Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
428/08.8TBPTM-L.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: ALIMENTOS A FILHO MAIOR
CESSAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
DEVER DE RESPEITO
RECUSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- Estando em causa a obrigação de alimentos devidos ao filho maior, nos termos do art.º 1880º do Código Civil, só deve ser ordenada a sua cessação na medida em que deixe de ser razoável impor ao progenitor que assegure o sustento daquele até à conclusão do seu percurso escolar e formativo, o que sucederá quando se estiver perante um caso de violação grave pelo filho maior dos deveres de assistência, auxílio e respeito para com o progenitor obrigado aos alimentos.
2- A mera recusa de convívios entre o filho credor dos alimentos e o progenitor obrigado aos mesmos não é apta à afirmação de tal violação grave do dever de respeito.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

Em 7/2/2021 AA. intentou acção especial de cessação da obrigação de prestação de alimentos contra BB. (na qualidade de legal representante da sua filha menor CC.) e contra DD., seu filho maior de idade, pedindo a cessação da prestação de alimentos em relação a cada um deles.
Alega, em síntese, que dadas as sucessivas faltas ao dever de respeito, manifestadas pelo antagonismo que a CC. e o R. continuam a expressar em relação ao A., que se manifesta actualmente, e não apenas quando eram crianças, se encontra integralmente preenchido o disposto nos art.º 2013º, nº 1, al. c), e 1880º, ambos do Código Civil, devendo cessar a obrigação alimentícia, mais alegando que a R. tem condições económicas para sustentar a CC. e o R. por si só, sem necessidade de auxílio do A.
A P.I. foi liminarmente rejeitada relativamente à R. (em representação da menor CC.) e o processo prosseguiu os seus termos ulteriores relativamente ao R.
Em conferência realizada em 21/6/2022 as partes não lograram chegar a acordo.
Foram apresentadas alegações e teve lugar a produção de prova, após o que foi proferida sentença, pela qual a acção foi julgada improcedente e o R. foi absolvido do pedido.
O A. recorre desta sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem integralmente:
O Tribunal Recorrido julgou incorrectamente, devendo, ao invés, julgar da seguinte forma os factos que considerou provados e o direito aplicável :
1. DD., nascido a 26 de Setembro de 2002 é filho do autor AA. e de BB.
2. No âmbito do processo judicial n.º 428/08.8TBPT-C, no ano de 2012, foi homologado judicialmente acordo de regulação de responsabilidades parentais, no qual ficou determinada a pensão de alimentos devida pelo aqui autor à progenitora, a qual se fixou em 300,00 € (150,00 € por cada um dos filhos, DD. e CC.), aos quais acresceriam 50 €, a título de despesas de saúde, fixadas no final de 2015, pelo tribunal.
3. Pese embora DD. tenha atingido 18 anos no dia 26 de Setembro de 2020, ainda não completou o seu período de formação profissional, tendo apenas finalizado o 12.º ano de escolaridade na data de instauração da acção, tendo prosseguido os seus estudos.
4. Em 2013 correu termos processo n.º (…), onde se imputava ao autor AA., então arguido, a prática do crime de maus tratos, processo este onde o réu DD. foi chamado a prestar depoimento, o qual consta reproduzido a fls. 8, 9, 10, e 11, do documento nº 1 junto com a Petição Inicial, documento este cujo teor se dá aqui por reproduzido tendo o aludido DD. invocado ter sido vítima de agressão física perpetrada pelo seu pai, AA., aqui autor.
5. DD. padece de Síndrome de Asperger (vulgo, variação de autismo) e na data em que prestou declarações no aludido processo criminal tinha apenas 10 anos de idade.
6. O testemunho de DD. foi atendido pelo Tribunal para dar por assente o relatado, e tal conclusão foi possível retirar da prova documental (sentença/actas/ documentos 5,6,7,9) perícia médica, tendo o então arguido, AA., aqui requerente, sido absolvido, nos termos melhor constantes do documento n° 1 junto com a Petição Inicial, documento este cujo teor se deu supra aqui por reproduzido.
7. O depoimento testemunhal do DD., atingiu emocionalmente o autor, que se sentiu magoado, vilipendiado, ferido na sua dignidade psicológica e integridade moral, ainda mais, por tratar-se do seu próprio filho, a proferi-lo perante um órgão de soberania e INML, e no âmbito de um processo-crime, que poderia sempre terminar com a aplicação de uma pena restritiva dos seus direitos e liberdades.
8. O aqui autor AA. recebeu uma mensagem de texto, através do n.º de telefone xxxxxx521, cerca das 19:22 horas, do dia 18-03-2014, conforme documento n° 2 junto com a PI, com o seguinte conteúdo: “Sou um cabrao e ninguém gosta de mim. Quem sou eu? R: Sou AA.
9. O nº de telefone xxxxxx521 estava registado pelo autor como sendo o do seu filho DD. e que a mensagem aludida em 8 e 9 FP foi escrita e enviada pelo próprio menor DD. ao progenitor;
10. No âmbito do processo de regulação de responsabilidades parentais n.º 428/08.8TBPTM - I, foi solicitada ao IML realização de perícia médico-legal psicológica a DD., aqui já com 16 anos de idade, constando o respectivo relatório documento junto com a PI e relatório de 23.05.2019, no apenso I, o qual se dá aqui por reproduzido e no qual o DD. refere ter sido agredido pelo pai, aqui autor, nos termos melhor aí constantes, mais afirmando que não gostava de ver ou estar com o pai, aqui requerente.
11. Não obstante padecer de Síndrome de Asperger, refere o reproduzido relatório do INML que DD. apresenta um funcionamento cognitivo geral apropriado à idade.
12. O ora autor, confrontado com o conteúdo do relatório do INML, sentiu-se profundamente desrespeitado na sua dignidade enquanto pai, considerando que DD. lhe faltou ao respeito e que o ofendeu.
13. DD. recusou amiúde os convívios com o pai, ao longo do seu crescimento, mantendo tal atitude na actualidade (sem prejuízo de não ter sido possível concretizar tal atitude geral com a minucia das alíneas b), c) e d) dos FP, conforme melhor se pode verificar em sede de motivação da decisão de facto) continuando actualmente a acusar o pai de ter cometido diversos crimes, em diferentes instâncias judiciais
14. Designadamente no apenso I, cujos termos aqui se dão por reproduzidos, a requerida imputa ao aqui autor a violação dos regimes de visitas que ao longo dos tempos foram sendo estipulados, ora não comparecendo nos locais acordados, ora surgindo nas visitas sozinho quando tinha lhe sido determinado que teria de estar sempre acompanhado pela pessoa devidamente designada nos autos, ora recusando-se sistematicamente a se deslocar a Lisboa para ver e estar com os filhos o que é manifestamente contrariado pela prova junta aos autos nos documentos de 5 a 9 juntos na peça do autor AA., e, até porque DD. não responde aos telefonemas, nem mensagens, nem e-mails, não o cumprimenta o pai quando se cruzam, não lhe enviando mensagens em épocas festivas, nem tão pouco lhe ligando, ou enviando mensagem quando faz anos, o que se mantém, sensivelmente, há cerca 10 anos.
15. DD., até pela doença de que padece, tem necessidade de ser medicados diariamente, de ter acompanhamento especial, tanto neurológico, como como psicológico, e presentemente psiquiátrico, dado o quadro de agravamento da saúde, pelo que qualquer situação de maior instabilidade causa um estado de ansiedade e descontrolo de emoções que o levam inconscientemente a ser violento, o que para além do mais implica avultadas despesas médicas.
- Devendo-se considerar provados os factos de A), B) e C) conforme supra manifestado e introduzido na prova assente e sublinhado a negrito a alteração pretendida.
Tendo-se em conta toda a prova produzida e analisada em audiência com recurso às regras da experiência comum, atendendo-se à documentação dos autos, designadamente a que foi junta com a PI, a que foi junta, quer pelo Autor na sua PI, quer a 26.04.2022, pela requerida, bem como os demais elementos constantes do processo, nos seus vários apensos disponíveis para consulta a este tribunal.
Os factos e os documentos, o caso vertente, esclarecem cabalmente a relação material controvertida pelo Autor ao contrário do que firmou o decisor primário dos autos, com todo o respeito.
Mas o que sabemos, pela peneira do trigo, possibilita-nos atribuir culpa por esta situação de afastamento ao DD., rotulando o seu comportamento de “violação do dever de respeito” pelo pai.
Tal atitude é qualificada objectivamente de falta de respeito, culposa ou sequer que assuma a gravidade suficiente que justifique a cessação do dever de prestar alimentos, por parte do pai.
Reza o tribunal recorrido que desde logo, sabe que houve pelo menos queixas da progenitora quanto à contribuição do pai para o problema ou à falta de empenhamento do progenitor em superá-lo (ponto 14 FP), embora não seja uma conclusão límpida de que assim tal sucedeu, reportado está -mas, que se diga, ainda assim não pode servir para concluir como fez por não ser tangível e logico...
- O ponto 1 a 3 FP resulta da documentação aí aludida, sendo que quanto à não conclusão do percurso formativo do DD., as partes estão de comum acordo, sendo até o autor quer primeiro o afirma.
Não estando o mesmo alicerçado em qualquer prova documental pois o DD. não juntou prova de estar a concluir os estudos, com a devida vénia, alias nem se sabe onde esta pois nem as notificações do tribunal acode....
- O ponto 5 FP resulta dos elementos dos autos, sendo que as partes nele estão de comum acordo, sendo até o autor quer primeiro o afirma. Atendeu-se ainda a um atestado médico de 26.04.2022, que lateralmente aponta para o diagnóstico de autismo.
Ou seja o relatório aponta lateralmente para tanto mas não refere quais os exactos elementos do autos para fundamental tal conclusão.
- Os pontos 8, 9 FP e alínea a) dos FNP decorrem do documento n° 2 junto com a PI; porém, sendo o menor de tão tenra idade, na altura, havendo seguramente um litígio alargado entre os progenitores e os filhos, e à míngua de maiores indícios que revelem a autoria da mensagem, ou até a disposição exclusiva, na posse do menor, de telemóvel com o dito número, não é possível afirmar a autoria da mensagem nos termos alegados.
- Com todo o respeito tal conclusão não se encontra estribada por qualquer suporte lógico de prova sendo necessário mais face a tal desiderato que não se pode aceitar e no caso concreto dos autos devendo o tribunal haver considerado que foi aquele que a enviou naturalmente, e não o fazendo ocorreu vicio de falta de fundamentação.
- O ponto 13 FP resulta dos elementos documentais dos autos, porquanto é efectivamente relatado, por exemplo, no documento 7 junto com a PI, a omissão da convivência por vontade das crianças, que a negavam, sendo certo que daí não é possível concluir tão extensa e pormenorizadamente como consta nas alíneas b), c) e d) dos FNP. De facto, pese embora o contexto relacional dos intervenientes seja favorável a semelhante interpretação, certo é que seria um passo temerário tê-lo por assente, à míngua de qualquer outro elemento probatório que não seja o contexto relacional entre as partes. Ainda assim, resultou suficiente matéria para se dar como provado o que consta no ponto 13 FP.
Ora se o DD. recusou amiúde os convívios com o pai, ao longo do seu crescimento, mantendo tal atitude na actualidade, facto 13, como é que não considera, o Tribunal visado, provados tais factos?! Aqui existe manifesta contradição para a pretensão de absolver do pedido e desconsiderando os documentos (sentença judicial) juntos pelo Requerente, nomeadamente documento 1 junto pelo progenitor AA., com todo respeito.
- 14. Designadamente no apenso 1, cujos termos aqui se dão por reproduzidos, a requerida imputa ao aqui autor a violação dos regimes de visitas que ao longo dos tempos foram sendo estipulados, ora não comparecendo nos locais acordados, ora surgindo nas visitas sozinho quando tinha lhe sido determinado que teria de estar sempre acompanhado pela pessoa devidamente designada nos autos, ora recusando-se sistematicamente a se deslocar a Lisboa para ver e estar com os filhos.
O que a requerida imputa é diferente daquilo que acontece na realidade material dos factos e como poderá o tribunal desejar concluir (como fez) que a culpa da violação de qualquer direito é do requerente com base nas declarações da progenitora incumpridora?!, carece tal facto provado de base fáctica e lógica com a devida vénia, ao que aprece com base na analise do apenso I (mas de que forma e com que fundamentação?!)
-15. DD., até pela doença de que padece, tem necessidade de ser medicados diariamente, de ter acompanhamento especial, tanto neurológico, como como psicológico, e presentemente psiquiátrico, dado o quadro de agravamento da saúde, pelo que qualquer situação de maior instabilidade causa um estado de ansiedade e descontrolo de emoções que o levam inconscientemente a ser violento, o que para além do mais implica avultadas despesas médicas.
Nesta senda como concluiu o tribunal recorrido que o DD. não tem rendimentos, meios de subsistência ou da impossibilidade de trabalhar?!, pelo menos nada diz do relatório médico ou outro do qual tal se infira nem que seja lateralmente... e aqui, mais uma vez era exigível melhor argumento e estribo e por tanto insuficiente para fundamentar e considerar provado de tal forma e com tal fito... ou seja o Tribunal decidiu que o supra ponto 15 FP resultou da documentação (qual e qual sua análise crítica) junta pela requerida com a contestação de 26.04.2022, tudo lido à luz do conhecimento comum acerca, designadamente, das particularidades conhecidas da doença de que padece DD. (o tribunal não pode adivinhar ou pressupor para julgar) existindo, senão outro, vicio de omissão de pronúncia.
Consideradas as sucessivas faltas ao dever de respeito, dado o antagonismo que DD. continua a expressar em relação a si, que se manifesta actualmente, e não apenas quando eram criança se encontra integralmente preenchido o disposto nos art.º 2013.º, n.º 1, alínea c), e 1880.º do Código Civil, devendo cessar a obrigação alimentícia.
Entende tal Tribunal que os factos, no caso vertente, não o esclarecem cabalmente, olvidando o documento 5, 6, 8, 9 juntos aos autos pelo requerente recorrente AA. (…), no qual o seu filho DD. refere, a Fls. 3 que o pai o agredia, fisicamente e psicologicamente, empurrava a cabeça para baixo de água, não o deixava telefonar à mãe..., que disse preferia fazer vida sem o meu pai, a ultima vez que o vi fugi dele, não lhe dei hipótese, recusava me completamente...ficando claro que não queria conviver com o pai (pois não reconhece o progenitor como pai.. mas sim o padrasto e não tem, tempo para atender as suas chamadas) desconsiderando não só isto mas também os demais apensos e facto notório que este não convive com o pai conforme deveria... com todo o respeito tal não será de aceitar porque é aberrante tal omissão e ou erro na apreciação da matéria factual em prejuízo do progenitor inconformado.
Assim não será razoável que o DD. possa exigir que aquele providencia pelo seus sustento e educação, saúde em conformidade do com o estabelecido no artigo 1880 do código civil mostrando se totalmente verificada a previsão do artigo 2013 nº 1.
alínea c) do código civil e por isso irrazoável que o autor esteja vinculado à prestação da obrigação alimentícia.
Caso o Tribunal o houvesse feito correctamente a apreciação da prova e não tivesse omitido pronúncia sobre tais alegações e documentos lavrados , com a devida vénia, resultaria sempre numa decisão contrária que determinaria o provimento do(s) pedido(s) daquele, fazendo-se justiça.
Deverão, por isso, estes pontos ser julgados de forma, nos termos explanados, a corrigir-se a prova assente e naturalmente alterar-se a decisão recorrida de forma a seja oferecido provimento à pretensão do Requerente recorrente.
Com a devida vénia, não fundamentou o Tribunal a conclusão obtida, padecendo sim a Sentença de um verdadeiro vício, consubstanciando-se na falta de apoio em factos e normas legais que permitam concluir portanto, ou seja de existência de vicio de falta de fundamentação.
Não pode o Tribunal recorrido de munir-se de presunções simples, naturais, judiciais ou hominis para suprir a prova documental e ou falta dela, com todo o respeito, e decidir, mal, como decidiu.
A Sentença recorrida padece de vícios de:
NULIDADE, na perspectiva do Autor está em causa também OMISSÃO DE PRONÚNCIA por parte do tribunal recorrido sendo a sentença é nula - artigo 615.º, n.º 1, al. d), do mesmo Código.
-FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA.
Não foi apresentada alegação de resposta.
***
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, prendem‑se com:
- A nulidade da sentença por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia;
- A alteração da decisão de facto;
- A cessação da obrigação alimentar do A. face à violação grave dos deveres de respeito do R. credor dos alimentos.
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Na sentença recorrida considerou-se como provada a seguinte matéria de facto (corrigem-se as referências processuais e elimina-se a referência desnecessária à motivação da decisão de facto, constante do ponto 13):
1. O R., nascido a 26 de Setembro de 2002, é filho do A. e de BB.
2. No âmbito do processo judicial n.º 428/08.8TBPTM-C, no ano de 2012, foi homologado judicialmente acordo de regulação de responsabilidades parentais, no qual ficou determinada a pensão de alimentos devida pelo A. à progenitora, a qual se fixou em € 300,00 (€ 150,00 por cada um dos filhos, o R. e CC.), aos quais acresceriam € 50,00, a título de despesas de saúde, fixadas no final de 2015, pelo tribunal.
3. Pese embora o R. tenha atingido 18 anos no dia 26 de Setembro de 2020, ainda não completou o seu período de formação profissional, tendo apenas finalizado o 12.º ano de escolaridade na data de instauração da acção, tendo prosseguido os seus estudos.
4. Em 2013 correu termos o processo n.º (…), onde se imputava ao A., então arguido, a prática do crime de maus tratos, processo este onde o R. foi chamado a prestar depoimento, o qual consta reproduzido a fls. 8, 9, 10, e 11, do documento nº 1 junto com a P.I., documento este cujo teor se dá aqui por reproduzido tendo o R. invocado ter sido vítima de agressão física perpetrada pelo A.
5. O R. padece de Síndrome de Asperger (vulgo, variação de autismo) e na data em que prestou declarações no aludido processo criminal tinha apenas 10 anos de idade.
6. O testemunho do R. não foi atendido pelo Tribunal para dar por assente o relatado, nem tal conclusão foi possível retirar da perícia médica, tendo o A. sido absolvido, nos termos melhor constantes do documento nº 1 junto com a P.I., documento este cujo teor se deu supra aqui por reproduzido.
7. O depoimento testemunhal do R. atingiu emocionalmente o A., que se sentiu magoado, vilipendiado, ferido na sua dignidade psicológica e integridade moral, ainda mais, por tratar-se do seu próprio filho, a proferi-lo perante um órgão de soberania, e no âmbito de um processo crime, que poderia sempre terminar com a aplicação de uma pena restritiva dos seus direitos e liberdades.
8. O A. recebeu uma mensagem de texto, através do n.º de telefone xxxxxx521, cerca das 19:22 horas, do dia 18-03-2014, conforme documento nº 2 junto com a P.I., com o seguinte conteúdo: “Sou um cabrao e ninguém gosta de mim. Quem sou eu? R: Sou AA.”.
9. O nº de telefone xxxxxx521 estava registado pelo A. como sendo o do R.
10. No âmbito do processo de regulação de responsabilidades parentais n.º 428/08.8TBPTM-I, foi solicitada ao IML realização de perícia médico-legal psicológica ao R., aqui já com 16 anos de idade, constando o respectivo relatório documento junto com a P.I. e relatório de 23.05.2019, no apenso I, o qual se dá aqui por reproduzido e no qual o R. refere ter sido agredido pelo A., nos termos melhor aí constantes, mais afirmando que não gostava de ver ou estar com o A.
11. Não obstante padecer de Síndrome de Asperger, refere o reproduzido relatório do INML que o R. apresenta um funcionamento cognitivo geral apropriado à idade.
12. O A., confrontado com o conteúdo do relatório do INML, sentiu-se profundamente desrespeitado na sua dignidade enquanto pai, considerando que o R. lhe faltou ao respeito e que o ofendeu.
13. O R. recusou amiúde os convívios com o A., ao longo do seu crescimento, mantendo tal atitude na actualidade.
14. Designadamente no apenso I, cujos termos aqui se dão por reproduzidos, a progenitora imputa ao A. a violação dos regimes de visitas que ao longo dos tempos foram sendo estipulados, ora não comparecendo nos locais acordados, ora surgindo nas visitas sozinho quando tinha lhe sido determinado que teria de estar sempre acompanhado pela pessoa devidamente designada nos autos, ora recusando-se sistematicamente a se deslocar a Lisboa para ver e estar com os filhos.
15. O R., até pela doença de que padece, tem necessidade de ser medicado diariamente, de ter acompanhamento especial, tanto neurológico como psicológico, e presentemente psiquiátrico, dado o quadro de agravamento da saúde, pelo que qualquer situação de maior instabilidade causa um estado de ansiedade e descontrolo de emoções que o levam inconscientemente a ser violento, o que para além do mais implica avultadas despesas médicas.
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Na sentença recorrida considerou-se como não provada a seguinte matéria de facto:
a) A mensagem aludida em 8 e 9 foi escrita e enviada pelo próprio R.;
b) O R. continua actualmente a acusar o A. de ter cometido diversos crimes, em diferentes instâncias judiciais;
c) O R. não responde aos telefonemas, nem mensagens, nem e-mails, não o cumprimenta o A. quando se cruzam, não lhe enviando mensagens em épocas festivas, nem tão pouco lhe ligando, ou enviando mensagem quando faz anos, o que se mantém, sensivelmente, há cerca 10 anos;
d) Em três almoços, marcados para os dias 24 de Novembro, 15 de Dezembro e 12 de Janeiro de 2020, entre o R. e CC. e o A., estes resultaram muito curtos, sendo que o R. e CC. praticamente não dirigiram palavra ao A., tratando-o com indiferença, como se fosse um desconhecido, apesar do manifesto esforço do A. em estabelecer uma ponte de diálogo;
e) A progenitora dispõe de rendimentos provenientes da sociedade comercial por quotas, “OM” (…);
f) Da actividade aludida em e) a progenitora retira os seus dividendos e proveito económico mais que suficiente para o seu sustento e para o do R. e CC.
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Da nulidade da sentença
Segundo a al. b) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. E segundo a al. d) do mesmo nº 1 a sentença é ainda nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
A necessidade de especificação dos fundamentos da decisão judicial emerge do art.º 154º do Código de Processo Civil, onde se dispõe que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido são sempre fundamentadas.
Todavia, a sentença com fundamentação escassa ou deficiente não é nula.
É que, segundo Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Processo Civil, pág. 221), “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (artº 208º nº 1 do CRP; artº 158º nº 1)”. E mais refere que “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (…) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (…); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”.
Já sobre a questão da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, explica Lebre de Freitas (Código de Processo Civil Anotado, volume II) que “devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe estão submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe caiba conhecer (art 660º/2), o não conhecimento do pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade (…)”.
Todavia, e como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 737), existe “uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso”.
No caso concreto o A. invoca que a motivação da decisão de facto apresentada pelo tribunal recorrido não está devidamente fundada na prova produzida. Do mesmo modo invoca o A. que se o tribunal recorrido se tivesse pronunciado sobre a prova nos termos por si pretendidos teria dado provimento à sua pretensão, pelo que, não o tendo feito, verifica-se a invocada omissão de pronúncia.
Torna-se evidente que a sentença recorrida não padece do vício da nulidade por falta de fundamentação, na medida em que está aí expressa quer a fundamentação de facto, quer a fundamentação de direito, que conduz à decisão da improcedência da acção.
Pode tal fundamentação estar incompleta ou mesmo errada, como sustenta o A. Só que tal circunstância não corresponde ao vício da nulidade, mas antes representa um erro de julgamento, que não determina a nulidade da sentença, mas a (eventual) modificação do que aí foi decidido, com recurso a fundamentação (de facto e/ou de direito) distinta da utilizada pelo tribunal recorrido.
Do mesmo modo, e no que respeita à invocada omissão de pronúncia, torna-se igualmente patente que tal vício não se verifica porque o que resulta claro da alegação do A. é que o mesmo entende que a decisão está errada, por não ter sido tomada no sentido por si pretendido, e com apoio nos argumentos por si apresentados. Mas ainda que o tribunal recorrido possa não se ter pronunciado sobre todos e cada um dos argumentos apresentados pelo A., não deixou de conhecer da sua pretensão, decidindo pela improcedência da mesma.
O que equivale a concluir, sem necessidade de ulteriores considerações, pela improcedência da arguição de nulidades em questão.
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Da alteração da matéria de facto
Decorre da conjugação dos art.º 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 640º, nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que estão errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respectiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão.
A respeito do disposto no referido art.º 640º do Código de Processo Civil, refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pág. 196-197):
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou incongruente”.
E, mais adiante, afirma (pág. 199-200) a “rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, designadamente quando se verifique a “falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto”, a “falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados”, a “falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou neles registados”, a “falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda”, bem como quando se verifique a “falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, concluindo que a observância dos requisitos acima elencados visa impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Do mesmo modo, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 770) afirmam que “cumpre ao recorrente indicar os pontos de facto que impugna, pretensão esta que, delimitando o objecto do recurso, deve ser inserida também nas conclusões (art. 635º)”, mais afirmando que “relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, o recorrente tem o ónus de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder apresentar a respectiva transcrição”.
E, do mesmo modo, vem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça (como no acórdão de 29/10/2015, relatado por Lopes do Rego e disponível em www.dgsi.pt) que do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil resulta “um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação (…) e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes (…)”.
Por outro lado, e impondo-se a especificação dos pontos concretos da decisão que estão erradamente julgados, bem como da concreta decisão que deve ser tomada quanto aos factos em questão, há-de a mesma reportar-se, em primeira linha, ao conjunto de factos constitutivos da causa de pedir e das excepções invocadas. É que, face ao disposto no nº 1 do art.º 5º do Código de Processo Civil, a decisão da matéria de facto tem por objecto, desde logo, os factos essenciais alegados pelas partes, quer integrantes da causa de pedir, quer integrantes das excepções invocadas. Todavia, e porque do nº 2 do mesmo art.º 5º resulta que o tribunal deve ainda considerar os factos instrumentais, bem como os factos complementares e concretizadores daqueles que as partes hajam alegado, e que resultem da instrução da causa, daí decorre que na decisão da matéria de facto devem esses factos ser tidos em consideração.
Tal não significa, no entanto, que a decisão da matéria de facto (provada e não provada) deve comportar toda a matéria alegada pelas partes e bem ainda aquela que resulte da prova produzida, já que apenas a factualidade que assuma juridicidade relevante em razão das questões a conhecer é que deve ser objecto dessa decisão.
Isso mesmo enfatizam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 721),  quando explicam que o juiz da causa deve optar “por uma descrição mais ou menos pormenorizada ou concretizada, de acordo com as necessidades do pleito, desde que seja assegurada uma descrição natural e inteligível da realidade que, para além de revelar o contexto jurídico em que se integra, permita a qualquer das partes a sua impugnação”. E mais explicam (pág. 722) que “o regime consagrado no CPC de 2013 propugna uma verdadeira concentração naquilo que é essencial, depreciando o acessório, sendo importante que o juiz consiga traduzir em linguagem normal a realidade apreendida, explicitando, depois, os motivos que o determinaram, com destaque para a explanação dos factos instrumentais que o levaram a extrair as ilações ou presunções judiciais”.
Assim, e como tal delimitação deve estar igualmente presente na apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto (neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/5/2017, relatado por Fernanda Isabel Pereira e disponível em www.dgsi.pt, quando conclui que “o princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo”, e bem ainda que “nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir”), só há lugar à apreciação dos pontos indicados como impugnados na medida em que, não só devam constar do elenco de factos provados e não provados, no respeito pelo disposto no art.º 5º, nº 1 e nº 2, al b), do Código de Processo Civil, mas igualmente correspondam a factos com efectivo interesse para a decisão do recurso.
Revertendo tais considerações para o caso concreto, pode-se afirmar que o A. deu cumprimento formal ao ónus de especificação a que alude o art.º 640º do Código de Processo Civil, na sua vertente primária, já que resulta das conclusões do recurso a delimitação do objecto da impugnação, por referência aos pontos a) a c) do elenco de factos não provados, que o A. entende que devem passar a integrar os factos provados.
Já relativamente ao cumprimento do referido ónus de especificação, na sua vertente secundária, a alegação do A. é totalmente omissa sobre a identificação dos concretos meios de prova que, segundo o mesmo, conduzem a dar como provada a matéria constante dos pontos a) a c) do elenco de factos não provados.
É certo que o A. invoca a insuficiência de alguns meios de prova para a demonstração dos factos dados como provados.
Assim é, por exemplo, relativamente à questão de o R. padecer de Síndrome de Asperger (constante do ponto 5), e que o A. entende que não resulta do atestado médico junto em 26/4/2022, porque este documento só “lateralmente aponta para o diagnóstico de autismo”. Todavia, tendo o A. excluído da delimitação do objecto da impugnação o referido ponto 5, logo se antevê da irrelevância da alegação do A.
Do mesmo modo, agora relativamente à questão de o R. ter invocado ser vítima de agressão física por parte do A. e de ter recusado os convívios com o A. ao longo do seu crescimento (constante dos pontos 4, 10 e 13), o A. entende que não foram correctamente valorados os documentos que juntou aos autos e que identifica. Todavia, tendo o A. excluído igualmente da delimitação do objecto da impugnação da decisão de facto os referidos pontos 4, 10 e 13, igualmente se antevê a irrelevância da alegação do A.
Ou seja, relativamente a factos dados como provados e não incluídos no objecto da impugnação, o A. permite-se apreciar criticamente os meios de prova produzidos mas, no que respeita aos factos dados como não provados e incluídos no objecto da impugnação, o A. omite qualquer apreciação crítica da prova concretamente produzida, a partir de onde se possa concluir pela inclusão dos mesmos no elenco de factos provados.
E ainda que se possa vislumbrar uma tentativa do A. de lançar mão das regras da experiência comum para dar como provados os factos constantes dos referidos pontos a) a c), não é possível concluir, como pretende o A., e no que respeita ao ponto a), que só o R. podia ter escrito e enviado a mensagem identificada em 8 e 9, atenta a sua qualidade de “titular/proprietário” do aparelho a partir de onde a mesma foi enviada, apenas porque o A. tinha registado no seu aparelho o número de onde foi enviada como sendo o número de telefone do R. (que, recorde-se, ao tempo ainda não tinha completado doze anos de idade). Do mesmo modo, não é possível concluir, segundo as regras da experiência comum, pela verificação da factualidade constante dos pontos b) e c), apenas porque resulta demonstrado (ponto 13) que ao longo do seu crescimento o R. “recusou amiúde os convívios com o A.”, ainda mantendo tal atitude actualmente. É que a circunstância de o R. recusar convívios com o A. (embora não de forma absoluta, como resulta da utilização do advérbio “amiúde”) não significa, sem mais, que igualmente recuse contactos por telefone, mensagem ou correio electrónico. E também não significa que o R. repetiu, no momento presente, a conduta identificada em 4 e 10 (ou seja, que continua actualmente a imputar ao A. a prática de ilícitos penais, como fez nas declarações que prestou no processo crime em que o A. foi absolvido, por sentença de 19/2/2013, do crime de maus tratos por que vinha acusado, e que novamente fez em 2019, em sede de perícia médico-legal e no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais).
Em suma, porque o A. não deu cumprimento ao ónus de especificação a que respeita o art.º 640º do Código de Processo Civil, na sua vertente secundária de indicação dos concretos meios de prova em que funda as alterações pretendidas, e não havendo igualmente que efectuar as alterações pretendidas com recurso a presunções judiciais, improcedem as conclusões do recurso do A., nesta parte, assim sendo de manter o elenco de factos provados e não provados constantes da sentença recorrida.
***
Da cessação da obrigação alimentar do A.
Na sentença recorrida ficou assim fundamentada a improcedência da pretendida cessação dos alimentos devidos pelo A. ao R.:
Nos termos da al. c), do n.º 1 do artigo 2013.º do CC, a violação grave dos deveres do alimentando para com o obrigado pode justificar a cessação (ou alteração) da prestação alimentícia, o que temos por aplicável também à prestação alimentícia a filhos maiores durante o percurso formativo educativo /ou profissional.
Poderá ponderar-se sempre, em situações idênticas, e como salienta a autora acima citada, um critério de razoabilidade relacionado com a existência de um comportamento grave por parte do filho maior que esteja na origem da não conclusão da sua formação profissional - todavia, não é caso, nada estando invocado a esse propósito.
Mas, em nosso entender, não deve ficar liminarmente excluída a hipótese de tal desrazoabilidade resultar de qualquer outro comportamento, designadamente se inclui a possibilidade de o progenitor obrigado a alimentos invocar, para se desobrigar, conflitos entre si e o filho, designadamente um corte de relações por iniciativa deste, e designadamente violação do respeito, por o filho não o visitar, não o cumprimentar, não lhe dar conta de sua vida.
- alegação que no caso sub judice é a que está invocada.
(…)
Ora, decorre do artigo 1874.º que os “pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência”.
Mas a lei também prescreve que os pais devem prover ao sustento, saúde, segurança e educação dos filhos, promovendo, de acordo com as suas possibilidades, o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral – n.º 1, do artigo 1878.º e n.º 1, do artigo 1885.º do CC.
É no cotejo entre estes normativos e na hierarquização dos respectivos direitos e deveres, quando em conflito, que devemos perceber quando a violação daqueles deveres poderá implicar a cessação do pagamento da prestação alimentícia, escusando um progenitor dos seus poderes-deveres, nessa medida.
Ponderar, em cada caso, da razoabilidade da manutenção da obrigação alimentar por parte do progenitor em relação ao filho maior, dependerá incontornavelmente da prova que se fizer e a apreciação da situação deverá partir, em nosso entender, da assunção de que os pais têm uma especial exigência em relação aos fins e ao acautelamento da vida destes. E esta especial exigência existe não só na menoridade, mas na sua formação enquanto cidadãos capazes de auto-sustento, o que implica a conclusão do percurso formativo que os levará à esperada capacidade de obter independência financeira. E esta especial exigência não tem paralelo em qualquer outra relação familiar de onde decorram deveres alimentícios, porquanto decorre de uma posição de especial garante que é universalmente aceite como existente dos pais para os filhos, o dever de proporcionar aos filhos instrumentos de trabalho, de independência e de auto sustento. Em suma, o dever de os criar (ou de contribuir para tal): uma consequência directa do estabelecimento da filiação, estando os pais, por isso, obrigados a prover o sustento dos filhos até que estes estejam em condições de custear os seus próprios encargos. E este especial dever dos pais para com os filhos que geraram e colocaram no mundo, cientes de toda a responsabilidade que tal compromisso acarreta que obriga a uma acrescida exigência na ponderação do que possa ser qualificado suficientemente grave para desobrigar um progenitor de alimentos relativamente a um jovem (ainda que maior) em período de formação.
Neste sentido parece ter ido o Ac. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08/03/2012, com uma visão que se considera actual e contemporânea, citado pela autora e obra supra, onde se escreveu “cremos que melhor representa os sentimentos dominantes da nossa sociedade a ideia, que é a nossa, de que o amor incondicional dos pais pelos filhos exige que os primeiros lhes proporcionem os meios necessários para singrarem na vida, mesmo quando os filhos não têm o comportamento que deles é esperado. Resta, igualmente, esperar que a filha do Recorrente, apesar de eventualmente ninguém a ter ensinado a amar e respeitar o pai, como este gostaria, o venha a aprender, por si própria, com a maturidade da idade adulta. Para tanto, ajudará observar que o pai, embora sem retorno afectivo, sempre a apoiou, pelo menos em termos materiais.”
***
Vertendo agora estes critérios de ponderação ao caso concreto, podemos até aceitar que a atitude provada possa ser qualificada de falta de respeito, mas não podemos assumir, face à prova feita, que essa falta de respeito assuma a gravidade suficiente que justifique a cessação do dever de prestar alimentos, por parte do pai.
Efectivamente, parte dos factos ocorreram em tenra idade do DD.. Parte deles decorrem de declarações em tribunal (as instituições próprias para se ver sindicado um comportamento com relevância legal, pese embora possam não ficar provadas).
Parece-nos que o referido circunstancialismo mais do que revelar uma situação de falta de respeito, revela uma situação de falta de vinculação  infelizmente bastante comum, sobretudo nos casos de separação entre dos progenitores.
A separação vivencial das crianças com um dos progenitores, o julgamento que os menores fazem do comportamento dos progenitores (ainda com poucos recursos para o efeito), agudiza e acentua um alheamento emocional que pode resultar facilmente em animosidade.
Como se refere - e muitíssimo bem - em ob. cit. “E se para os adultos essas dificuldades se revelam muitas vezes intransponíveis e envolvem tanto sofrimento e frustrações, quanto mais não o será para as crianças e adolescentes? Todos sabemos que eles são sempre as principais vítimas da separação dos pais, já porque têm menos preparação para enfrentar tais problemas, já porque, não raro, são utilizados pelos pais desavindos, como instrumento de chantagem emocional.”
As razões podem ser vastas, bem como os contextos que o propiciam. Os factos, no caso vertente, não o esclarecem cabalmente. Mas o que sabemos não nos possibilita atribuir culpa por esta situação de afastamento ao DD., rotulando o seu comportamento de “violação do dever de respeito” pelo pai.
Podemos até aceitar que tal atitude possa ser qualificada objectivamente de falta de respeito, mas não que essa falta de respeito seja culposa ou sequer que assuma a gravidade suficiente que justifique a cessação do dever de prestar alimentos, por parte do pai.
Desde logo, sabemos que houve pelo menos queixas da progenitora quanto à contribuição do pai para o problema ou à falta de empenhamento do progenitor em superá-lo (ponto 14 FP), embora não seja uma conclusão límpida de que assim tal sucedeu, reportado está.
Por outro lado, sabemos que o problema de vinculação em tenra idade, pelo menos com génese aos 10 anos. Acresce ainda que crianças que, como o DD., apresentam perturbação do Espectro do Autismo, em virtude desta patologia, têm uma grande dificuldade em assumir relações com outras pessoas, justificando-se de alguma forma a dificuldade de entrosamento com o pai.
Por todo o exposto, e sopesando, nos termos expostos:
- por um lado o dever estrutural de contribuição económica para a formação de um filho,
- e por outro a concreta e contextualizada actuação do DD. em relação ao pai,
inexiste fundamento para considerar desrazoável a manutenção da prestação alimentícia, em virtude da invocada violação dos deveres do filho para com o pai, razão pela qual improcede a acção, na sua totalidade”.
Contrapõe o A. que “os progenitores não são multibancos”, não se podendo permitir que os filhos atentem “contra a dignidade moral do próprio pai tornando-o uma mera fonte de rendimento, sujeito de deveres, desprezado sem ser merecedor de qualquer respeito pela sua personalidade moral, consideração e sociedade familiar”. Mais sustenta que, a acompanhar a posição do tribunal recorrido no que respeita à qualificação do comportamento do R. para com o A., “então teremos de concluir que a sociedade na qual o tribunal julga está desfasada e que a família enquanto instituição, com aqueles deveres morais e legais de respeito, simplesmente não faz sentido nem tem importância na criação e evolução da própria sociedade e de valores que, ainda, os Bons Pais de Família se pautam e devem ter”. E se aceita que a separação vivencial dos menores com um dos progenitores agudiza e acentua um alheamento emocional que pode resultar facilmente em animosidade, entende, todavia, que essas situações “não podem servir para justificar comportamentos continuados no tempo e no espaço que são dolorosos e mal intencionados nos termos de qualquer homem médio, pelo menos onde existam valores pelos quais o direito se aprume”.
Torna-se evidente que a posição defendida pelo A., quanto à dimensão do dever de respeito dos filhos maiores para com os progenitores que lhes continuam a prestar alimentos, carece de qualquer sentido e apoio legal, desde logo porque não corresponde à do referido “homem médio”, mas antes a uma visão subjectiva e desadequada do modo como se devem processar as relações paterno-filiais, nestas circunstâncias.
Com efeito, e recuperando o afirmado na sentença recorrida, importa não perder de vista que a obrigação alimentar aos filhos maiores que ainda não terminaram o seu percurso escolar e formativo representa uma extensão das responsabilidades parentais. Com efeito, é patente que no estádio actual da vida em família e em sociedade a formação integral e completa da criança e do jovem não ocorre automaticamente com a maioridade, mas apenas quando o mesmo já pode prover pelo acautelamento do seu próprio percurso de vida, designadamente em termos de obtenção da sua independência financeira, com recurso ao seu próprio trabalho. Mas como para a obtenção de tal independência carece o jovem de concluir o seu percurso escolar e formativo, parece evidente que a responsabilidade dos seus progenitores se deve manter, nesta vertente, até tal conclusão.
Dito de outra forma, porque o exercício das responsabilidades parentais regula-se sempre pelo superior interesse dos filhos, e na medida em que corresponde à satisfação desse superior interesse dos mesmos a conclusão do seu percurso escolar e formativo, ainda que depois de terem atingido a maioridade, continuam os progenitores obrigados a prestar alimentos aos mesmos, até à conclusão do referido percurso escolar e formativo, porque só então estarão os filhos em condições de prover à sua própria subsistência.
Encontrado assim o espírito da norma constante do art.º 1880º do Código Civil, logo se antevê que à referida obrigação alimentar dos progenitores corresponde, desde logo, o dever dos filhos de concluir em prazo normal o seu percurso escolar e formativo. E é nessa vertente que se expressa, em primeira linha, o respeito que é devido pelos filhos aos pais.
Ou seja, e ao contrário do entendimento do A., não é porque o mesmo deve sustentar o R. enquanto este completa o seu percurso escolar e formativo que lhe assiste o direito a uma correspectiva conduta específica do R., sob pena de ser visto como “mera fonte de rendimento”. É que os alimentos devidos pelo A. ao R. não correspondem a qualquer “fonte de rendimento” deste, nem tão pouco a um “multibanco” (entendida a expressão como uma via para o enriquecimento do R. à custa do património do A.), mas antes a uma das dimensões do exercício das responsabilidades parentais que recaem sobre o A. como pai do R.
Dito de outra forma, e recuperando o afirmado no acórdão de 22/6/2021 do Tribunal da Relação de Coimbra (relatado por Luís Cravo e disponível em www.dgsi.pt), parece “inquestionável o entendimento de que aquando da atribuição de alimentos, não se devem considerar situações de mérito ou desmérito, na medida em que os alimentos não são equiparáveis a uma recompensa ou sanção”. E, por isso, é que “é insofismável o entendimento de que só cessará o direito a alimentos ao filho maior se por culpa grave houver um comportamento deste que se traduza na prática intencional do facto invocado como fundamento para o pedido de alimentos ou a invenção intencional de condições propícias a esse facto, sendo que a prática de qualquer outro acto pelo filho maior, mesmo que a provocação ao progenitor ofensor, não lhe retira o direito de peticionar alimentos com base nas faltas do progenitor, embora deva ser tido em consideração na apreciação a gravidade dessas faltas em conformidade com o princípio da razoabilidade” (que emerge do art.º 1880º do Código Civil).
Numa outra formulação, constante do acórdão de 8/3/2012 deste Tribunal da Relação de Lisboa (relatado por Maria de Deus Correia, disponível em www.dgsi.pt e igualmente referido na sentença recorrida), “o amor incondicional dos pais pelos filhos exige que os primeiros lhes proporcionem os meios necessários para singrarem na vida, mesmo quando os filhos não têm o comportamento que deles é esperado”.
E se assim é, tal comportamento só pode ser considerado como gravemente violador do dever de respeito do filho maior para com o progenitor obrigado aos alimentos (para efeitos de justificar a cessação dessa obrigação) na medida em que não mais seja razoável continuar a exigir ao progenitor que suporte as despesas desse filho maior, enquanto não concluir o seu percurso escolar e formativo.
Isso mesmo se afirma no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/4/2015 (relatado por Maria Inês Moura e disponível em www.dgsi.pt), nos seguintes termos: “A respeito da obrigação de alimentos a filhos maiores, diz-nos J. P. Remédio Marques, in. Algumas Notas Sobre Alimentos (devidos a menores), pág. 311: “…cabe observar que o disposto no artº 2013.º/1, alínea c), do CC será inaplicável à obrigação em análise, por isso mesmo que, por um lado, tal se justifica pelo escopo essencialmente educativo da perduração deste dever para além da menoridade e, por outro, na característica da não reciprocidade, por cujo respeito se plasmou a Reforma de 1977, esta específica obrigação alimentar.”
Nesta medida, o não cumprimento ou desrespeito pelo filho maior dos seus deveres para com o progenitor deve ser apreciado à luz do conceito de razoabilidade previsto no artº 1880 do C.Civil”.
Do mesmo modo, e como se conclui no acórdão de 13/4/2023 deste Tribunal da Relação de Lisboa (relatado por Adeodato Brotas e disponível em www.dgsi.pt):
2- O art.º 2013º nº 1, al. c) do CC, relativo à cessação da obrigação alimentar, exige que o credor de alimentos viole gravemente os seus deveres para com o obrigado, não bastando, para fazer operar a cessação da obrigação de alimentos, uma mera violação dos deveres paterno-filiais, impondo-se, antes, uma violação qualificável como grave desses deveres: de assistência, de auxílio e de respeito.
3- O dever de respeito obriga cada sujeito da relação de filiação a não violar os direitos individuais do outro. Esses direitos individuais compreendem quer direitos de personalidade quer direitos patrimoniais”.
E por isso é que, naquele caso concreto, conclui-se igualmente que “para que o requerido pudesse ficar desonerado do seu dever de prestar alimentos à filha, teria de verificar-se uma situação de grave violação dos direitos de personalidade ou dos direitos patrimoniais do pai, não preenchendo o conceito de violação grave do dever de respeito a circunstância de a filha, actualmente maior, ter deixado de falar com o pai”.
Do mesmo modo, ainda, conclui-se no acórdão de 7/3/2024 do Tribunal da Relação do Porto (relatado por Paulo Duarte Teixeira e disponível em www.dgsi.pt) que “a cessação da prestação por violação do dever de respeito pressupõe uma conduta grave e ponderosa que permita concluir, do ponto de vista social, pela inexigibilidade dessa obrigação”.
Do mesmo modo, ainda, conclui-se no acórdão de 20/2/2024 do Tribunal da Relação de Coimbra (relatado por Fernando Monteiro e disponível em www.dgsi.pt) que “o art. 2013, nº 1, al. c), do Código Civil, relativo à cessação da obrigação alimentar, exige que o credor dos alimentos viole gravemente os seus deveres para com o obrigado” mais se concluindo que “não preenche essa gravidade a circunstância do filho, decorridos 8 anos de falta de relacionamento, recusar falar com o pai”.
Também no acórdão de 21/5/2019 do Tribunal da Relação de Coimbra (relatado por Luís Cravo e disponível em www.dgsi.pt) conclui-se que:
I – Cabe ao progenitor vinculado à prestação alimentícia fixada no âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais durante a menoridade requerer a sua cessação, tendo o ónus de alegar e provar (…) a irrazoabilidade da exigência da prestação alimentícia.
II – Isto porque o art. 1880º do C.Civil mantém a obrigação dos progenitores assegurarem as despesas com o sustento, segurança, saúde e educação do seu filho maior pelo período necessário a que o mesmo complete a sua formação profissional, na medida em que tal se revele razoável.
III – O art. 2013º, nº 1, al. c) do mesmo C.Civil que prevê, hoje, como causa de cessação da obrigação alimentar a violação grave dos deveres do alimentando para com o obrigado não é aplicável, automaticamente, a estes casos.
IV – As regras gerais dos contratos sinalagmáticos não são aplicáveis às relações familiares em causa, não sendo legítimo que qualquer um deles alegue uma conduta do outro para se desonerar do cumprimento das obrigações a que se encontra adstrito, pela chamada “compensação de culpas”.
V – Não é qualquer situação de menosprezo [pelo credor de alimentos relativamente ao obrigado a alimentos] de valores como o do respeito, a estima, a consideração e a solidariedade familiar, justificam ou autorizam que se declare/conclua pela desobrigação de prestação de alimentos.
VI – Sempre seria necessária a verificação de uma situação de desrespeito grave dos ditos valores, fruto de uma vontade intencional, como, vg., uma ofensa gratuita do dever de respeito, uma falta clamorosa do dever de assistência na doença, uma ausência ou desinteresse ostensivos numa situação de infortúnio.
VII – Assim, o facto da filha e progenitor não se relacionaram, sem que esteja sequer determinado que tal situação é exclusivamente imputável à filha, não permite concluir que há uma falta de respeito da parte desta para com o seu progenitor e não torna, só por si, desrazoável a manutenção de tal obrigação por parte deste último”.
E também no acórdão de 17/3/2022 do Tribunal da Relação de Guimarães (relatado por Raquel Rego e disponível em www.dgsi.pt) se conclui que “só uma violação grave do dever de respeito por parte do filho relativamente ao progenitor poderá constituir causa de cessação da obrigação de prestar alimentos, nos termos do art.1874.º CC”, arredando-se “dessa qualificação a mera falta de relacionamento entre filha e progenitora, sem prova de causa”.
Ou seja, estando em causa a obrigação de alimentos devidos ao filho maior, nos termos do art.º 1880º do Código Civil, só deve ser ordenada a sua cessação na medida em que deixe de ser razoável impor ao progenitor que assegure o sustento daquele até à conclusão do seu percurso escolar e formativo, o que sucederá quando se estiver perante um caso de violação grave pelo filho maior dos deveres de assistência, auxílio e respeito para com o progenitor obrigado aos alimentos.
Todavia, como a violação grave de tais deveres há-de corresponder a situações de violação dos direitos de personalidade ou dos direitos patrimoniais do progenitor obrigado aos alimentos, logo se alcança que a mera recusa de convívios entre o filho credor dos alimentos e o progenitor obrigado aos mesmos não é apta à afirmação de tal violação grave do dever de respeito.
Do mesmo modo, a circunstância de o filho credor dos alimentos ter testemunhado em processo judicial contra o progenitor obrigado aos alimentos quando ainda era menor, e não tendo sido dada credibilidade a tal testemunho, não significa, sem mais, que deixa de ser razoável o progenitor estar obrigado a assegurar o sustento daquele até à conclusão do seu percurso escolar e formativo.
Reconduzindo todas as considerações antecedentes ao caso concreto dos autos, logo se alcança que as únicas condutas imputáveis aos R. que poderiam ser consideradas como gravemente violadoras do dever de respeito deste para com o A. são aquelas condutas identificadas em 4, 10 e 13.
Todavia, estando em causa o testemunho prestado pelo R. quando o mesmo tinha 10 anos de idade e repetido posteriormente em sede de perícia médico‑legal quando o mesmo já tinha 16 anos de idade (e sendo que tal testemunho não foi atendido pelo tribunal penal para dar por assente o relatado quanto a uma agressão perpetrada pelo A.), do mesmo modo estando em causa a recusa de convívios com o A. ao longo do crescimento do R., mas não estando demonstrados quaisquer outros factos que permitam compreender e enquadrar tal comportamento do R., designadamente que o mesmo emergiu da vontade do R. de atingir o A. seu pai na honra e consideração que lhe é devida, logo se alcança que não é esse comportamento configurável como gravemente violador do dever de respeito do R. para com o A., não podendo, por isso, falar-se da irrazoabilidade da manutenção da obrigação de alimentos do A. para com o R.
O que é o mesmo que concluir que, na total improcedência das conclusões do recurso do A., a sentença recorrida não merece qualquer censura, sendo de manter.
***
DECISÃO
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso e mantém-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.

23 de Maio de 2024
António Moreira
Higina Castelo
José Manuel Monteiro Correia