Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SÉRGIO ALMEIDA | ||
Descritores: | PLATAFORMA DIGITAL ESTAFETA PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/05/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. Na qualificação do contrato de trabalho pode-se lançar mão dos métodos subjuntivo, indiciário, e ainda recorrer às presunções previstas na lei. II. Na qualificação da atividade que um estafeta presta a uma plataforma digital cumpre ter em conta as presunções contidas no art.º 12-A do código do trabalho. III. O software empregue – a App – disponibilizado e controlado pela R. – é um instrumento laboral fundamental e não se confunde com a própria plataforma digital. IV. É irrelevante o facto do prestador de atividade se puder fazer substituir por outro, quando este tem de estar inscrito junto da ré para o efeito. V. O mesmo se passa com circunstâncias como o facto do trabalhador poder recusar determinadas atividades, designadamente por abaixo de certo valor tal não lhe interessar. Na realidade, estando limitado a um leque remunerativo previamente definido pela ré, não é o trabalhador quem define a retribuição mas a R. VI. Verificadas dois ou mais índices da presunção prevista no referido art.º 12-A, e não demonstrando a ré que de todo o modo se trata de um contrato de outra natureza, tem de concluir-se pela existência de um contrato de trabalho. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Autor (A.) e recorrido: Ministério Publico. Ré (R.) e recorrente: Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda. Intervenientes Principais: AA e MM-Unipessoal, Lda. O MP instaurou a presente ação visando o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre o interveniente e a R. Alega que AA realiza a atividade de estafeta para a plataforma Uber Eats pelo menos desde julho de 2023, consistindo na entrega de refeições e outros produtos na zona de ..., conforme pedidos/tarefas que lhe são distribuídos através da dita Uber Eats, na qual se encontra registado com conta de email e a que acede através da aplicação (APP) que tem instalada no seu telemóvel/smartphone, sendo essa atividade prestada nos termos e condições de utilização da plataforma Uber Eats para estafetas que constam do documento junto aos autos pela Ré. O AA encontra-se inserido na organização produtiva da “Uber Eats Portugal Unipessoal Lda” e não dispõe de qualquer organização empresarial própria, pois não negoceia os preços ou condições com os titulares dos estabelecimentos que preparam as refeições/produtos a entregar, nem com os clientes finais, nem tem o poder de escolher estes clientes finais ou os titulares dos estabelecimentos (embora os possa recusar). A plataforma Uber Eats determina os procedimentos que o estafeta tem de seguir na recolha e entrega dos produtos, nomeadamente, como utilizar a aplicação Uber Eats dando-lhe instruções sobre o momento em que deve introduzir a informação sobre a recolha/entrega que está a realizar. A atuação do AA é controlada em tempo real através de GPS, sendo a localização exata do estafeta conhecida pela Uber Eats através do sistema de geolocalização. Assim, a atividade do estafeta AA realizada através da plataforma Uber Eats reveste várias das características previstas no art.º 12.º-A do Código do Trabalho (CT), pelo que se presume a existência de um contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital. Concluiu peticionando que seja declarada a existência um contrato de trabalho entre AA e a Ré “Uber Eats Portugal Unipessoal., Lda.”, com início em 1 de maio de 2023, e por tempo indeterminado. * A Ré Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda contestou, invocando a exceção dilatória atípica derivada da anulabilidade da participação efetuada pela ACT aos Serviços do Ministério Público e impugnando os factos alegados pelo Autor, alegando para o efeito, que não foram enunciados factos nem provas que permitam a sua qualificação como plataforma digital, sendo certo que o referido estafeta exerceu e exerce a sua atividade através de uma empresa intermediária. A plataforma não se configura como um instrumento de trabalho, não fixa valores de retribuição, não impõe regras específicas para a sua realização, não controla ou supervisiona a prestação nem exerce quaisquer poderes sobre o estafeta, que atua de forma autónoma em relação à ré, não exerce esta qualquer controle sobre o AA, não lhe dá ordens nem sobre ele exerce qualquer poder disciplinar, pelo que não estão verificadas as características de um contrato de trabalho mas antes de prestação de serviços. Termina peticionando a sua absolvição da instância pela procedência da exceção dilatória atípica derivada da anulabilidade da participação efetuada pela ACT aos Serviços do Ministério Público e, subsidiariamente, pela improcedência da ação por não provada e, subsidiariamente, pela improcedência do pedido do A., pela ilisão da presunção de existência de contrato de trabalho prevista no art.º 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho. O Ministério Público respondeu à exceção. Foi julgada improcedente a exceção. * Citada, a parceira de frota identificada no art.º 150º da contestação (MM-Unipessoal, Lda.) contestou, alegando que a atividade se restringe à cooperação e facilidade de relação entre estafetas e a plataforma digital, no que respeita ao seu acesso, registo e uso. Os termos da sua atuação como parceiro de frota são os que a ré plataforma eletrónica define, sem qualquer possibilidade de negociação da sua parte. Cinge-se a viabilizar o registo do estafeta, a organizar a transferência dos valores pagos pelas entregas que este realiza, pelo que se limita a prestar-lhe um serviço, sendo como prestação de serviços que a relação mantida com o mesmo deve ser qualificada, pelo que pede a improcedência da ação. O trabalhador, notificado (art.º 186º L nº 4 do Código de Processo do Trabalho), manifestou aderir ao articulado do Ministério Público, tendo constituído mandatário, mas no início da audiência final renunciou à referida adesão. * Efetuado o julgamento, o Tribunal a quo julgou a ação procedente e reconheceu a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre a Ré Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda, (na qualidade de empregadora) e AA, (na qualidade de trabalhador), com efeitos no período compreendido entre 19 de julho de 2023 até 15 de outubro de 2023. * * Não se conformando, a R. apelou, concluindo nos seguintes termos: 1) Como se evidencia em virtude das presentes alegações, existem factos que foram erradamente dados como provados e factos relevantes para a decisão da causa que se provaram e deveriam ser dados como provados, não tendo a sentença recorrida feito correto uso dos poderes conferidos ao juiz no âmbito da decisão da matéria de facto, previstos no art.º 607º, nos 4 e 5, do CPC. 2, 3) O Tribunal a quo apreciou a prova produzida de forma arbitrária e sempre que ocorreu uma contradição entre os depoimentos prestados por AA e por BB, valorou o depoimento do primeiro em detrimento do segundo, sem apresentar um racional subjacente e lógico para essa valoração. Nas situações de contradição entre as testemunhas, optou sempre por se colocar do lado do prestador de atividade AA, mesmo quando o seu depoimento carecia da precisão, conhecimento e articulação entre factos que o depoimento de uma testemunha deve ter. 4) O Tribunal a quo também optou por não dar a relevância merecida aos documentos juntos pela Recorrente, nomeadamente os Termos e Condições, e os documentos juntos pela Recorrente em requerimento de 22 de maio de 2024, documentos esses que não foram impugnados. 5, 6) Um desses documentos consiste num Certificado de Facto, o qual assume especial relevância pois constitui documento autêntico, nos termos do art.º 363.º, n.º 2, do Código Civil, fazendo prova plena dos "(...) factos que nele são atestados (…)”, segundo o disposto sob o art.º 371.º, n.º 1, 1ª parte, do Código Civil. Este documento foi apresentado em tempo, admitido pelo Tribunal a quo, e certifica o conteúdo e funcionamento da plataforma da Recorrente, nomeadamente o registo e funcionalidades da mesma, não tendo sido sequer impugnado. 7) Para a fundamentação da sentença recorrida foram essencialmente tomados em consideração o depoimento das testemunhas, tendo o Tribunal a quo atribuído particular valor às declarações do prestador de atividade AA. 8) No entanto, não pode a Recorrente deixar de notar que o depoimento da testemunha em causa carece da requerida precisão e demonstração de conhecimento concreto sobre a matéria de facto para que o Tribunal a quo valorasse o seu depoimento como valorou e com referência aos factos a que valorou. 9) Exemplo da falta de conhecimento é a indicação, em matéria do método de utilização do GPS, de que era obrigado a seguir as rotas sugeridas pela aplicação, o que foi expressamente refutado pela testemunha BB ” (ficheiro áudio da sessão de julgamento de dia 25.06.2024, disponível na plataforma Citius, com início às 14:09 e fim às 15:20: minutos 01:06:01 a 01:07:17). 10) Ora, todas as afirmações de AA foram contrariadas por BB, que prestou um depoimento claro e abrangente e demonstrou amplo conheci-mento do funcionamento da APP/plataforma Uber Eats e das suas funcionalidades. 11) De acordo com as regras da experiência é evidente que alguém que exerce as funções de Gestor de Operações no Departamento de Estafetas numa empresa tem de ter, por inerência das funções que desempenha, conhecimento direto e profundo sobre todos os recursos da empresa, o que in casu inclui a App/aplicação Uber Eats. 12) Nesse sentido, deve alterar-se a decisão sobre a matéria de facto, em linha com o preconizado no Recurso da matéria de facto, que por economia processual aqui não se reproduz; em resumo: 13) O ponto 4.1.211 dos Factos Provados deve ver o seu teor alterado para: ”O que apenas faz quando quer, nos dias e horas por ele escolhidos, pelo tempo que entende e em espaços geográficos que escolhe, podendo ligar-se e desligar-se da plataforma e permanecer ligado o tempo que entender.” e os factos constantes dos 238.º e artigo 295º, alínea a) da contestação (sic) devem ser aditados à matéria de facto provada, o que aqui se requer para os devidos e legais efeitos, com base na reapreciação da prova gravada, mais concretamente: do depoimento do AA (ficheiro áudio da sessão de julgamento de 02.07.2024, disponível no Citius, com início às 09:55 e fim às 10:49: minutos 00:43:47 a 00:45:22 e minutos 00:02:14 a 00:03:09). 14) O ponto 4.1.32 dos Factos Provados deve passar a ter a redação: “O valor final devido pela entrega varia consoante o preço mínimo por quilómetro definido pelo prestador de atividade AA na APP/plataforma Uber Eats e a distância por este percorrida entre o ponto de retirada do pedido até ao ponto de entrega do pedido.” e o ponto 4.1.33. dos Factos Provados deve ser dado como não escrito, com base na reapreciação da prova gravada, mais concretamente: do depoimento de BB (ficheiro áudio da sessão de julgamento de dia 25.06.2024, disponível na plataforma Citius, com início às 14:09 e fim às 15:20: minutos 00:08:56 a 00:12:58). 15) Por resultar demonstrado que a Recorrente não fixa a retribuição auferida pelo prestador de atividade, tendo este poder de determinar e alterar o valor a ser por si auferido e, igualmente, por nenhuma prova ter sido feita no sentido de demonstrar que o valor auferido pelo prestador de atividade, por cada entrega efetuada, varia consoante o valor do pedido do cliente. 16) Das alíneas c), d) e e) da cláusula 6 do Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota (doc. 9 da contestação), resulta, em resumo, que o prestador de AA é livre para alterar a Taxa Mínima por Quilómetro, recebendo apenas propostas de serviços de entrega cujo valor seja superior ao mínimo por si definido, e que o preço final corresponderá à taxa mínima por quilómetro dividida pelo número de quilómetros a serem percorridos entre o ponto de levantamento do pedido e o ponto de entrega. 17) O teor das alíneas c), d) e e) da cláusula 6 do Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota foi corroborado pela testemunha BB (ficheiro áudio da sessão de julgamento de dia 25.06.2024, disponível na plataforma Citius, com início às 14:09 e fim às 15:20: minutos 00:08:56 a 00:12:58). 18) Esclareceu BB que o preço final apresentado ao prestador de atividade AA é formado através (i) da taxa mínima por quilómetro estabelecida por este último e (ii) da distância percorrida pelo prestador de atividade entre o local de recolha da encomenda e o local de entrega. 19) O Tribunal a quo deu como provado que existem diversas componentes que influenciam o valor final que é apresentado ao estafeta, nomeadamente a distância e o valor do pedido do cliente. 20, 21) Porém, para além de não resultar da documentação junta aos autos, é matéria que não foi abordada por nenhuma das testemunhas inquiridas durante a audiência de discussão e julgamento. Nenhuma das testemunhas mencionou que o preço final fosse influenciado pelo valor do pedido do cliente, do dia da semana e da hora. 22) Sendo certo que a distância percorrida influência o preço final, na medida em que tal resulta da alínea e) da cláusula 6 do Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota e foi corroborado pelas declarações da testemunha CC. 23) O ponto 4.1.36 dos Factos Provados deverá ser alterado, passando a ter a seguinte redação: “Tal como pode, livremente, bloquear comerciantes e/ou clientes com quem não deseje contactar.”, com base na reapreciação da prova gravada, nomeadamente: do depoimento de BB (ficheiro áudio da sessão de julgamento de dia 25.06.2024, disponível na plataforma Citius, com início às 14:09 e fim às 15:20: minutos 00:08:56 a 00:12:58). 24) Ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, que o prestador de atividade AA pode recusar pedidos de entrega de comerciantes e/ou clientes. 25) O que este pode, de facto, fazer, é bloquear os comerciantes e/ou clientes que entender, conforme resulta da análise do Certificado de Facto junto aos autos por requerimento datado de 22 de maio de 2024, em particular do seu ponto 2.3.3.1 com o título “Deixar de receber ofertas de entrega de determinado cliente ou comerciante”, de onde consta “No menu Ajuda, no separador Ajuda com a minha viagem, verifiquei que, entre as várias opções, escolhendo a opção Problema com cliente de entrega e Problema com o comerciante de entrega, é possível deixar de receber ofertas de entrega de um cliente ou comerciante, clicando nessa opção (cfr. Imagens 38 a 42)”. 26) Neste sentido depôs BB (ficheiro áudio da sessão de julgamento de dia 25.06.2024, disponível na plataforma Citius, com início às 14:09 e fim às 15:20: minutos 00:08:56 a 00:12:58). 27) O ponto 4.1.36 dos Factos Provados deverá ser alterado, passando a ter a seguinte redação: “Tal como pode, livremente, bloquear comerciantes e/ou clientes com quem não deseje contactar.”, com base na reapreciação da prova gravada, nomeadamente, depoimento de BB (ficheiro áudio da sessão de julgamento de dia 25.06.2024, disponível na plataforma Citius, com início às 14:09 e fim às 15:20: minutos 20m00s a 11m49s e 00:21:12 a 00:21:26). 28) Porquanto resultou provado que o prestador de atividade tem a faculdade de bloquear clientes e comerciantes, o que é corroborado pelo Certificado de Facto junto aos autos pela Recorrente, em particular do seu ponto 2.3.3.1. 29) O ponto 4.1.38. dos Factos Provados passar a ter a redação ora reproduzida: “Podendo o estafeta, após recolher a encomenda por si previamente aceite, desligar o sistema de GPS entre o ponto de recolha e o ponto de entrega.”, com base na reapreciação da prova gravada, nomeadamente, depoimentos de BB (ficheiro áudio da sessão de julgamento de 25.06.2024, disponível no Citius, com início às 14:09 e fim às 15:40: minutos 00:26:20 a 00:27:51 e minutos 00:27:51 a 00:29:50) e de AA (ficheiro áudio da sessão de julgamento de dia 05.06.2024, disponível no Citius, com início às 11:05 e fim às 13:10: minutos 00:27:51 a 00:28:50). 30) Concluiu o Tribunal a quo que o prestador de atividade AA deve manter o sistema de GPS ativo entre o momento que faz a recolha do pedido e a sua entrega ao cliente final. 31) Porém, a prova produzida em sede de audiência de julgamento aponta em sentido oposto. 32) A Recorrente começou por esclarecer qual a utilidade que o GPS tem na sua APP/plataforma Uber Eats, sendo um elemento necessário à alocação dos pedidos aos prestadores de atividade. 33) Em resumo, o principal desígnio do GPS são propósitos de eficiência de funcionamento da APP/plataforma Uber Eats, designadamente da apresentação de propostas de entrega a prestadores de atividade que se encontrem a uma curta distância do restaurante onde tem de ser levantado o pedido do cliente final. 34) A possibilidade de desligar o GPS após receber o pedido de entrega, encontra-se em linha com o depoimento de BB, na qual afirmou que AA é livre de não utilizar nenhum sistema de GPS e seguir os caminhos que conhece. 35) O ponto 4.1.42 deve passar a ter a seguinte redação: “O estafeta pode fazer-se substituir na entrega, por outro estafeta com registo ativo na Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda., que terá de ser submetido na aplicação e o prestador de atividade nomeado tem que aceitar a associação.”, com base na reapreciação da prova gravada, nomeadamente, do depoimento de BB (ficheiro áudio da sessão de julgamento de dia 25.06.2024, disponível na plataforma Citius, com início às 14:09 e fim às 15:20: minutos 00:17:52 a 00:19:58). 36) Face aos depoimentos supra transcritos, é possível constatar que a possibilidade de substituição de prestadores de atividade apenas depende de dois fatores: (i) que o prestador de atividade nomeado/substituto esteja inscrito na platafor-ma, dispondo de conta própria na aplicação Uber Eats; e (ii) que o prestador de atividade nomeado aceite a sua associação na qualidade de substituto. 37) Corroborado pelo Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota, junto aos autos como documento n.º 9 da Contestação, nos termos do qual “O Parceiro de Entregas é livre para substituir a sua atividade, o que significa que pode decidir livremente e chegar a acordo com outro Parceiro de Entrega Independente com uma conta ativa na App para que este último realize serviços de entrega em Seu interesse e sob o Seu controlo e responsabilidade” – cfr. cláusula 5, alínea o). 38) O Ponto 4.1.45. dos Factos Provados deve passar a ter a seguinte redação: “Quer a Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda., quer o estafeta podem resolver o Contrato de Parceiro de Entrega do Parceiro de Frota.”. 39) O Ponto 4.1.46. dos Factos Provados deve passar a ter a seguinte redação: “O estafeta pode resolver o Contrato de Parceiro de Entrega do Parceiro de Frota “(i) sem motivo em qualquer altura, apagando e removendo a aplicação do Parceiro de Entregas do Seu dispositivo; (ii) contactando o suporte para seguir o processo de eliminação permanente da conta; (iii) imediatamente, sem aviso prévio, pela nossa violação material deste Contrato; (iv) em caso de alteração do presente Contrato da nossa parte, à qual o Parceiro de Entregas se oponha, no prazo de 15 (quinze) dias após a receção de uma notificação escrita para efeitos de oposição a tal alteração; (v) imediatamente, sem aviso prévio, em caso de insolvência ou falência da Uber Eats ou após apresentação de uma suspensão de um pedido de não pagamento (ou ação semelhante) contra si.”. 40) O Ponto 4.1.47. dos Factos Provados deve passar a ter a seguinte redação: “A Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda. pode resolver o contrato “a qualquer momento, mediante notificação prévia, por escrito, com 30 (trinta) dias de antecedência,, salvo nas seguintes situações, nas quais, este período de aviso prévio não se aplica: (i) se estivermos sujeitos a uma obrigação legal ou regulamentar que nos obrigue a terminar a sua utilização da App ou dos nossos serviços em prazo inferior a 30 (trinta) dias; (ii) se o Parceiro de Entregas tiver infringido o presente Contrato; (iii) mediante denúncia de que o Parceiro de Entregas tenha agido de forma não segura ou violou estes Termos ou a legislação em conexão com a prestação de serviços de entrega; (iv) o Seu comportamento equivale a fraude (atividade fraudulenta pode incluir, mas não está limitada a, as seguintes ações: partilhar a sua conta com terceiros não autorizados; aceitar propostas sem intenção de entregá-las; induzir usuários a cancelar Seus pedidos; criar falsas contas para fins fraudulentos; solicitar reembolso de taxas não geradas; solicitar, executar ou confirmar intencionalmente a disponibilidade de propostas fraudulentas; interromper o funcionamento das aplicações e do GPS da Uber, como alterar as configurações do telefone; fazer uso indevido de promoções ou para fins diferentes dos pretendidos; contestar cobranças por motivos fraudulentos ou ilegítimos; criar contas duplicadas; fornecer informações falsas ou documentos falsificados); ou (iv) se estivermos a exercer um direito de resolução por um motivo imperativo nos termos da lei aplicável, que pode incluir situações em que o Parceiro de Entregas já não se qualifique, nos termos do presente Contrato, da legislação aplicável ou regulamentos, ou das normas e políticas da Uber Eats e das suas Afiliadas, o que pode incluir situações em que o Parceiro de Entregas não está em conformidade com a Seção 5 deste Contrato para prestar Serviços de Entrega ou para operar o Seu Meio de Transporte”. 41) O Tribunal a quo, numa clara tentativa de reconduzir o presente contrato de prestação de serviços a um contrato de trabalho, com o fito de o enquadrar nas características da presunção de laboralidade previstas no art.º 12.º - A do CT, deu como provado, nos pontos 44 a 46 dos Factos Provados, que tanto AA como a APP/plataforma Uber Eats podem desativar a conta do prestador de atividade na aplicação, mediante a verificação de certas e determinadas condições. 42) As partes nas referidas alíneas da cláusula 14 do Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota acordaram as situações-tipo que podem levar à resolução do de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota, resultando do teor desta cláusula que tanto o prestador de atividade AA como a Recorrente podem fazer cessar o de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota. 43) Conforme referido pela Recorrente, a desativação da conta é uma consequência da cessação do Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota por uma das partes, o que implica que a desativação seja precedida da resolução do contrato de prestação de serviços por uma das partes. 44) Relativamente ao prestador de atividade AA, cumpre referir que não resultaram provados factos que permitam despoletar a presunção de laboralidade do art.º 12.º-A do CT, nomeadamente as características previstas nas alíneas a), e) e f) como erradamente decidiu o Tribunal a quo. 45) No que concerne à retribuição (al. a)) entendeu o Tribunal a quo simplesmente que “não restam dúvidas que o valor final da prestação do serviço acaba por ser fixado pela Ré onde para o preço final também faz parte do mesmo o preço por km (dentro de um limite mínimo e máximo), porquanto, quando apresentado um pedido de entrega, é indicado o valor final que pode auferir pela realização dessa concreta prestação (4.1.31 e 4.1.32)”. 46) Não pode a Recorrente conformar-se com estes entendimentos do Tribunal a quo, porquanto é notório que a possibilidade que é conferida ao prestador de atividade AA de alterar a sua Taxa Mínima Por Quilómetro na APP/Plataforma Uber Eats, quando quiser, pelas vezes que quiser e para o valor que entender, configura, para além de uma intervenção de AA na formação do preço final, uma forma de negociar com a APP/Plataforma Uber Eats, estabelecendo previamente à apresentação da proposta de entrega pela APP/Plataforma Uber Eats a Taxa Mínima Por Quilómetro pela qual aceita prestar atividade. 47) Em bom rigor, e de uma análise cuidada da al. a) do n.º 1 do art.º 12.º -A do CT, assim como ao restante regime legal emergente do dito artigo 12.º, não estabelece este último que AA tenha de poder negociar com a Uber Eats para que a alínea a) do n.º 1 do art.º 12.º -A do CT não seja aplicável. A inexistência de um mecanismo que permita a AA negociar com a Ré não é uma exigência legal para que a al. a) do n.º 1 do art.º 12.º -A do CT seja aplicável. 48) Assim, aceita a R. que, de facto, o preço é apresentado a AA na APP/plataforma Uber Eats, mas não pode aceitar que AA não consiga negociar o preço final, o que acontece por via do seu poder de alterar, de forma livre e espontânea, a Taxa Mínima Por Quilómetro na APP/Plataforma Uber Eats. 49) Conforme resulta dos factos provados (ponto 4.1.27. dos Factos Provados, fp), apesar de o prestador de atividade poder determinar a Taxa Mínima por Quilómetro na APP/Plafatorma da Uber Eats, AA pode continuar a visualizar pedidos de entrega cuja Taxa Mínima por Quilómetro seja inferior àquela que foi por si estabelecida e aceitá-los, o que deita por terra o argumento do Tribunal a quo de que há uma redução da amplitude das propostas que lhe são apresentadas. 50) Ademais, encontra-se verificada a alínea a) do n.º 1 do art.º 12.º -A do CT, num de dois cenários: (i) a plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma – o que já vimos que não ocorre, porquanto é o prestador de atividade que, livremente, altera a sua Taxa Mínima Por Quilómetro na APP/Plataforma Uber Eats e que o preço final varia em função dos quilómetros percorridos, o que implica que o preço final é diretamente afetado pela Taxa Mínima Por Quilómetro definida pelo AA; ou (ii) a plataforma digital estabelece limites máximos e mínimos para a retribuição – matéria que nem sequer foi abordada nos presentes autos. 51) Acresce que a al. a) do n.º 1 do art.º 12.º-A do CT se refere a “retribuição” e não a taxa de entrega ou preço do serviço de entrega. Trata-se de um conceito definido no CT, no art.º 258.º, e que consiste numa contrapartida pela trabalho/atividade prestada. 52) Por fim, e como já visto e demonstrado, o prestador de atividade tem sempre a possibilidade de recusar as propostas que lhe são apresentadas (ponto 4.1.35 dos Factos provados), o que não seria possível se os mesmos não tivessem qualquer palavra a dizer relativamente ao preço que é proposto. De facto, a possibilidade expressa de recusar as propostas apresentadas, independentemente do motivo e sem que qualquer consequência negativa daí advenha, não pode deixar de ser vista como uma forma de negociação, na medida em que, com essa recusa, o prestador da atividade não está a aceitar o preço proposto e, assim, está a sinalizar que só faz a entrega por um preço mais elevado, por não concordar com o preço originalmente proposto. 53) A retribuição por cada serviço não é, pois, fixada unilateralmente pela Recorrente, antes é proposta por esta ao prestador da atividade, que pode recusá-la, incluindo pelo simples – e legítimo – motivo de não concordar com o preço proposto. Trata-se de uma proposta de serviço, não de uma imposição da sua prática. 54) Ora, no caso concreto, o prestador de atividade é remunerado pelo resultado (e tendo sempre em conta o preço mínimo que os próprios definem), ou seja, é remunerado pela tarefa (que nem sequer são obrigados a aceitar), pela entrega do produto do comerciante ao cliente, e não pelo tempo que demoram a concluir a entrega ou ainda pelo tempo que se encontram ligados na APP/Plataforma Uber Eats – o que é incompatível com a conclusão de que há uma fixação da retribuição. 55) No que concerne à retribuição (al. e) entendeu o Tribunal a quo que a resolução do contrato de prestação de serviços pode ser reconduzida ao exercício do poder disciplinar por parte da Recorrente. 56) O Tribunal a quo andou mal quando decidiu, reportando-se à primeira parte da al. e) do n.º 1 do art.º 12.º-A do CT, que “e a consequência será a possibilidade da mesma desativar a conta do estafeta, ou seja, em rigor resolver o contrato, o que ocorrerá em situa-ções, nomeadamente, relacionadas com situações de incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato ((Cfr. pontos ii) iii) e iv) da cláusula 14.ª, al.b)), cujas condições de execução foram aceites pelo AA sem possibilidade de negociação, ou seja, não se verifica uma situação da total autonomia do estafeta no exercício da sua atividade, mas antes o cumprimento de um conjunto de regras e obrigações pré-estabelecidas pela Ré cuja consequência do não deixa de ser a desativação da conta e o mesmo não poer fazer mais entregas, ou seja, trata-se de uma sanção em consequência da manifestação do poder disciplinar da Ré que o exercerá sempre que o considerar oportuno em função dos critérios acima indicados, assim, na prática a desativação implica a cessação do contrato resultante de um comportamento de incumprimento ou cumprimento defeituoso do estafeta, ou seja, equivalente à sanção de despedimento praticado ao abrigo do poder que a mesma acaba por ter em o efetuar de forma unilateral.” 57) Na perspetiva da Recorrente a interpretação que o Tribunal a quo faz da al. e) do n.º 1 do art.º 12.º-A do Código do Trabalho carece de correspondência com a letra da lei. 58) Para que os pressupostos da alínea e) do n.º 1 do art.º 12.º-A do CT se encontrem verificados, era necessário que o A. tivesse logrado em provar factos que permitissem concluir pelo seguinte: (a) a APP/Plataforma Uber Eats exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade – não resulta dos Factos Provados que AA se encontre sujeito ao exercício de poderes laborais por parte da APP/Plataforma Uber Eats, designadamente o poder de direção, antes pelo contrário, provou-se que a total liberdade e autonomia do prestador de atividade AA no que se refere à prestação da atividade através da APP/Plataforma Uber Eats; (b) que um dos poderes laborais exercidos pela APP/Plataforma Uber Eats seja o poder disciplinar – de novo, não resulta dos Factos Provados que a APP/Plataforma Uber Eats tenha, alguma vez, exercido sobre o prestador de atividade AA o poder disciplinar; (c) e que o exercício deste poder disciplinar inclua a exclusão de futuras atividades na plataforma através da desativação da conta. 59) Entende a Recorrente que não foi feita prova no processo que possa ser subsumida nos pressupostos que permitiram ao Tribunal a quo considerar como verificada a alínea e) do n.º 1 do artigo 12.º-A do CT, o que deveria ter impedido este último de decidir pela aplicação desta norma ao caso sub judice. 60) Impendia sobre o Autor o ónus de prova que a APP/Plataforma Uber Eats exercia sobre AA o poder disciplinar, e que o exercício deste poder disciplinar incluía a exclusão de futuras atividades na plataforma através da desativação da conta. Ora, não resulta dos Factos Provados que AA tenha sido sujeito ao exercício do poder disciplinar por parte da APP/Plataforma Uber Eats, e que este exercício do poder disciplinar levou à exclusão de futuras atividades na plataforma através da desativação da conta. 61) Resulta da prova documental junta aos autos, nomeadamente do Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota (junto como Doc. 9 aos autos), que as Partes convencionaram quais as situações-tipo que lhes permitiriam espoletar o mecanismo da resolução do contrato, cujo teor se encontra reproduzido na cl.ª 14 do referido contrato. 62) A resolução do Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota encontra-se sujeita à norma do n.º 1 do art.º 432.º do Código Civil, que admite a resolução fundada em convenção. Deste modo, o acordo entre as partes quanto aos eventos que podem levar à resolução de um contrato, é permitido e previsto por lei. 63) Encontra-se enraizado no nosso direito civil a possibilidade de as partes, de forma autónoma e livre, determinarem os efeitos que pretendem que um contrato produza, sendo um deles os termos em que se verifica a resolução de um contrato, caso contrário, a norma do n.º 1 do art.º 432.º do Código Civil não admitiria que a resolução fosse fundada em convenção entre as partes. 64) Destarte, o Tribunal a quo reconduzir a possibilidade de as partes resolverem o vínculo jurídico emergente da celebração do Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota ao exercício do poder disciplinar por parte da Recorrente é um entendimento que não tem o mínimo respaldo na prova junta aos autos, quer esta seja de natureza testemunhal ou documental. 65) No que concerne aos instrumentos de trabalho (al. f)), o Tribunal a quo decidiu que a APP/plataforma Uber Eats configurava um instrumento de trabalho. 66) Este entendimento do Tribunal a quo não encontra o mínimo respaldo na prova testemunhal e documental. Pelo contrário. 67) Entendeu o Tribunal a quo dar como provado (ponto 4.1.19 fp) que AA era o proprietário do telemóvel/smartphone, veículo motorizado e mochila térmica. Ou seja, estes instrumentos de trabalho são titularidade do prestador de atividade. 68) Sem prejuízo da argumentação supra exposta sobre esta matéria de que o objetivo do legislador não era o de enquadrar como instrumento de trabalho uma aplicação informática, mas, sim, bens corpóreos que pudessem ser entregues pela R. ao prestador de atividade, entende a R. que a decisão do Tribunal a quo quanto a este ponto está em clara oposição com os Factos Provados. 69) O Tribunal a quo deu como provado (ponto 4.1.3. fp) que a App/aplicação Uber Eats é propriedade da sociedade Uber Portier, BV, com sede em Amesterdão, e que é esta sociedade que fornece o acesso e serviços de suporte à aplicação. Portanto, andou mal o Tribunal a quo quando considerou a aplicação como um instrumento de trabalho pertencente à Recorrente. 70) Assim, andou mal o Tribunal a quo quando considerou a aplicação como um instrumento de trabalho pertencente à Recorrente. 71) Apesar de ao longo da fundamentação de direito o Tribunal a quo referir, por diversas vezes, que a App/aplicação Uber Eats é explorada pela Recorrente – numa tentativa de reconduzir à aplicação da segunda parte da al. f) do n.º 1 do art.º 12.º - A do CT, que versa “… ou por estes explorados através de contrato de locação”- , resulta, também, dos factos provados (ponto 4.1.2. fp) que a Recorrente opera a aplicação, contudo, não resulta através de que tipo de contrato. 72) Tendo ficado provado que o Tribunal a quo decidiu ao arrepio dos factos provados ao considerar que a aplicação é um instrumento de trabalho, porque, para o ser, teria de ser propriedade da Recorrente – e resultou provado que é propriedade da sociedade Uber Portier, BV – ou teria de ser explorada através de um contrato de locação – e não resultou provado ao abrigo de que contrato é que a Recorrente opera a plataforma, sendo certo que não ficou provado que tenha sido ao abrigo de um contrato de locação. 73) Por fim, o legislador quis claramente distinguir plataforma digital, onde inclui o conceito de aplicação informática (cfr. artigo 12.º-A, n.º 2 do CT), de equipamento e instrumento de trabalho (previsto no art.º 12.º-A, n.º 1, alínea f) do CT) – conforme decorre do art.º 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, a plataforma digital (alegadamente a Recorrente) é o sujeito da relação contratual estabelecida com os prestadores da atividade, logo, a Recorrente não pode ser, simultaneamente, o sujeito da relação contratual e o equipamento ou o instrumento de trabalho do prestador de atividade. 74) Em face do exposto, imperioso se torna concluir que também não se verifica a característica prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 12.º-A. 75) Ainda que se conclua pelo preenchimento de alguns dos pressupostos de aplicação da presunção de laboralidade é certo que a R. ilidiu tal presunção, pois demonstrou, sem margem para dúvidas, que não existe subordinação jurídica e, consequentemente, que não mantém com os prestadores de atividade em causa qualquer relação de natureza laboral. 76) O que se afirma resulta expressa e claramente da análise dos seguintes factos: ▪ O prestador de atividade não está obrigado a realizar qualquer entrega, a permanecer conectado na aplicação ou, estando conectado, a aceitar qualquer pedido, sendo certo que tem liberdade para estabelecer um valor mínimo por quilómetro abaixo do qual não efetua entregas; ▪ O prestador de atividade não está sujeito a qualquer tipo de exclusividade, que resulta da possibilidade de prestar o mesmo serviço para as empresas que diretamente concorrem no mercado com a Recorrente ou até mesmo a título individual em concorrência com a Recorrente ou exercer qualquer outra atividade remunerada; ▪ O prestador de atividade é livre para definir o seu horário de trabalho e o local de exercício da sua atividade. A R. não restringe a autonomia do estafeta quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência e à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas. A R. também não restringe ou impõe qualquer obrigatoriedade quanto ao local de exercício de atividade, podendo o prestador de atividade prestar a sua atividade em qualquer localidade; ▪ Quando presta a sua atividade, o prestador pode seguir as rotas que desejar, bem como utilizar os sistemas de navegação GPS que preferir utilizar ou até mesmo de não utilizar nenhum sistema de navegação GPS ou de o desligar entre o ponto de recolha e o ponto de entrega do pedido, pelo que não há qualquer controlo por parte da Recorrente na forma como o estafeta se apresenta ou como presta a sua atividade; ▪ O prestador de atividade tem a possibilidade de designar outras pessoas para substituição no exercício da atividade ou de reatribuir o pedido a outro estafeta, o que demonstra que o que interessa à Recorrente não é a atividade em si mesma, elemento inerente a um contrato de trabalho que é celebrado intuitu personae, mas antes o resultado da sua atividade, característica do contrato de prestação de serviços; ▪ O prestador de atividade é livre de recusar qualquer serviço proposto, sem qualquer consequência, incluindo cancelar já depois de aceitar, e inclusivamente de decidir não receber propostas de entrega de determinados clientes e/ou comerciantes, igualmente sem qualquer consequência, o que corresponde, como é bom de ver, prova da inexistência de qualquer subordinação. Não se vislumbra que relação laboral poderia resistir baseada na possibilidade de o prestador da atividade se poder recusar a prestá-la; ▪ A remuneração auferida é variável e por entrega, e não fixa em função do tempo despendido na realização da atividade; ▪ Por fim, todos os instrumentos utilizados no desempenho da atividade pertencem aos prestadores de atividade e não à Recorrente. 77) Este conjunto de elementos apontam no sentido da efetiva autonomia de AA e da inexistência de uma relação com carácter de subordinação jurídica, pelo que, nos termos do art.º 12.º-A, n.º 4, do CT e art.º 350.º, n.º 2, do Código Civil, resulta ilidida qualquer presunção de laboralidade que eventualmente se verificasse. 78) Para além de serem autónomos na fixação do tempo e local de prestação da sua atividade, o prestador de atividade visado tem uma profunda liberdade para definir que tarefas aceita ou não prestar, uma vez que inexistem limites ou consequências para a não aceitação – aqui reside uma característica que se afigura de difícil compatibilização com a ordenação típica da relação laboral, o que, aliás, foi já apreciado e assim concluído, pelo colendo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no acórdão de 9.1.2019, processo n.º 1376/16.3T8CSC.L1.S1. 79) Para além disso, foi essa independência que fundou a decisão do Tribunal Justiça da União Europeia proferido no Caso B/Yodel Delivery Network, onde se pode ler, com especial pertinência: “A Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que uma pessoa, contratada pelo seu empregador presumido ao abrigo de um acordo de serviços no qual se indica que é empresária independente, seja qualificada de «trabalhador» na aceção desta diretiva, quando essa pessoa dispõe da faculdade de: - recorrer a subcontratantes ou a substitutos para efetuar o serviço que se comprometeu a fornecer; - aceitar ou não aceitar as diferentes tarefas propostas pelo seu empregador presumido, ou fixar unilateralmente um número máximo das mesmas; - fornecer os seus serviços a quaisquer terceiros, incluindo a concorrentes diretos do empregador presumido, e - fixar as suas próprias horas de «trabalho» dentro de certos parâmetros, bem como organizar o seu tempo a fim de se adaptar à sua conveniência pessoal em vez de unicamente aos interesses do empregador presumido, uma vez que, por um lado, a independência dessa pessoa não se afigura fictícia e, por outro, não é permitido estabelecer a existência de um vínculo de subordinação entre a referida pessoa e o seu empregador presumido.” 80) Em sentido convergente, o Supremo Tribunal de Justiça do Reino Unido, em decisão recente, de 21 de novembro de 2023, decidiu que os estafetas que prestam atividade (no caso, para a plataforma Deliveroo) não podem ser considerados trabalhadores subordinados, uma vez que são “livres de rejeitar ofertas de trabalho, de se tornarem indisponíveis e de realizarem trabalhos para concorrentes”, concluindo que “estas características são fundamentalmente inconsistentes com qualquer noção de relação de trabalho”(tradução da recorrente - no texto original: “Riders are thus free to reject offers of work, to make themselves unavailable and to undertake work for competitors. Once again, these features are fundamentally inconsistent with any notion of an employment relationship).” 81) Cumpre ainda recordar dois acórdãos do nosso Supremo Tribunal de Justiça, nos quais foi decidido que o facto de prestador de atividade poder escolher o próprio horário, não exercer a atividade em regime de exclusividade, ter a possibilidade de aceitar ou rejeitar serviços, ter a possibilidade de se fazer substituir e a possibilidade de agendar férias sem ser pago durante esse período e ser o titular dos instrumentos de trabalho permite ilidir a presunção do art.º 12.º do CT ou distinguir uma prestação de serviços de um contrato de trabalho (Cf. ac. do STJ de 9 de janeiro de 2019, proc. n.º 1376/16.3T8CSC. L1.S1 e acórdão do STJ de 15 de setembro de 2016, proc. n.º 329/08.0TTFAR.E1.S1), não obstante, nestes casos concretos ser evidente que o prestador de atividade não têm uma estrutura organizativa própria, não são empresários e não têm os seus próprios clientes. (Decisão integral disponível em https://www.supremecourt.uk/cases/docs/uksc-2021-0155-judgment.pdf) 82) Todas estas decisões contêm factos relevantes e semelhantes àqueles que foram provados pela R., factos que apontam no sentido de uma relação jurídica autónoma e não juridicamente subordinada. 83) Do elenco da factualidade efetivamente provada nestes é possível concluir que o prestador de atividade não tem qualquer compromisso, mínimo que seja, de regularidade, pontualidade ou assiduidade na prestação de atividade, podendo desaparecer e não prestar atividade durante dias, semanas ou até mesmo meses. 84) A Recorrente não tem qualquer ascendente disciplinar sobre os estafetas. 85) Não ficou provado que a necessidade de tirar uma selfie quando aleatoriamente solicitado ou o GPS funcionassem para controlo ou sequer monitorização da atividade desenvolvida pelo prestador de atividade, antes, sim, para o bom e regular funcionamento da aplicação, com o respeito pela lei. 86) Para a R. é absolutamente indiferente (desde que cumpram os requisitos mínimos previstos nos seus termos e condições) quem exerce a função de estafeta, não tendo com os mesmos qualquer relação de confiança ou de dependência jurídica. 87) Não se demonstrou, pela factualidade provada, que lhe sejam dadas instruções, ordens ou quaisquer regras de como cumprir as suas tarefas, bastando que, caso aceitem a entrega proposta, a entreguem no local determinado pelo cliente. 88) A subordinação jurídica fica totalmente arredada, pois a Recorrente não exerce qualquer controlo nem sobre os equipamentos utilizados, nem sobre a forma como os estafetas cumprem os seus serviços, nem quanto ao número de pedidos aceites ou rejeitados, nem mesmo quanto ao número de horas que disponibilizam para esta atividade, concluindo-se que, no caso concreto, o estafeta organiza o seu plano de prestação de atividade como bem entender, sem ter de o justificar seja a quem for. 89) Não se provou que o prestador AA estivesse numa situação de dependência económica – embora a dependência económica não integre a lista de indícios prevista no art.º 12º-A do CT, é uma circunstância que é tradicionalmente atendível para este efeito pela doutrina e jurisprudência. 90) Enquanto nos contratos de trabalho, o trabalhador está obrigado a estar disponível para cumprir quaisquer tarefas que o empregador lhe atribua, nos contratos de prestação de serviços, o prestador da atividade apenas se compromete a alcançar um determinado resultado. É o que acontece no caso sub judice. 91) Ao concluir o registo na plataforma e concordar com os termos e condições aplicáveis, o prestador de atividade não se compromete a prestar qualquer atividade em nome da Recorrente, apenas passa a ter a possibilidade fazê-lo. 92) O prestador de atividade em causa tem interesse na inexistência de uma obrigação de prestar atividade, pois é isso que lhe permite aumentar os seus rendimentos e compatibilizar a sua atividade na plataforma com outras – dado que a prestação de atividade não tem carácter de exclusividade. 93) Não se pode considerar que AA tenha feito parte da organização produtiva da R. se esta nem consegue determinar quantos prestadores de atividade se encontrarão disponíveis em determinada área geográfica num período de tempo específico e se estes sequer vão aceitar as ofertas de entrega que lhes são disponibilizadas. 94) Uma organização produtiva pressupõe, isso mesmo, organização, o que implica planeamento e disponibilidade de mão-de-obra para o efeito. 95) Sucede que, conforme já várias vezes referido nas presentes conclusões, a Recorrente não organiza a atividade do prestador da atividade de maneira alguma, pois estes são livres para escolher o seu horário, ligar e desligar-se da plataforma, e decidir durante quanto tempo permanecem ligados, sendo ainda livres para rejeitar e aceitar a ofertas de entrega que entenderem, conforme decorre dos termos e condições aplicáveis e como os mesmos confirmaram. 96) Tudo isto resulta na impossibilidade prática de a Recorrente saber quantos prestadores de atividade estarão com sessão iniciada na plataforma em determinada altura, quantos deles se manterão conectados (e por quanto tempo) e, por fim, quantos aceitarão as propostas de entrega disponibilizadas. 97) Não se pode, assim, concluir que a Recorrente disponha de uma organização de prestação de serviços de entrega, contrariamente aquele que foi o entendimento do douto Tribunal a quo. 98) Nestes termos, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra, alterando-se a matéria de facto nos exatos termos que foram requeridos pela Recorrente e que julgue a ação totalmente improcedente, não reconhecendo qualquer contrato de trabalho entre a Recorrente e o prestador de atividade AA. Impetra afinal que o recurso seja julgado procedente, (a) se altere a decisão sobre a matéria de facto (factos provados e não provados), nos precisos termos indicados, e (b) se revogue a sentença recorrida, não sendo reconhecida a existência de qualquer contrato de trabalho entre a Recorrente e o prestador de atividade AA. * * O A. respondeu, pedindo a improcedência do recurso, concluindo: 1-A douta sentença recorrida não padece de qualquer vício. 2- O Tribunal, ao contrário do alegado, não apreciou a prova de forma arbitrária. 3- Descreveu os factos que considerou provados e os factos não provados, tendo justificado de forma exemplar o seu raciocínio, com base na análise conjugada e critica de toda a prova produzida (documentos juntos aos autos e depoimentos prestados na audiência de julgamento, apreciados de acordo com as regras de experiência comum). 4-Com o presente recurso pretende apenas o recorrente colocar em causa a forma como o Tribunal “a quo” formou a sua convicção, esquecendo-se do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 607º, n.º 5, do C.P.C. 5-O Tribunal “a quo” limitou-se a apreciar livremente a prova, sendo que de tal apreciação tirou as devidas consequências. 6- O Tribunal “a quo” fez uma interpretação correta dos elementos probatórios, tendo em conta os documentos juntos e o teor dos depoimentos produzidos em audiência de julgamento, sendo de manter a matéria de facto apurada e o decidido em matéria de direito. 7-Verificam-se os indícios/ características previstas nas al. a), e) f) do nº 1 do art.º 12º-A, sendo que a Ré não logrou ilidir a presunção prevista no n.º 4 do mesmo preceito legal, nem logrou demonstrar que a entidade contratante do prestador é outra que não ela ( nº 6) 8- Desta forma, o Tribunal efetuou uma correta subsunção da lei aos factos dados como provados, pelo que a douta sentença não merece qualquer reparo. * Colhidos os vistos legais cumpre decidir. * FUNDAMENTAÇÃO Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil – se há lugar à requerida alteração da decisão de facto (segundo a recorrente), e se não se demonstra a existência de um contrato de trabalho subordinado. * * Da decisão da matéria de facto É sabido que a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal da Relação nas situações contempladas no n.º 1 do art.º 662º do CPC: se os factos tidos por assentes ou a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre (art.º 607.º, n.º 5, do CPC), segundo o qual “O juiz (…) aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)”2. Ou seja, ao juiz cabe apreciar livremente as provas, sem constrangimentos nomeadamente quanto à natureza das provas, decidindo de harmonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido. O controlo da matéria de facto, nomeadamente com base na documentação (mormente na gravação), dos depoimentos prestados em audiência, está vinculado à observância dos princípios fundamentais do processo civil, entre os quais, além do próprio princípio da livre apreciação das provas3, o da imediação4. É na 1ª instância que, por natureza, se concretizam os aludidos princípios5, estando, pois, em melhores condições de apreciar os depoimentos prestados em audiência, atento o imediatismo, impossível de obter na análise da matéria de facto na Relação, por ser quem conduz a audiência de julgamento e quem interage com a produção da prova e capta pormenores, reacções, hesitações, expressões e gestos, enfim os símbolos impossíveis de detectar em simples gravações6. O artigo 640 CPC estabelece os ónus que impendem sobre quem recorre da decisão de facto, sob pena de rejeição do recurso (art.º 640/1 e 2/a): - especificar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados (nº 1, alínea a); - especificar quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida (nº 1, alínea b); - a decisão que, no seu entender, deve ser tomada sobre as questões de facto impugnadas (640/1/c). Os ónus contidos no art.º 640/1 e 2, do CPC, têm por fim tornar inteligível a impugnação e facilitar o entendimento da perspectiva do recorrente à contraparte e ao Tribunal ad quem. Neste sentido escreve Abrantes Geraldes que “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor (…). Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação inconsequente de inconformismo” (cfr. Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2007, 142-143; Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, 129). Refere o mesmo A., cit. In Recursos em Processo Civil, pág. 199-200, que "A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações: a) Falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art.º 635/4 e 641/2/b); b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos da matéria de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art.º 640/1/a); c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (vg. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação". * Em suma, a ré impugna as respostas aos números 21, 32, 33, 36, 38, 42, 45, 46 e 47. Vejamos. 21 - foi dado como provado que o AA acede através de telemóvel/smartphone ao seu perfil de conta na aplicação efectuando o login da mesma com sistema GPS activado, só a partir daí lhe podendo ser distribuído trabalho (fp 20), o que faz quando quer, nos dias e horas por ele escolhidos, pelo tempo que entende e nos locais que escolhe (21). A recorrente pretende que seja aditado que o prestador se pode “ligar e desligar da plataforma e permanecer ligado o tempo que entender”. Não se vislumbra, porém, o que é que a pretendida alteração acrescenta. Aliás, mais adiante mostra-se assente que o estafeta pode desativar o sistema GPS (com a consequência de que nessa situação não recebe qualquer novo pedido de entrega – cfr. n.º 40), e que a ré e o estafeta podem desativar a conta na aplicação UBER EATS (45). Repare-se também que entre os factos não provados não consta o que pretende a recorrente. A pretendida alteração é, pois, irrelevante. Assim, e nos termos do disposto no art.º 130 do CPC (princípio da limitação dos atos processuais), não se altera esta resposta. O mesmo se passa com o n.º 36 A recorrente insurge-se entendendo que deveria constar que o estafeta “pode livremente bloquear comerciantes e ou clientes com quem não deseje contactar”, em lugar de que “pode recusar entregas de comerciantes ou clientes específicos”. Acontece que - pondo de lado questões meramente terminológicas ou até conclusivas, como a “liberdade”, a resposta até é mais ampla, englobando seguramente aquilo que pretende que seja abrangido. Quer dizer, o prestador da atividade pode sempre bloquear comerciantes ou clientes pelo que bem entender. Logo uma tal alteração nada acrescentaria. * N.º 32 e 33. 32. – Este valor, com a ressalva do limite mínimo do quilómetro que o estafeta tenha fixado, é definido pela Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda. 33. – Variando em função, pelo menos, da distância e do valor do pedido do cliente. Pretende a recorrente que o n.º 32 passa a ter a seguinte redação: 32 - O valor final devido pela entrega varia consoante o preço mínimo por quilómetro definido pelo prestador de atividade AA na APP/Plataforma Uber Eats e a distância por este percorrida entre o ponto de retirada do pedido e o ponto de entrega, e que o número 33 seja eliminado. Vejamos. Foi esta a fundamentação da decisão recorrida: “Quanto ao facto de ao estafeta ser apresentado, sem possibilidade de negociação do mesmo, o valor final da entrega, ou seja, da prestação que efetua, com exceção do preço do km, quando recebe o pedido de entrega resulta do depoimento da testemunha AA, porém, não foi feita prova foi de quais sejam todos os diversos parâmetros que são considerados pela Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda na sua determinação, decorrendo da prova efetuada ser, pelo menos, a distância e o valor do pedido. Sempre se dirá, que apesar da variação do preço do km e do estafeta poder referir que apenas trabalha acima de um certo valor ao km, porém, acabou por dar-se por provado que quanto ao valor final a ser apresentado ao cliente, o estafeta não tem possibilidade de negociação do mesmo, nem tem possibilidade de negociar diretamente as condições e termos de entrega com o comerciante ou cliente a que se reportam as entregas conforme resulta do depoimento da testemunha AA e ainda do constante da Cláusula 6.ª, alínea d) e e) do contrato de parceiro de entregas do parceiro de frotas (documento n.º 9 junto com a contestação da Uber Eats), onde se refere expressamente que “d. Cada proposta de Serviços de Entrega apresentada ao Parceiro de Entregas na App incluirá uma tarifa proposta (incluindo IVA ou outro imposto sobre vendas), que em nenhum caso deve considerar uma taxa por quilómetro inferior à sua Taxa Mínima por Quilómetro. e. A taxa por quilómetro será calculada dividindo o valor da Taxa de Entrega pelo número de quilómetros a serem percorridas desde o ponto de retirada do pedido até ao ponto de entrega do pedido, que será indicado na proposta de Serviços de Entrega, conforme determinado por - serviços baseados em localização”, assim, daqui não resulta que o estafeta possa efetivamente determinar o valor a receber porquanto este depende do valor que pela ré é fixado unilateralmente para a taxa de entrega. Resulta da prova produzida que o AA podia aceitar ou alterar livremente o preço mínimo por quilómetro (valor abaixo do qual não está disposto a trabalhar, não recebendo por isso ofertas abaixo desse limite), mas daí não resulta que o estafeta possa efetivamente determinar o valor a receber. Por um lado, porque o valor da taxa por quilómetro é ele próprio dependente do valor da taxa de entrega (como resulta da cláusula contratual acima referida), como, por outro lado, conforme decorre do depoimento do AA, se o mesmo aumentar o valor da taxa de quilómetro não receberá tantos pedidos quando estivesse a concorrer com outros estafetas que não o façam”. A ré invoca, além do depoimento de BB, em especial a cláusula sexta do contrato de parceiro de entregas do parceiro de frota, alíneas c) “… o parceiro de entregas pode determinar livremente (ou apenas limitado ao acordo privado celebrado com a sua empresa de parceiro de frota) a sua taxa mínima por quilómetro, indicando na App o limite da taxa por quilómetro abaixo da qual o parceiro de entregas não deseja receber uma proposta de entrega Serviços (“taxa mínima por quilómetro”). Ao indicar este limite, o parceiro de entregas receberá apenas propostas de serviços de entrega para as quais a taxa por quilómetro seja igual ou superior a taxa mínima por quilómetro que o parceiro de entregas determinou”. d) “Cada proposta de serviços de entrega apresentada ao parceiro de entregas na App incluirá uma tarifa proposta (incluindo IVA ou outro imposto sobre vendas), que em nenhum caso deve considerar uma taxa por quilómetro inferior à sua taxa mínima por quilómetro”. e) “A taxa por quilómetro será calculada dividindo o valor da taxa de entrega pelo número de quilómetros a serem percorridos desde o ponto de retirada do pedido até ao ponto de entrega do pedido, que será indicado na proposta de serviços de entrega, conforme determinado por serviços baseados em localização”. Destes elementos, bem como dos depoimentos do AA e do BB, conclui-se que a resposta ao n.º 32 se mostra absolutamente correta: o valor devido pela entrega é definido pela Uber Eats, apenas podendo prestador da atividade recusar à partida fazer entregas por valores que tenha por insuficientes. Fora disso, como refere a sentença, nada pode negociar, limitando-se a aderir a um determinado valor. Quanto ao n.º 33, não se vislumbra, efetivamente, razão segura para o segmento final relativo ao valor do pedido do cliente. É certo que resulta da alínea e) da cláusula 6ª do dito contrato de parceiro a existência duma Taxa de Entrega, a ter em conta para a determinação da taxa de entrega; porém desconhece-se como é a mesma apurada. Assim, o ponto 33 passará a ter a seguinte redação: Variando em função, pelo menos, da distância. * N.º 38 Pretende a Ré que a resposta ao ponto 38 (“devendo manter o sistema de GPS ativado entre o ponto de recolha e o ponto de entrega”) seja alterada de modo de ficar a constar “podendo o estafeta, após recolher a encomenda por si previamente aceite, desligar o sistema de GPS entre o ponto de recolha e o ponto de entrega”. O Tribunal a quo fundamentou a decisão referindo designadamente que teve “em consideração a cláusula 4, alíneas b) iii, h), i) e j) e cláusula 5, alínea m), do contrato de parceiro de entregas do parceiro de frotas (documento n.º 9 junto com a contestação da Uber Eats) do qual consta, nomeadamente, que “Reconhece e concorda que: (a) as suas informações de localização podem ser obtidas pela Uber Eats enquanto a App está em execução; e (b) a sua localização aproximada será exibida ao Comerciante e ao Cliente antes e durante a prestação de Serviços de Entrega. Além disso, a Uber Eats e as suas afiliadas podem aceder e partilhar com terceiros as informações de localização obtidas pela App para efeitos de proteção, segurança e técnicos”, assim, não obstante constar da cláusula 4, b) i. que “O Parceiro de Entregas não tem obrigação de iniciar sessão ou utilizar a App. O Parceiro de Entregas pode iniciar sessão na App Parceiro de Entregas se, quando e onde pretender”, o certo é que tal como resulta do depoimento de AA o mesmo tinha que ter sempre o GPS ligado, tinha de seguir o mapa das rotas e apesar da testemunha BB (dizer) que nada impedia o mesmo poder desligar a aplicação, o certo é que a localização do estafeta para o cliente e comerciante só assim com o gps ligado é que o cliente e/ou comerciante podem saber a sua localização aproximada, ou seja, na prática não sendo obrigado a estar ligado à App. acaba na execução do serviço de ter de estar ligado”. A R. chama desde logo a atenção para o depoimento de BB, que asseverou que o prestador podia desligar o GPS. Este ponto está longe de ser desprovido de pertinência. Por um lado, como considerou a decisão recorrida, existe a possibilidade de ser exibida a localização do estafeta ao cliente, o que só é possível estando o GPS ligado. Neste sentido, afirmou o AA dever ter o GPS sempre ligado e seguir o mapa das rotas. Por outro lado, há que ter em conta que a cláusula 4, al. b) i, do aludido contrato de parceiro de entregas do parceiro de frotas, proclama que “o parceiro de entregas não tem obrigação de iniciar sessão ou utilizar a App”, como também equaciona a sentença. Na mesma linha, afirmou BB que o prestador pode desligar o GPS durante a entrega, ou usar outro GPS que não o da Uber. Este Tribunal intentou aquilatar a credibilidade dos dois depoimentos em causa e ouviu parte significativa dos mesmos, sendo certo que a utilização de meios para inquirição à distância e a necessidade de intervenção do intérprete não facilitaram a prossecução desse desiderato. Contudo, não foi possível surpreender quaisquer elementos que militem no sentido de que qualquer dos depoimentos se faz acompanhar de sinais de incongruência que prejudiquem a sua credibilidade. Chegados a este ponto deve notar-se que a segunda instância não está de alguma forma limitada pela convicção do Tribunal recorrido, podendo formar livremente convicção própria. Na constituição de eventual nova convicção o Tribunal de recurso deve usar, de todo o modo, de humildade intelectual, tendo presente que, ainda que parta de uma posição privilegiada decorrente da colegialidade e da maior experiência dos seus membros, o tribunal recorrido tem desde logo a vantagem decorrente do contacto direto e imediato com a prova testemunhal (e não se ignore que grande parte da comunicação ocorre por via não verbal, em termos só perfeitamente possíveis de apreender in loco). Tendo presentes estes parâmetros, afigura-se-nos não dever ser censurada a decisão. Repare-se que embora a clausula 4/b/i do contrato de parceiro de entregas do parceiro de frotas estipule que o “Parceiro de Entregas não tem obrigação de iniciar sessão ou utilizar a App. O Parceiro de Entregas pode iniciar sessão na App Parceiro de Entregas se, quando e onde pretender” (e no mesmo sentido cfr. al. h.), a clausula j) dispõe que o parceiro de entregas “reconhece que as suas informações de localização têm de ser fornecidas à Uber Eats para prestar Serviços de Entrega”. O que vai no sentido da descrição do AA. Assim, entende-se que a decisão se estriba em fundamentos razoáveis, não se vislumbrando motivo para pôr em crise a narrativa do AA e a conclusão da retirada, conjugada com a possibilidade de exibição ao cliente do paradeiro aproximado do estafeta. Pelo que se mantém a resposta. * N.º 42 O tribunal a quo deu como assente que “O estafeta pode fazer-se substituir na entrega, por outro estafeta com registo ativo na Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda., que terá de ser submetido na aplicação e o cliente tem que aceitar a associação”. Fê-lo nos seguintes termos: “Pontos 4.1.41) a 4.1.43): Teve-se em consideração a cláusula 4, alíneas b) iv, do contrato de parceiro de entregas do parceiro de frotas (documento n.º 9 junto com a contestação da Uber Eats), bem como, decorre do depoimento de BB que há a possibilidade de substituição do estafeta, que terá de ser submetido e a pessoa vai ter que aceitar a associação sendo nesse caso o dinheiro transferido para a conta do substituto, porque o estafeta declarou. Também a referência à possibilidade de substituição consta do certificado de facto junto com o requerimento de 22.5.2024. As contas são pessoais e intransmissíveis, pelo que, qualquer pessoa que venha a ser substituto precisa de ter conta”. A recorrente, com fundamento no depoimento do dito BB, pretende que a resposta seja alterada desta sorte: “O estafeta pode fazer-se substituir na entrega por outro estafeta com registo ativo na Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda., que terá de ser submetido na aplicação e o prestador da atividade nomeado tem de aceitar a associação”. Dos elementos carreados para os autos não vislumbramos seguro que o cliente tenha de aceitar a associação, embora seja informado da identidade do prestador da atividade, como resulta do dito contrato (clª. 4/f). Assim, acolhe-se a pretensão da recorrente, devendo o ponto 42 ficar a constar nos termos da impugnação. * N.º 45, 46 e 47 A R. insurge-se contra estas respostas argumentando que (conc. 41 a 43) “o Tribunal a quo, numa clara tentativa de reconduzir o presente contrato de prestação de serviços a um contrato de trabalho, com o fito de o enquadrar nas características da presunção de laboralidade previstas no art.º 12.º - A do CT, deu como provado, nos pontos 44 a 46 dos Factos Provados, que tanto AA como a APP/plataforma Uber Eats podem desativar a conta do prestador de atividade na aplicação, mediante a verificação de certas e determinadas condições. As partes nas referidas alíneas da cláusula 14 do Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota acordaram as situações-tipo que podem levar à resolução do de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota, resultando do teor desta cláusula que tanto o prestador de atividade AA como a Recorrente podem fazer cessar o de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota. Conforme referido pela Recorrente, a desativação da conta é uma consequência da cessação do Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota por uma das partes, o que implica que a desativação seja precedida da resolução do contrato de prestação de serviços por uma das partes”. Em lado nenhum a recorrente põe em crise que nessas situações é desativada a conta na aplicação Uber Eats (aliás, a cláusula 5/a refere como obrigação do prestador “por forma a manter o acesso à App, (i) manter todas as licenças, permissões, autorizações alvarás ou outros títulos habilitantes, necessários para a prestação de Serviços de Entrega, e (ii) cumprir com todos os requisitos legais”, o que mostra o caráter necessário deste instrumento). Assim sendo, não se afigura que a resposta deva ser censurada. Termos em que se decide quanto ao recurso sobre a matéria de facto. * * São os seguintes os factos provados (inserindo-se as alterações a cheio): 1. - A Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda. tem por objeto social “prestação de serviços de geração de potenciais clientes a pedido, gestão de pagamentos; Atividades relacionadas com a organização e gestão de sites, aplicações on-line e plataformas digitais, processamento de pagamentos e outros serviços relacionados com restauração; Consultoria, conceção e produção de publicidade e marketing; Aquisição de serviços de entrega a parceiros de entrega e venda de serviços de entrega a clientes finais. 2. - Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda. opera a aplicação informática (app) Uber Eats em Portugal. 3. - Esta é propriedade de Uber Portier, BV, com sede em Mr. Treublaan 7, 1097 DP, Amesterdão, Holanda), único sócio, e é a entidade que fornece o acesso à aplicação (App) UBER EATS e ao software, websites e aos vários serviços de suporte da plataforma UBER EATS. 4. - A referida aplicação permite a estabelecimentos comerciais, aderentes da mesma e nela possuindo conta nessa qualidade, publicitar e vender os seus produtos. 5. – Por outro lado, permite a clientes/consumidores finais, aderentes da aplicação Uber Eats e com conta na mesma, adquirir os produtos e receber os mesmos em local da sua escolha. 6. – A entrega/transporte dos produtos é efetuada por estafetas como é o caso do AA que, através de registo e abertura de conta, aderem à aplicação. 7. – Os estafetas podem desenvolver a sua atividade de entrega como “parceiro de entregas independente” apenas através da adesão à aplicação Uber Eats e aceitando as condições nela estabelecidas pela Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda. 8. - Podem ainda desenvolver a sua atividade como “parceiro de entregas do parceiro de frota” sendo neste caso a sua adesão à aplicação Uber Eats efetuada através de um parceiro de frota. 9. - AA, nascido a 20/09/1999, nacional do ..., NIF..., Título de Residência n.º ..., com residência na ..., prestou a referida atividade de estafeta para a plataforma UBER EATS desde 19 de julho de 2023 até 15 de outubro de 2023 mediante pagamento, entregando refeições e outros produtos na zona de ..., conforme pedidos/tarefas que lhe são distribuídos através da plataforma UBER EATS, na qual se encontra registado com a referida conta de email, e à qual acede através da aplicação (App) que tem instalada no seu telemóvel/smartphone. 10. - Para executar a atividade de estafeta o mesmo abriu, como parceiro de entregas de parceiro de frota, uma conta na aplicação, aceitando, on line e assinalando nos termos aí indicados, as condições definidas pela Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda., tendo facultado documentos de identificação pessoal, carta de condução, endereço de correio eletrónico e número de telemóvel. 11. – O que fez através da MM-Unipessoal, Lda. 12. – A MM-Unipessoal, Lda. tem por objeto social o seguinte: “1.actividades postais e de courrier efetuadas em veículos ligeiros até 2.500,00kg; 2.entregas ao domicílio; 3.serviços de estafetas urbanos; 4.transporte de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica (TVDE); 5. transporte ocasional de passageiros em veículos ligeiros até nove lugares incluindo o condutor; 6.organização de atividades de animação turística, nomeadamente atividades recreativas, turísticas ou circuitos turísticos; 7.prestação de serviços de animação turística; 8.outras atividades auxiliares dos transportes terrestres; 9.fabrico, manutenção, transformação, comércio, distribuição, representação, importação e exportação de veículos automóveis ligeiros e pesados (novos e usados), motociclos e bicicletas, peças e acessórios; 10.manutenção e reparação de veículos automóveis; 11.manutenção e reparação de motociclos, ciclomotores, trotinetas, de suas peças e acessórios; 12.aluguer de veículos automóveis ligeiros; 13.aluguer de outras máquinas e equipamentos; 14.comércio de veículos automóveis ligeiros; 15.comércio de peças e acessórios, pneus e lubrificantes para veículos automóveis; 16.comércio por grosso e a retalho de motociclos, de suas peças e acessórios; 17.restaurantes tipo tradicional; 18.restaurantes com lugares ao balcão; 19.restaurantes sem serviço de mesa; 20.restaurantes típicos; 21.confecção de refeições prontas a levar para casa; 22.fornecimento de refeições para eventos e outras atividades de serviço de refeições; 23.fornecimento de refeições para eventos; 24.actividades de serviço de refeições; 25.outras atividades de serviço de refeições; 26.estabelecimentos de bebidas, 27.cafés, bares, pastelarias e casas de chá; 28.outros estabelecimentos de bebidas sem espetáculo; 29.salões de cabeleireiro; 30.institutos de beleza. 13. - A MM-Unipessoal, Lda., na qualidade de intermediária restringe-se na cooperação e facilidade na relação entre os estafetas ou entregadores e as grandes plataformas digitais, no que tange ao seu registo na plataforma e respetivo acesso e uso da aplicação “App Uber Eats” 14. - A sua atuação como intermediária perante a Ré, com a aceitação dos termos e condições constantes no contrato de parceiro de frota, estritamente determinados pela Ré. 15. - É através da MM-Unipessoal, Lda. que, semanalmente, AA recebe os valores remuneratórios da sua atividade de estafeta determinados pelos pedidos que o mesmo aceitou e/ou valores mínimos de quilómetros por este escolhido. 16. – A MM-Unipessoal, Lda. retém para si uma parte do valor atribuído pela realização do serviço do estafeta. 17. - É a esta que a Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda. liquida a taxa de entrega, acordada no contrato de parceiro de frota e decorrente das entregas efetuadas pelo AA. 18. – O valor pago ao estafeta decorre das entregas que o mesmo efetua, nada lhe sendo pago pelo tempo em que permanece ligado à aplicação e em espera de pedidos de entrega. 19. - Para desenvolver a atividade e estafeta o AA, sendo possuidor de telemóvel/smartphone, adquiriu veículo motorizado de duas rodas e uma mochila térmica. 20. – Para iniciar a sua atividade como estafeta o AA acede, através de telemóvel/smartphone ao seu perfil de conta na aplicação efetuando o login na mesma com o sistema gps ativado e só a partir daí lhe pode ser distribuído trabalho. 21. - O que faz apenas quando quer, nos dias e horas por ele escolhidos, pelo tempo que entende e nos locais que escolhe. 22. – O AA desenvolve a sua atividade de estafeta na zona de ..., o que sucedia no dia 20/09/2023, pelas 15h00m, AA quando se encontrava junto ao ..., sito na ..., no exercício das referidas funções de estafeta, encontrando-se equipado com a mochila para o transporte de refeições, motociclo e tinha a aplicação (App) da plataforma UBER EATS instalada e ativa no seu smartphone. 23. – Quando o mesmo se conecta na aplicação pode ser-lhe pedido não apenas a confirmação de identidade, mas também o reconhecimento facial para confronto com a foto que forneceu quando do seu registo inicial, reconhecimento este que tem lugar aleatoriamente, passado um dia, 3 dias ou uma semana quando entrasse na aplicação. 24. – O estafeta tem a possibilidade de definir o preço mínimo por quilómetro de cada serviço entre 0,10€ e 99,00€. 25. O AA ajustou, várias vezes, a sua taxa mínima por quilómetro de € 0,10 (taxa mínima por defeito) para valores superiores, como € 1,30. 26. – Ao alterar o valor mínimo do quilómetro o estafeta não recebe pedidos que tenham valor inferior a esse indicado mínimo. 27. – Mas pode visualizar pedidos da sua área cujo valor de quilómetro é inferior ao por si indicado e, querendo, aceitar os mesmos. 28. – Tem também a possibilidade de escolher a área geográfica (desde que coberta pela Plataforma) onde efetua as entregas. 29. – A utilização de mochila térmica é solicitada em função da higiene e segurança de produtos alimentares que os estafetas transportam. 30. - Não sendo exigido que a mochila, ou outro qualquer elemento, que identifique a Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda, o que era o caso do AA cuja inscrição na sua mochila é da Glovo. 31. – Estando conectado na aplicação e em função da sua localização, transmitida por gps, o AA recebe indicação da existência de um pedido de entrega, com indicação do estabelecimento e do cliente, bem como respetiva morada, e do valor final devido pela sua entrega. 32. – Este valor, com a ressalva do limite mínimo do quilómetro que o estafeta tenha fixado, é definido pela Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda. 33. – Variando em função, pelo menos, da distância. 34. – O estafeta não estabelece qualquer contacto, sobre as condições e termos de entrega, com o comerciante ou cliente a que se reportam as entregas. 35. – O estafeta pode aceitar ou recusar a entrega proposta sem que tal obste a que lhe sejam, posteriormente, apresentadas novas propostas de entrega. 36. – Tal como pode recusar entregas de comerciantes ou clientes específicos. 37. – O estafeta pode seguir o trajeto para a entrega indicado na aplicação ou optar por sistema de navegação da sua escolha. 38. – Devendo manter sistema de gps ligado entre o ponto de recolha e o ponto de entrega. 39. – O qual permite aos clientes visualizar a localização das suas encomendas. 40. – Se descativar o sistema gps não recebe qualquer novo pedido de entrega enquanto o mesmo se mantiver inativo. 41. – A Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda. não impõe aos estafetas a utilização na realização de entregas de qualquer roupa ou veículo específico. 42. – O estafeta pode fazer-se substituir na entrega por outro estafeta com registo ativo na Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda., que terá de ser submetido na aplicação e o prestador da atividade nomeado tem de aceitar a associação. 43. – O estafeta pode exercer a sua atividade noutras plataformas de entregas, designadamente plataformas concorrentes da Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda. e em simultâneo com a ativação na conta desta. 44. – A Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda. possui um sistema de pontos, denominado de Uber Eats Pro ao qual os estafetas podem aderir, segundo o qual são atribuídos pontos, não convertíveis em numerário, em função do número de entregas realizadas em determinadas faixas horárias e que permite ao estafeta obter melhores ofertas junto de parceiros da exploradora da aplicação Uber Eats. 45. – Quer a Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda. quer o estafeta podem desativar a conta na aplicação Uber Eats. 46. – Nos termos da Cláusula 14, alínea a) do contrato de parceiro de entregas do parceiro de frota, o estafeta pode fazê-lo “(i) sem motivo em qualquer altura, apagando e removendo a aplicação do Parceiro de Entregas do Seu dispositivo; (ii) contactando o suporte para seguir o processo de eliminação permanente da conta; (iii) imediatamente, sem aviso prévio, pela nossa violação material deste Contrato; (iv) em caso de alteração do presente Contrato da nossa parte, à qual o Parceiro de Entregas se oponha, no prazo de 15 (quinze) dias após a receção de uma notificação escrita para efeitos de oposição a tal alteração; (v) imediatamente, sem aviso prévio, em caso de insolvência ou falência da Uber Eats ou após apresentação de uma suspensão de um pedido de não pagamento (ou ação semelhante) contra si”. 47. – Nos termos da Cláusula 14, alínea b) do contrato de parceiro de entregas do parceiro de frota, a Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda pode fazê-lo “a qualquer momento, mediante notificação prévia, por escrito, com 30 (trinta) dias de antecedência,, salvo nas seguintes situações, nas quais, este período de aviso prévio não se aplica: (i) se estivermos sujeitos a uma obrigação legal ou regulamentar que nos obrigue a terminar a sua utilização da App ou dos nossos serviços em prazo inferior a 30 (trinta) dias; (ii) se o Parceiro de Entregas tiver infringido o presente Contrato; (iii) mediante denúncia de que o Parceiro de Entregas tenha agido de forma não segura ou violou estes Termos ou a legislação em conexão com a prestação de serviços de entrega; (iv) o Seu comportamento equivale a fraude (atividade fraudulenta pode incluir, mas não está limitada a, as seguintes ações: partilhar a sua conta com terceiros não autorizados; aceitar propostas sem intenção de entregá-las; induzir usuários a cancelar Seus pedidos; criar falsas contas para fins fraudulentos; solicitar reembolso de taxas não geradas; solicitar, executar ou confirmar intencionalmente a disponibilidade de propostas fraudulentas; interromper o funcionamento das aplicações e do GPS da Uber, como alterar as configurações do telefone; fazer uso indevido de promoções ou para fins diferentes dos pretendidos; contestar cobranças por motivos fraudulentos ou ilegítimos; criar contas duplicadas; fornecer informações falsas ou documentos falsificados); ou (iv) se estivermos a exercer um direito de resolução por um motivo imperativo nos termos da lei aplicável, que pode incluir situações em que o Parceiro de Entregas já não se qualifique, nos termos do presente Contrato, da legislação aplicável ou regulamentos, ou das normas e políticas da Uber Eats e das suas Afiliadas, o que pode incluir situações em que o Parceiro de Entregas não está em conformidade com a Seção 5 deste Contrato para prestar Serviços de Entrega ou para operar o Seu Meio de Transporte.”. 48. – Os clientes da Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda podem reportar problemas com os pedidos de entrega no caso de violações dos termos e condições. 49. - As solicitações de reconhecimento facial visam apenas detetar partilhas de contas não autorizadas. * * De Direito Importa verificar se a factualidade que enforma a causa de pedir suporta a conclusão da existência de um contrato de trabalho, tal como a lei laboral o define (art.º 11º do CT). Com efeito, é objeto desta ação a existência de um contrato de trabalho. Dispõe o art.º 11 do Código do Trabalho que "contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas. O art.º 12, n.º 1, por seu lado, estipula que "presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade; c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. * O que está em causa nesta ação é a eventual utilização da figura do contrato de prestação de serviços quando na realidade a actividade é prestada, na sua materialidade, no âmbito de uma relação de trabalho subordinado. É esse o sentido da regularização da situação a que se refere o art.º 15-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, aditado pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto; tanto assim é que o n.º 8 do art.º 186-O do CPT, também aditado por esta Lei n.º 63, dispõe que, nada sendo regularizado, mas procedendo a acção, a sentença “reconhece a existência do contrato de trabalho”. Daqui resulta que o que se discute, pois, não aquilo que as partes qualificam ou designam, mas o que na realidade acordaram tal como a sua prática demonstra, prevalecendo o que efetivamente executam sobre meros nomens porventura destinados a escamotear a realidade (cfr. por todos o acórdão da Relação de Lisboa no proc. 1215/11.1TTLSB.L1-4 (relat. Leopoldo Soares: “A natureza dos contratos não se afere pela denominação que lhes é aposta, mas pela sua execução em termos práticos, reais, vivenciados pelos respectivos intervenientes”). A qualificação do contrato, no que ao foro laboral respeita, depende não daquilo que as partes lhe chamaram e chamam, e nem sequer do que tiveram em mente aquando da sua celebração, mas sobretudo da forma como a relação foi configurada enquanto subsistiu. O regime com que as partes podiam contar ao celebrar o convénio é o atual. * Resulta da noção de contrato de trabalho vertida no art.º 11 do CT que está em causa o trabalho subordinado. Elemento característico e definidor deste contrato é a subordinação jurídica do trabalhador, o qual se encontra numa situação de dependência do empregador, sob a sua “autoridade e direcção”. É este o sentido do art.º 1152 do Código Civil, como nota o Prof. Romano Martínez, in Código do Trabalho Anotado, 4ª ed., 92. Subordinação jurídica porquanto está sujeita à heterodeterminação da sua prestação laboral, quer na sua génese quer durante toda a vida do vínculo jurídico, feita potestativamente pela entidade patronal, desde logo quanto ao lugar e ao momento da sua efectivação7. (por todos cfr. Acórdãos da Relação de Lisboa de 29.1.1992, Colectânea de Jurisprudência, I-200: “I - O critério diferenciador entre contrato de trabalho e de prestação de serviços é o de subordinação jurídica. II - No contrato de trabalho promete-se um trabalho uma actividade, sob a direcção e fiscalização da entidade empregadora, enquanto que na prestação de serviços se promete apenas um resultado”; de 19.02.97, Colectânea de Jurisprudência, I-183: “I - Constitui subordinação económica no contrato de trabalho o facto de o trabalhador receber da entidade empregadora remuneração mensal. II - Traduz subordinação jurídica o facto de um trabalhador ter acordado com uma empresa de radiodifusão prestar-lhe a sua atividade consistente no apoio a um realizador de rádio, antes, durante e após determinadas emissões de radiodifusão, mediante um horário por ela estipulado, sendo ela que ordenava as funções que pretendia que ele desempenhasse). * Para qualificar o contrato, pode lançar-se desde logo mão do método subsuntivo: apurada claramente a subordinação, basta subsumir os factos ao direito. Este é o método aplicável aos casos de solução mais óbvia. * Mas nem sempre tal é possível, pelo que cabe aplicar o método indiciário, através do qual se recorre a indícios negociais internos e externos da existência de contrato de trabalho para qualificar o contrato. Indícios, em termos gerais, tais como estes8: a) internos 1. o local onde é exercida a atividade (se ocorre em instalações do empregador ou em local por este indicado); 2. a existência de horário de trabalho fixo; 3. a utilização de bens ou utensílios fornecidos pela contraparte; 4. a remuneração tomando como unidade o tempo de trabalho (e não a tarefa), e ainda com pagamento de subsídios de férias e de natal; 5. a realização da atividade pelo sujeito obrigado, com impossibilidade, em regra, de recurso a colaboradores (visto a natureza “intuito personae” do contrato de trabalho); 6. a assunção do risco pelo destinatário da atividade; 7. o modo de execução do contrato, mormente cumprindo o credor da prestação da atividade obrigações específicas do contrato de trabalho como o direito a férias ou a prestação de informações impostas pelo art.º 106 do Código do Trabalho; 8. a inserção do prestador da atividade numa estrutura produtiva. b) externos 1. o desenvolvimento da atividade apenas para um beneficiário da prestação; 2. o tipo de imposto pago pelo prestador da atividade e a sua inscrição como trabalhador dependente; 3. a sua inscrição na Segurança Social como trabalhador dependente (mormente nas folhas do beneficiário da atividade); 4. a sua sindicalização9. * Os indícios de laboralidade devem ser apreciados globalmente. É perfeitamente possível que, vg., um monitor de natação, um enfermeiro ou outro profissional prestem a atividade em local e horários definidos e com instrumentos do credor e não sejam trabalhadores (a atividade exige bens e equipamentos, bem como certos tempos próprios para a prestação do serviço: por exemplo, a disponibilidade de uma piscina, ginásio ou máquinas de cuidados de saúde, em determinadas horas). Como também podem ser trabalhadores subordinados, desde que, globalmente ponderados, se verifique a existência de subordinação jurídica. Por outro lado, nem todos os indícios têm o mesmo valor: os externos (por ex. estar o prestador coletado nas finanças e emitir "recibos verdes”, não estar inscrito na segurança social) são menos relevantes que, vg, cumprir horários e estar inserido numa organização produtiva. Na verdade, se existe uma relação laboral encoberta, é de esperar que o empregador não vá inscrever o trabalhador, como tal, na segurança social, deixando a descoberto dessa forma aquilo que pretendia esconder (o mesmo se passará, vg, com o eventual não pagamento de subsídios de férias e natal). Mesmo entre os indícios internos nem todos têm o mesmo peso, como vimos na situação exemplificada, em que o local de trabalho e o horário podem não ser decisivos, mas pressupostos da prática da atividade. * Há ainda que ter em conta a presunção da existência de contrato de trabalho. Na verdade, verificados alguns indícios, o n.º 1 do art.º 12 do Código do Trabalho determina que “1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. Importa ter em conta, porém, em especial, o artigo 12-A do CT (Lei n.º 13/2023, de 03/04), 1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características: a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela; b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade; c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica; d) A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma; e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta; f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação. * No caso, é necessário recorrer ao método indiciário, uma vez que não ficou provada de forma direta e imediata a subordinação jurídica. Também é certa a aplicabilidade do disposto no artigo 12-A. Com efeito, a ré caracteriza-se exatamente como plataforma (e o número 2 deste artigo dispõe que “Para efeitos do número anterior, entende-se por plataforma digital a pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente sítio da Internet ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente de esse trabalho ser prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios”). A sentença recorrida considerou nomeadamente que “a App que (o AA) utiliza é um instrumento de trabalho de natureza incorpórea (software), gerido pela ré no nosso país (cfr. factos provados n.º 4, 8 a 10, 20 e 22), que é quem em última análise permite, ou não, a utilização por parceiros comerciais, clientes e estafetas. Ora, o software é o efetivo instrumento utilizado, com a permissão da ré, pelo AA para o exercício da sua atividade”, tendo considerado preenchida a presunção da alínea b do n.º 1 do art.º 12. Esta conclusão mostra-se acertada, mesmo que o dito software não seja pertença da ré, uma vez que, de todo modo, é ela quem faculta o meio, que se configura como um instrumento de prestação de atividade. A ré é quem a disponibiliza e não o prestador da atividade. E, lendo conjugadamente o disposto na alínea f) do art.º 12-A e na alínea b do art.º 12, resulta claro que o elemento verdadeiramente relevante não é o direito de propriedade sobre os bens utilizados ou o seu título de aquisição, mas o domínio dos mesmos (como de algum modo refere, ainda que sem entrar diretamente nesta discussão, Vaz Marecos, CT Anotado, 4ª ed., nota 5 ao art.º 12), que no caso da App é claramente da ré. Trata-se, cremos, efetivamente de um meio, de um instrumento utilizado, não obstante a sua natureza incorpórea, necessário para que a atividade possa ter lugar. E não se diga que a natureza da “aplicação informática” exclui que possa ser instrumento laboral, tendo de se reconduzir à plataforma digital, o que, com o devido respeito, não se afigura razoável, desde logo porque a plataforma e a App se diferenciam claramente, quer jurídica quer tecnologicamente, como realidades diversas; ao que acresce que não resulta de qualquer lado da lei que esta tenha pretendido retirar aos meios informáticos a qualidade de possíveis instrumentos de trabalho. Assim, e nos termos do disposto no art.º 12-A do CT, verifica-se o disposto na alínea f) relativamente a meios de trabalho. * Além do disposto nesta alínea f), a sentença recorrida entendeu verificar-se o disposto nas alíneas a) (a fixação da retribuição) e e) (o exercício de poderes laborais sobre o prestador da atividade). Quanto à fixação da retribuição, a ré insurge-se, entendendo que não é ela quem a fixa unilateralmente, limitando-se a propô-la; e mais, é remunerado em função do resultado. Considerou a sentença recorrida: (…) Ficou provado que estando conectado na aplicação e em função da sua localização, transmitida por gps, o AA recebe indicação da existência de um pedido de entrega, com indicação do estabelecimento e do cliente, bem como respetiva morada, e do valor final devido pela sua entrega. (4.1.31) Este valor, com a ressalva do limite mínimo do quilómetro que o estafeta tenha fixado, é definido pela Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda. (4.1.32) Variando em função, pelo menos, da distância e do valor do pedido do cliente.(4.1.34) O estafeta tem a possibilidade de definir o preço mínimo por quilómetro de cada serviço entre 0,10€ e 99,00€. (4.1.24) O AA ajustou, várias vezes, a sua taxa mínima por quilómetro de € 0,10 (taxa mínima por defeito) para valores superiores, como € 1,30. (4.1.25) Ao alterar o valor mínimo do quilómetro o estafeta não recebe pedidos que tenham valor inferior a esse indicado mínimo. (4.1.26) Mas pode visualizar pedidos da sua área cujo valor de quilómetro é inferior ao por si indicado e, querendo, aceitar os mesmos. (4.1.27) É através da MM-Unipessoal, Lda. que, semanalmente, AA recebe os valores remuneratórios da sua atividade de estafeta determinados pelos pedidos que o mesmo aceitou e/ou valores mínimos de quilómetros por este escolhido.(4.1.15) A MM-Unipessoal, Lda. retém para si uma parte do valor atribuído pela realização do serviço do estafeta. (4.1.16) É a esta que a Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda. liquida a taxa de entrega, acordada no contrato de parceiro de frota e decorrente das entregas efetuadas pelo AA.(4.1.17) O valor pago ao estafeta decorre das entregas que o mesmo efetua, nada lhe sendo pago pelo tempo em que permanece ligado à aplicação e em espera de pedidos de entrega.(4.1.18) Ora, não restam dúvidas que o valor final da prestação do serviço acaba por ser fixado pela Ré onde para o preço final também faz parte do mesmo o preço por km (dentro de um limite mínimo e máximo), porquanto, quando apresentado um pedido de entrega, é indicado o valor final que pode auferir pela realização dessa concreta prestação (4.1.31 e 4.1.32) Se é certo que há um limite mínimo e máximo por km (4.1.24) onde a presunção poderia numa primeira abordagem logo caber, porém, a matéria em apreço tem de ser vista de forma mais desenvolvida. Conforme melhor se explicou na fundamentação aos factos provados em relação ao ponto 4.1.33.) tal resulta “da Cláusula 6.ª, alínea d) e e) do contrato de parceiro de entregas do parceiro de frotas (documento n.º 9 junto com a contestação da Uber Eats), onde se refere expressamente que “d. Cada proposta de Serviços de Entrega apresentada ao Parceiro de Entregas na App incluirá uma tarifa proposta (incluindo IVA ou outro imposto sobre vendas), que em nenhum caso deve considerar uma taxa por quilómetro inferior à sua Taxa Mínima por Quilómetro. e. A taxa por quilómetro será calculada dividindo o valor da Taxa de Entrega pelo número de quilómetros a serem percorridas desde o ponto de retirada do pedido até ao ponto de entrega do pedido, que será indicado na proposta de Serviços de Entrega, conforme determinado por - serviços baseados em localização”, assim, daqui não resulta que o estafeta possa efetivamente determinar o valor a receber porquanto este depende do valor que pela ré é fixado unilateralmente para a taxa de entrega. Resulta da prova produzida que o AA podia aceitar ou alterar livremente o preço mínimo por quilómetro (valor abaixo do qual não está disposto a trabalhar, não recebendo por isso ofertas abaixo desse limite), mas daí não resulta que o estafeta possa efetivamente determinar o valor a receber. Por um lado, porque o valor da taxa por quilómetro é ele próprio dependente do valor da taxa de entrega (como resulta da cláusula contratual acima referida), como, por outro lado, conforme decorre do depoimento do AA, se o mesmo aumentar o valor da taxa de quilómetro não receberá tantos pedidos quando estivesse a concorrer com outros estafetas que não o façam”. Ora, o valor recebido pelos estafetas depende do valor que pela ré é fixado unilateralmente para a taxa de entrega. Não se pode considerar, que pelo facto do estafeta poder fixar o preço do km entre um limite e máximo que o mesmo acaba por participar na fixação o valor final do serviço prestado, mas apenas na sua indisponibilidade para trabalhar abaixo de um determinado valor de quilómetro, quando é a ré que unilateralmente fixa o valor da taxa de entrega para o trabalho a efetuar, sem qualquer negociação com o prestador de atividade, valor que irá determinar, por sua vez, o valor a receber pelo estafeta. O facto de o mesmo, depois de indicado o valor mínimo, poder visualizar as ofertas que não lhe são apresentadas, e eventualmente alterar, a sua determinação ou aceitar proposta de entrega contrária a esta, igualmente não se afigura que seja bastante para sustentar um qualquer poder negocial real do mesmo na determinação do valor do serviço, tanto mais que se desconhecem todos os termos em que o valor final apresentado é fixado. E assim sendo, mostra-se assim verificado o indício de laboralidade previsto no art.º 12º-A, nº 2, al. a) do Código do Trabalho”. Concorda-se com estas considerações. Efetivamente, o prestador da atividade não define a sua retribuição, limitando-se a disponibilizar-se ou não para a execução de um determinado serviço, mas sem que os limites pré-definidos e em que se move possam ser alterados. O estafeta não pode negociar quaisquer valores diversos, limitando-se, nos parâmetros contratualmente definidos a manifestar das suas preferências e a sua disponibilidade para executar esta ou aquela tarefa. A alteração de facto não tem qualquer relevância para afastar estas conclusões. * Relativamente ao disposto na alínea e), o tribunal a quo considerou verificar-se destarte: No nosso caso em concreto, decorre da referida cláusula 14.ª, alínea b) em conjugação com a cláusula 5.ª do contrato do contrato de parceiro de entregas do parceiro de frotas, um conjunto de obrigações que o estafeta terá de cumprir no exercício da sua atividade, sendo certo que ficou provado que os clientes da Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda podem reportar problemas com os pedidos de entrega no caso de violações dos termos e condições (4.1.48) e as solicitações de reconhecimento facial visam apenas detetar partilhas de contas não autorizadas (4.1.49). O descrito permite que a Uber Eats vá podendo ter informação quanto ao cumprimento das regras e obrigações que a mesma fixou na execução da atividade prestada pelo estafeta e a consequência será a possibilidade da mesma desativar a conta do estafeta, ou seja, em rigor resolver o contrato, o que ocorrerá em situações, nomeadamente, relacionadas com situações de incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato ((Cfr. pontos ii) iii) e iv) da cláusula 14.ª, al.b)), cujas condições de execução foram aceites pelo AA sem possibilidade de negociação, ou seja, não se verifica uma situação da total autonomia do estafeta no exercício da sua atividade, mas antes o cumprimento de um conjunto de regras e obrigações pré-estabelecidas pela Ré cuja consequência do não deixa de ser a desativação da conta e o mesmo não poer fazer mais entregas, ou seja, trata-se de uma sanção em consequência da manifestação do poder disciplinar da Ré que o exercerá sempre que o considerar oportuno em função dos critérios acima indicados, assim, na prática a desativação implica a cessação do contrato resultante de um comportamento de incumprimento ou cumprimento defeituoso do estafeta, ou seja, equivalente à sanção de despedimento praticado ao abrigo do poder que a mesma acaba por ter em o efetuar de forma unilateral. Vejamos. No caso das plataformas digitais a lei considera como manifestação de poder disciplinar “a exclusão de futuras atividades na plataforma através da desativação da conta”. É claro que aqui, como em todo o artigo 12-A, subjaz uma lógica de adaptação às novas realidades económicas e laborais, acompanhando a evolução social e surpreendendo e adaptando o normativo legal à mesma. De aí a referência à desativação de conta, que em termos clássicos provavelmente não bastaria para se poder falar de exercício do poder disciplinar. Isto é relevante porque nos permite apreender o sentido do normativo em questão. Assim é claro que, se a conduta de prestador da atividade pode desembocar na desativação da conta, mesmo que tenha sido mediada pela resolução do contrato (como pretende a ré), cabe concluir que se verifica o disposto nesta alínea. Ora, face aos termos da alínea b) da cláusula 14 do contrato de parceiro de entregas do parceiro de frota, afigura-se incontornável que é este o caso, compreendendo-se, aliás, que a R. perca a confiança num estafeta incumpridor ou até mal comportado e que se procure reservar o direito de extrair de aí conclusões. Sendo assim, porém, face aos termos da aludida cláusula, é de concluir que sendo a ré uma plataforma digital, se verifica o disposto na alínea e) do artigo 12-A. * O que significa que se verifica a presunção legal de laboralidade do contrato entre AA e a Uber Eats Portugal. * Esgrime a R que de todo o modo demonstrou que o contrato não tem características laborais. Em tese geral é possível que se demonstre que o vínculo não é de trabalho subordinado como resulta do n.º 4 do art.º 12, e bem se compreende, porquanto a presunção da existência de contrato de trabalho destina-se a ajudar à descoberta da verdade e não a obstar à mesma. E acontece por vezes as partes quererem, no interesse de ambos, celebrar um convénio alheio às limitações do direito laboral. A R. invoca designadamente que o estafeta se podia fazer substituir, o que demonstra que a atividade não é prestada intuitu personae. Porém, a aptidão do substituto para continuar a prestar a atividade com um cunho pessoal aprovado pela credora da atividade está assegurado na medida em que que lhe cabe indicar alguém com conta ativa na plataforma eletrónica da ré. Como decidiu o acórdão da Relação de Guimarães de 03.10.24, “é meramente aparente a possibilidade de o “estafeta” se fazer substituir, quando tem de o fazer em outro “estafeta “com conta activa” na plataforma eletrónica da ré, não sendo este um terceiro ao já fazer parte da “pool” da ré”. Deste modo, este elemento é irrelevante. A Ré chama atenção para o facto de o prestador não ser obrigado a realizar qualquer entrega, aceitar qualquer pedido, estar sujeito a exclusividade, bem como a circunstancia de poder estabelecer um valor mínimo a partir do qual não está disponível para realizar a entrega, tendo ainda autonomia quanto ao horário de trabalho, períodos de ausência, local de atividade (por exemplo, localidade), podendo até cancelar serviços propostos depois de os ter aceite, auferir remuneração variável e por entrega, além de todos os instrumentos de trabalho serem seus, com elementos que excluem a existência de contrato de trabalho subordinado. Alguns destes pontos apontados pela ré não correspondem à verdade - por exemplo que todos os instrumentos de trabalho sejam do prestador, como acabámos de ver -, outros são virtualmente irrelevantes (a remuneração variável é admitida em termos gerais pela legislação laboral, respeitados determinados limites e condições, art.º 261/1 e 3, CT; a exclusividade pode não de existir, havendo, aliás, diversos casos de pluralidade de empregos no âmbito do contrato de trabalho subordinado). Os demais demonstram a inexistência de contrato de trabalho? Não se nos afigura. Na verdade, vários destes pontos correspondem a caracteres-ticas da prestação, do seu modo de execução, como a inexistência de horário, de local de exercício da atividade (é sabido que este local pode corresponder a toda uma área em que a credora presta serviços - por exemplo, um informático altamente especializado a laborar para uma multinacional poderá ter a seu cargo uma zona de âmbito nacional ou até maior), e as já referidas faculdades de substituição, de escolha de tarefas e de - dentro uma determinada moldura - definição de valores mínimos. A R. chama a atenção para o facto de não dar ordens, “bastando que aceitem a entrega proposta e entreguem no local determinado pelo cliente”. Mas também isto não tem essa relevância, porquanto a natureza da atividade se presta exatamente à definição de um quadro geral na qual o estafeta opera, e em que, observando os seus limites, é livre posteriormente para tomar decisões concretizando a forma como conduz, como interage com clientes e outros. O que não exclui uma orientação geral. Tudo visto e ponderado, não se vislumbra que os factos provados, globalmente apreciados, afastem a presunção contida nas alíneas acima referidas. Deste modo, improcede o recurso. * * DECISÃO Pelo exposto, este Tribunal julga a apelação improcedente e, em consequência, confirma a sentença recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 5 de dezembro de 2024 Sérgio Almeida Eugénia Guerra Maria José Costa Pinto ____________________________________________ 1. Na enumeração dos factos provados seguir-se-á a numeração simples, a começar no n.º 1, ignorando-se os dois primeiros pontos, que só têm razão de ser no contexto formal da sentença recorrida. Quer dizer, o impugnado 4.1.21 será designado 21, o 4.1.32 será designado 32, e assim sucessivamente.↩︎ 2. Cf. o que é corolário das regras do direito substantivo cível art.º 396 (“A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal”), 391 (“O resultado da inspecção é livremente apreciado pelo tribunal”) e 389 (“A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”).↩︎ 3. “O que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas processuais. O que decide é a verdade material e não a verdade formal” (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, cl. Edit., 384).↩︎ 4. “O princípio traduz-se principalmente no contacto pessoal entre o juiz e as diversas fontes de prova (Manuel de Andrade, idem, 386).↩︎ 5. E ainda, acrescente-se, o da oralidade.↩︎ 6. E o problema não está no mero áudio mas na natureza estática da documentação. Ainda que se grave som e imagem é fácil ver que só o Tribunal que recolhe a prova pode pôr as testemunhas à prova para dissipar duvidas, aperceber-se in loco de cumplicidades e tensões inconfessadas, etc.↩︎ 7. Subordinação que não se confunde com a económica (ou mesmo social ou técnica), já que muito embora amiúde o trabalhador viva dos proventos da sua atividade profissional dependente, não tem de ser assim, podendo ter fontes de rendimentos que lhe permitam até viver sem os rendimentos do trabalho por conta de outrem (nota Bertrand Russel, in A Conquista da Felicidade, citado por António Gustavo da Mota, “A Evolução da Técnica e da Organização do Trabalho”, ed. Almedina, 1996, 38, que o trabalho é desejável como antídoto contra o aborrecimento e como fator de êxito pessoal - o que mostra que está para além da mera necessidade de obtenção de meios de sobrevivência).↩︎ 8. Seguimos a lição do Prof. Romano Martínez, Direito do Trabalho, 309 e ss. Outras sistematizações são possíveis, como é o caso proposta pela Mestre Isabel Parreira.↩︎ 9. Com pertinência cita-se a lição da Prof.ª Rosário Palma Ramalho, “Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais”, Volume II, Almedina, Julho de 2006, pág. 29, 31, 32, 34 a 36: «O confronto do elemento da subordinação com os restantes elementos essenciais do contrato de trabalho evidencia a sua importância vital para a distinção do negócio laboral de outros negócios que envolvem a prestação de uma atividade laborativa: enquanto o elemento da atividade é comum e o elemento da retribuição pode estar presente nas várias formas de prestação de um trabalho, o elemento da subordinação é típico e específico do contrato de trabalho. (…) Nesta linha são identificados os seguintes traços característicos da subordinação: i) A subordinação é jurídica e não económica: este qualificativo realça o facto de a subordinação ser inerente ao contrato de trabalho, por força da sujeição do trabalhador aos poderes laborais (…) ii) Pode ser meramente potencial (…), para a sua verificação não é necessária uma atuação efetiva e constante dos poderes laborais, mas basta a efetiva possibilidade do exercício desses poderes (…) iii) (…) Pode ser mais ou menos intensa, de acordo com as aptidões do próprio trabalhador, com o lugar que ocupa na organização laboral ou com o nível de confiança que o empregador nele deposita (…) iv) É jurídica e não técnica (…) é compatível com a autonomia técnica e deontológica do trabalhador no exercício da sua atividade e se articula com as aptidões específicas do próprio trabalhador e com a especificidade técnica da própria atividade (artigo 112.º do Código do Trabalho) (…) v) A subordinação tem uma limitação funcional, (…)é imanente ao contrato de trabalho, pelo que os poderes do empregador se devem conter dentro dos limites do próprio contrato. (…)↩︎ |