Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1642/19.6T8PDL.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: PROCESSO TUTELAR CÍVEL
PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
ACTUALIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO
COBRANÇA COERCIVA DE ALIMENTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/06/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) No caso de não ser pago pelo progenitor adstrito à respetiva obrigação, o valor da prestação alimentícia fixado no processo de regulação das responsabilidades parentais, considerando a atualização aí prevista, o Ministério Público pode lançar mão do mecanismo previsto no artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) ou, em alternativa, do processo especial de “efetivação da prestação de alimentos”, regulado pelo artigo 48.º do RGPTC, não tendo previamente de recorrer ao incidente de incumprimento previsto no mencionado artigo 41.º.
II) O artigo 17.º do RGPTC - como já decorreria do previsto pelos artigos 3.º, n.º 1, al. a) e 5.º, n.º 1, al. c) do Estatuto do Ministério Público (aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de outubro) - atribui ao Ministério Público a possibilidade de representação da criança visada pela prestação alimentícia em juízo, intentando ação em seu nome ou desencadeando quaisquer meios judiciais necessários à defesa dos seus direitos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
O MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação da criança AJ…, identificado nos autos, instaurou autos para efectivação do cumprimento da prestação de alimentos, em que é requerido, RJ…, também identificado nos autos.
Pediu que fosse dado cumprimento ao disposto no artº 48º, nº 1, al b) da LGPTC “e se ordene, de imediato, o desconto no vencimento do requerido do valor das prestações em atraso, a remeter à requerente, através do depósito na sua conta bancária e identificada nos autos, notificando-se a entidade patronal para o efeito”.
Alegou em suma, que, por decisão proferida no processo nº 131/2005, que correu termos na Conservatória do Registo Civil de Ponta Delgada, foi homologado a 18/01/2006 o acordo de RERP, tendo sido determinado, para além do mais, que AJ… ficava confiado à mãe, com esta residindo, obrigando-se, o progenitor, ora requerido, a contribuir com a quantia mensal de 150 €, a título de alimentos, para o referido filho, atualizável anualmente em janeiro, segundo o índice do instituto nacional de estatística, sendo que, o progenitor da criança não efetuou anualmente a atualização respetiva.
Procedendo à atualização da pensão, nos termos definidos, a quantia mensal em dívida a partir de janeiro de 2014, passou a ser de 183,33 €, em janeiro de 2015, passou a ser de 183,80 €, em janeiro de 2016, passou a ser de 185,64 €, em janeiro de 2017, passou a ser de 187,93 €, em janeiro de 2018, passou a ser de 190,21 € e em janeiro de 2019, passou a ser de 193,85€, concluindo encontrar-se “na presente data em dívida:
No ano de 2014 de abril a dezembro (183,33€-150€=33,33€x9meses)=299,97€;
No ano de 2015 de janeiro a dezembro (183,80€-150=33,80€x12)=405,60€;
No ano de 2016 de janeiro a dezembro (185,64€-150=35,64x12)=427,68€;
No ano de 2017 de janeiro a dezembro (187,93-150=37,93x12)= 455,16€, acrescido do valor de 75 € por em dezembro o requerido ter efetuado apenas o pagamento de metade da prestação de alimentos, encontrando-se assim em dívida a quantia de 530,16€;
No ano de 2018 de janeiro a dezembro (190,21€-150=40,21x12)=482,52€;
No ano de 2015 de janeiro a abril (193,85-150=43,85x4)= 175,40 €.
Os alimentos relativos às atualizações não pagas, acrescido do valor de 75€ por em dezembro de 2017 o requerido ter efetuado apenas o pagamento de metade da prestação de alimentos, totalizam a quantia de 2.321,33 €”.
Mais alegou que o requerido é proprietário e exerce atividade profissional no estabelecimento comercial denominado C…, sito na Praceta …, em Corroios, Setúbal.
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Em 19-09-2019, o Tribunal recorrido proferiu despacho do seguinte teor:
“Por decisão de 18/01/2006 o então menor AJ…, nascido a …/09/2002, ficou confiado à guarda da progenitora, MJ…, estabelecendo-se a cargo do progenitor, o requerido RJ…, uma obrigação alimentar para com o filho de 150,00 € por mês, actualizável anualmente, em Janeiro, de acordo com a inflação.
Vem o MP, em representação dos interesses do jovem (ainda menor ao tempo da instauração do procedimento), denunciar que o requerido, embora mantendo o pagamento regular da prestação, não procedeu às actualizações, tendo assim actualmente acumulada em falta a quantia de 2.321,33 €, em face do que requer medida para efectivar o pagamento, nomeadamente determinando-se no salário dele o desconto das quantias devidas, delas se fazendo entrega directa à progenitora do jovem.
Ora, com efeito é esse o mecanismo de efectivação coerciva da obrigação alimentar, conforme previsto pelo art. 48.º, n.º 1 e 2, do RGPTC, o que por isso sem mais passo a determinar, sendo certo que no âmbito deste específico procedimento não cabe a notificação prévia do requerido, diversamente do que sucede nos termos do art. 41.º do RGPTC, e pelo contrário só tendo de ser notificado depois de determinados os descontos (cfr. Ac. do TR Lisboa de 09/02/88, CJ, I, 127, apud Tomé Ramião, in "OTM Anotada e Comentada", 3.ª ed., Quid Iuris, Lisboa 2004, p. 127; doutrina expendida no âmbito de vigência ainda da OTM, mas que se mantém inteiramente válida no do RGPTC, que na matéria nada inovou – e a que cabe acrescentar que mal se compreenderia que no contexto deste mecanismo para-executivo destinado a ser especialmente célere e expedito fosse necessária essa notificação prévia, quando no da própria execução por alimentos eventual a notificação apenas se faria após a penhora!).
Assim, e nos termos do art. 48.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do RGPTC, determino:
Que a entidade empregadora do requerido (cfr. fls. 2 verso, a entidade – pessoa singular ou sociedade – exploradora do estabelecimento comercial denominado “C…”, sito na Praceta …, Corroios, Setúbal – a indentificar previamente de modo cabal pela secretaria), passe a descontar no salário dele a quantia mensal de 75,00 €, entregando-a à mãe do jovem até ao final de cada mês, com início no corrente mês de Setembro de 2019, mediante depósito ou transferência bancária para a conta bancária dela (cfr. fls. 12 verso), e tudo até perfazer o total de 2.321,33 €. Custas Notifique o MP, a progenitora do menor e a entidade empregadora do requerido, esta para que proceda aos descontos e entregas nos termos determinados e com advertência de que pelas quantias a descontar e entregar fica responsável como fiel depositária; após, notifique também o requerido”.
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Notificado da decisão que determinou medida de efectivação coerciva da sua obrigação alimentar para com o filho, o requerido veio exercer contraditório dizendo, em suma:
- Que não tendo sido fácil ao Requerido cumprir com o valor da prestação alimentar, mas com a ajuda da sua mãe e com a contribuição de parte dessa quantia também pela sua companheira, lá tem conseguido cumprir com o valor em causa;
- Que conhecendo a Requerente as dificuldades do Requerido, e ainda assim procedendo este ao pagamento da quantia acordada inicialmente, o que fazia cada mês, nunca lhe colocou a questão sobre a actualização que agora vem pedir, ainda que do ponto de vista do Requerido de forma errada e excessiva, com violação da norma legal.
- Que só excepcionalmente, e para tal só se pode entender com fundamento que o justifique, o que não se consegue vislumbrar, é que os autos de incumprimento seguem de imediato o modo coercivo, sem que seja considerada a forma não excepcional, a saber a conferência de pais, antes de definido o valor correspondente ao incumprimento, e assim as partes poderem ter oportunidade de definir o pagamento, e confirmado que seja o dito incumprimento, sendo que, o Tribunal não procedeu em conformidade, antes passou de imediato para uma condição de excepcionalidade, que de todo não se vê configurada, tanto mais que, desde a data do Acordo que nada é invocado como tendo sido incumprido por parte do Requerido, nem este se negou a pagar o que eventualmente se provasse devido, apesar de todas as dificuldade já mencionadas;
- Que estabelece o artigo 310.º, alínea f), prescrevem em cinco anos as pensões alimentícias vencidas, pelo que, andou bem o MP quando toma em conta os valores, eventualmente em dívida a partir de Abril do ano de 2014, e não antes, mas quanto às contas apresentadas, não vislumbra como é que o MP respeita o prazo de prescrição quanto ao que diz respeito à pensão alimentícia, e depois quer fazer valer as actualizações desde o inicio da data do Acordo.
- Que as actualizações anuais, a terem sido concretizadas, por uma parte, ou a solicitação da outra, integram pensões alimentícias vencidas, e não são um item separado, Logo, salvo o devido respeito, anda mal o MP quando deixa de tomar em conta a norma, que manifestamente tomou no restaste articulado, vindo actualizar a partir de um montante inicial em 2005, quando só o devia fazer a partir da mesma data (2014), e com os índices que aplicou, e bem para o efeito.
- Que assim seriam de ter em conta os seguintes valores:
-2014 € 150,00 acrescido de 0,3% = 150,45 (diferença mensal € 0,45) € 0,45 x 9 meses = € 4.05
-2015 O índice em causa é negativo pelo que se mantém o mesmo valor anual de € 150,45 (diferença mensal € 0.45) € 0.45 x 12 meses = € 5.40
-2016 € 150,45 acrescido de 0,5% = € 151,20 (diferença mensal € 1,20) € 1,20 x 12 = € 14,40
-2017 € 151,20 acrescido de 0,6% = 152,10 (diferença mensal € 2,10) € 2.10 x 12 = € 25,20
- 2018 € 152,10 acrescido de 1,4% = € 154,23 (diferença mensal € 4,23) € 4,23 x 12 = € 50,76
-2019 (de Janeiro a Abril) € 154,23 acrescido de 1%=€ 155,77(diferença mensal € 5,77) € 5,77 x 4 = € 23,08
-Total Geral pela aplicação dos índices anuais do I.N.E, com aplicação a partir do ano de 2014 (tomando o índice em causa de 2013) € 122.89;
- Que assim, tomando os € 75,00 indicados como não pagos em Dezembro de 2017, e que o Requerido, não tem neste momento possibilidade de provar o contrário, então a dívida aceite é de € 197,89, valor a que há que deduzir os montantes já pagos por conta, desde Maio a Setembro do corrente ano (€ 43,00 por cada mês);
- Que a ser considerado como o expressa o douto Requerimento do MP, então estaríamos perante uma contradição insanável, tendo em conta o respeito pelo prazo de prescrição de pensões alimentícias, já que as actualizações efectuadas não podiam retroagir a valores prescritos legalmente, antes apenas se consignando essa actualização a partir do momento em que o prazo de prescrição está afastado, ou seja o ano de 2014, e sobre o montante então pago mensalmente nessa data, na quantia de € 150,00, pelo que o Tribunal deveria mandar corrigir o montante em causa, substituindo-o pelo montante aqui apurado e demonstrado, e deduzindo o montante de € 215,00 correspondente aos meses de Maio a Setembro, em que o Requerido entregou por conta € 43,00 por cada um desses meses.
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Em 08-11-2019, o Tribunal recorrido proferiu despacho do seguinte teor:
“(…) Notificado da decisão que nos termos do art. 48.º do RGPTC, e a solicitação do MP (que agiu em representação dos interesses do menor), determinou medida de efectivação coerciva da sua obrigação alimentar para com o filho, o requerido veio exercer contraditório subsequente, a final requerendo que na dita decisão seja reformulado o valor da quantia em causa (até reposição da qual foram determinados descontos no seu salário, para entrega à progenitora e guardiã do menor), reduzindo-a em conformidade com o cálculo que ele mesmo faz, e nisso tendo em conta as objecções que levanta quanto a serem ou não devidos e, ainda, certos valores que refere como devendo ser considerados como entregues “por conta” em cada um dos meses em causa.
A dita tomada de posição do requerido enferma de manifestos equívocos, que importa começar por esclarecer, com isso afinal se concluindo.
Em primeiro lugar, ter-se-á presente que é irrelevante quanto vem argumentado sobre o que nos termos do art. 41.º do RGPTC devia ou podia ter sido feito a respeito da tramitação: não se trata aqui do procedimento de incumprimento (e não mero “incidente”) previsto em termos gerais no dito art. 41.º do RGPTC, mas sim do procedimento (e não mero “incidente”) específico (para-executivo e especialmente célere e expedito, em homenagem à natureza da falta) de efectivação coerciva da obrigação alimentar, tal como previsto no art. 48.º do RGPTC. Foi essa a tramitação seguida, e sem mácula, de resto mal se compreendendo que dúvidas pudessem haver, não apenas logo em face da disposição legal e da evidente impertinência de procedimentos nos termos do art. 41.º do RGPTC (que portanto só erroneamente o requerido poderia apontar como postergados ou deficientemente observados), como também em face do esclarecimento que expressamente consta da decisão em causa, tabelar mas minucioso em dar cumprida conta de que no âmbito respectivo (do procedimento do art. 48.º do RGPTC), precisamente, o contraditório é subsequente e a medida de efectivação, sendo viável, é logo tomada como acto decisório inicial.
Em segundo lugar, não menos irrelevante é toda a argumentação do requerido sobre tê-lo ou não a progenitora do menor interpelado a respeito das actualizações da prestação alimentar, ou ainda sobre as dificuldades por que teria passado e que lhe teriam a ele tornado inconveniente ou não essa actualização, e o que nessa matéria a progenitora do menor conhecesse ou não: a actualização está prevista na decisão, que vincula as partes nos respectivos termos, sendo uma obrigação que não depende de interpelação alguma, e se alterações tivesse havido nas circunstâncias do requerido, mesmo transitórias, que porventura justificassem alteração daquela regra (ou de outras, ou até do montante da prestação), então era ele quem nos termos do art. 42.º do RGPTC poderia ter solicitado alteração do regulado (o que não consta ter alguma vez feito, estando isso sim pendente e em fase inicial um procedimento de alteração que entretanto o MP também instaurou mas com outro objecto). Breve, a obrigação é devida nos termos em que foi fixada, e não desaparece nem se altera por só agora ser requerida a sua efectivação.
E em terceiro lugar, o facto de não terem sido pedidos valores correspondentes ao diferencial entre os efectivamente pagos e os que segundo as actualizações pertinentes seriam devidos relativamente a períodos recuados (e que assim estariam já prescritos), de modo algum implica que as actualizações em si mesmas não fossem devidas, como se a prescrição as afectasse! Por outras palavras, certas quantias correspondentes a actualizações já estariam prescritas e o requerente não as pediu, mas o cálculo dos valores que vão sendo devidos não deixa de ter em conta as actualizações que em cada ano foram tendo lugar, aliás automaticamente e por força directa da decisão! Em si mesma, esta consideração afasta, por último, qualquer relevo do suposto diferencial que o requerido argumenta dever ter sido em conta, uma vez que a pertinência correspondente dependeria de as sucessivas actualizações da prestação original, para cálculo do que nos últimos cinco anos ficou em dívida, só tivessem lugar a partir de 2014 e não logo desde o início (como se as actualizações anteriores em si mesmas tivessem prescrito!).
Em suma, o dito contraditório subsequente do requerido é manifestamente improcedente e nada cabe alterar ao decidido em 19/09/2019, que por isso se mantém nos seus precisos termos.
Custas do procedimento pelo requerido.
Notifique”.
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Não se conformando com o referido despacho de 08-11-2019, dele apela o requerido, formulando as seguintes conclusões:
“1. Não pode o Recorrente aceitar a douta decisão proferida por Despacho pelo Tribunal a quo fez por Despacho, de onde retira a improcedência total da matéria alegada ao abrigo ao artigo 41.º, n.º 3, in fine, do RGPTC.
2. Ficou o Recorrente estupefacto quando foi citado para douto Requerimento interposto pelo MP, com procedimento coercivo, ao abrigo do artigo 48.º, n.º 1 al b) do RGPTC, e tendo em conta as actualizações de pensão de alimentos do menor AJ….
3. Desde logo não se entende estar-se perante um procedimento coercivo, ao fim de catorze anos sem que o progenitor pai tenha recebido qualquer citação de incumprimento anterior, e agora o Tribunal a quo, sem mais, recorra de imediato ao procedimento coercivo, como procedimento excepcional, sem que nem mesmo resulte fundamentado da decisão de que se recorre.
4. Nunca as partes invocaram ou foram citadas para qualquer incumprimento, pois a cláusula 3ª já por si nunca estabeleceu a partir de quando seria actualizada a pensão de alimentos, tanto mais que colocava outra alternativa referente a alteração salarial do progenitor pai.
5. Afinal tentou o Tribunal a quo substituir-se às partes, e sem mais considera com circunstância excepcional descrita no artigo 41.º n.º 3 do RGPTC, que o Recorrente não pode aceitar, quando este sempre cumpriu com o pagamento do montante acordado para a pensão de alimentos, mesmo que com esforço e ajuda.
6. Não se vislumbra qualquer fundamentação ma douta decisão, para que o Tribunal a quo tivesse afastado o tratamento normal da situação, partindo de imediato para a excepção.
7. O conteúdo do Requerimento Inicial do MP peca desde logo por não indicar quaisquer cálculos com os índices pretendidos aplicar, e o douto Despacho de que se recorre faz tábua rasa dos cálculos apresentados pelo Recorrente, nada concluindo por comparação.
8. O Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não vem fundamentar a sua conclusão da não prescrição das actualizações pretendidas invocada pelo Recorrente, no que estaria obrigado.
9. O TRP, em douto Acórdão menciona de que qualquer actualização não é parte da pensão de alimentos acordada, com termos diferentes de prescrição, sendo a actualização um sucedâneo e não a dita pensão de alimentos, sendo que nesta existe uma relação tripartida, que envolve o menor, sendo que o pedido de reembolso de qualquer actualização (porque aí o progenitor pai já teria sido substituído pela mãe) está numa relação bilateral entre os dois progenitores.
10. Logo o MP não teria competência processual para agir no pedido do montante dessas eventuais actualizações, por não envolver a pensão de alimentos, mas o já mencionado sucedâneo.
11. Sendo que caberia ao Tribunal a quo conhecer oficiosamente dessa competência, o que não fez, antes limitou-se a aceitar o procedimento coercivo, quando o progenitor pai sempre cumpriu e pagou a respectiva pensão de alimentos.
12. Assim sendo, e tendo o douto Requerimento inicial sido apresentado pelo MP, salvo o devido respeito, encontra-se violado o conteúdo do artigo 17.º do RGPTC, que o Tribunal a quo teria de conhecer oficiosamente.
13. Nos presentes autos não está em causa qualquer procedimento coercivo para o pagamento da pensão de alimentos ao menor, mas sim de um valor não explicado quanto a que índice ou salário foi tomado em conta nos cálculos para o valor invocado a título de indemnização.
14. Pelo que, salvo melhor opinião, andou mal o Tribunal a quo no douto Despacho de que se recorre, que fez improceder a alegação do então Requerido, conforme tinha sido convidado a pronunciar-se segundo o artigo 41.º, n.º 3 do RGPCT, pelo que só se pode esperar que, seja alterado o seu conteúdo, de forma a não seguir um procedimento coercivo, sem fundamento, e seja declarada a incompetência do MP para interpor a referida acção, bem como manifesto erro quanto à não indicação de cálculos e índices pretendidos para cada ano, e da fundamentação obrigatória quanto à prescrição das actualizações invocadas, sendo que, por tudo isso só pode declarado nulo o presente Despacho de que se recorre, e assim corregido o procedimento, seguindo seus trâmites sem considerado excepcional.”.
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O Ministério Público apresentou resposta tendo concluído o seguinte:
“1 - Por despacho de 07/11/2019, proferido nos autos referenciados em epígrafe, foi considerado manifestamente improcedente o contraditório do requerido que em nada altera o decidido no despacho de 19/09/2019, que se mantém (despacho que nos termos do artigo 48º RGPTC determinou que a entidade empregadora do requerido passe a descontar no salário dele a quantia mensal de 75 €, entregando-a à mãe do jovem até ao final de cada mês com início no corrente mês de setembro de 2019, mediante depósito ou ransferência bancária).
2 - Em nosso entendimento, nenhuma razão assiste ao ora recorrente.
3 - Na verdade, o requerido labora num erro ao considerar que quando está em causa o incumprimento referente ao não pagamento dos alimentos a filho menor se segue o procedimento constante do artigo 41º RGPTC.
4 - O artigo 48º RGPTC em relação ao artigo 41º RGPTC não é um procedimento alternativo, não é a etapa seguinte, nem é uma exceção, é sim, o mecanismo primeiro de efetivação coerciva da obrigação alimentar.
5 - Na verdade, como refere o Mmo Juiz no seu despacho “…é esse o mecanismo de efetivação coerciva da obrigação alimentar, conforme previsto no artigo 48º nº 1 e 2, do RGPTC, o que por isso sem mais passo a determinar, sendo certo que no âmbito deste específico procedimento não cabe a notificação prévia do requerido, diversamente do que sucede nos termos do artigo 41º do RGPTC e pelo contrário só tendo de ser notificado depois de determinados os descontos” (Ac. do TR Lisboa de 09/02/88, CJ, I, 127, apud Tomé Ramião, in RGPTC Anotada e Comenta, 2º ed., Quid Iuris, p. 202).
6 - O legislador quis consagrar um procedimento especial, o qual para a sua efetivação pressupõe que a prestação de alimentos tenha sido fixada judicialmente e que essa prestação não seja paga (na sua totalidade ou parcialmente) nos 10 dias seguintes ao vencimento, o que se verificou no presente caso.
7 - E, apesar de o requerido ter ao longo dos anos efetuado o pagamento mensal de quantia monetária, que se cifrou em 150 €, não é esse o valor mensal dos alimentos devido a partir de janeiro de 2007.
8 - Assim, o pagamento efetuado pelo requerido ficou aquém do valor fixado.
9 - Daí que, não vemos, como refere o requerido, que haja qualquer erro do Tribunal ao seguir o procedimento coercivo, sendo certo que, foram esses, os termos peticionados: Nestes termos, requer-se, pois, que se dê cumprimento ao disposto no artº 48º, nº 1, al b) da LGPTC e se ordene, de imediato, o desconto no vencimento do requerido do valor das prestações em atraso, a remeter à requerente, através do depósito na sua conta bancária e identificada nos autos, notificando-se a entidade patronal para o efeito.
10 - Na regulação encontra-se fixado que o pai do menor pagará a quantia mensal de 150 €, quantia que enviará à mãe, até ao dia 8 de cada mês a que respeita, sendo tal quantia atualizável anualmente em janeiro.
11 - O valor dos alimentos sofreu a primeira atualização em janeiro de 2007, e bem assim nos anos subsequentes, não tendo o progenitor procedido a essa atualização.
12 - Assim, tendo em conta os índices de inflação do INE para a RAA (Região Autónoma dos Açores, por ser onde radica a desvalorização do poder de aquisição do montante mensal) a atualização para o ano de 2007, foi de 3,60%, para 2008 de 3,50%, para 2009 de 3,10%, para 2010 de 0,80%, para 2011 de 1,30%, para 2012 de 3.35%, para 2013 de 2,85%, para 2014 de 1,86%, para de 2015 de 0,26%, para 2016 de 1%, para 2017 de 1,23%, para 2018 de 1,94% e para 2019 de 0,56%.
13 - Ora, a prestação de alimentos tem um valor fixo, o qual ao longo dos anos se vai alterando decorrente da atualização resultante da inflação mas, continua sendo um valor fixo, não passa por via da atualização, a ter o valor inicial mais o valor de cada uma das atualizações anuais, incorpora este valor.
14 - Assim, no ano de 2006 o valor dos alimentos devidos ao menor era de 150 € mensal e para o ano de 2007 passou a ser de 155,40 € mensais, (por via da atualização de 3,6% resultante da inflação do ano de 2006 do índice do INE/RAA) e assim, sucessivamente para cada ano.
15 - Independentemente de se considerar que os valores dos alimentos vencidos se encontram, ou não, prescritos o valor da atualização não prescreveu, pois, cada ano, sendo ou não pago, ela determina o valor dos alimentos devidos.
16 - Assim, não colhe a argumentação do requerido, pois, se ao longo dos anos tivesse efetuado e pago, como era o seu dever, os alimentos com a respetiva atualização, no ano de 2014 o valor seria de 183,33 € e sendo relapso e incumpridor teria o valor de 150 €.
17 - O Ministério Público tem iniciativa processual que decorre do seu Estatuto (Lei 47/86 de 15/10) e da Lei nº 141/2015 de 8/9 (RGPTC).
18 - Assim, decorre do Estatuto do Ministério Público no seu artigo 3º al d) e 5º nº 1 al c), que o Ministério Público tem competência e tem intervenção principal nos processos quando representa incapazes.
19 - E, decorre ainda da RGPTC (Lei nº 141/2015 de 8/9) no seu artigo 17º nº 1 que … a iniciativa processual cabe ao Ministério Público… e no seu nº 2 que compete especialmente ao Ministério Público … representar as crianças em juízo, intentando ações em seu nome, requerendo ações de regulação e defesa dos seus direitos e usando de quaisquer meios judiciais necessários à defesa dos seus direitos e superior interesse…
20 - Ora, tendo o Ministério Público no interesse da criança instaurado ação de efetivação da prestação de alimentos, nos termos do artigo 48º do RGPTC, assumiu as suas competências.
21 - E, diga-se que o Tribunal a quo, naturalmente, que aferiu da competência do Ministério Público e por a ter, por despacho de 19/09/2019, determinou os procedimentos previstos no artigo 48º nº 1 al b) e nº 2 RGPTC.
22 - Assim, não se verificando qualquer erro, prescrição ou nulidade é insustentável a pretensão do ora recorrente, pelo que não nos merece, qualquer reparo o douto despacho recorrido”.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, as questões a decidir são as de saber:
a) Se a decisão recorrida deve ser revogada, por o tribunal não ter fundamentado o uso do meio processual e ter “afastado o tratamento normal da situação, partindo de imediato para a excepção”?
b) Se a decisão recorrida não fundamenta “a sua conclusão da não prescrição das actualizações pretendidas invocada pelo Recorrente”?
c) Se a decisão recorrida deveria ter considerado que o Ministério Público não tem “competência processual para agir no pedido do montante” das eventuais actualizações, por esta ser um sucedâneo de alimentos, tendo sido violado o artigo 17.º do RGPTC?
d) Se a decisão recorrida incorreu em “manifesto erro quanto à não indicação de cálculos e índices pretendidos para cada ano”?
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3. Fundamentação de facto:
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São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso os elementos factuais constantes do relatório.
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4. Fundamentação de Direito:
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a) Se a decisão recorrida deve ser revogada, por o tribunal não ter fundamentado o uso do meio processual e ter “afastado o tratamento normal da situação, partindo de imediato para a excepção”?
O Regime Geral do Processo Tutelar Cível (abreviadamente, RGPTC), aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro, regula o processo aplicável às providências tutelares cíveis e respetivos incidentes (cfr. artigo 1.º).
De harmonia com o disposto no artigo 3.º do RGPTC entre as providências tutelares cíveis conta-se a regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes.
Nos termos consignados no artigo 4.º do RGPTC, os processos tutelares cíveis regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos seguintes:
a) Simplificação instrutória e oralidade - a instrução do processo recorre preferencialmente a formas e a atos processuais simplificados, nomeadamente, no que concerne à audição da criança que deve decorrer de forma compreensível, ao depoimento dos pais, familiares ou outras pessoas de especial referência afetiva para a criança, e às declarações da assessoria técnica, prestados oralmente e documentados em auto;
b) Consensualização - os conflitos familiares são preferencialmente dirimidos por via do consenso, com recurso a audição técnica especializada e ou à mediação, e, excecionalmente, relatados por escrito;
c) Audição e participação da criança - a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse.
Os processos tutelares cíveis têm a natureza de jurisdição voluntária (art. 12.º) e são processos urgentes (arts. 13.º e 14.º).
Nos termos do artigo 17.º do RGPTC:
“1 - Salvo disposição expressa e sem prejuízo do disposto nos artigos 52.º [respeitante à inibição e limitações ao exercício das responsabilidades parentais] e 58.º [atinente a medidas limitativas do exercício das responsabilidades parentais], a iniciativa processual cabe ao Ministério Público, à criança com idade superior a 12 anos, aos ascendentes, aos irmãos e ao representante legal da criança.
2 - Compete especialmente ao Ministério Público instruir e decidir os processos de averiguação oficiosa, representar as crianças em juízo, intentando ações em seu nome, requerendo ações de regulação e a defesa dos seus direitos e usando de quaisquer meios judiciais necessários à defesa dos seus direitos e superior interesse, sem prejuízo das demais funções que estão atribuídas por lei.
3 - O Ministério Público está presente em todas as diligências e atos processuais presididos pelo juiz”.
No artigo 41.º do RGPTC regula-se o incidente de “Incumprimento” do seguinte modo:
“1 - Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos.
2 - Se o acordo tiver sido homologado pelo tribunal ou este tiver proferido a decisão, o requerimento é autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão, para o que será requisitado ao respetivo tribunal, se, segundo as regras da competência, for outro o tribunal competente para conhecer do incumprimento.
3 - Autuado o requerimento, ou apenso este ao processo, o juiz convoca os pais para uma conferência ou, excecionalmente, manda notificar o requerido para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente.
4 - Na conferência, os pais podem acordar na alteração do que se encontra fixado quanto ao exercício das responsabilidades parentais, tendo em conta o interesse da criança.
5 - Não comparecendo na conferência nem havendo alegações do requerido, ou sendo estas manifestamente improcedentes, no incumprimento do regime de visitas e para efetivação deste, pode ser ordenada a entrega da criança acautelando-se os termos e local em que a mesma se deva efetuar, presidindo à diligência a assessoria técnica ao tribunal.
6 - Para efeitos do disposto no número anterior e sem prejuízo do procedimento criminal que ao caso caiba, o requerido é notificado para proceder à entrega da criança pela forma determinada, sob pena de multa.
7 - Não tendo sido convocada a conferência ou quando nesta os pais não chegarem a acordo, o juiz manda proceder nos termos do artigo 38.º e seguintes e, por fim, decide.
8 - Se tiver havido condenação em multa e esta não for paga no prazo de 10 dias, há lugar à execução por apenso ao respetivo processo, nos termos legalmente previstos”.
O incumprimento pode derivar de um vasto leque de fatores. Entre estes podem enumerar-se, a título exemplificativo: as grandes dificuldades de sobrevivência; o difícil relacionamento entre os progenitores, etc.
O incumprimento pode incidir sobre o direito de visitas, sobre a divisão e partilha de períodos festivos ou sobre outros aspetos atinentes à regulação estabelecida para as responsabilidades parentais.
No caso de o incumprimento derivar de ambos os pais ou de terceira pessoa não será pelo mecanismo do artigo 41.º, mas sim pelo do artigo 42.º - respeitante à alteração de regime de responsabilidades parentais – que o diferendo se resolverá (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28-01-1988, in C.J., Tomo I. 1988).
No que concerne à matéria de alimentos, esta encontra-se regulada nos artigos 45.º a 48.º do RGPTC.
E, especificamente, sobre o modo de tornar efetiva a prestação de alimentos, consagra-se no artigo 48.º do RGPTC, o processo especial de “efetivação da prestação de alimentos”. Dispõe-se no referido artigo 48.º o seguinte:
“1 - Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida nos 10 dias seguintes ao vencimento, observa-se o seguinte:
a) Se for trabalhador em funções públicas, são-lhe deduzidas as respetivas quantias no vencimento, sob requisição do tribunal dirigida à entidade empregadora pública;
b) Se for empregado ou assalariado, são-lhe deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respetiva entidade patronal, que fica na situação de fiel depositário;
c) Se for pessoa que receba rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, a dedução é feita nessas prestações quando tiverem de ser pagas ou creditadas, fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados na situação de fiéis depositários.
2 - As quantias deduzidas abrangem também os alimentos que se forem vencendo e são diretamente entregues a quem deva recebê-las”.
Este preceito, correspondente ao anterior artigo 189.º da OTM, tem como objetivo o cumprimento coercivo da obrigação de alimentos - tal como a ação executiva especial por alimentos, presente nos artigos 933.º e seguintes do CPC.
O mecanismo previsto no artigo 48.º do RGPTC visa reintegrar ou restaurar o direito do credor de alimentos, que foi violado, afigurando-se ter feição executiva.
“Aqui, não assistimos a uma função conservatória: o que se pretende não é estabelecer um mecanismo preventivo da falta de pagamento da prestação de alimentos – até porque o próprio mecanismo do artigo 48.º surge, precisamente, em detrimento do incumprimento da obrigação de alimentos a criança ou jovem, constituindo prestações já vencidas (não obstante estarem abrangidas as prestações vincendas – n.º 2).
Deste modo, acompanhamos REMÉDIO MARQUES quanto ao facto de que, sendo que as obrigações alimentares devidas a crianças ou jovens implicam a prévia condenação do obrigado a prestar alimentos, a providência especial executiva do artigo 48.º do RGPTC é um modo de obter o cumprimento coercivo dessa obrigação. A verdade é que, como nos diz a própria epígrafe do artigo em análise, este mecanismo enumera meios de tornar efetiva a prestação de alimentos, pelo que se tem como intuito a coatividade da prestação, parecendo-nos, claramente, que estamos perante um preceito de natureza executiva” (assim, Andreia Cristina Nascimento Canha; Cumprimento Coercivo das Obrigações Alimentares (a Crianças e Jovens); Dissertação apresentada ao Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra; 2016, pp. 31-32, consultada em https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/17870/1/Andreia_Canha.pdf).
O artigo 48.º do RGPTC tem por objetivo a cobrança coerciva da prestação de alimentos, traduzida na dedução de rendimentos do devedor. Concomitantemente, se o obrigado a alimentos não satisfizer as quantias que se encontram em dívida nos 10 dias seguintes ao vencimento, a lei prevê a sua realização coativa, sendo necessário que a prestação de alimentos, bem como a sua periodicidade, tenham sido fixadas judicialmente, devendo o mecanismo ser intentado no processo que as fixou (assim, Tomé Ramião; Organização Tutelar de Menores, Anotada e Comentada – Jurisprudência e Legislação Conexa, 10.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2012, p. 190).
Se o devedor de alimentos for funcionário em funções públicas, deduzem-se-lhe, do respetivo do vencimento, as quantias em dívidas, “sob requisição do tribunal dirigida à entidade empregadora pública”.
Se o obrigado a prestar alimentos for empregado ou assalariado, a respetiva entidade patronal é notificada para que deduza as quantias em falta no ordenado ou salário do devedor, ficando na situação de fiel depositário.
Se, não trabalhando, o devedor de alimentos receber rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, as quantias são deduzidas nessas prestações quando tiverem de ser pagas ou creditadas, “fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados na situação de fiéis depositários”.
Após a dedução das quantias em dívida no rendimento do devedor, estas deverão ser diretamente entregues a quem deva recebê-las, abrangendo as prestações que se forem vencendo.
A dedução de rendimentos abrange o montante dos atrasos e as prestações de alimentos a vencer no futuro.
“Uma questão que se coloca quanto a esta matéria é de saber se, atendendo ao incumprimento efetivo de uma obrigação de alimentos a criança ou jovem, partimos imediatamente para o mecanismo previsto no artigo 48.º, ou se, por outro lado, recorremo-nos do artigo 41.º do mesmo diploma legal, que respeita ao incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, sendo que na regulação do exercício das responsabilidades parentais, está incluída a matéria de alimentos (…).
A par da questão suscitada, urge questionar se, estando previsto o mecanismo do artigo 48.º do RGPTC vocacionado para o incumprimento de alimentos, deverá ser utilizado, para obter o cumprimento coercivo da prestação alimentícia, o mecanismo do artigo 41.º do mesmo diploma legal.
Na senda de REMÉDIO MARQUES, e de modo a dar resposta a ambas as questões, tratando-se de um incumprimento efetivo de uma obrigação de alimentos devida a um menor, aplica-se o processo executivo especialíssimo do artigo 48.º do RGPTC, sem necessidade de incitar o incidente de incumprimento do artigo 41.º do mesmo diploma. No mesmo sentido, TOMÉ D’ALMEIDA RAMIÃO diz-nos que se se trata apenas de incumprimento quanto à prestação de alimentos, partimos logo para o artigo 48.º do RGPTC.
Também do mesmo entendimento, HELENA BOLIEIRO e PAULO GUERRA opinam no sentido de que o incidente de incumprimento deve ser incitado independentemente do mecanismo do artigo 48.º, corroborando jurisprudencialmente a sua opinião através do Acórdão da Relação de Lisboa de 09/02/1988, que proferiu que “o procedimento previsto na alínea a) do artigo 189.º da OTM [correspondente ao artigo 48.º do RGPTC] não tem de ser precedido por notificação ao requerido para dizer o que tiver por conveniente, nem de inquérito sumário, pois não lhe é aplicável o estabelecido no artigo 181.º [que corresponde ao artigo 41.º do RGPTC]; o requerido só tem de ser notificado do despacho que haja ordenado os descontos no seu vencimento, após estes se terem iniciado” (assim, Andreia Cristina Nascimento Canha; Cumprimento Coercivo das Obrigações Alimentares (a Crianças e Jovens); Dissertação apresentada ao Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra; 2016, p. 35).
Nesta mesma linha, decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-01-2016 (Processo 809/15.0T8VCT.G1, rel. EVA ALMEIDA) que “o credor de alimentos devidos a menor, com vista à cobrança de alimentos vencidos e não pagos, pode optar entre os meios processuais à sua disposição – incidente previsto no artº 189º da LTM (artº 48º da Lei 141/2015) ou execução especial por alimentos – não tendo previamente de recorrer ao incidente de incumprimento previsto no artº 181º da LTM (artº 41.º da Lei 141/2015), cuja previsão nem sequer se refere ao incumprimento da obrigação de alimentos”.
Assim, conclui-se que o credor de alimentos ou o Ministério Público podem lançar mão, quer do incidente previsto no artigo 41.º, quer a providência constante do artigo 48.º, ambos do RGPTC.
Ambos os institutos comportam vantagens e desvantagens relativamente ao credor e ao devedor de alimentos. Assim, o incidente de incumprimento do artigo 41.º permite ao credor solicitar a condenação do devedor faltoso em multa até vinte UC, o que configura um elemento desvantajoso para o devedor, relativamente ao mecanismo do artigo 48.º. Mas, ao invés, intentado o incidente de incumprimento, o devedor pode exercer o seu direito de contradizer, podendo comportar tal contraditório algum elemento modificativo da obrigação a cargo do devedor de alimentos. Por outro lado, se intentado o mecanismo dos descontos, o devedor não terá ao seu alcance o prévio exercício do contraditório.
O artigo 48.º do RGPTC afigura-se mais célere do que o mecanismo do incumprimento, consignado no artigo 41.º do RGPTC, para satisfazer o interesse da criança ou jovem relativamente à satisfação da obrigação alimentar.
Revertendo ao caso dos autos, recorde-se que o recorrente invoca que a decisão recorrida não ter fundamentou o uso do meio processual, tendo “afastado o tratamento normal da situação, partindo de imediato para a excepção”, a que se refere a segunda parte do n.º 3 do artigo 41.º do RGPTC.
Verifica-se que, o recorrente labora na convicção errónea de que o tribunal tinha que fundamentar a “opção” excepcional prevista no n.º 3 do artigo 41.º do RGPTC e, bem assim, que o meio processual requerido pelo requerente foi o consignado neste normativo, quando, de facto, foi exercitado o meio processual previsto no supra citado artigo 48.º do RGPTC. Neste sentido, veja-se o petitório formulado: “Nestes termos, requer-se, pois, que se dê cumprimento ao disposto no artº 48º, nº 1, al b) da LGPTC e se ordene, de imediato, o desconto no vencimento do requerido do valor das prestações em atraso, a remeter à requerente, através do depósito na sua conta bancária e identificada nos autos, notificando-se a entidade patronal para o efeito”.
Isso mesmo foi assinalado na decisão recorrida, sem que tais considerações mereçam qualquer reparo: “A dita tomada de posição do requerido enferma de manifestos equívocos, que importa começar por esclarecer, com isso afinal se concluindo.
Em primeiro lugar, ter-se-á presente que é irrelevante quanto vem argumentado sobre o que nos termos do art. 41.º do RGPTC devia ou podia ter sido feito a respeito da tramitação: não se trata aqui do procedimento de incumprimento (e não mero “incidente”) previsto em termos gerais no dito art. 41.º do RGPTC, mas sim do procedimento (e não mero “incidente”) específico (para-executivo e especialmente célere e expedito, em homenagem à natureza da falta) de efectivação coerciva da obrigação alimentar, tal como previsto no art. 48.º do RGPTC. Foi essa a tramitação seguida, e sem mácula, de resto mal se compreendendo que dúvidas pudessem haver, não apenas logo em face da disposição legal e da evidente impertinência de procedimentos nos termos do art. 41.º do RGPTC (que portanto só erroneamente o requerido poderia apontar como postergados ou deficientemente observados), como também em face do esclarecimento que expressamente consta da decisão em causa, tabelar mas minucioso em dar cumprida conta de que no âmbito respectivo (do procedimento do art. 48.º do RGPTC), precisamente, o contraditório é subsequente e a medida de efectivação, sendo viável, é logo tomada como acto decisório inicial.”.
Improcede, pois, a primeira questão decorrente da alegação do recorrente.
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b) Se a decisão recorrida não fundamenta “a sua conclusão da não prescrição das actualizações pretendidas invocada pelo Recorrente”?
Neste ponto, verifica-se não assistir, igualmente, razão ao recorrente, estando aposta na decisão recorrida congruente e suficiente fundamentação.
Basta reler a decisão recorrida, para assim se concluir: “(…) o facto de não terem sido pedidos valores correspondentes ao diferencial entre os efectivamente pagos e os que segundo as actualizações pertinentes seriam devidos relativamente a períodos recuados (e que assim estariam já prescritos), de modo algum implica que as actualizações em si mesmas não fossem devidas, como se a prescrição as afectasse! Por outras palavras, certas quantias correspondentes a actualizações já estariam prescritas e o requerente não as pediu, mas o cálculo dos valores que vão sendo devidos não deixa de ter em conta as actualizações que em cada ano foram tendo lugar, aliás automaticamente e por força directa da decisão! Em si mesma, esta consideração afasta, por último, qualquer relevo do suposto diferencial que o requerido argumenta dever ter sido em conta, uma vez que a pertinência correspondente dependeria de as sucessivas actualizações da prestação original, para cálculo do que nos últimos cinco anos ficou em dívida, só tivessem lugar a partir de 2014 e não logo desde o início (como se as actualizações anteriores em si mesmas tivessem prescrito!)”.
O recorrente pode ou não concordar com o expendido na decisão recorrida, mas nela não se vislumbra algum vício ou omissão atinente à explicitação da razão ou fundamentação decisória sobre a questão da prescrição: Está explicitado na decisão que o cálculo dos valores que vão sendo devidos, por força das atualizações dos valores das pensões, não deixa de ter em conta as actualizações que em cada ano foram tendo lugar - independentemente da exigibilidade de todas elas - automaticamente e por força directa da decisão.
Sem outras considerações, por desnecessárias, improcede também a invocada questão.
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c) Se a decisão recorrida deveria ter considerado que o Ministério Público não tem “competência processual para agir no pedido do montante” das eventuais actualizações, por esta ser um sucedâneo de alimentos, tendo sido violado o artigo 17.º do RGPTC?
Invoca ainda o recorrente que a decisão recorrida não atendeu a uma questão que deveria conhecer: Que o Ministério Público não tem “competência processual para agir no pedido do montante” das actualizações, por considerar que estas correspondem a um “sucedâneo” de alimentos.
Ao contrário do invocado pelo recorrente, não parece que esteja em questão qualquer questão de “competência processual”, mas, como decorre da epígrafe do próprio normativo considerado violado (art. 17.º do RGPTC) – de acordo com o alegado pelo recorrente – trata-se de apreciar de uma questão de “iniciativa processual”, ou seja, de uma questão de legitimidade activa (legitimidade para demandar).
Neste ponto, o conteúdo do próprio artigo 17.º contém a resposta à questão suscitada: “Salvo disposição expressa e sem prejuízo do disposto nos artigos 52.º e 58.º, a iniciativa processual cabe ao Ministério Público, à criança com idade superior a 12 anos, aos ascendentes, aos irmãos e ao representante legal da criança”.
O procedimento do artigo 48.º do RGPTC é, em face desta norma, um dos processos tutelares cíveis que o Ministério Público pode desencadear, sendo certo que, o n.º 2 do artigo 17.º sempre atribuiria ao Ministério Público a possibilidade de representação da criança visada pela prestação alimentícia em juízo, intentando ação em seu nome ou desencadeando quaisquer meios judiciais necessários à defesa dos seus direitos.
Todavia, o recorrente considera que carece o Ministério Público de “competência” por estar em questão, na atualização, um “sucedâneo” da prestação de alimentos.
Invoca, a este propósito, o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-02-2014 (processo 25-C/1996.P1), quando se pronuncia sobre o regime da prescrição das actualizações da pensão de alimentos que tenham ficado por pagar pelo pai de um menor, dizendo que em tal aresto, o “Tribunal da Relação do Porto decidiu que sendo essas actualizações exigidas pela mãe, por as ter assumido ao longo dos anos para evitar que o menor recebesse uma quantia inferior à devida, elas só prescrevem depois de decorrido o prazo geral de 20 anos. Só as pensões de alimentos é que prescrevem ao fim de cinco anos, não os sucedâneos dessas pensões”.
Ora, mesmo que se considere que a natureza dos valores decorrentes da atualização não correspondam a uma específica prestação alimentícia – o que não é líquido (pois, ainda que, em parte, sempre tal valor será integrante ou respeitante à obrigação de alimentos – atualizada – devida) não se infere do entendimento consignado neste aresto que, ao Ministério Público, fique vedada a possibilidade de dedução do procedimento do artigo 48.º do RGPTC relativamente à cobrança de valores decorrentes de atualização de prestações alimentícias.
É que, como se afirmou no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10-05-2018 (Processo 77/09.3TBALR-B.E1, rel. TOMÉ RAMIÃO), “os termos da regulação do exercício das responsabilidades parentais têm de ser cumpridos, nos precisos termos acordados e homologado, nomeadamente no que respeita ao pagamento do montante da prestação de alimentos fixada, enquanto não for judicialmente alterada (….)” e, sem dúvida que a exigência do seu cumprimento pode ser levada a efeito pelo Ministério Público, de harmonia com o mencionado artigo 17.º, n.º 3, do RGPTC e, bem assim, do disposto nos artigos 3.º, n.º 1, al. a) e 5.º, n.º 1, al. c) do Estatuto do Ministério Público (aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de outubro), sendo que, no caso, a atualização ficou a constar dos termos do decidido no processo de regulação do exercício das responsabilidade parentais, o que legitima apelar do meio processual utilizado.
Improcedente é, pois, também a este respeito, a alegação do recorrente.
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d) Se a decisão recorrida incorreu em “manifesto erro quanto à não indicação de cálculos e índices pretendidos para cada ano”?
Tendo em conta as precedentes considerações verifica-se que não procede o mais alegado pelo recorrente, pois, ao contrário do que consta da pronúncia que efectuou, não resulta que os valores decorrentes da consideração das prestações alimentícias actualizadas sejam os que indicou.
De todo o modo, não se verifica que na decisão recorrida tenha existido alguma omissão ou erro relativamente a esta questão.
Retornando ao teor da decisão proferida, o tribunal recorrido teve ocasião de tomar posição sobre as alegações produzidas pelo recorrente, aquando da pronúncia que o mesmo efetuou, tendo referenciado que o requerido requereu fosse “reformulado o valor da quantia em causa (até reposição da qual foram determinados descontos no seu salário, para entrega à progenitora e guardiã do menor), reduzindo-a em conformidade com o cálculo que ele mesmo faz, e nisso tendo em conta as objecções que levanta quanto a serem ou não devidos e, ainda, certos valores que refere como devendo ser considerados como entregues “por conta” em cada um dos meses em causa.
A dita tomada de posição do requerido enferma de manifestos equívocos, que importa começar por esclarecer, com isso afinal se concluindo (…).
não menos irrelevante é toda a argumentação do requerido sobre tê-lo ou não a progenitora do menor interpelado a respeito das actualizações da prestação alimentar, ou ainda sobre as dificuldades por que teria passado e que lhe teriam a ele tornado inconveniente ou não essa actualização, e o que nessa matéria a progenitora do menor conhecesse ou não: a actualização está prevista na decisão, que vincula as partes nos respectivos termos, sendo uma obrigação que não depende de interpelação alguma, e se alterações tivesse havido nas circunstâncias do requerido, mesmo transitórias, que porventura justificassem alteração daquela regra (ou de outras, ou até do montante da prestação), então era ele quem nos termos do art. 42.º do RGPTC poderia ter solicitado alteração do regulado (o que não consta ter alguma vez feito, estando isso sim pendente e em fase inicial um procedimento de alteração que entretanto o MP também instaurou mas com outro objecto). Breve, a obrigação é devida nos termos em que foi fixada, e não desaparece nem se altera por só agora ser requerida a sua efectivação.”.
Em boa verdade, “importa distinguir entre os casos em que o tribunal deixa de pronunciar-se efetivamente sobre questão que devia apreciar e aqueles em que esse tribunal invoca razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção, sendo coisas diferentes deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte, por não ter o tribunal de esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente.” (assim, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-03-2019 (Processo 226/16.5T8MAI-E.P1, rel. NELSON FERNANDES).
Em face destas considerações – e tendo apreciado também a irrelevância da alegação da prescrição atinente à actualização do valor das prestações alimentícias devida – não era exigível ao Tribunal recorrido qualquer outra consideração, não tendo que rebater, ad nauseam, todo e qualquer argumento que o recorrente tenha deduzido.
Afigura-se, ademais, não se vislumbrar na decisão recorrida, o manifesto erro apontado pelo recorrente.
Em face do exposto, a apelação deverá ser julgada improcedente, mantendo-se, na íntegra, o despacho recorrido.
A responsabilidade tributária incidirá sobre o recorrente, atento o seu integral decaimento – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC – sem prejuízo do apoio judiciário requerido, caso o mesmo lhe venha a ser deferido.
*
5. Decisão:
Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação, mantendo-se o despacho recorrido, proferido em 08-11-2019.
Custas pelo recorrente, atento o seu integral decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário requerido, caso o mesmo lhe venha a ser deferido.
Notifique e registe.
*
Lisboa, 6 de fevereiro de 2020.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes