Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | LAURINDA GEMAS | ||
Descritores: | CONTRATO DE SEGURO AUTOMÓVEL LOCAÇÃO FINANCEIRA SEGURO OBRIGATÓRIO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/28/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | NEGAR PROVIMENTO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - A seguradora que, no cumprimento de um contrato de seguro automóvel com cobertura de danos próprios e conforme previsto no n.º 2 do art. 51.º Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21-08 (Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel), tiver suportado a reparação dos danos materiais de acidente cujo responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, tem direito de regresso, nos termos do n.º 4 do referido art. 51.º contra “o responsável civil do acidente e sobre quem impenda a obrigação de segurar, que respondem solidariamente”. II - Em regra, a obrigação de segurar recai sobre o proprietário do veículo - cf. art. 6.º, n.º 1, 1.ª parte, do DL n.º 291/2007 -, que fica dispensado dessa obrigação apenas quando devam ser o usufrutuário, o adquirente com reserva de propriedade e o locatário de contrato de locação financeira a fazê-lo - isto é, as pessoas referidas no art. 6.º, n.º 1, 2.ª parte - ou quando outras pessoas com interesse nisso o façam (como será, por exemplo, o locatário no caso de contrato de aluguer de veículo) - cf. art. 6.º, n.º 2, do DL n.º 291/2007 e art. 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16-04 (Regime Jurídico do Contrato de Seguro). III - No caso de veículo objeto de contrato de locação financeira que a locadora (ora Ré) fez cessar, comunicando a resolução, a obrigação legal de segurar passa a estar a seu cargo, como proprietária do veículo, ainda que a locatária não tenha procedido à respetiva restituição; só assim não seria se, como previsto no referido art. 6.º, n.º 2 (e no próprio contrato de locação financeira), outra pessoa o tivesse feito, designadamente a (anterior) locatária. IV - Na situação dos autos era exigível que a Ré-Apelante tivesse cumprido essa obrigação legal considerando que procedeu à resolução do contrato de locação financeira mediante comunicação efetuada em 24-07-2013, tendo solicitado a restituição imediata do veículo e feito interpelações para a sua entrega voluntária, mas nenhuma diligência útil desenvolveu para evitar que o veículo continuasse em circulação [como as previstas no art. 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24-06, e no art. 162.º, n.º 1, al. f), do Código da Estrada], conformando-se, pois, com o facto de o veículo poder continuar a ser utilizado, fosse por quem fosse, já que, volvidos cerca de 2 anos, aquando do acidente, o veículo circulava sem estar abrangido por qualquer contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, não tendo, no seu interior, documentos comprovativos da propriedade do veículo, nem documentos relativos a seguro. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados I - RELATÓRIO CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, Ré na ação declarativa que sob a forma de processo comum foi, contra si (bem como contra OC e PENTACAR – Comércio e Indústria de Automóveis, Lda.), intentada por LIBERTY SEGUROS, S.A. interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou a ação parcialmente procedente. Os autos tiveram início com a apresentação de Petição Inicial em que a Autora peticionou que fossem: - Os 1.º e 2.º Réus solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia de 9.257,19 €, acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento; - Ou, caso assim não se entenda, subsidiariamente, os 2.º e 3.º Réus solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia de 9.257,19 €, acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento; - Ou ainda, caso assim não se entenda, subsidiariamente, a 3.ª Ré condenada a pagar-lhe a quantia de 9.257,19 €, acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento. Alegou, para tanto e em síntese, que: - A Autora, no exercício da sua atividade, celebrou com JC um contrato de seguro de ramo automóvel relativo ao veículo de matrícula …-…-…; - Este veículo ficou danificado num acidente de viação, ocorrido no dia 13-09-2015, que se deveu a culpa exclusiva do condutor do veículo de matrícula …-…-…, propriedade da 1.ª Ré e conduzido pelo 2.º Réu; - A 1.ª Ré tinha celebrado com a 3.ª Ré um contrato de leasing, tendo esta, por seu turno, alugado o veículo ao 2.º Réu; - O veículo circulava sem estar abrangido por seguro obrigatório de responsabilidade civil, tendo sido violada a obrigação legal de contratar um tal seguro obrigatório; - A Autora pagou a reparação do veículo …-…-…, no valor de 8.563,61 €, bem como a quantia de 711,58 € a título de veículo de substituição durante o período necessário à reparação, tudo ao abrigo da cobertura de danos próprios do contrato. A 3.ª Ré (PENTACAR), citada, não contestou. O 2.º Réu, a 15-05-2018, veio apresentar Contestação, em que se defendeu por impugnação motivada e por exceção, alegando, em síntese, que: - Conduzia o veículo em virtude da sua viatura se encontrar em reparação numa das oficinas da sociedade Auto Industrial, S.A., tendo-lhe sido entregue como viatura de cortesia; - A Auto Industrial tinha alugado aquele veículo à 3.ª Ré (PENTACAR); - A Ré PENTACAR, após o acidente, assumiu que a existência e validade do seguro era da sua responsabilidade e que seria ela a assumir o pagamento dos danos ocorridos, o que a Autora aceitou, assim exonerando o Réu de qualquer dívida, pelo que atua agora a Autora em abuso de direito. O Réu deduziu ainda incidente de intervenção principal provocada da AUTO INDUSTRIAL, S.A., a fim de ser declarada como responsável, em ordem à satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir se tiver de realizar o pagamento total ou em montante que exceda a quota-parte que lhe possa corresponder; subsidiariamente, requereu a intervenção acessória dessa sociedade, para intervir na discussão das questões com repercussão no referido direito de regresso. Em 16-05-2018, a 1.ª Ré (Montepio Geral) apresentou Contestação, em que se defendeu por impugnação motivada, de facto e de direito, alegando, em síntese, que: - Foi, na verdade, com a CLOBCAR – Venda e Aluguer de Veículos, Lda.” que celebrou um contrato de locação de financeira da viatura de matrícula …-…-…; - Tal contrato veio a ser, mediante comunicação de 24-07-2013, resolvido por incumprimento; - A entrega da viatura acabou por ser judicialmente determinada, mas apenas teve lugar em 08-02-2018, desconhecendo a 1.ª Ré a razão pela qual a viatura circulava na altura do acidente; - A CLOBCAR, após a resolução do contrato, estava obrigada a restituir a viatura, tendo ainda violado a obrigação de segurar a viatura pelo período em que a teve na sua posse (cf. artigos 4.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1, do DL n.º 291/2007, de 21-08), encontrando-se a proprietária, por força do contrato de locação financeira, excecionada da obrigação de segurar. A 1.ª Ré deduziu incidente de intervenção principal provocada da referida CLOBCAR, ou caso assim não se entendesse, a intervenção acessória. Foram admitidas as intervenções acessórias provocadas de AUTO INDUSTRIAL, S.A. e de CLOBCAR – Venda e Aluguer de Veículos, Lda., só a primeira tendo apresentado Contestação, a 21-03-2019, em que se defendeu por exceção (prescrição) e por impugnação motivada, de facto e de direito, alegando, em síntese, não lhe poder ser imputada qualquer responsabilidade, uma vez que, quando cedeu ao 2.º Réu a indicada viatura a título de cortesia comercial, recorreu à Ré PENTACAR para o aluguer, tendo apenas assumido a responsabilidade pelo pagamento da correspondente fatura; constando o referido Réu no contrato como 1.º condutor e tendo-o assinado como cliente, não era obrigação sua, nem da AUTO INDUSTRIAL, nem do referido Réu, a contratação de um seguro de responsabilidade civil automóvel para a dita viatura, obrigação que impedia única e exclusivamente sobre a Ré PENTACAR. Requereu ainda a intervenção acessória da sociedade PENTACAR - Comércio e Indústria de Automóveis, Lda. (apesar de esta já ser Ré nos autos). A Autora exerceu o contraditório relativamente à exceção perentória de prescrição. Em 22-07-2021, foi proferido despacho saneador, com dispensa de realização de audiência prévia, onde se declarou ser inútil a requerida intervenção de “PENTACAR”, por esta ser Ré nos autos, se julgou improcedente a exceção de perentória de prescrição alegada pela Interveniente “AUTO INDUSTRIAL”. Mais se proferiu despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova. Teve lugar a audiência de julgamento. Em 19-03-2023, foi proferida a sentença recorrida cujo segmento decisório tem o seguinte teor: «Em razão do exposto julgo a presente acção procedente e em consequência: a) Condeno a Ré “Caixa Económica Montepio Geral” e o Réu OC a pagarem solidariamente à Autora a quantia de €9.257,19, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal desde a citação até integral pagamento. b) Não conheço dos pedidos subsidiários formulados. c) Condeno a Ré “Caixa Económica Montepio Geral” e o Réu OC no pagamento das custas. d) Declaro que relativamente às Intervenientes “AUTO INDUSTRIAL, S.A.” e “CLOBCAR – Venda e Aluguer de Veículos, Lda.”, a sentença tem os efeitos previstos nos artigos 323.º, n.º 4 e 332.º, do Código de Processo Civil.» Inconformada com esta decisão, veio a 1.ª Ré interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1. Conforme resulta da factualidade supra, a posse e real disponibilidade para circulação da viatura com a matrícula …-…-…, encontravam-se unicamente na esfera da sociedade CLOBCAR – VENDA E ALUGUER DE VEÍCULOS, LDA; 2. 1.ª ré desconhecia, em absoluto, a razão pela qual a viatura com a matrícula …-…-… circulava. 3. A partir de julho de 2013, por força da comunicação da resolução do “CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA MOBILIÁRIA N.º 347.44.00016-9, pendia sobre sociedade CLOBCAR – VENDA E ALUGUER DE VEÍCULOS, LDA a obrigação de restituição da viatura à sua legítima proprietária e inerente abstenção de utilização. 4. Ao incumprir a aludida obrigação e por todo o período em que teve a posse efectiva da viatura com a matrícula …-…-…, ao permitir a sua circulação, sem seguro, violou expressamente as previsões dos artigos 4.º, n.º 1 e 6.º, n.º 1 do DL N.º 291/2007, DE 21 DE AGOSTO. 5. Não se encontrando a apelante na posse da viatura, por facto alheio à sua vontade e, sem controlo efectivo sobre a mesma, parece-nos ser de uma profunda injustiça a sua responsabilização solidária por danos causados sobre terceiros. 6. Tudo de harmonia com a própria ratio legis dos artigos invocados que, nitidamente, apontam para uma aplicação direcionada aos sujeitos que detêm, em cada momento, o controlo efectivo sobre a viatura. 7. Deste modo, a decisão recorrida, viola, entre outros, artigos 4.º, n.º 1 e 6.º, n.º 1 do DL N.º 291/2007, DE 21 DE AGOSTO. Terminou a Apelante pugnando pela revogação da decisão recorrida. Foi apresentada alegação de resposta, em que a Autora defendeu que se mantenha a sentença recorrida, concluindo nos seguintes termos: 1. A douta Sentença proferida pela Mma Juiz do Tribunal a quo, objeto do recurso interposto pela Recorrente, não merece qualquer reparo. 2. Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do DL n.º 291/2007, a obrigação de segurar impende sobre o proprietário do veículo, excetuando-se os casos de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira, em que a obrigação recai, respetivamente, sobre o usufrutuário, adquirente ou locatário. 3. Nos termos do artigo 10º, nº 1, j) do DL n.º 149/95, cabe ao locatário “efetuar o seguro do bem locado, contra o risco da sua perda ou deterioração e dos danos por ela provocados”. 4. A resolução do contrato de locação financeira implica a cessação dos seus efeitos, nos termos do artigo 433.º, do Código Civil, cessando assim também as obrigações do locatário previstas no artigo 10° do DL 149/95, passando a obrigação de segurar o veículo JP a impender, desde o momento da resolução, sobre a sua proprietária, “Caixa Económica Montepio Geral”. 5. In casu, não opera a exceção prevista no artigo 6.º, n.º 1, do DL n.º 291/2007, já que, à data do acidente [13.05.2015], o contrato de locação financeira celebrado entre a Recorrente e a Interveniente “CLOBCAR – VENDA E ALUGUER DE VEÍCULOS, LDA”, tinha sido resolvido [24.07.2013]. 6. A celebração do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel é obrigatória, mesmo no caso em que o veículo, continuando matriculado e estando apto a circular, se encontra, por opção do seu proprietário, imobilizado. 7. Jamais a Recorrente se poderia eximir à obrigação de contratar um seguro para o veículo JP após a resolução do contrato de locação, ainda que o referido veículo não se encontrasse a circular. 8. Sendo o contrato de locação resolvido, ou anulado, a obrigação de contratar um seguro impende sobre o proprietário, independentemente de se encontrar desapossado do veículo, e independentemente do veículo se encontrar ou não, a circular. 9. Decidiu bem o Mm.° Juiz a quo ao determinar a responsabilidade solidária dos Réus “Caixa Económica Montepio Geral” e OC pelo pagamento dos montantes peticionados na presente ação. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II - FUNDAMENTAÇÃO Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC). A única questão a decidir é a de saber se 1.ª Ré-Apelante, como proprietária do veículo de matrícula …-…-…, não está obrigada a reembolsar a Autora do valor (9.257,19 €) que esta, no cumprimento de contrato de seguro, do ramo automóvel, com cobertura de danos próprios, relativo ao veículo de matrícula pagou …-…-…, pagou na sequência do acidente em que estes veículos foram intervenientes. Factos provados Na sentença foram considerados provados os seguintes factos (aditámos nos pontos 15 e 18, para melhor compreensão e por estar plenamente provado pelos documentos juntos aos autos, o que consta entre parenteses retos): 1. A Autora exerce, devidamente autorizada, a indústria de seguros em vários ramos. 2. No exercício da sua atividade celebrou com JC um contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela Apólice n.º …/…, pelo qual assumiu a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação decorrentes da circulação do veículo de matrícula …-…-…, incluindo a cobertura facultativa de choque, colisão e capotamento, com início em 08-08-2015. 3. No dia 13 de setembro de 2015, pelas 13:40 horas, ocorreu um acidente de viação na Rua …, n.º …, em Alcântara, distrito de Lisboa, mais concretamente no interior do Hospital Egas Moniz, sendo intervenientes o referido veículo de matrícula …- …-…, conduzido por JC, e o veículo de matrícula …-…-…, conduzido pelo Réu OC. 4. O local referido em 3 configura um cruzamento. 5. No momento referido em 3 e no sentido de circulação do …-…-…, a capela do Hospital Egas Moniz apresentava-se à sua direita. 6. No mesmo momento e no sentido de circulação do …-…-…, a capela Hospital Egas Moniz apresentava-se à frente do mesmo. 7. O veículo …-…-… apresentava-se à direita do veículo …-…-…. 8. No quadro circunstancial referido em 3, 4, 5, 6 e 7, o veículo …-…-… foi embater com a sua parte frontal no meio da lateral esquerda do veículo …-…-…. 9. O condutor do veículo …-…-… não se apercebeu da presença do veículo …-…-…. 10. Do embate resultaram danos nas portas do lado esquerdo do …-…-…, e os “airbags” do mesmo foram acionados. 11. Tendo a Autora suportado a quantia de 8.563,61 € com a reparação do veículo …-…-…. 12. O proprietário do veículo …-…-… ficou privado do uso do mesmo, tendo, nos termos do indicado contrato de seguro, a Autora suportado o custo do aluguer de veículo de substituição no valor 711,58 €. 13. Na referida data do acidente a propriedade do veículo …-…-… encontrava-se registada a favor da Ré “Caixa Económica Montepio Geral”. 14. O veículo …-…-…, na referida data do acidente, circulava sem estar abrangido por qualquer contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. 15. Entre a Ré “Caixa Económica Montepio Geral” e a Interveniente “CLOBCAR – Venda e Aluguer de Veículos, Lda.” foi celebrado, em 05-12-2010, um “CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA MOBILIÁRIA N.º 347.44.00016-9”, constante como documento n.º 2 anexo à contestação da 1.ª Ré e cujo teor se dá por reproduzido, que teve por objeto a locação financeira de uma viatura Opel Meriva Cosmo 1.3 75 CV, com a matrícula …-…-… [do mesmo constando designadamente que: “Clausula Décima Segunda (Responsabilidade) 1. A partir do momento em que cessa a responsabilidade do FORNECEDOR ou FABRICANTE, até ao termo da locação e, mesmo após o termo, enquanto o equipamento se mantiver na posse do LOCATÁRIO e não for devolvido à LOCADORA, o LOCATÁRIO, na sua qualidade de possuidor e de defensor da integridade do equipamento locado, é o único responsável pelos prejuízos causados pelo equipamento, qualquer que seja a causa, bem como pelo seu perecimento e danos produzidos ou causados no ou pelo mesmo, por qualquer motivo. 2. O LOCATÁRIO obriga-se, em consequência, a subscrever, junto de uma companhia de seguros aceite peia LOCADORA, apólices de seguros que cubram, por um lado, a responsabilidade civil do LOCATÁRIO, de forma a excluir qualquer acção jurídica contra a LOCADORA enquanto proprietário e, por outro, o próprio equipamento locado, contra os riscos previstos na cláusula 14.ª das presentes Condições Gerais. 3. Se, apesar do disposto na Lei e no presente contrato, resultar para a LOCADORA a obrigação de indemnizar terceiros por qualquer dano emergente da utilização do equipamento, gozará a LOCADORA de direito de regresso contra o LOCATÁRIO, por todas as quantias despendidas. Clausula Décima Terceira (Seguros) 1. Salvo disposição em contrário prevista nas Condições Particulares, o LOCATÁRIO obriga-se a subscrever um contrato de seguro que cubra a sua responsabilidade civil e o equipamento locado pelos valores indicados na cláusula 12ª das Condições Particulares, e ainda a cobertura dos riscos mencionados na cláusula seguinte, obrigando-se o LOCATÁRIO a remeter à LOCADORA as respectivas apólices logo que estas sejam emitidas pela Companhia Seguradora e no prazo máximo de cento e oitenta dias, após o início da vigência do presente contrato. 2. As apólices dos seguros previstas no número anterior deverão mencionar expressamente: a) Que o equipamento é propriedade exclusiva da LOCADORA e que se encontra subordinado a um contrato de locação financeira mobiliária; b) Que em caso de sinistro indemnizável ao abrigo das coberturas dos danos próprios, qualquer que seja a sua natureza, a correspondente indemnização deverá ser paga directamente à LOCADORA ou a quem esta designar para o efeito; c) Que a apólice não pode ser alterada ou anulada, nomeadamente por falta de pagamento dos prémios, sem aviso prévio e por escrito à LOCADORA. 3. O pagamento dos prémios de seguro a que o LOCATÁRIO fique obrigado nos termos do presente contrato serão obrigatoriamente efectuados por débito na conta D.O. identificada nas Condições Particulares, ficando a LOCADORA, desde já, autorizada a debitar aquela conta pelas quantias necessárias ao seu pagamento, ou, caso não haja provisão na referida conta de depósito, a fazer acrescer as respectivas quantias para efeito de preenchimento da livrança anexa ao presente contrato, se aplicável.”]: 16. A Interveniente “CLOBCAR – Venda e Aluguer de Veículos, Lda.” foi representada, naquele ato, pelo seu gerente, JP que é igualmente diretor da Ré “PENTACAR- Comércio e Indústria de Automóveis, LDA.”. 17. O referido contrato de locação mobiliária da viatura …-…-… foi resolvido pela Ré “Caixa Económica Montepio Geral” mediante comunicação efetuada em 24-07-2013, tendo ainda exigido a restituição imediata do equipamento locado em perfeito estado de conservação. 18. Após, inúmeras, interpelações para entrega voluntária da viatura com a matrícula …-…-…, foi ordenada pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em 21-08-2017 [proc. n.º …/… – doc. 5 junto com a Contestação apresentada a 16-05-2018], a entrega imediata da mesma, tendo a viatura sido apreendida e restituída à Ré “Caixa Económica Montepio Geral, no dia 08-02-2018. 19. A Autora interpelou extrajudicialmente o Réu OC. 20. O Réu OC tinha a sua viatura em reparação numa das oficinas - sita na Portela da Ajuda - Estrada da Circunvalação, Carnaxide - da Interveniente “AUTO INDUSTRIAL, S.A.” e, por esse motivo, no dia 07-09-2015, a “AUTO INDUSTRIAL, S. A.” entregou ao Réu OC uma viatura de cortesia ou substituição, para por ele ser utilizada enquanto a sua viatura automóvel não estava pronta. 21. Essa viatura foi o referido automóvel com a matrícula …-…-…, da marca OPEL, modelo Meriva. 22. A Interveniente “AUTO INDUSTRIAL, S. A.” recorre a empresas externas com vista à cedência de veículo de cortesia a clientes. 23. O referido veículo com matrícula …-…-… foi entregue no momento indicado em 20 ao Réu OC, acompanhado do contrato de aluguer do mesmo veículo celebrado com a Ré “PENTACAR – Comércio e Indústria de Automóveis, Lda.”, entre 07-09-2015 e 14-09-2015, que consta como documento n.º 2 anexo à contestação da Interveniente “AUTO INDUSTRIAL” e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 24. No referido contrato consta: - como nome da empresa para faturação “AUTO INDUSTRIAL, S. A.”, - como primeiro condutor OC, - na assinatura do cliente, a assinatura do Réu OC. 25. Foi a Interveniente “AUTO INDUSTRIAL, S. A.” que escolheu a “PENTACAR – Comércio e Indústria de Automóveis, Lda.” para alugar o veículo de cortesia. 26. O veículo …-…-… foi entregue ao Réu OC como estando a circular legalmente. 27. No dia do acidente, a viatura não tinha, no seu interior, documentos comprovativos da propriedade da mesma e documentos relativos a seguro. 28. A Ré “PENTACAR” propôs à Autora um acordo de pagamento da quantia de 9.275,19 €, que foi aceite. 29. A Ré “PENTACAR” não efetuou qualquer pagamento à Autora. 30. O Réu OC, no dia 14-09-2015 liquidou perante a Interveniente “AUTO INDUSTRIAL” a franquia do contrato de aluguer EF112 num total 1.726,92 € (IVA incluído) – Fatura Recibo V …/…. 31. A Mandatária da Autora remeteu à Mandatária do Réu OC e-mail datado de 22-01-2016 (constante como documento n.º 2 anexo à contestação do Réu OC, onde, designadamente, consta: “(...) Venho pelo presente informar que, relativamente ao acidente de viação ocorrido a 13.09.2015, envolvendo o V/Cliente, a Pentacar, Lda. assumiu a responsabilidade pelo pagamento da quantia em dívida. (...)”. Enquadramento jurídico Na fundamentação de direito da sentença recorrida constam, no que ora importa, as seguintes considerações: «A Autora funda a sua pretensão nos presentes autos ao abrigo do direito de regresso previsto no artigo 51.º, n.º 4, do Decreto – Lei n.º 291/2007 de 21/8 (diploma legal que aprovou e instituiu o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel). (…) O veículo 32-J-92 circulava sem estar abrangido por qualquer contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. Estando o veículo …-…-… seguro na Autora por seguro do ramo automóvel titulado pela Apólice n.º …/…, válido à data do acidente, pelo qual a mesma pelo qual assumia a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação decorrentes da circulação do citado veículo, e incluindo o seguro a cobertura facultativa de choque, colisão e capotamento, resulta que a Autora, e tendo do embate resultado danos nas portas do lado esquerdo do …-…-…, com acionamento de airbags, e o proprietário do mesmo ficado privado do uso, suportou a quantia de €8.563,61 com a reparação do indicado veículo e o custo do aluguer de veículo de substituição no valor €711,58. Sempre que não exista seguro válido relativamente ao veículo causador do acidente e a seguradora de danos próprios do lesado satisfaça, ao abrigo do disposto no artigo 51.º, n.º 2, do DL n.º 291/2007, a reparação dos danos do acidente, tem, nos termos do disposto no n.º 4 do mesmo artigo, direito de regresso contra o responsável civil do acidente e sobre quem impenda a obrigação de segurar, que respondem solidariamente. A Autora reparou os danos do acidente nos termos descritos, pelo que lhe assiste o direito de regresso. O responsável civil do acidente é, nos termos supra descritos, o Réu OC, que conduzia o indicado veículo, sem seguro válido, não sendo oponível, quer ao lesado, quer à ora Autora, que reparou os danos, qualquer relação do mesmo com outas entidades no que concerne ao uso do indicado veículo e forma em que o fazia. (…) Existe assim direito de regresso da Autora perante o Réu OC, como responsável civil do acidente. Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do DL n.º 291/2007, a obrigação de segurar impende sobre o proprietário do veículo, exceptuando-se os casos de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira, em que a obrigação recai, respectivamente, sobre o usufrutuário, adquirente ou locatário. À data do acidente (13/9/2015) e à data de entrada da acção (11/4/2018), a Ré “Caixa Económica Montepio Geral” era a proprietária inscrita do veículo …-…-… que deu causa ao acidente. A mesma Ré celebrou, em 5/12/2010, contrato de locação financeira do mesmo veículo com a Interveniente “CLOBCAR”, e contrato este que foi resolvido pela primeira em 24/7/2013. Tendo assim este contrato deixado de produzir efeitos – artigo 433.º, do Código Civil, significa que, independentemente de vicissitudes resultantes de incumprimento contratual por parte da locatária financeira para com a citada Ré locadora financeira do veículo em questão, a obrigação de segurar o mesmo passou a impender, desde o momento da resolução, sobre a sua proprietária “Caixa Económica Montepio Geral”. É assim esta solidariamente responsável com o Autor pelo pagamento à Autora dos montantes em lide que este despendeu com a reparação do sinistro junto do lesado e seu segurado, em virtude de seguro de danos próprios.» A 1.ª Ré-Apelante considera que deve ser absolvida do pedido, argumentando, em síntese, que a viatura circulava por facto alheio à sua vontade e sem que tivesse o controlo efetivo sobre a mesma. Apreciando. A Autora-Apelada, na presente ação, vem exercitar o direito de regresso, invocando o disposto no art. 51.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto (Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel), diploma que, como é sabido, transpõe parcialmente para a ordem jurídica interna “a Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, que altera as Directivas nºs 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho, e a Directiva 2000/26/CE, relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis («5.ª Directiva sobre o Seguro Automóvel)”. Tal artigo consta do CAPÍTULO IV - “Garantia da reparação de danos na falta de seguro obrigatório”, mais precisamente da SECÇÃO I – “Atribuições do Fundo de Garantia Automóvel” e da SUBSECÇÃO I – “Pagamento de indemnizações” e estabelece um regime especial no que concerne a certos acidentes ocasionados por “veículos relevantes” e ocorridos dentro do âmbito geográfico e material em que haveria lugar à satisfação pelo Fundo de Garantia Automóvel de indemnizações. Dispõe este art. 51.º, sob a epígrafe “Limites especiais à responsabilidade do Fundo” e no que ora importa, que: “(…) 2 - Se o lesado por acidente previsto nos artigos 48.º e 49.º beneficiar da cobertura de um contrato de seguro automóvel de danos próprios, a reparação dos danos do acidente que sejam subsumíveis nos respectivos contratos incumbe às empresas de seguros, ficando a responsabilidade do Fundo limitada ao pagamento do valor excedente. (…) 4 - As entidades que satisfaçam os pagamentos previstos nos números anteriores têm direito de regresso contra o responsável civil do acidente e sobre quem impenda a obrigação de segurar, que respondem solidariamente. (…)” De referir que a disposição do n.º 2 é complementada, no plano adjetivo, pelo n.º 3 do art. 62.º do Decreto-Lei n.º 291/2007: nos casos previstos nos n.ºs 1 e 2 deste último artigo (atinente à legitimidade passiva nas ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, ou quando o responsável civil por acidentes de viação for desconhecido), se o acidente de viação for, nos termos do n.º 2 do art. 51.º, “subsumível em contrato de seguro automóvel de danos próprios”, a ação deve ser proposta também contra a respetiva empresas de seguros. Lembramos que, numa solução próxima da consagrada no n.º 4 do art. 51.º, prevê o art. 136.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, que “(O) segurador que tiver pago a indemnização fica sub-rogado, na medida do montante pago, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro.” A jurisprudência a respeito do direito de regresso em apreço é escassa, tendo-se localizado o acórdão da Relação de Coimbra de 09-11-2021, no proc. n.º 230/20.9T8PMS.C1, disponível em www.dgsi.pt, conforme se alcança da seguinte passagem do respetivo sumário: “1. Paga a indemnização pela cobertura facultativa/danos próprios e verificada a falta de seguro (automóvel) válido e eficaz, a A./seguradora poderá exercer o correspondente direito de regresso/sub-rogação contra o responsável civil do acidente (com culpa efetiva e exclusiva na sua produção e que tripulava o veículo sob as ordens, interesse e direção da sua entidade patronal) e sobre quem impenda a obrigação de segurar (proprietária/entidade patronal), que respondem solidariamente (art.ºs 136º, n.º 1 do DL n.º 72/2008, de 16.4 e 51º, n.ºs 2 e 4, do DL n.º 291/2007, de 21.8).” Atentando nas várias Diretivas relativas à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, não parece que o reconhecimento de um tal direito de regresso ou mecanismo de sub-rogação integre o “sistema comunitário de seguro automóvel”, não se identificando uma norma de direito da União Europeia que nos deva nortear na interpretação a fazer do referido art. 51.º, n.º 4, muito menos que possa justificar a sua desaplicação, numa determinada interpretação normativa, por contrária as exigências do Direito da União Europeia e aos objetivos que as Diretivas sobre seguro automóvel pretendem salvaguardar. Não se descortina, pois, neste aspeto do regime nenhuma incompatibilidade com o Direito da União Europeia, designadamente com as sucessivas Diretivas em matéria de seguro automóvel, das quais ressalta um propósito de uniformização do direito nos Estados-Membros no sentido de uma cada vez mais ampla cobertura do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel em prol da proteção dos lesados, procurando-se ainda assegurar que, na impossibilidade de ser acionado um seguro, esses lesados não fiquem desprotegidos. Assim, logo a “Directiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de Abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade”, veio no seu art. 3.º, n.º 1, estabelecer que “Cada Estado-membro, sem prejuízo da aplicação do artigo 4º, adopta todas as medidas adequadas para que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro. Essas medidas devem determinar o âmbito da cobertura e as modalidades de seguro.” Merecendo ainda destaque a “Segunda Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis”, em cujos considerandos se lembra a Primeira Diretiva, designadamente nos seguintes termos: “Considerando que, pela Directiva 72/166/CEE (4), alterada pela Directiva 72/430/CEE (5), o Conselho procedeu à aproximação das legislações dos Estados-membros relativas ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade; Considerando que a Directiva 72/166/CEE impõe, no seu artigo 3º, que cada Estado-membro tome todas as medidas adequadas para que a responsabilidade civil relativa à circulação de veículos cujo estacionamento habitual seja no seu território, se encontre coberta por um contrato de seguro; que os danos cobertos e as modalidades desse seguro são determinados no âmbito destas medidas; Considerando, todavia, que, entre as legislações dos diversos Estados-membros, subsistem importantes divergências quanto à extensão desse seguro obrigatório; que estas divergências têm uma incidência directa sobre o estabelecimento e o funcionamento do mercado comum; (…) Considerando que é necessário prever a existência de um organismo que garanta que a vítima não ficará sem indemnização, no caso do veículo causador do sinistro não estar seguro ou não ser identificado; que, sem prejuízo das disposições aplicadas pelos Estados-membros relativamente à natureza, subsidiária ou não, da intervenção deste organismo, bem como às normas aplicáveis en matéria de subrogação, é importante prever que a vítima de um sinistro ocorrido naquelas circunstâncias se possa dirigir directa e prioritariamente a esse organismo; que é, todavia, conveniente, dar aos Estados-membros a possibilidade de aplicarem certas exclusões limitativas no que respeita à intervenção deste organismo e de prever, no caso de danos materiais causados por um veículo não identificado, devido aos riscos de fraude, que a indemnização por tais danos possa ser limitada ou excluída;” Mais prevendo o art. 1.º, n.ºs 1 e 4, desta Diretiva que: “1. O seguro referido no nº 1 do artigo 3º da Directiva 72/166/CEE, deve, obrigatoriamente, cobrir os danos materiais e os danos corporais. (…) 4. Cada Estado-membro deve criar ou autorizar a criação de um organismo que tenha por missão reparar, pelo menos dentro dos limites da obrigação de seguro, os danos materiais ou corporais causados por veículos não identificados ou relativamente aos quais não tenha sido satisfeita a obrigação de seguro referida no nº 1. Esta disposição não prejudica o direito que assiste aos Estados-membros de atribuirem ou não à intervenção desse organismo um carácter subsidiário, nem o direito de regulamentarem os sistemas de recursos entre este organismo e o ou os responsáveis pelo sinistro e outras seguradoras ou organismos de segurança social obrigados a indemnizar a vítima pelo mesmo sinistro. (…)” De salientar ainda que, por força do disposto no art. 2.º da Diretiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, foi alterada a redação do art. 1.º da Diretiva 84/5/CEE, passando a ter, no que ora importa, a seguinte redação: “1. O seguro referido no n.º 1 do artigo 3.º da Directiva 72/166/CEE deve, obrigatoriamente, cobrir danos materiais e pessoais. (…) 4. Cada Estado-Membro deve criar ou autorizar a criação de um organismo que tenha por função reparar, pelo menos dentro dos limites da obrigação de seguro, os danos materiais e pessoais causados por veículos não identificados ou relativamente aos quais não tenha sido satisfeita a obrigação de seguro referida no n.º 1. O primeiro parágrafo não prejudica o direito que assiste aos Estados-Membros de atribuírem ou não à intervenção desse organismo um carácter subsidiário, nem o direito de regulamentarem os direitos de regresso entre este organismo e o responsável ou responsáveis pelo sinistro e outras seguradoras ou organismos de segurança social obrigados a indemnizar a vítima pelo mesmo sinistro. Todavia, os Estados-Membros não permitirão que o organismo em questão subordine o pagamento da indemnização à condição de a vítima provar, seja por que meio for, que a pessoa responsável não pode ou não quer pagar.” Como é sabido, no nosso país, o Fundo de Garantia Automóvel é o organismo que, com caráter subsidiário, assegura a satisfação de indemnizações aos lesados que tenham sofrido danos causados por veículos em relação aos quais não tinha sido satisfeita a obrigação de segurar. Não se questiona nos autos essa subsidiariedade, nas situações em que, como sucede no caso em apreço, o lesado possa beneficiar da cobertura de um contrato de seguro automóvel de danos próprios, de modo a que a reparação dos danos do acidente subsumíveis nos respetivos contratos incumba às empresas de seguros, ficando a responsabilidade do Fundo limitada ao pagamento do valor excedente. O que se discute é se, quando tal ocorre, à seguradora que tenha satisfeito o pagamento assiste o direito de regresso contra a proprietária do veículo que originou o acidente, considerando que o veículo havia sido objeto de um contrato de locação financeira, já resolvido à data do acidente, sem que, todavia, tivesse sido restituído à locadora/proprietária. Trata-se, pois, de interpretar o segmento do citado art. 51.º, n.º 4, averiguando se a expressão “responsável civil do acidente e sobre quem impenda a obrigação de segurar” abrange, numa tal situação, a proprietária do veículo. Em ordem a decidir se o sentido da norma é mais ou menos abrangente, mais precisamente se inclui a proprietária que foi locadora financeira, há que considerar os elementos histórico, teleológico e sistemático da interpretação. Comecemos por atentar no que dispõem outros preceitos legais, em particular, face às especificidades do caso, o art. 10.º, n.º 1, al. j), do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24-06 (Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira) e os artigos 4.º, n.º 1, e 6.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007. No referido art. 10.º são elencadas, entre outras obrigações do locatário, a de efetuar o seguro do bem locado, contra o risco da sua perda ou deterioração e dos danos por ela provocados Por sua vez, o art. 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 291/2007, sob a epígrafe “Obrigação de seguro”, estabelece que “Toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor para cuja condução seja necessário um título específico e seus reboques, com estacionamento habitual em Portugal, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se coberta por um seguro que garanta tal responsabilidade, nos termos do presente decreto-lei.” Da maior relevância para o caso é o art. 6.º deste diploma legal, que, sob a epígrafe “Sujeitos da obrigação de segurar”, dispõe o seguinte: “1 - A obrigação de segurar impende sobre o proprietário do veículo, exceptuando-se os casos de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira, em que a obrigação recai, respectivamente, sobre o usufrutuário, adquirente ou locatário. 2 - Se qualquer outra pessoa celebrar, relativamente ao veículo, contrato de seguro que satisfaça o disposto no presente decreto-lei, fica suprida, enquanto o contrato produzir efeitos, a obrigação das pessoas referidas no número anterior.” Estes dois últimos artigos já constavam da versão original do referido Decreto-Lei, correspondendo-lhes, no anterior Regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de dezembro, os artigos 1.º, n.º 1, e 2.º. Assim, o art. 1.º, n.º 1, dispunha, sob a epígrafe “Da obrigação de segurar”, que “Toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros por um veículo terrestre a motor, seus reboques ou semi-reboques, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se, nos termos do presente diploma, coberta por um seguro que garanta essa mesma responsabilidade”. E o art. 2.º preceituava, sob a epígrafe “Sujeitos da obrigação de segurar”, que: “1 - A obrigação de segurar impende sobre o proprietário do veículo, exceptuando-se os casos de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira, em que a referida obrigação recai, respectivamente, sobre o usufrutuário, adquirente ou locatário. 2 - Se qualquer outra pessoa celebrar, relativamente ao veículo, contrato de seguro que satisfaça o disposto no presente diploma, fica suprida, enquanto o contrato produzir efeitos, a obrigação das pessoas referidas no número anterior.” De referir ainda o disposto no art. 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 291/2007: “O contrato garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar previstos no artigo 4.º e dos legítimos detentores e condutores do veículo”. Finalmente, para melhor compreensão do quadro legal aplicável ao caso, importa ter presente o art. 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril (Regime Jurídico do Contrato de Seguro), nos termos do qual “(O) segurado deve ter um interesse digno de protecção legal relativamente ao risco coberto, sob pena de nulidade do contrato.” A respeito do citado art. 6.º, atentemos nas palavras de Maria Manuela Ramalho Sousa Chichorro: “Estão abrangidos pela obrigação de segurar, em primeira linha, os proprietários dos veículos terrestres a motor e seus reboques. Sempre que exista uma relação de usufruto, venda com reserva de propriedade ou locação financeira, tal obrigação recai sobre o usufrutuário, adquirente ou locatário respetivamente. De um modo geral podemos dizer que estes são os segurados, titulares dos interesses protegidos pelo contrato. Porém, esta estipulação legal não impede que outras pessoas, nomeadamente os detentores, voluntariamente celebrem o contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. Enquanto este contrato produzir efeitos fica suprida a obrigação das pessoas mencionadas anteriormente. Podemos então afirmar que, em regra, o proprietário é obrigado a segurar, cabendo tal obrigação, subsidiariamente, a outros sujeitos” - in “O Contrato de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel”, Coimbra Editora, págs. 126-127, Portanto, a contratação de contrato de seguro automóvel obrigatório surge como uma obrigação que impende, em primeira linha, sobre o proprietário, regra essa que se prenderá com o caráter pessoal do contrato de seguro, desde logo ante o regime de responsabilidade civil extracontratual consagrado no art. 503.º do CC. Compreende-se que essa obrigação não exista nas situações especiais previstas na lei, em que tal obrigação recai sobre outros sujeitos, tendo o legislador considerado que o usufrutuário, o adquirente com reserva de propriedade e o locatário de contrato de locação financeira, além de terem seguramente um interesse digno de proteção legal relativamente ao risco coberto, serão quem tem a direção efetiva do veículo e interesse na respetiva utilização. Sendo certo que, se alguma outra pessoa tiver um interesse digno de proteção legal relativamente ao risco coberto, também poderá celebrar contrato de seguro, ficando assim suprida a obrigação daquelas outras pessoas. Isto poderia ter sido dito de outra forma, como acontece na lei espanhola, veja-se o “Artículo 2. do Real Decreto Legislativo 8/2004, de 29 de octubre, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley sobre responsabilidad civil y seguro en la circulación de vehículos a motor”, disponível em https://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A-2004-18911, preceituando, no seu n.º 1, sob a epígrafe, “De la obligación de asegurarse”, que “Todo propietario de vehículos a motor que tenga su estacionamiento habitual en España estará obligado a suscribir y mantener en vigor un contrato de seguro por cada vehículo de que sea titular, que cubra, hasta la cuantía de los límites del aseguramiento obligatorio, la responsabilidad civil a que se refiere el artículo 1. No obstante, el propietario quedará relevado de tal obligación cuando el seguro sea concertado por cualquier persona que tenga interés en el aseguramiento, quien deberá expresar el concepto en que contrata.” (releve-se a falta de tradução, que nos parece ser desnecessária para a compreensão do texto citado). Não sendo essa a redação do preceito correspondente no direito nacional, ainda assim parece-nos que o seu sentido é o de estabelecer como regra a obrigação de segurar a cargo do proprietário do veículo, escusando-o dessa obrigação apenas quando devam ser as pessoas referidas na 2.ª parte do n.º 1 do art. 6.º a fazê-lo ou quando outras pessoas com interesse nisso o façam, como será, por exemplo, o locatário no caso de contrato de aluguer de veículo. Não nos suscita dúvida que esta interpretação normativa não afronta, antes pelo contrário, o propósito anunciado das referidas Diretivas, sendo conforme com a regra consagrada no art. 3.º, n.º 1, da “Directiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de Abril de 1972”. Reitera-se que, no tocante à consagração de um direito de regresso ou da figura da sub-rogação da seguradora, em situações como a dos autos, não se localiza uma concreta norma de Direito da União Europeia, mormente nas aludidas Diretivas, cuja interpretação possa suscitar a dúvida sobre se se opõe a um regime de direito civil nacional que estabeleça, num caso como o dos autos, a obrigação de reembolso a cargo do proprietário do veículo sujeito da obrigação de segurar. Em particular, não vemos que tal se possa retirar do disposto no art. 1.º, n.º 4, da “Segunda Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983”, acima citado. A Ré defende, em síntese, que, não obstante a aquisição da propriedade do veículo, nunca chegou a ter a direção efetiva do mesmo, uma vez que celebrou um contrato de locação financeira, findo o qual o veículo não lhe foi restituído, sendo, por isso, injusto entender que incorreu, por não ter celebrado um contrato de seguro, na obrigação de reembolsar a seguradora que assumiu o pagamento dos danos ocasionados pelo acidente em que interveio o veículo de que é proprietária. Porém, parece-nos forçoso concluir que, como a Ré fez cessar o contrato de locação financeira em apreço, passou a estar legalmente obrigada a contratar um seguro obrigatório, como proprietária do mesmo; só assim não seria se, como previsto no art. 6.º, n.º 2, outra pessoa o tivesse feito, o que não resulta dos factos provados. Ainda que a Ré pudesse ignorar ou ter feito uma má interpretação da lei a este respeito, isso não lhe aproveitaria (cf. art. 6.º do CC). É certo que vigora no nosso ordenamento jurídico um princípio da proteção da confiança legítima, ínsito no Estado de Direito democrático (cf. art. 2.º da Constituição da República Portuguesa), mas não está sequer provado que a Ré confiou que o veículo continuava a ter um seguro em vigor. Podemos, ainda assim, admitir que seria expetável que a locatária cuidasse de manter em vigor o seguro contratado (ou celebrasse outro) mesmo depois de findo o contrato de locação financeira, pois estava contratualmente obrigada a isso e continuava a ter um interesse digno de proteção para o fazer. No entanto, sabendo-se que o contrato tinha sido incumprido quanto à principal obrigação a cargo da locatária, e estando a Ré legalmente obrigada a contratar um seguro automóvel para o veículo de que era proprietária a menos que outrem o tivesse feito, impunha-se que se certificasse disso mesmo, o que poderia ter feito através de simples consulta na Internet (digitando a matrícula, no “Portal do Consumidor” da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões). Sem essa diligência mínima, não se nos afigura que fosse legítimo a Ré confiar que não estava obrigada a contratar um seguro. Aliás, dos factos provados resulta que a sua falta de diligência contribuiu para que o veículo continuasse indevidamente a circular, sem um seguro em vigor, nada de relevante tendo feito para o impedir, quando até estava ao seu alcance fazê-lo. Efetivamente, a Ré-Apelante celebrou o contrato de locação financeira em 05-12-2010 e procedeu à sua resolução mediante comunicação efetuada em 24-07-2013, tendo exigido a restituição imediata do veículo e feito interpelações para a sua entrega voluntária da viatura, mas nenhuma diligência útil desenvolveu para evitar que continuasse em circulação. A sua inércia evidencia que se conformou com o facto de o veículo poder continuar a ser utilizado, fosse por quem fosse. Assim, volvidos mais de 2 anos, a 13-09-2015, o veículo circulava sem estar abrangido por qualquer contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, não tendo, no seu interior, documentos comprovativos da propriedade do veículo, nem documentos relativos a seguro. Somente em 2017 veio a ser instaurado procedimento cautelar para apreensão da viatura, tendo sido ordenada pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em 21-08-2017, a entrega imediata da mesma, vindo a ser apreendida e restituída à Ré “Caixa Económica Montepio Geral, no dia 08-02-2018. Mas não foi alegado, nem provado pela Ré que, antes da data em que o acidente aconteceu (13-09-2015), tivesse acionado quaisquer mecanismos legais ao seu dispor no sentido de evitar que o veículo circulasse sem seguro. E não se diga que não o podia ter feito ou que não lhe era exigível que o fizesse. Pelo contrário, além de não se compreender que tenha tardado tanto tempo a instaurar o procedimento cautelar de entrega judicial previsto no art. 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho (Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira), só o tendo feito em 2017, não podemos olvidar que poderia ter diligenciado no sentido de obstar à circulação do veículo, solicitando a apreensão do mesmo pela autoridade policial, por não ter sido efetuado seguro de responsabilidade civil – cf. art. 162.º, n.º 1, al. f), do Código da Estrada [eventualmente também com prévio pedido de cancelamento da matrícula – cf. art. 119.º, n.º 1, al. c) e 162.º, n.º 1, al. b), ambos do Código da Estrada]. Parece-nos, pois, que a Ré, até à data do acidente, que é o que verdadeiramente importa (sendo substantivamente irrelevantes diligências ulteriores que possa ter feito), como proprietária do veículo, descurou a sua obrigação legal de celebrar um contrato de seguro e nada fez (pelo menos nada foi alegado e provado a esse respeito) de útil no sentido de localizar o veículo, verificar se tinha seguro, impedir que continuasse a ser utilizado por terceiros, não lhe bastando argumentar que “desconhecia, em absoluto, a razão pela qual a viatura com a matrícula …-…-… circulava”. É que se o desconhecia, devendo-se esse desconhecimento apenas ao facto de o veículo não lhe ter sido restituído findo o contrato de locação financeira, não se pode sem mais, isto é, na falta de outros factos, concluir que estava “sem controlo efetivo sobre a mesma, por facto alheio à sua vontade”. Ao invés, tudo indica (veja-se o que resulta do ponto 18) que poderia ter logrado reaver o veículo antes do dia 13-09-2015 se tivesse instaurado um procedimento cautelar após constatar que o veículo não havia sido prontamente restituído findo o contrato de locação financeira. Se a Ré optou por não o fazer, tão pouco diligenciando junto da autoridade policial competente no sentido da apreensão do veículo, que circulava sem seguro (facto esse que, repete-se, podia facilmente ter verificado), não nos parece que a sua responsabilização nos termos decididos na sentença deva ser considerada injusta ou ilegal. É que, por estranho que pareça, os factos evidenciam que a Ré, durante mais de 2 anos, preferiu deixar que o veículo continuasse a circular, nas mãos de terceiros a quem pudesse ser “confiado” pela anterior locatária, do que interesse em reavê-lo ou em impedir que circulasse. Portanto, não alegou, nem provou a Ré (como lhe incumbia) factos que, de forma inequívoca, evidenciem que não tinha um poder de facto sobre o veículo, nem interesse algum na utilização que do mesmo era feita. Daí que a sua condenação nos termos em que foi decidida se nos afigure justificada, sendo consentânea com a intenção por parte do legislador de responsabilizar o proprietário de veículos automóveis, incluindo por via da obrigação de reembolso consagrada na lei, constituindo um elemento motivador para o cumprimento da obrigação de segurar prevista na lei. Assim, improcedem as conclusões da alegação de recurso, ao qual será negado provimento. Vencida a Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC). * III - DECISÃO Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida. Mais se decide condenar a Ré-Apelante no pagamento das custas do recurso. D.N. Lisboa, 28-09-2023 Laurinda Gemas Arlindo Crua Higina Castelo |