Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA RESENDE | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO INDEMNIZAÇÃO DANOS MORAIS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/30/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
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Sumário: | I – No estabelecimento do montante da indemnização, devida a título de danos não patrimoniais decorrentes da ocorrência de um acidente de viação, deve ser ponderado não só o quantum doloris que adveio ao lesado, mas também todos os prejuízos provados no concerne à sua saúde, com repercussão na sua afirmação pessoal e no relacionamento com os demais. II - A fixação dos danos parcelares em quantia superior à valorada pelo autor na petição inicial não viola o disposto no art.º 661, do CPC, desde que não haja condenação em valor superior ao pedido global da indemnização. (Sumário da Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NA 7ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I - Relatório 1. A demandou COMPANHIA DE SEGUROS, pedindo a sua condenação na quantia liquidada de 96.066,66€, sendo 25.000,00€ por danos morais, 60.000,00€, pela IPP de 43,33%, 11.066,66€ de danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora contados, desde a citação, e na quantia a relegar para liquidação, em relação à forte possibilidade de novamente ser submetida a uma 2ª intervenção cirúrgica e a consultas de ortopedia, bem como sessões de fisioterapia, ou caso assim não se entenda, e não seja de arbitrar a R. na indemnização solicitada, deverá a mesma em alternativa ser condenada no pagamento do numerário que, em razão de justa ponderação e valoração dos danos sofridos, venha o tribunal a fixar à luz do seu prudente e equitativo critério. 2. Alega para tanto que no dia 31 de Dezembro de 2003, ocorreu um acidente de viação, tendo o ligeiro de passageiros de matrícula CQ, segurado na R., ido embater violentamente no seu joelho, porquanto o condutor do mesmo não se apercebeu da A., que, como transeunte, se encontrava a atravessar a rua. Do embate resultaram inúmeras lesões, suportando violentas dores, internamentos e tratamentos vários e intervenção cirúrgica, que lhe causaram grande sofrimento, físico e moral, para além de dispêndio económico, padecendo de uma IPP de 43,3%, podendo o seu estado de saúde agravar-se no futuro, obrigando-a a nova cirurgia e tratamentos. 3. Citada, veio a R. contestar. 4. Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e em consequência condenou a R. a pagar à A. a quantia de 11.066,06€, a título de danos patrimoniais, 40.000,00€ a título de danos não patrimoniais, juros sobre as referidas quantias, à taxa legal, desde a citação, e ainda a pagar a quantia que se liquidar em execução de sentença devida a título de danos futuros. 5. Inconformada, veio a R. interpor recurso de apelação, formulando, nas suas alegações as seguintes conclusões: · A douta sentença, de que se recorre, fixou em 40.000,00€ a quantia a pagar pela R. ora apelante, à A. ora apelada, a título de danos não patrimoniais. · A A. carreou para o processo um conjunto de alegações descritivas das dores e do sofrimento porque passou, que se acham provados e merecem a tutela do direito. · A fixação destinada a compensar a sinistrada por essas dores e sofrimentos, deve ser fixada com equidade pelo Tribunal. · A A. ela própria, conhecedora desses danos morais, valorou essa compensação em 25.000,00€. · A douta sentença extravasou esse pedido, ou melhor dizendo, a descrição dos danos sofridos pela A. e a valoração compensatória que esta mesma A. fez. · Assim foram violados os art.º 496, n.º 3, do CC e 691, n.º1, do CPC, devendo fixar-se o valor dos danos morais em valor idêntico ao do pedido. · Deve ser revogada a sentença na parte em que fixou em 40.000,00€ a quantia devida a título de danos morais e ser ela reduzida para o valor pedido pela A., de 25.000.00€. 6. Não houve contra-alegações. 7. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
* II – Os factos Na sentença sob recurso foram considerados como provados os seguintes factos: a) Atrofia muscular da coxa direita de 2,5cm; b) Artrose franca do compartimento externo do joelho direito; c) Instabilidade do joelho direito, sobretudo antro-interna.
* III – O Direito Como se sabe, o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente, importando em conformidade decidir as questões[1] nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, com excepção daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, vejam-se os artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, 660º, nº 2, e 713º, todos do CPC. Delimitado assim o objecto do recurso apresentado, importa apreciar a questão suscitada pela Recorrente, e que se prende com a quantia fixada a título de indemnização por danos não patrimoniais, no montante de 40.000,00€, que alega pecar por excesso, desde logo por extravar o pedido formulado pela Apelada, enquanto autora, que os valorou na quantia de 25.000,00€, em violação do disposto no art.º 661, n.º1, do CPC, devendo assim ser arbitrada uma quantia em valor idêntico ao pedido. Apreciando. Quanto aos danos não patrimoniais, de forma geral, sabe-se que são susceptíveis de ressarcimento, os que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, art.º 496, n.º 1, do CC, sendo que tal gravidade não pode deixar de ser aferida em termos de um padrão essencialmente objectivo, embora com consideração das circunstâncias do caso concreto. Tendo presente que a indemnização por danos morais é, sobretudo, uma compensação pelas dores ou incómodos físicos e pelos prejuízos de natureza moral ou espiritual, embora não lhe seja completamente alheia uma ideia de reprovação da conduta do agente, também se patenteia uma real dificuldade na sua quantificação, a ultrapassar, contudo, com o recurso a critérios de equidade, atendendo aos aspectos particulares da situação em análise, art.º 496, n.º 3, e 494, ambos do CC[2]. Importa ainda ter presente que tal indemnização deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico para que possa, de forma efectiva, satisfazer a finalidade a que se destina, não esquecendo o crescente aumento regular dos prémios de seguros, destinados, em primeira linha, a permitir a atribuição de indemnizações adequadas[3], tendo sempre em vista a devida ponderação das realidades da vida e da justa medida das coisas[4]. Configurando-se, em termos dogmáticos, como o entendimento tradicionalmente seguido, não se desconhece que, no reconhecimento de, por circunstâncias várias, os danos verificados poderem ter uma natureza mista[5], se venha rejeitando, quanto ao dano corporal, ou na saúde, a bipartição entre dano patrimonial e dano não patrimonial, tendo em conta a respectiva génese[6], na formulação de um tercium genus, que não se esgota na sua vertente patrimonial, numa acepção restrita, nem se traduz, do mesmo modo, num dano “moral”, como no caso das incapacidades permanentes ou temporárias, sem prejuízo das repercussões próprias no concerne ao desenvolvimento da actividade profissional, não obstando, contudo, ao acolhimento de vectores diferenciáveis, e desse modo a ponderar, como o dano estético, o dano à vida de relação, ou mesmo o dano à capacidade laboral genérica. Da referência efectuada, resulta, que sem abandono da orientação jurisprudencial que vem sendo seguida, respeitando até a sistematização do pedido formulado pela Apelada, enquanto autora, a necessária ponderação não só do quantum doloris que adveio para a mesma, mas também de todos os prejuízos que tenham sido provados no concerne à sua saúde, com repercussão na sua afirmação pessoal, e no relacionamento com os demais. Saliente-se, por sua vez, que se vem entendendo, pacificamente[7], que a fixação dos danos parcelares em quantia superior à valorada pelo autor na petição inicial não viola o disposto no art.º 661, do CPC, desde que não haja condenação em valor superior ao pedido global da indemnização, já que os pedidos parcelares formulados, mais não constituem, que os fundamentos dessa pretensão. Reportando-nos aos autos alegou a Apelada, como autora, após a descrição das vicissitudes que a afectaram em consequência do acidente, que pelos danos morais, dores e alterações funcionais que apresenta a autora e referidas no articulado, bem como dores e incómodos que sofreu e irá padecer, são susceptíveis de colocar a Autora na posição de solicitante de uma verba indemnizatória nunca inferior a 25.000,00€, mais referindo que pelas lesões, alterações funcionais e incapacidades que apresenta a Autora e referidas e a IPP de 43,3%, são susceptíveis de colocar a ora Autora na posição de solicitante de uma verba indemnizatória de 60.000,00€, computando-se a indemnização global pedida em 96.066,00€, para além das importâncias a relegar para execução de sentença, na possibilidade de ser submetida a nova cirurgia e tratamentos correlativos. Em sede da sentença sob recurso referenciou-se que devido às lesões causadas pelo acidente, a Apelada sofre de uma IPP de 37%, o que lhe causa uma sensação de inibição e diminuição física, mais se considerando que a demonstrada perda de funcionalidade, não tendo determinado perdas de carácter patrimonial, deveria ser apreciada, na consideração das respectivas consequências como dano não patrimonial, acrescendo aos demais factos danosos apurados, concluindo que ficara demonstrada uma diminuição, de modo acentuado, da qualidade de vida da mesma, bem como do seu direito de gozar o corpo na sua plenitude, achando-se a quantia de 40.000,00€, como passível de mitigar os danos não patrimoniais referenciados. Ora, tendo em conta que para além da quantia a liquidar em execução de sentença, foi a Apelante condenada, a título de danos patrimoniais no montante de 11.066,06€, e assim não ultrapassada a verba peticionada como indemnização global, afastada fica a pretendida violação do disposto no art.º 661, n.º1, do CPC. Já no concerne ao quantitativo achado, tendo em conta os critérios norteadores referenciados, em consonância com a gravidade e extensão dos danos sofridos, na consideração do quadro fáctico apurado, que se mostra despiciendo aqui repetir, mas se traduz num longo percurso de sofrimento, suportado durante um processo provavelmente ainda não terminado, marcado pela dor e incómodos vários, consubstanciando-se numa vivência actual de inibição e sentimentos de desvalor, configura-se como adequado, o montante indemnizatório encontrado para o ressarcimento dos danos não patrimoniais em que esse factualismo se traduz, entendendo-se que, nessa medida, é satisfeito, cabalmente, o fim que a atribuição de tal indemnização visa atingir. Improcedem, na totalidade, as conclusões formuladas.
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IV – DECISÃO Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença sob recurso. * Custas pela Recorrente. *
Lisboa, 30/06/09
Ana Resende Dina Monteiro Isabel Salgado _____________________________________________________ |