 2 . Apesar da garantia real que foi constituída a seu favor, no valor de 40.000.000$00, a R recusava-se a efectuar fornecimentos à A sem que a factura anterior, independentemente do respectivo montante, se encontrasse liquidada o que conduziu a que o posto de combustível ficasse sem combustível, por diversas vezes, desde Agosto de 2001 até à data da propositura da acção; 3 . Os prejuízos financeiros advenientes para a A cifram-se em € 250 000,00, tendo em conta os clientes que a A foi perdendo e os lucros que deixou de auferir, bem como os gastos com o despedimento e indemnização de trabalhadores; 4 . Pela decisão recorrida foi decidido julgar a acção improcedente. E é da decisão quanto a este ponto que se recorre. 5 . Ficou prova do que nos termos da cláusula 11ª nº 2, do referido acordo, qualquer das Partes podia operar a resolução do contrato, no caso de a outra faltar grave ou reiteradamente ao cumprimento das suas obrigações no âmbito do mesmo; 6 . ficou provado que para garantir o cumprimento das obrigações assumidas pela A e pela “P,lda”, comprometeu-se aquela a constituir hipoteca no valor de esc: 40 000 000$00 ( quarenta milhões de escudos) a favor da requerida sobre o imóvel cuja titularidade detém, o que efectivamente foi feito por escritura pública lavrada no Sexto Cartório Notarial de Lisboa, em 25 de Setembro de 1998, conforme consta de fls. 16-19, que aqui se dão por integralmente reproduzidas; 7 . ficou provado que a R não efectuava fornecimentos de combustível à A quando existiam facturas anteriores já vencidas e em dívida por parte desta última, independentemente do valor da ou das facturas por liquidar; 8 . ficou provado que a A declarou resolver o “ contrato de compra exclusiva” por notificação judicial avulsa, que dos autos é cópia fls 20 a 27 e que se dá por reproduzida, com entrada em juízo a 11.09.2002, cumprida a 01.10.2002; 9 . ficou provado que o facto de a A se ter visto, por diversas vezes, na contingência de ficar longos períodos de tempo sem combustível para venda, fez com que perdesse muitos dos seus clientes habituais, o que contribuiu para que o posto de abastecimento sofresse, desde Agosto de 2001 até ao presente, uma grande perda de movimento; 10 . ficou provado que o posto de abastecimento ficou sem combustível, desde Agosto de 2001 até à presente data, na sequência da recusa de fornecimento de combustível, por parte da R, por se encontrarem por pagar facturas de montantes diversos; 11 . Porque a A, por dificuldades financeiras não conseguiu pagar pontualmente facturas de valor pouco significativo, nomeadamente, a única que ficou por pagar de 19.563,34 €, a R recusou-se a fornecer o combustível desde Agosto de 2001 até ao presente e porque o contrato feito entre a A e a R não permitia à A recorrer a outras gasolineiras, a actividade da A cessou em Agosto de 2001, tendo de despedir trabalhadores. 12 . A A alegou que , tendo a R uma garantia hipotecária a seu favor de 40 mil contos , pelo incumprimento do contrato dos autos, tinha salvaguardada a eventual mora no pagamento tardio de uma ou outra factura. 13 . A A. ficou numa situação económico-financeira difícil causada única e exclusivamente pela R. 14 . É certo que na petição inicial, não se discriminam os prejuízos sofridos pela A. mas refere-se que tais prejuízos ascendem a 250 mil euros. 15 . Deste modo, dever-se-ia considerar como provada a existência de prejuízos e relegada a sua liquidação para a execução de sentença. 16 . Estabelece o artigo 661º nº 2 do CPC que “ se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”. 17 . É entendimento comum da jurisprudência no sentido de que a norma inserta no artigo 661º nº 2 tanto se aplica aos casos de dedução de pedido especifico como aos de formulação de pedido genérico, pelo que o tribunal pode proferir condenação quando verificar a existência de um dano (crédito), embora não possua elementos factuais para determinar o seu montante exacto, quer o autor tenha pedido uma quantia certa ou deduzido um pedido genérico. Vide Acórdão do STJ de 19/01/01, CJ STJ, II,33 18 . Assim, a sentença recorrida viola os artigos 471º e 661º nº nº 2 do CPC, pelo que deve ser revogada. A recorrida contra-alegou, defendendo que a apelação da autora deve improceder. Por sua vez, no tocante ao recurso que interpôs, a ré formula as seguintes conclusões: a) A sentença recorrida deve ser reformada, ao abrigo do disposto no art. 669.º, n.º 2, al. a), e n.º 3, do Código de Processo Civil, porquanto na alínea J) da matéria dada como provada se refere que a carta aí indicada foi enviada à ora Recorrente pela Autora - ora recorrida - quando é certo que da sua análise (cfr. fls. 50) se conclui sem margem para qualquer dúvida que quem enviou a missiva em questão foi a P e não a Recorrida, sendo que o Tribunal a quo fundamenta grande parte da sentença neste facto; b) A sentença recorrida deverá ser considerada nula, por força do disposto no art. 668.º, n.º 1, al. d), segunda parte, do Código de Processo Civil. Com efeito, a sentença pronuncia-se sobre questão não submetida à sua apreciação e, logo, sobre a qual não se podia pronunciar, a saber, a questão da cessão da posição contratual pretensamente invocada pela ora Recorrente. Na verdade, não só a Recorrente nunca se referiu a qualquer cessão de posição contratual como muito menos a elegeu como pressuposto do seu pedido indemnizatório, sendo que, por outro lado, a própria Recorrida também não baseou a sua defesa relativamente a esse pedido indemnizatório em qualquer alegada inexistência de cessão de posição contratual; c) O Tribunal a quo, no saneamento do processo, não elegeu a questão da cessão da posição contratual como integrando o objecto do litígio, não tendo, aliás, incluído na base instrutória qualquer facto relacionado com esta questão. Ora, se entendia ser esta a questão central dos autos, das duas uma: ou tinha já na sua posse, na fase de saneamento, todos os factos de que necessitava para tomar uma decisão ou, não os tendo, deveria ter procedido à delimitação do objecto do litígio em termos de fazer incluir na base instrutória os factos considerados por si como essenciais para poder decidir, assim permitindo ás partes articular a produção de prova em conformidade. Mas mais: se apenas se apercebeu da essencialidade desta questão em fase de discussão e julgamento da causa, o Tribunal a quo deveria ter-se socorrido da competência prevista no art. 650.º, n.º 2, al. f), do Código de Processo Civil, aditando os necessários factos à base instrutória. O Tribunal a quo actuou, pois ao arrepio do disposto nos arts. 508.º-A, n.º 1, 265.º, n.º 3, al. c), 650.º, n.º 2, al. f) e 3.º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil, cerceando os direitos de defesa das partes e o princípio do contraditório, pelo que a sentença recorrida deve ser julgada ilegal e, em consequência, ser revogada e substituída por outra que: (i) considerando-se que a questão da (in)existência de cessão da posição contratual é essencial para a apreciação do mérito da causa, julgue indispensável ampliação da matéria de facto, nos termos do disposto no n.º 4 do art. 712.º do Código de Processo Civil; ou (ii) entendendo-se que essa questão não se apresenta como essencial para efeitos de apreciação do mérito da causa, substitua a decisão do Tribunal a quo por outra conforme a esse entendimento; d) A questão da pretensamente invocada cessão da posição contratual é irrelevante para a decisão da causa, tendo o Tribunal a quo, mais uma vez, andado mal ao fundar toda a sua decisão na alegada falta de prova, pela ora Recorrente, dessa cessão. Com efeito, independentemente do facto jurídico que esteja na origem da posição contratual de que a Recorrida se confessa expressamente, ao longo dos autos, ser titular, a verdade é que a relação contratual passou a processar-se entre Recorrente e Recorrida, sendo que é a própria Recorrida que o afirma ao longo dos seus articulados; por outro lado, o pedido indemnizatório da ora Recorrente não tem por pressuposto a existência da referida cessão - como entendeu o Tribunal a quo - mas antes a circunstância de a Recorrida se encontrar investida na posição contratual em causa, independentemente do facto que lhe deu origem, e de ter incumprido as obrigações contratuais que para ela dessa posição contratual emergiam, designadamente a obrigação de não resolver injustificadamente o contrato. Aliás, o simples facto de ter sido a Recorrida a resolver o contrato mais uma vez demonstra ser ela a titular das obrigações que do mesmo emergiam. Assim, deverá a sentença recorrida, por baseada em erro de direito, ser revogada e substituída por outra que conclua pela irrelevância da questão da cessão da posição contratual e que, em conformidade, julgue procedente o pedido reconvencional da ora Recorrida; e) A entender-se estarmos perante uma questão de ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio activo necessário, como o parece ter feito o Tribunal a quo, hipótese que apenas por mera cautela e como hipótese de raciocínio se admite, mais uma vez a sentença deve ser considerada ilegal, por violação dos arts. 28.º, n.º 2, 660.º, n.º 1, 494.º, al. e), 495.º, 493.º, 288.º, n.º 3, 265.º, n.º 2, e 269.º, todos do Código de Processo Civil. Com efeito, a ser assim, o Tribunal a quo não só não podia ter conhecido do mérito da causa como deveria ter conhecido oficiosamente da excepção - dilatória - e, não obstante o processo se encontrar já em fase de sentença, ter providenciado pela sanação da referida excepção, por forma a poder decidir do mérito da causa uma vez em juízo todas as partes por si consideradas como essenciais para esse efeito. Assim, e caso o Tribunal ad quem entenda estarmos perante um caso de ilegitimidade activa - sempre sem conceder -, deverá revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que respeite as normas invocadas; f) A sentença enferma de erro de direito no que respeita às consequências da resolução contratual, na medida em que, julgando - correctamente - não ter a Recorrida razão quanto aos fundamentos em que baseou essa resolução, acaba por daí extrair uma consequência errada - a da ineficácia da resolução e consequente manutenção em vigor do contrato. É que a resolução é receptícia, produzindo efeitos a partir do momento em que chega ao conhecimento da outra parte (como, aliás, o Tribunal chega a afirmar, na p. 23 da sentença recorrida). O que pode suceder é que, inexistindo causa ou motivação para essa resolução, se conclua pela sua ilicitude. E, nesse caso, a parte contra a qual a resolução (ilícita) foi operada terá direito a ser indemnizada pelos danos sofridos; g) Ora, no caso dos autos, tal indemnização deve, naturalmente, ser fixada em conformidade com a Cláusula 11.ª, n.º 5, do contrato dos autos, ou seja, nos termos peticionados em sede de reconvenção, sem prejuízo dos lucros cessantes, a indemnizar nos termos gerais de direito. Mas ainda que se entenda - sem conceder - que não deve tal cláusula ser a base de cálculo da indemnização, sempre a Recorrente deveria ser indemnizada nos termos gerais de direito. Ora, se nos termos do art. 564.º do Código civil se devem indemnizar os danos emergentes e os lucros cessantes, e independentemente da referida cláusula, o montante indemnizatório deve ser computado por referência ao investimento não amortizado levado a cabo pela Recorrente e aos lucros que deixou de auferir, ou seja, aquilo que foi oportunamente peticionado em reconvenção; h) Por último, a verdade é que ainda que a declaração de resolução fosse entendida como ineficaz, sempre a mesma se deveria ter como uma manifestação de recusa de cumprimento e, portanto, como uma declaração de vontade negocial de fazer cessar o contrato. Assim, tal declaração só pode ser entendida como uma denúncia, caindo por terra o argumento do Tribunal a quo quando afirma (pp. 30 e 31 da sentença recorrida) a inexistência de denúncia - a par da ineficácia da resolução - como fundamentos para não atribuir à Recorrente qualquer indemnização. Como tal, e considerando, ainda, que a Cláusula 11.ª; n.º 5, obrigava a Recorrida - independentemente de qualquer cessão da posição contratual - e que, em todo o caso, foi a Recorrida quem resolveu o contrato, deve a sentença Recorrida ser revogada e substituída por outra que condene a Recorrida nos termos peticionados, atendendo à factualidade dada como assente quanto aos montantes dos danos verificados pelo que deve a) ser a sentença reformada nos termos requeridos; b) ser a sentença julgada nula, por excesso de pronúncia, nos termos alegados; e c) ser a sentença recorrida considerada ilegal e, assim, revogada e substituída por outra nos termos das conclusões c) a h) supra, que condene a Recorrida nos termos peticionados em sede de reconvenção. Não houve contra-alegações. Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos, cumpre conhecer dos recursos. * Vêm julgados provados os seguintes factos:A) Em 25 de Setembro de 1998, Autora e Ré e «P, Lda» celebraram entre si um acordo que denominaram “contrato de compra exclusiva", com o teor de fls. 9 a 14 que aqui se dá por reproduzido, nos termos a Ré se obrigava a fornecer à «P, Lda» e esta se comprometia a adquirir, em exclusividade, os produtos comercializados pela Ré, para revenda no posto de abastecimento da primeira; B) No mesmo acordo, a Ré obrigou-se a, no prazo de um ano, substituir os equipamentos que se encontravam no posto de abastecimento da Autora e a instalar novos equipamentos, sendo os equipamentos a substituir e a instalar pela A os que esta considerasse necessários para adaptar o Posto de abastecimento aos padrões de actuação da AG, nomeadamente "imagem" e "bombas"; C) A «P, Lda» na cláusula 3a alínea c) do mesmo acordo, obrigouse a "pagar pontualmente, nos prazos estabelecidos pela AG, os preços dos produtos que esta lhe forneça; em, caso de mora no referido pagamento, à quantia em dívida acrescerão juros à taxa legal, podendo ainda a AG suspender os fornecimentos enquanto se mantiver a situação de mora"; D) A Ré, como contrapartida da obrigação de compra exclusiva, assumiu o encargo de pagar à entidade bancária, que iria conceder um financiamento de Esc. 15.000.000$00 (quinze milhões de escudos) à «P, Lda», para que este pudesse concluir as obras no posto de abastecimento, o montante que, a esse título, lhe fosse devido, nos termos a acordar posteriormente com a entidade bancária e a concessão de um bónus especial e um fornecimento gratuito de produto; E) Mais foi acordado na cláusula nona que «os 2º e 3º Contraentes comunicarão por escrito à AG, caso pretendam transferir, seja a que título for, ainda que temporário, nomeadamente por trespasse, cessão de exploração, arrendamento ou venda, o Posto de Abastecimento, podendo exercer a AG o direito de preferência no prazo de 15 (quinze) após a comunicação; F) Na cláusula 11ª nº 1 foi acordado: «O presente Contrato é celebrado pelo prazo de 10 (dez) anos (…) e tem o seu início na data do primeiro abastecimento pela AG ao Posto de Abastecimento, considerando-se sucessivamente renovado, por períodos de um ano, se nenhuma das Partes o denunciar, mediante carta registada, enviada a outra Parte com a antecedência mínima de 90 (noventa) dias sobre o termo do período inicial ou do período de renovação que estiver em curso»; G) Nos termos da cláusula 11ª, n.º 2, do referido acordo, qualquer das partes podia operar a resolução do contrato, no caso de a outra faltar grave ou reiteradamente ao cumprimento das suas obrigações no âmbito do mesmo; H) Mais se acordou na cláusula 11ª, n.os 3 a 5, que “as irregularidades praticadas pelo 2° Contraente - ou pelos seus funcionários ou prestadores - relativas ao deficiente funcionamento dos serviços prestados ao público, à inobservância das regras comerciais, técnicas e publicitárias fornecidas pela AG e à violação da obrigação de não concorrência (…), serão consideradas fundamento de resolução do presente Contrato, para efeitos do parágrafo anterior, quando a AG tenha comunicado a sua verificação e este não providencie, no prazo fixado pela eliminação dessas irregularidades. 4No caso de incumprimento, pelo 2° CONTRAENTE, da obrigação de não concorrência consignada supra no número dois da Cláusula Primeira, a AG terá direito, sem prejuízo da faculdade de suspensão dos fornecimentos e da faculdade de resolver o Contrato nos termos previstos no número anterior, a uma Indemnização correspondente aos danos emergentes e lucros cessantes resultantes desse incumprimento. 5. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o 2° e/ou o 3° CONTRAENTES ficará/ão ainda obrigado/s a restituir à AG as quantias pagas e/ou assumidas por esta como contrapartida da celebração deste Contrato (cf. Cláusula Quarta supra), na proporção dos anos em falta do período total de vigência do mesmo."; I) Para garantir o cumprimento das obrigações assumidas pela Autora e pela «P, Lda», comprometeu-se aquela a constituir hipoteca no valor de Esc. 40.000.000$00 (quarenta milhões de escudos) a favor da requerida sobre o imóvel cuja titularidade detém, o que efectivamente foi feito por escritura pública lavrada no Sexto Cartório Notarial de Lisboa, em 25 de Setembro de 1998, conforme consta de fls. 16-19, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas; J) Por carta com data de 8 de Julho de 1999, a Autora comunicou à R. que, de futuro os fornecimentos e as facturas fossem feitas em nome da A. e não da «P», conforme consta do documento de fls. 60, que se dá por reproduzido, ao que a R. não se opôs; K) A Ré não efectuava fornecimentos de combustível à A. quando existiam facturas anteriores já vencidas e em dívida por parte desta última, independentemente do valor da ou das facturas por liquidar; L) A R. instalou no referido posto de combustíveis um tanque de gasóleo agrícola e respectiva tubagem, carga, respiro e aspiração e uma bomba Tokheim e respectivas ligações eléctricas; M) A A. atrasava-se nos pagamentos feitos das facturas de fornecimentos; N) A R. instalou equipamentos e materiais no posto de combustíveis da A. que, com o respectivo custo de montagem orçaram €22 159, 52 O) A R. gastou € 76.377,46 no pagamento do financiamento para conclusão de obras no posto da A.; P) A Autora declarou resolver o "contrato de compra exclusiva" por notificação judicial avulsa, que dos autos é cópia fls. 20 a 27 e que se dá por reproduzida, com entrada em juízo a 11.09.2002, cumprida a 01.10.2002; Q) A Autora nunca pagou à Ré a combustível fornecido referente à factura nº 0023791 no montante de € 19.563,34 (3.922.098$00), datada de 23.5.2001 e vencida em 7.6.2001; R) O facto de a A. se ter visto, por diversas vezes, na contingência de ficar longos períodos de tempo sem combustível para venda, fez com que perdesse muitos dos seus clientes habituais, o que contribuiu para que o posto de abastecimento sofresse , desde Agosto de 2001 até ao presente uma grande perda de movimento; S) A A. pagou à R. , em Maio de 2001, uma factura com data de emissão de 27/03/2001; T) O posto de abastecimento ficou sem combustível, desde Agosto de 2001 até à presente data, na sequência da recusa de fornecimento de combustível, por parte da Ré, por se encontrarem por pagar facturas de montantes diversos; U) A A. colocou à venda o posto de abastecimento de combustíveis. * Passando a apreciar o recurso da autora, recorda-se que pede que se tenha o contrato que se vem referindo como resolvido por incumprimento por banda da aqui ré, condenando-se a Ag- Portugal SA. a pagar-lhe a quantia de 250.000 € como indemnização pelos prejuízos disso resultantes e dando-se sem efeito a hipoteca constituída sobre o posto de abastecimento de que é dona, determinando-se o respectivo cancelamento no Registo.Na decisão recorrida, todos os referidos pedidos foram julgados improcedentes. Das conclusões da alegação da apelante, que determinam o objecto do recurso, resulta que recoloca aqui a generalidade das questões apreciadas na 1ª instância. Pretende que se considere que a demandada incumpriu o contrato porquanto não fez os abastecimentos de combustível necessários a proceder ao abastecimento dos clientes, o que comprometeu a exploração normal do posto dado não poder adquirir combustíveis noutro fornecedor devido à exclusividade que no contrato em causa se estabeleceu em relação aos produtos daquela. Segundo a alegante, a falta de pagamento de facturas anteriormente emitidas, algumas de valor que tem como reduzido, não justificava a recusa de novos fornecimentos pela ré, pois esta beneficiava de hipoteca do prédio onde se acha implantado o referido posto, constituída precisamente para garantir o cumprimento das obrigações assumidas no âmbito do aludido contrato. A apelante sustenta esta posição não obstante venha assente que no contrato celebrado entre a aqui autora e a ré se estipulou, na cláusula 3ª, c), que a sociedade que detinha a exploração do posto se obrigou a pagar pontualmente, nos prazos estabelecidos pela aqui ré, os preços dos produtos que esta lhe fornecesse, acrescendo à quantia em dívida juros à taxa legal, em caso de mora no referido pagamento, podendo ainda a Ag suspender os fornecimentos enquanto se mantivesse a situação de mora. A hipoteca, que é uma garantia especial das obrigações, confere ao credor, nos termos do artº 686º nº 1 do C. Civil, o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo. Como emerge desta noção, é uma garantia que se exercita pela afectação do bem sobre que incide, à satisfação do crédito, o que se alcança pela realização do respectivo valor. Assim, como explicam os Profs. P.Lima e A.Varela, C.C.Anotº, I, 1ª ed., 522, o meio de o credor hipotecário tornar efectivo o seu direito em relação aos bens hipotecados é a execução, regulada no C. P. Civil. Acarretando a venda do bem hipotecado, com prévio concurso de credores, logo se conclui que o recurso à hipoteca não era meio que, utilizado pela aqui ré, se adequasse melhor aos interesses da aqui autora do que a simples suspensão do fornecimento de combustíveis até pagamento do montante em dívida, pois implicaria a perda do posto e, consequentemente, a impossibilidade definitiva de a agora recorrente continuar essa sua actividade. Consequentemente, ao atrasar as entregas ou deixar de vender combustíveis à aqui autora face à falta de pagamento de fornecimentos anteriores, a agora ré não violou qualquer obrigação resultante do contrato, pelo que não há fundamento para a resolução do mesmo ou para a demandada dever indemnizar a autora, como não o há para ficar sem efeito a hipoteca dado não estar extinta a obrigação que garante, donde improceder o recurso desta. Quanto ao interposto pela ré, verifica-se que esta assinala haver erro na fixação da matéria de facto na 1ª instância, no tocante à carta junta com a contestação, como o doc. nº 1, a fls. 50. Trata-se do facto especificado sob a alínea I). Como do texto da própria carta, aliás como do próprio timbre do papel usado, consta ter sido emitida pela P, Comércio de Óleos e Combustíveis, L.ª, e não pela aqui autora, e como é firmada pela gerência daquela, altera-se o referido ponto da matéria de facto, nos termos do artº 712º nº 1, b) do C. P. Civil, por força do artº 376º nº 1 do C. Civil. A recorrente invoca ainda haver nulidade da sentença recorrida, nos termos do artº 668º nº 1, d) do C. P. Civil, porquanto aí se apreciou uma questão cujo conhecimento estava vedado. Refere-se à cessão da posição que a mencionada P, L.ª tinha no contrato a que se vem aludindo, à aqui autora. Ponderando a questão, constata-se que, na realidade, analisando a petição inicial, em que a autora se coloca na posição de compradora de combustíveis à aqui ré e de prejudicada pela suspensão do respectivo fornecimento, com o correspondente direito a, alegadamente, ser indemnizada, bem como a contestação, em que a ré reconhece ter-se obrigado a fornecer esses produtos à aqui autora como, até, a réplica, em que a primeira se confessa devedora do montante de uma factura emitida pela segunda, é manifesto que as partes no processo se assumem como titulares dos interesses aqui em conflito, ao que acresce não se referirem, mesmo indirectamente, a qualquer questão relacionada com a cessão da posição contratual da P, L.ª. Desse modo, a mencionada questão não foi colocada no processo pelo que, nos termos do artº 660º nº 2, 2ª parte, do C. P. Civil, não sendo de conhecimento oficioso, não poderia ter sido aí apreciada, donde se conclui que, nessa parte, a sentença é nula. Reflexamente, fica afastada qualquer questão respeitante à legitimidade das partes, nomeadamente da autora, por estar no processo desacompanhada da P, L.ª. A apelante pretende ainda que se altere o decidido no tocante ao pedido de indemnização que formulou com base no estipulado na cláusula 11ª nº 5 do contrato e quanto aos alegados lucros cessantes. Na sentença recorrida, como já se referiu atrás, o pedido foi nessa parte julgado improcedente. Nas suas alegações de recurso, a ré-reconvinte funda a pretensão de ver alterado o decidido, na ilicitude da resolução expressa pela autora que defende corresponder, em qualquer caso, «a uma manifestação de recusa de cumprimento e, portanto, como uma declaração de vontade negocial de fazer cessar o contrato», a «ser entendida como uma denúncia». Apreciando esta posição, verifica-se que, como se decidiu nos acs. do STJ de 14.9.2006, procº nº 06P1271 e de 5.3.2009, proc.º nº 09B0297, v. www.dgsi.pt, se trata de questão respeitante a um contrato de concessão comercial, a que são aplicáveis as cláusulas do próprio contrato, as normas que regulam o contrato de agência, que é o nominado com que tem mais afinidades, que constam do DL nº 178/86, de 3 de Julho, e os princípios legais aplicáveis à generalidade dos contratos. Assim, a resolução infundada, e por isso ilícita, operada pela aqui autora, confere à reconvinte o direito a ser indemnizada conforme o estipulado no contrato para o caso de extinção da relação contratual, bem como pelos danos resultantes. A referida alegação da agora recorrente, tem correspondência nos factos que alegou nos ns. 95º, 96º e 97º do articulado em que deduziu a reconvenção. Tal matéria veio a ser seleccionada para prova sob os ns. 15 a 18, inclusive. O nº 15 reporta-se a equipamentos instalados pela ré no posto da autora e o nº 16 a obras aí efectuadas pela mesma, tendo sido provados tais factos. O nº 17 refere-se a combustível fornecido gratuitamente pela reconvinte e o nº 18 a lucros cessantes e resultaram não provados. As despesas feitas pela ré nos termos demonstrados por via da prova dos referidos ns. 15 e 16, ascendem a 22.159,52 € e 76.377,46 €, respectivamente. Contudo, tais elementos não permitem efectuar o cálculo da indemnização devida nos termos do nº 5 da cláusula 11ª do contrato, que remete para a cláusula 4ª do mesmo, por resultar indemonstrado o montante total do bónus concedido por cada litro de combustível fornecido. Do mesmo modo, no respeitante a lucros cessantes, a falta de prova do ponto nº 18 dos factos sujeitos a prova, de formulação conclusiva, que não teve em conta a referência feita no nº 97º da contestação ao documento nº 6 junto a fls. 55, não consente a determinação do montante indemnizatório, pelo que haverá que observar aqui o estabelecido no artº 661º nº 2 do C. P. Civil. Consequentemente, embora improceda no concernente ao pedido com fundamento no fornecimento gratuito de certo volume de combustíveis, o recurso da ré é bem fundado no tocante ao mais considerado na aludida cláusula 11ª nº 5, com referência à cláusula 4ª do contrato, ou seja, a despesas com equipamentos, obras e bónus no combustível efectivamente fornecido à recorrida. Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o recurso interposto pela autora mas parcialmente procedente o interposto pela ré, com condenação da primeira a pagar a esta o que se liquidar na execução da sentença relativamente à cláusula 11ª nº 5, com referência à cláusula 4ª do contrato, nos termos atrás explicados, bem como na indemnização da mesma por lucros cessantes, revogando-se a sentença no correspondente, mas mantendo-a no mais. Custas pela autora e pela ré, na proporção em que decaíram. Lisboa, 28.4.2009 António Antas de Barros Alexandrina Branquinho Eurico Reis |