Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA TERESA F. MASCARENHAS GARCIA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA SERVIÇOS GRATIFICADOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS JUROS DE MORA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/24/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCILAMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. Uma das características dos serviços remunerados (também apelidados de “gratificados”) é o facto de estes se realizarem em acumulação com as funções normais decorrentes do serviço policial, o que significará um esforço acrescido, com mais horas de trabalho, menos tempo de descanso e menos tempo para a família, o que poderá acarretar consequências físicas e também psíquicas nos polícias, podendo exprimir-se numa diminuição do rendimento destes naquele que é o seu serviço prioritário, o serviço de polícia e de segurança pública. II. A circunstância de o relatório do INML dar como provado que as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade profissional (embora implicando esforços suplementares) não obsta a que o Tribunal dê como provado que o Autor já não consiga fazer serviços remunerados, na medida em que este sempre consubstanciará um sobre-esforço (trabalho suplementar) a acrescer ao trabalho habitual. III. Tendo o Autor deixado de ter capacidade/resistência para acumular tais serviços remunerados/gratificados com as funções normais decorrentes do serviço policial, são indemnizáveis, a título de lucro cessante, as quantias que o mesmo deixou de auferir com a prestação de tal serviço. IV. Tendo em consideração (i) a idade do Autor à data do acidente (29 anos), (ii) ter o mesmo suportado uma incapacidade temporária durante 258 dias, (iii) suportado sofrimentos (quantum doloris) situados em grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, (iv) ser portador de um dano estético permanente enquadrável no grau 1, da mesma escala, (v) ter ficado a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos em 100, (vi) com repercussão permanente na actividade profissional, implicando esforços suplementares (tendo em conta a dificuldade em realizar esforços com membros superiores com irradiação à coluna e realizar marcha por períodos prologados),(vii) a repercussão permanente na actividade sexual de grau 2 em 7, (viii) a dependência permanente de ajudas, nomeadamente medicação analgésica e anti-inflamatória e, por ultimo (ix) a ausência de culpa do Autor na produção do evento gerador dos danos, entende-se manter o montante indemnizatório fixado pela 1.ª instância de € 56 000,00, para ressarcimento de danos não patrimoniais (nos quais incluiu o dano biológico aqui) que o acidente acarretou para o Autor. V. Os métodos de cálculo de indemnização constantes da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, não vinculam os tribunais, sendo o próprio preâmbulo a afirmar que o objectivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas “o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis”. VI. No caso vertente, tendo a indemnização por danos não patrimoniais sido fixada, na sentença recorrida, actualizadamente, os juros de mora contam-se a partir da data daquela, excluindo-se sempre a contagem a partir da citação (como havia sido determinado na sentença recorrida). (Sumário elaborado pela relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: T, intentou acção declarativa comum contra Y – Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação da Ré no pagamento ao Autor da quantia de € 39.044,00 (trinta e nove mil e quarenta e quatro euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento. Alegou em síntese que: - No dia 12 de Agosto de 2017, cerca das 07:30 horas, ocorreu um acidente entre o veículo automóvel marca Volkswagen Golf, matrícula XX-XX-XX, conduzido por A e o motociclo marca Kynco, matrícula YY-YY-YY, conduzido pelo Autor, seu proprietário, o qual ocorreu no cruzamento formado pela Rua Áurea e a Rua da Conceição, em Lisboa; - O veículo XX-XX-XX não parou ao sinal vermelho e foi embater no lado esquerdo do motociclo; - Em resultado da colisão, o Autor foi projectado ao solo, assistido no local por uma equipa do INEM e transportado em Ambulância ao serviço de urgências do Hospital de São José, onde recebeu tratamento; - do embate resultaram para o Autor danos patrimoniais e não patrimoniais; - nomeadamente, o Autor foi submetido a exames, foi acompanhado na medicina familiar, em consultas, assim como foi seguido nos serviços clínicos da Ré, no Hospital dos Lusíadas, tendo iniciado programa de 10 sessões de fisioterapia; - as lesões sofridas pelo Autor deixaram-lhe sequelas e determinaram Incapacidade temporária geral total de total de 1 dia, Incapacidade temporária profissional total de 137 dias, Incapacidade total permanente de 5% de 144 dias, Incapacidade Parcial Permanente de 2 pontos e Quantum doloris de Grau 4/7; - à data do acidente o A. tinha à data do acidente 30 anos de idade, gostava de conviver e aproveitava os seus momentos de lazer, costumando dar passeios de mota e jogar futebol com os amigos, tendo deixado de o fazer por medo, da mesma forma que reduziu o seu convívio social, o que lhe traz desgosto; - sofreu dores quer no momento do acidente, quer durante a observação e recuperação; - danos não patrimoniais que avalia em € 15 000,00; - o Autor, enquanto agente da PSP, estava afecto à escala de serviços remunerados, estando desde o acidente impedido de prestar os mesmos e de auferir a remuneração correspondente que se situava numa média de mensal de € 480,00; - a Ré pagou ao Autor o valor correspondente aos serviços remunerados que o mesmo deixou de prestar entre Agosto de 2017 e Abril de 2018, deixando de o fazer a partir de então; - As lesões do acidente implicam para o Autor um maior esforço físico para desempenhar as tarefas profissionais do dia-a-dia; - tendo em atenção a idade do Autor à data do acidente, a esperança média de vida, a incapacidade de que ficou a padecer, assim como o seu rendimento anual, dever-lhe à ser atribuída, a título de € 13 000,00; - o acidente ficou a dever-se exclusivamente à conduta negligente do condutor do veículo XX-XX-XX o qual tinha a sua responsabilidade transferida para a R. através da apólice nº 1234567, responsabilidade essa que a Ré assumiu. Terminou pedindo a procedência da acção e consequente condenação do Réu no pedido. Devidamente citada, a Ré veio contestar, alegando em suma: - ter assumido a responsabilidade do seu segurado na produção do acidente, tendo inclusive regularizado alguns dos danos sofridos pelo Autor (despesas médicas e perdas salariais, por exemplo); - impugnar ainda expressamente as invocadas consequências decorrentes do sinistro, designadamente os alegados danos corporais sofridos e/ou a evolução das sequelas emergentes do acidente de viação a que os autos se reportam, devendo as mesmas ser objecto de prova pericial a produzir; - relativamente aos danos não patrimoniais, alega que a indemnização peticionada é manifestamente excessiva, devendo ser objecto de redução. Conclui assim a Ré pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido. Devidamente notificado para o efeito, veio o Autor responder à matéria de excepção de pagamento invocada em sede de contestação. Por despacho de 22-02-2021 dispensou-se a realização de audiência prévia e proferiu-se despacho saneador, fixou-se o objecto do litígio e elencaram-se os temas de prova. Por requerimento de 25-01-2022 veio o Autor apresentar ampliação do pedido inicialmente formulado, incidente esse admitido por despacho de 09-02-2022. Após a realização de prova pericial, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento e em 15-02-2024 foi proferida sentença na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao autor: - A quantia de €56.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento; - A quantia a liquidar posteriormente, correspondente ao valor do remunerados que o autor deixou de fazer entre Maio de 2018 e Março de 2020, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento. Inconformada com a sentença que a condenou nos termos supra referidos veio a Ré apelar, tendo apresentado alegações, em que formulou as seguintes conclusões: I. Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal a quo, com a referência Citius n.º 432976570, notificada à Recorrente a 16.02.2024, sendo o mesmo apresentado na firme convicção de que os montantes indemnizatórios arbitrados ao Recorrido são excessivos atenta a factualidade dada como provada. II. Vem a ora Recorrente condenada a pagar ao Recorrido a quantia correspondente ao valor dos remunerados que o Recorrido deixou de fazer entre Maio de 2018 e Março de 2020, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento. III. Resultou dos autos, com relevo para a decisão final e decorrente da prova documental e testemunhal produzida nos autos – maxime o relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível, complementada pelos esclarecimentos prestados em sede de julgamento pelo médico Sr. Dr. M – que não existiu qualquer incapacidade do Recorrido para prestar o serviço gratificado entre Maio de 2018 e Março de 2020, nem há lesões descritas em nenhum relatório médico que determinem as sequelas descritas no relatório do INML ou que impeçam o Recorrido de prestar o seu serviço habitual e o serviço gratificado. IV. Do relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível resulta do mesmo relatório que o Recorrido retomou a actividade profissional habitual a 28 de Dezembro de 2017, data anterior à data de consolidação médico-legal das lesões do Recorrido. V. Tanto quanto resultou dos depoimentos prestados e confirmado pelo Recorrido, a sua actividade profissional habitual era a de patrulha, envolvendo uma média de 8 horas de serviço que implica longos períodos de caminhada a pé, sendo que o serviço gratificado que era prestado implicava, pelo menos, esforços similares à actividade habitual do Recorrido. VI. Assim, se o Recorrido não ficou impedido para o exercício da sua actividade habitual, com duração de 7h a 8h diárias, tendo até regressado ao serviço antes da data da consolidação médico-legal das lesões, não faria sentido ficar impedido para prestar os serviços gratificados, uma vez que apenas poderia prestar tais serviços pelo período mínimo de 4 horas. VII. O Recorrido, quando inquirido, confirmou, ainda, que da parte da entidade empregadora nenhum impedimento foi levantado a que o Recorrido prestasse a sua actividade habitual ou serviço gratificado, não estando medicamente comprovado que esteja impedido de o fazer. VIII. Por outro lado, da prova carreada aos autos, é absolutamente perceptível a volatilidade dos montantes que o Recorrido auferia a título de serviço gratificado, sendo certo que não ficou demonstrado quantas escalas fazia para que fosse possível chegar-se a uma média razoável. IX. A afirmação supra-referida poderá ser confirmada com a prova documental junta aos autos pelo Autor, ora Recorrido, nomeadamente com a declaração de IRS de 2016 (um ano antes do acidente), em que o Recorrido apenas auferiu de gratificados no valor total de € 37,30 (trinta e sete euros e trinta cêntimos). X. Acresce que atenta a prova produzida, nomeadamente do depoimento de R, ficou demonstrado que o Recorrido mantém, mesmo após o sinistro dos Autos, o seu convívio social, ao contrário do que consta no facto 29. dado como provado na sentença recorrida. XI. Neste sentido, considera a ora Recorrente, sempre com todo o respeito e consideração, que o Tribunal a quo fez uma errada valoração da prova produzida, pelo que deverão os factos 27. e 29. dados como provados na sentença recorrida ser, ao invés, dados como não provados. XII. Por outro lado, foi a ora Recorrente condenada a pagar ao Recorrido a quantia total de € 56.000,00 (cinquenta e seis mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento. XIII. Salvo o devido respeito, verifica-se na sentença recorrida uma errada interpretação e aplicação do Direito que aplicou ao caso em concreto, nomeadamente na fixação da indemnização excessiva e infundada atinente aos danos não patrimoniais, por violação dos juízos de equidade, não tendo em consideração as especificidades do caso e a jurisprudência em casos análogos ao dos autos. XIV. Salienta-se que, na fixação da indemnização, não há que atender ao facto de uma sociedade de seguros estar obrigada a pagar em lugar do responsável, uma vez que o segurador não é directamente responsável para com o lesado, no sentido de que a indemnização tenha de ser determinada em atenção à sua melhor ou pior situação económica; quem é directamente responsável para com o lesado é o segurado. XV. Atente-se ainda no disposto na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, a qual fixa os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel de proposta razoável para indemnização do dano corporal. A referida Portaria estipula no ANEXO IV os valores devidos pela violação do direito à integridade física e psíquica e no ANEXO V a proposta razoável em caso de despesas incorridas e rendimentos perdidos por incapacidade. XVI. Nesta conformidade, não se revela adequado a fixação do montante total de €56.000,00 (cinquenta e seis mil euros), por se revelar exagerado, pelo que deverá fixar-se um valor pelos danos não patrimoniais, que não deverá ultrapassar os € 20.000,00 (vinte mil euros), o que se requer. XVII. Caso o entendimento do Tribunal a quo seja improcedente quanto à fixação do supra referido montante indemnizatório referente aos danos não patrimoniais, cumpre referir que o disposto no artigo 566.º, n.º 1 do Código Civil não pode ser visto como um meio do credor enriquecer indevidamente à custa do devedor, nos termos do artigo 473.º do mesmo preceito legal. XVIII. Por fim, atendendo a que o Tribunal a quo fixou a indemnização de forma actualizada – quer quanto à indemnização pelos danos patrimoniais, quer quanto aos danos não patrimoniais – os juros de mora deveriam contar somente a partir da prolação da sentença, e não da data de citação, sob pena de se originar uma duplicação dos valores indemnizáveis, o que se requer. XIX. A sentença recorrida viola, entre outras normas e princípios do sistema jurídico, os artigos 483.º, 496.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do Código Civil. Conclui assim pela revogação da sentença e procedência do recurso em conformidade. O Autor não apresentou contra-alegações. Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir. * Questão a decidir: O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (arts. 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. Importa assim apreciar no caso concreto: - Da Impugnação da matéria de facto; - Errada interpretação e aplicação do direito: a) Adequação da quantia fixada ao autor a título de indemnização por danos não patrimoniais, emergentes de acidente de viação; b) Início da contagem de juros. * II. Fundamentação: Na primeira instância foram considerados os seguintes Factos provados 1. O autor nasceu em 20.12.1987, conforme certidão de nascimento de fls. 149. 2. No dia 12 de Agosto de 2017, cerca das 7.30 horas, ocorreu um acidente de viação entre o veículo automóvel marca Volkswagen Golf, matrícula xx-xx-xx, conduzido por A e o motociclo marca Kynco, matrícula YY-YY-YY conduzido pelo seu proprietário, autor nesta acção. 3. O acidente ocorreu no cruzamento formado pela Rua Áurea e a Rua da Conceição, em Lisboa. 4. O veículo YY-YY-YY circulava na Rua Áurea, sentido Rossio/Praça do Comércio e o veículo XX-XX-XX circulava na Rua da Conceição sentido Rua da Prata/Praça do Município. 5. O tempo estava bom e o pavimento seco e limpo. 6. No referido cruzamento o trânsito é regulado por sinais semafóricos de regulação do trânsito. 7. Os semáforos encontravam-se a funcionar normalmente. 8. O veículo XX-XX-XX não parou ao sinal vermelho e foi embater no lado esquerdo do motociclo. 9. O autor usava capacete. 10. Em resultado da colisão, o Autor foi projectado ao solo, causando-lhe várias escoriações e traumatismos. 11. O autor foi assistido no local por uma equipa do INEM e transportado em Ambulância ao serviço de urgências do Hospital de São José, onde recebeu tratamento. 12.Como consequência directa e necessária do embate, resultou para o autor: 13. Lombalgias residuais de défices articulares nos últimos graus da flexão, espasticidade muscular para vertebral lombar; diversas cicatrizes dispersas pelos membros superior e inferior direitos. 14. Período de défice funcional temporário parcial (incapacidade temporária geral parcial), correspondente ao período em que a evolução das lesões passou a consentir alguma grau de autonomia na realização de actos correntes da vida diária, ainda que com limitações: entre 12.8.2017 e 26.4.2018, num total de 258 dias. 15.Repercussão temporária na actividade profissional total (incapacidade temporária profissional total), correspondente ao período em que o autor, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos actos inerentes à sua actividade profissional habitual: Entre 12.8.2017 e 27.12.2017, num total de 138 dias. 16.Repercussão temporária na actividade profissional parcial (incapacidade temporária profissional parcial), correspondente ao período em que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização das actividades profissionais, ainda que com limitações: Entre 28.12.2017 e 26.4.2018, num total de 120 dias. 17.A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 26.4.2018. 18. Quantum doloris, correspondente à valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela vítima durante o período de danos temporários, entre o acidente e a data da consolidação das lesões: grau 4 em 7. 19.Como consequência directa e necessária do embate, resultaram igualmente para o autor as seguintes lesões de forma permanente: 20.Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (incapacidade permanente geral), que se refere à afectação definitiva da integridade física ou psíquica, incluindo as familiares e sociais, sendo independente das actividades profissionais: 5 pontos em 100. 21.Repercussão permanente na actividade profissional: as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade profissional, mas implicam esforços suplementares, tendo em conta a dificuldade em realizar esforços com os membros superiores com irradiação à coluna lombar e de realizar marcha por períodos de tempo prolongados. 22.Dano estético permanente: 1 grau em 6. 23.Repercussão permanente na actividade sexual, correspondente à limitação total ou parcial do nível de desempenho/gratificação de natureza sexual: 2 graus em 7. 24.Dependências permanentes de ajudas: o autor necessita de medicação analgésica e anti-inflamatória, de forma periódica. 25. O autor, agente da PSP, podia prestar serviço de remunerados, além do horário normal de serviço. 26.Antes do acidente, o autor auferia um média mensal de remunerados de valor não concretamente apurado. 27. Em consequência das lesões do acidente, o autor já não consegue fazer remunerados, porquanto as dores se agravam quando está muito tempo de pé, sentado ou a andar. 28.Após o acidente, o autor deixou de utilizar motos. 29. Em consequências do acidente, o autor viu reduzido o seu convívio social, o que lhe causa sentimento de tristeza e desgosto. 30. Em consequência do acidente, o autor tem dificuldade em carregar pesos. 31.A ré pagou ao autor o valor correspondente aos serviços remunerados entre 18.8.2017 e Abril de 2018. 32.A ré pagou à PSP, entidade que processa os vencimentos do autor, a quantia de €4.372,87, a título de reembolso pelos vencimentos pagos ao autor, cf. fls. 38. 33.À data do acidente, o proprietário do veículo automóvel XX-XX-XX, tinha a sua responsabilidade civil transferida para a ré. Factos não provados 34. O autor aceitou proposta da ré de €3.094,00. * III. O Direito: a) Impugnação da matéria de facto a.1) Requisitos a observar na impugnação da matéria de facto Dispõe o art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil: A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Tem sido entendido que, ao abrigo do disposto no citado preceito, a Relação tem os mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Donde, deve a Relação apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido e na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto -neste sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 287. O actual art. 662.º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava, ficando claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia. O Tribunal não está vinculado a optar entre alterar a decisão no sentido pugnado pelo recorrente ou manter a mesma tal como se encontra, antes goza de inteira liberdade para apreciar a prova, respeitando obviamente os mesmos princípios e limites a que a 1ª instância se acha vinculada. Sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o art.º 640º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, que: 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º. Assim, os requisitos a observar pelo recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, são os seguintes: - A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados; - A especificação dos meios probatórios que no entender do recorrente imponham uma solução diversa; - A decisão alternativa que é pretendida. A este respeito, cumpre recordar duas restrições a uma leitura literal e formal destes ónus processuais inerentes ao exercício da faculdade de impugnação da matéria de facto. Deverá ter-se em atenção a tendência consolidada da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de não se exponenciarem os efeitos cominatórios previstos no art. 640.º do CPC e de realçar a necessidade de extrair do texto legal soluções capazes de integrar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, “dando prevalência aos aspectos de ordem material”, na expressão de Abrantes Geraldes, ob. cit., pg. 171 (nota 279) e 174. Em primeiro lugar, apenas se mostra vinculativa a identificação dos pontos de facto impugnados nas conclusões recursórias; as respostas alternativas propostas pelo recorrente, os fundamentos da impugnação e a enumeração dos meios probatórios que sustentam uma decisão diferente, podem ser explicitados no segmento da motivação, entendendo-se como cumprido o ónus de impugnação nesses termos. No que tange à decisão alternativa, tenha-se em atenção o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023, de 17/10/2023, publicado no Diário da República nº 220/2023, Série I, de 14/11/2023, com o seguinte dispositivo: Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações. Quanto aos restantes requisitos, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal, de 01/10/2015 (Ana Luísa Geraldes), de 14/01/2016 (Mário Belo Morgado), de 19/2/2015 (Tomé Gomes); de 22/09/2015 (Pinto de Almeida), de 29/09/2015 (Lopes do Rego) e de 31/5/2016 (Garcia Calejo), todos disponíveis na citada base de dados, citando-se o primeiro: «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objecto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» Em segundo lugar, cumpre distinguir, quanto às explicitações exigidas ao impugnante e no que se refere à eficácia impeditiva do seu incumprimento, para a apreciação da impugnação, em dois graus de desvalor. Se o incumprimento dos ónus processuais previstos no nº 1 do citado art. 640º implica a imediata rejeição da impugnação, já o incumprimento dos ónus exigidos no nº 2 do mesmo preceito (…indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso…) tem visto essa eficácia limitada aos casos em que essa omissão dificulte gravemente o exercício do contraditório pela parte contrária ou o exame pelo tribunal de recurso, pela complexidade dos facos controvertidos, extensão dos meios de prova produzidos ou ausência de transcrição dos trechos relevantes. A esse respeito, veja-se o Acórdão de 11/02/2021 (Maria da Graça Trigo) consultável em www.dgsi.pt: I. O respeito pelas exigências do n.º 1 do art. 640.º do CPC tem de ser feito à luz do princípio da proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostos pela lei processual, princípio que constitui uma manifestação do princípio da proporcionalidade das restrições, consagrado no art. 18.º, n.ºs 2 e 3 da Constituição, e da garantia do processo equitativo, consagrada no art. 20.º, n.º 4 da Constituição. II. No caso dos autos, afigura-se que o fundamento de rejeição da impugnação de facto é excessivamente formal, já que a substância do juízo probatório impugnado se afigura susceptível de ser apreendida, tendo sido, aliás, efectivamente apreendida pelos apelados ao exercerem o contraditório de forma especificada. III. Trata-se de uma acção relativamente simples, com um reduzido número de factos provados e de factos não provados, em que a pretensão dos réus justificantes é facilmente apreensível e reconduzível aos factos por si alegados para demonstrarem a usucapião e que encontram evidente ou imediato reflexo nos factos não provados que pretendem que sejam reapreciados, factos esses correspondentes, em grande medida, à matéria objecto da escritura de justificação. De igual modo decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 29/10/2015 (Lopes do Rego), consultável em www.dgsi.pt: 1. Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes ( e que consta actualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC) . 2. Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento complemente tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso. Veja-se, também do Supremo Tribunal, o Acórdão de 21/03/2019 (Rosa Tching), disponível em www.dgsi.pt: «I. Para efeitos do disposto nos artigos 640.º e 662.°, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, impõe- se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º l do citado artigo 640°, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objecto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. E, por outro lado, a exigência da indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do n° 2 do mesmo artigo 640°, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. II. Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640.°, os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. III. Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no n.º l, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640.° implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o n° 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexactidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso. IV. Tendo o recorrente, indicado, nas conclusões das alegações de recurso, o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas ou indicado o ficheiro em que os mesmos se encontram gravados no suporte técnico e complementado estas indicações com a transcrição, no corpo das alegações, dos excertos dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso, tanto basta para se concluir que o recorrente cumpriu o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos no artigo 640°, n° 2, al. a) do CPC, nada obstando a que o Tribunal da Relação tome conhecimento dos fundamentos do recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.». No mesmo sentido, o Acórdão de 19/1/2016 (Sebastião Póvoas), disponível na mesma base de dados: “ (…) 5) A falta da indicação exacta e precisa do segmento da gravação em que se funda o recurso, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC não implica, só por si a rejeição do pedido de impugnação sobre a decisão da matéria de facto, desde que o recorrente se reporte à fixação electrónica/digital e transcreva os excertos que entenda relevantes de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório.” Por outro lado há ainda que ter em atenção que, qualquer alteração pretendida pressupõe em comum um pressuposto: a relevância da alteração para o mérito da demanda. A impugnação de factos que tenham sido considerados provados ou não provados e que não sejam importantes para a decisão da causa, não deve ser apreciada, na medida em que alteração pretendida não é susceptível de interferir na mesma, atenta a inutilidade de tal acto, sendo certo que de acordo com o princípio da limitação dos actos, previsto no art.º 130.º do Código de Processo Civil não é sequer lícita a prática de actos inúteis no processo. Veja-se o Acórdão do STJ de 17/05/2017 (Fernanda Isabel Pereira), também disponível em www.dgsi.pt: “O princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo. Trata-se de uma das manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no art. 611.º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no art. 608.º, n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir. Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questão que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis.” E, ainda, os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 15/12/2016 (Maria João Matos) e desta Relação de 26/09/2019 (Carlos Castelo Branco), também da citada base de dados: Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.). A Ré/Apelante, na apelação apresentada – quer no corpo das alegações, quer nas respectivas conclusões –, observou o ónus que lhe era imposto de (i) concretizar os pontos de facto incorrectamente julgados (factos 27 e 29); (ii) especificar os meios probatórios que no seu entender impõem uma solução diversa; (ii) enunciar a decisão alternativa que pretende (passarem os referidos factos para o elenco dos factos não provados). * a.2) Impugnação dos pontos 27 e 29 da matéria de facto provada Neste enquadramento genérico, que flui do texto legal interpretado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, analisemos a impugnação deduzida. Em sede de alegações de recurso pugna a Ré/Apelante pela eliminação dos factos 27 e 29 do elenco dos factos provados, passando os mesmo a constar do elenco dos não provados. Sumariamente refere nas conclusões das alegações que: - Resultou dos autos, com relevo para a decisão final e decorrente da prova documental e testemunhal produzida nos autos – maxime o relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível, complementada pelos esclarecimentos prestados em sede de julgamento pelo médico Sr. Dr. M – que não existiu qualquer incapacidade do Recorrido para prestar o serviço gratificado entre Maio de 2018 e Março de 2020, nem há lesões descritas em nenhum relatório médico que determinem as sequelas descritas no relatório do INML ou que impeçam o Recorrido de prestar o seu serviço habitual e o serviço gratificado. - Do relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível resulta do mesmo relatório que o Recorrido retomou a actividade profissional habitual a 28 de Dezembro de 2017, data anterior à data de consolidação médico-legal das lesões do Recorrido. - Tanto quanto resultou dos depoimentos prestados e confirmado pelo Recorrido, a sua actividade profissional habitual era a de patrulha, envolvendo uma média de 8 horas de serviço que implica longos períodos de caminhada a pé, sendo que o serviço gratificado que era prestado implicava, pelo menos, esforços similares à actividade habitual do Recorrido. - Assim, se o Recorrido não ficou impedido para o exercício da sua actividade habitual, com duração de 7h a 8h diárias, tendo até regressado ao serviço antes da data da consolidação médico-legal das lesões, não faria sentido ficar impedido para prestar os serviços gratificados, uma vez que apenas poderia prestar tais serviços pelo período mínimo de 4 horas. - O Recorrido, quando inquirido, confirmou, ainda, que da parte da entidade empregadora nenhum impedimento foi levantado a que o Recorrido prestasse a sua actividade habitual ou serviço gratificado, não estando medicamente comprovado que esteja impedido de o fazer. - Por outro lado, da prova carreada aos autos, é absolutamente perceptível a volatilidade dos montantes que o Recorrido auferia a título de serviço gratificado, sendo certo que não ficou demonstrado quantas escalas fazia para que fosse possível chegar-se a uma média razoável. - A afirmação supra-referida poderá ser confirmada com a prova documental junta aos autos pelo Autor, ora Recorrido, nomeadamente com a declaração de IRS de 2016 (um ano antes do acidente), em que o Recorrido apenas auferiu de gratificados no valor total de € 37,30 (trinta e sete euros e trinta cêntimos). - Acresce que atenta a prova produzida, nomeadamente do depoimento de R, ficou demonstrado que o Recorrido mantém, mesmo após o sinistro dos Autos, o seu convívio social, ao contrário do que consta no facto 29. dado como provado na sentença recorrida. Analisemos, assim, os concretos pontos de facto impugnados pelo recorrente: Facto 27: Em consequência das lesões do acidente, o autor já não consegue fazer remunerados, porquanto as dores se agravam quando está muito tempo de pé, sentado ou a andar. Facto 29: Em consequências do acidente, o autor viu reduzido o seu convívio social, o que lhe causa sentimento de tristeza e desgosto. No que a estes factos diz respeito o Exmo. Sr. Juiz a quo fundou a sua convicção conjunta aos mesmos da seguinte forma: “A factualidade provada em 25. a 30. deve-se às declarações de parte do autor e aos depoimentos das testemunhas J, C, R” Facto 27 A respeito do facto 27 alega a Recorrente, nas suas alegações, que resultou dos autos, com relevo para a decisão final e decorrente da prova documental e testemunhal produzida nos autos – maxime o relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível, complementada pelos esclarecimentos prestados em sede de julgamento pelo médico Sr. Dr. M – que não existiu qualquer incapacidade do Recorrido para prestar o serviço gratificado entre Maio de 2018 e Março de 2020. Pelo contrário, apenas ficou provado que o Recorrido tem esforços acrescidos para o desempenho da sua actividade habitual, não havendo lesões que impeçam o Recorrido de prestar o seu serviço habitual e o serviço gratificado. Para além do relatório pericial de avaliação de dano corporal, convoca ainda a Apelante o teor do depoimento da testemunha M, médico, inquirida no dia 24 de Novembro de 2023; o depoimento das testemunhas R, C, bem como as declarações de parte do Autor T. Analisámos o Relatório Pericial junto aos autos, ouvimos integralmente os depoimentos e declarações de parte referenciados pelo recorrente e temos a dizer o seguinte: - do Relatório pericial efectuado pelo INML nada resulta a propósito da concreta possibilidade/impossibilidade de o Autor fazer trabalhos remunerados, limitando-se a afirmar que as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual (agente da PSP), mas implicam esforços suplementares. Ali se refere-se textualmente que “ ..as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares, tendo em conta a dificuldade em realizar esforços com os membros superiores com irradiação à coluna lombar e de realizar marcha por períodos de tempo prolongados”. - das declarações de parte do Autor resultou que o mesmo não voltou a fazer serviços remunerados. Mais disse que podia fazê-los, mas que optou por não os fazer, para não estar em sofrimento, na medida em que o esforço suplementar que já faz para exercer a sua actividade habitual, não permite que tenha esse acréscimo de esforço, sob pena de comprometer o exercício da sua actividade habitual. - dos depoimentos das testemunhas referidas pela apelante resultou: (i) da testemunha C O Autor continuou a fazer as tarefas de patrulhamento, com mais dificuldade, cansando-se mais e tendo de parar a espaços; Deixou de fazer serviços remunerados, por não conseguir compatibilizar o esforço que já fazia com o exercício da actividade habitual de patrulhamento com esse acréscimo de horário de trabalho, em pé durante, no mínimo 4 horas. (ii) da testemunha R O Autor passou do patrulhamento para a divisão de investigação criminal, em que – tal como no patrulhamento – tem de caminhar muito, andar de carro e estar de pé. O desempenho de tais funções já implicam para o Autor um esforço acrescido, que determinam que o mesmo constantemente tenha de fazer alongamentos. Deixou de fazer serviços remunerados porque os mesmos implicam, num horário fora do horário de serviço, estar em pé, com um cinturão com uma arma ou cassetete o que se torna “ainda mais” penoso, do que o desempenho das suas tarefas. (iii) da testemunha M Essencialmente esta testemunha fez incidir o seu depoimento sobre a existência, ou não, de lesões traumáticas agudas com vista à atribuição de pontos de incapacidade, em sede de avaliação de dano corporal, na dicotomia entre o seu relatório e o relatório do INML. Da conjugação da prova produzida e da sua ponderação, afigura-se-nos, assim, que bem andou a 1.ª instância ao dar como provado que o Autor deixou de conseguir fazer serviços remunerados. Com efeito se, relativamente ao desempenho da sua actividade profissional durante o seu horário de serviço – 7 a 8 horas diárias -, já resultou a penosidade acrescida (esforços suplementares) do mesmo face às sequelas que lhe advieram do acidente, que dizer se, a esse horário de serviço (cujo cumprimento já implica esforço acrescido) fizermos acumular um horário suplementar de não menos de 4 horas – por cada dia de serviço –? Aquilo que teremos será um sobre esforço (esforço sobre o esforço) que não é exigível a qualquer ser humano, apenas e tão somente guiado pela “vertigem do dinheiro” e de ao fim do mês levar para casa uma remuneração maior. Actualmente os serviços remunerados estão previstos na Lei 53/2007, de 31-08 (Lei Orgânica da PSP) e regulamentados pela Portaria 298/2016, de 29-11. Conforme se refere na Dissertação de Mestrado Integrado em Ciências Policiais, “Os serviços remunerados na Polícia de Segurança Pública: um mal necessário ou um bem (in)dispensável?” uma das características destes serviços tem a ver com o facto de estes se realizarem em acumulação com as funções normais decorrentes do serviço policial, o que significará um esforço acrescido, com mais horas de trabalho, menos tempo de descanso e menos tempo para a família, o que poderá acarretar consequências físicas e também psíquicas nos polícias, podendo exprimir-se numa diminuição do rendimento destes naquele que é o seu serviço prioritário, o serviço de polícia e de segurança pública. Se é certo que a realização de tais serviços não é (nem era) obrigatória – pelos agentes da PSP em que o Autor se integrava -, sendo antes facultativa, não é menos certo que o passavam a ser a partir do momento em que os agentes solicitavam a sua integração/inscrição nas respectivas escalas de serviço, sendo certo que esse era, exactamente, o caso do Autor. Tendo o Autor deixado de ter capacidade/resistência para acumular tais serviços remunerados/gratificados com as funções normais decorrentes do serviço policial, tal equivale à afirmação dada por provada, o que acarreta que este dano seja indemnizável a titulo de lucro cessante. Desse modo, acompanha-se integralmente a análise e ponderação que foi feita pelo tribunal a quo a respeito deste facto, quanto à capacidade/resistência física do Autor, não para o exercício da sua actividade profissional (essa consta do relatório pericial do INML), mas sim para um trabalho suplementar que iria acrescer ao desempenho das suas tarefas, já de si realizadas com esforço acrescido. Não se invoque, a este respeito, como argumento, o Relatório do INML, na medida em que este se reporta ao exercício da sua actividade habitual – funções normais decorrentes do serviço policial, dentro do seu horário de trabalho -, e já não a trabalhos extra ao horário de serviço, como é o caso dos serviços remunerados/gratificados, que não foram objecto de apreciação pelo referido relatório médico. Deduz-se que por essa mesma razão o Tribunal a quo, na fundamentação ao facto 27, não fez qualquer alusão ao Relatório Pericial. Inexiste assim motivo para alterar a convicção do Tribunal a quo sobre o facto 27. dos factos provados, que assim se mantém. Improcede, pois, esta reclamação. Facto 29 A respeito do facto 29 alega o recorrente que: A este propósito, refere a testemunha R, inquirida no dia 24 de Novembro de 2023, disse conviver com o T fora do trabalho em almoços, frequentando a casa um do outro, estando familiarmente juntos. Razão pela qual o facto 29 da sentença recorrida deverá ser eliminado, passando a constar da matéria não provada. O facto 29, na redacção que resultou provada na convicção do Tribunal, em momento algum diz que o Autor deixou de ter convívio social. Se o facto 29 afirmasse que desde o acidente o Autor deixou de ter qualquer convívio social, então sim o mesmo estaria em oposição com a prova produzida, nomeadamente com o depoimento da testemunha R que apenas se começou a relacionar com o Autor após o acidente e que afirmou que, ao menos consigo e com a sua família, o Autor manteve o convívio social. Aquilo que o facto 29 da sentença afirma é que “(…), o autor viu reduzido o seu convívio social, o que lhe causa sentimento de tristeza e desgosto.” E pode muito bem dar-se o caso de a testemunha R se encontrar dentro do leque de convívios sociais a que o Autor se restringiu. Ver reduzido o convívio judicial não equivale a anular o convívio social, mas sim a restringi-lo. Tal afirmação consubstanciaria uma falácia de falsa equivalência. Para além disto, a fundamentação a este facto não se baseou apenas no depoimento da testemunha R. Razão pela qual o depoimento desta testemunha - ao afirmar ter convívios sociais com o Autor – não é de molde a infirmar o facto de que o Autor reduziu o seu convívio social. Desse modo, e sem necessidade de maiores considerandos, não se antevêem razões para – apenas com base nas afirmações levadas a cabo pela testemunha R – se alterar a convicção feita pelo tribunal a quo. Inexiste assim motivo para alterar a convicção do Tribunal a quo sobre o facto 29. dos factos provados, que assim se mantém. Improcede, pois, igualmente esta reclamação. b) Errada interpretação e aplicação do direito b.1)Adequação da quantia fixada ao autor a título de indemnização por danos não patrimoniais, emergentes de acidente de viação Alega a Apelante que foi condenada a pagar ao Recorrido a quantia total de € 56.000,00 (cinquenta e seis mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, correspondendo: - € 20.000,00 (vinte mil euros) a título de incapacidade temporária; - € 10.000,00 (dez mil euros) pela incapacidade permanente; - € 10.000,00 (dez mil euros) pelas sequelas; - € 3.000,00 (três mil euros) pelo dano estético; - € 10.000,00 (dez mil euros) pela repercussão sexual; e - € 3.000,00 (três mil euros) pelas dependências permanentes de ajudas, e que a sentença recorrida, que efectuou tal condenação, fez uma errada interpretação e aplicação do Direito ao caso em concreto, violando juízos de equidade e não tendo tido em consideração as especificidades do caso e a jurisprudência em casos análogos ao dos autos. Defende assim que, atentos os danos apurados nos presentes autos, bem como as demais circunstâncias do caso (v.g., o grau de culpabilidade do responsável, situação económica deste e do lesado), a indemnização fixada quanto aos danos não patrimoniais é manifestamente exagerada, devendo ser objecto de redução. Convocou, em abono do seu entendimento, Acórdãos de Tribunais da Relação de Guimarães, Coimbra e Porto, que, em situações mais gravosas que a dos autos, atribuíram montantes indemnizatórios substancialmente inferiores, assim como o Anexo IV da Portaria 377/2008, de 26 de Maio. Por tudo o que alega, conclui no sentido da fixação de indemnização pelos danos não patrimoniais não dever ir além de € 20 000,00. O Exma. Juiz a quo fundamentou a sua decisão, no que concerne aos pedidos de fixação de danos não patrimoniais, da seguinte forma que, pela sua natureza sucinta, aqui se transcrevem: “A atribuição da indemnização por danos não patrimoniais deve ser decidida de acordo com a equidade, cf. artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil. Como consequência directa e necessária do acidente, resultaram para o autor lombalgias residuais de défices articulares nos últimos graus da flexão, espasticidade muscular para vertebral lombar; diversas cicatrizes dispersas pelos membros superior e inferior direitos. À data do acidente, o autor tinha 29 anos. * No que respeita a incapacidade temporária: Como consequência directa e necessária do acidente, entre a data do acidente (12.8.2017) e a da consolidação médico-legal das lesões (26.4.2018), o autor sofreu de: a) Período de défice funcional temporário parcial (incapacidade temporária geral parcial), correspondente ao período em que a evolução das lesões passou a consentir alguma grau de autonomia na realização de actos correntes da vida diária, ainda que com limitações: entre 12.8.2017 e 26.4.2018, num total de 258 dias. b) Repercussão temporária na actividade profissional total (incapacidade profissional total), correspondente ao período em que o autor, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos actos inerentes à sua actividade profissional habitual: Entre 12.8.2017 e 27.12.2017, num total de 138 dias. c) Repercussão temporária na actividade profissional parcial (incapacidade temporária profissional parcial), correspondente ao período em que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização das actividades profissionais, ainda que com limitações: Entre 28.12.2017 e 26.4.2018, num total de 120 dias. d) Quantum Dolores, correspondente à valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela vítima durante o período de danos temporários, entre o acidente e a data da consolidação das lesões: grau 4 em 7. Julga-se adequada indemnização no valor de €20.000,00. * No que respeita a incapacidade permanente: Como consequência directa e necessária do embate, resultaram igualmente para o autor as seguintes lesões de forma permanente: a) Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (incapacidade permanente geral), que se refere à afectação definitiva da integridade física ou psíquica, incluindo as familiares e sociais, sendo independente das actividades profissionais: 5 pontos em 100. Julga-se adequada indemnização no valor de €10.000,00. b) Repercussão permanente na actividade profissional: as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade profissional, mas implicam esforços suplementares, tendo em conta a dificuldade em realizar esforços com os membros superiores com irradiação à coluna lombar e de realizar marcha por períodos de tempo prolongados. Julga-se adequada indemnização no valor de €10.000,00. c) Dano estético permanente: 1 grau em 6. Julga-se adequada indemnização no valor de €3.000,00. d) Repercussão permanente na actividade sexual, correspondente à limitação total ou parcial do nível de desempenho/gratificação de natureza sexual: 2 graus em 7. Julga-se adequada indemnização no valor de €10.000,00. e) Dependências permanentes de ajudas: o autor necessita de medicação analgésica e anti-inflamatória, de forma periódica. Julga-se adequada indemnização no valor de €3.000,00. ** O regime português dos contratos de seguro consta da Lei do contrato de Seguro, anexo ao Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril. Os seguros de responsabilidade civil são regidos pelo disposto no artigo 137.º a 148.º do mesmo diploma. Nos termos do disposto no artigo 137.º do mesmo diploma: “No seguro de responsabilidade civil, o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros.” O contrato de seguro é o negócio jurídico pelo qual uma das partes (a seguradora) se obriga, contra o pagamento de uma prestação certa e periódica (prémio), a indemnizar outra parte (segurado ou terceiro) pelos prejuízos resultantes da verificação de determinados riscos (facto futuro e incerto). À data, o proprietário do veículo de matrícula XX-XX-XX tinha a sua responsabilidade transferida para a ré. Cumpre condenar a ré no pagamento da indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo autor, acima referidos, em consequência do acidente provocado pelo veículo seguro.” Podemos delimitar a matéria de facto relevante, para fixação da indemnização devida pelos danos não patrimoniais, nos seguintes termos: 10. Em resultado da colisão, o Autor foi projectado ao solo, causando-lhe várias escoriações e traumatismos. 11. O autor foi assistido no local por uma equipa do INEM e transportado em Ambulância ao serviço de urgências do Hospital de São José, onde recebeu tratamento. 12.Como consequência directa e necessária do embate, resultou para o autor: 13. Lombalgias residuais de défices articulares nos últimos graus da flexão, espasticidade muscular para vertebral lombar; diversas cicatrizes dispersas pelos membros superior e inferior direitos. 14. Período de défice funcional temporário parcial (incapacidade temporária geral parcial), correspondente ao período em que a evolução das lesões passou a consentir alguma grau de autonomia na realização de actos correntes da vida diária, ainda que com limitações: entre 12.8.2017 e 26.4.2018, num total de 258 dias. 15.Repercussão temporária na actividade profissional total (incapacidade temporária profissional total), correspondente ao período em que o autor, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos actos inerentes à sua actividade profissional habitual: Entre 12.8.2017 e 27.12.2017, num total de 138 dias. 16.Repercussão temporária na actividade profissional parcial (incapacidade temporária profissional parcial), correspondente ao período em que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização das actividades profissionais, ainda que com limitações: Entre 28.12.2017 e 26.4.2018, num total de 120 dias. 17.A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 26.4.2018. 18. Quantum Doloris, correspondente à valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela vítima durante o período de danos temporários, entre o acidente e a data da consolidação das lesões: grau 4 em 7. 19.Como consequência directa e necessária do embate, resultaram igualmente para o autor as seguintes lesões de forma permanente: 20.Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (incapacidade permanente geral), que se refere à afectação definitiva da integridade física ou psíquica, incluindo as familiares e sociais, sendo independente das actividades profissionais: 5 pontos em 100. 21.Repercussão permanente na actividade profissional: as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade profissional, mas implicam esforços suplementares, tendo em conta a dificuldade em realizar esforços com os membros superiores com irradiação à coluna lombar e de realizar marcha por períodos de tempo prolongados. 22.Dano estético permanente: 1 grau em 6. 23.Repercussão permanente na actividade sexual, correspondente à limitação total ou parcial do nível de desempenho/gratificação de natureza sexual: 2 graus em 7. 24.Dependências permanentes de ajudas: o autor necessita de medicação analgésica e anti-inflamatória, de forma periódica. (…) 28.Após o acidente, o autor deixou de utilizar motos. 29. Em consequências do acidente, o autor viu reduzido o seu convívio social, o que lhe causa sentimento de tristeza e desgosto. 30. Em consequência do acidente, o autor tem dificuldade em carregar pesos. (…) Passando de imediato à análise dos danos não patrimoniais invocados, sempre diremos que entre os danos indemnizáveis estão os danos de natureza não patrimonial que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito - art. 496º do Cód. Civil. Como refere Vaz Serra[1] Se o direito não deve tutelar somente os interesses económicos, mas também os espirituais, do homem, é razoável que o dano não patrimonial, derivado da inexecução de uma obrigação, seja susceptível de satisfação, tal como o dano patrimonial que dela eventualmente resulte. Há que referir, no entanto, que, de acordo com o citado art. 496º, só os danos de natureza não patrimonial que revistam gravidade merecem a tutela do direito. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, pg. 434, A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deve ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou requintada). Citando o STJ, em Ac. de 4/3/2004, “Por outro lado, deverá ser apreciada em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. O montante indemnizatório (...) deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à sua situação económica e à do lesado e às demais circunstâncias do caso (arts. 496º/3 e 494º do Código Civil)”. Refira-se que o dano biológico, perspectivado como afectação da integridade físico-psíquica do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial. Como se refere no Acórdão desta Relação, de 05-11-2020 (Pedro Martins - processo 12146/17.1T8LSB.L1), que procede a exaustiva resenha sobre a jurisprudência do STJ sobre a matéria, não publicado mas disponível para consulta: (https://outrosacordaostrp.com/2020/11/05/ac-do-trl-de-05-11-2020-proc-12146-17-1t8lsb-l1-defice-funcional-permanente-de-6-da-integridade-fisico-psiquica-indemnizacao/) I – O défice funcional permanente de 6% na integridade físico-psíquica da autora, é um dano que deve ser indemnizado, apesar de a autora não trabalhar à data da fixação de tal défice. II – Esse dano não se confunde com as consequências não patrimoniais desse défice, pelo que a indemnização destas não se confunde com a indemnização daquele. Regressando à esfera do recurso, desde há muito se firmou o entendimento de que, em razão da extrema dificuldade e delicadeza da operação de “quantificação” dos danos não patrimoniais e não obstante a infinita diversidade das situações, dever-se-ão ter presentes os padrões usuais de indemnização estabelecidos pela jurisprudência corrigidos por outros factores em que se atenda à época em que os factos se passaram, à desvalorização monetária, etc. Em cada caso, o julgador deve ter em conta as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem esquecer a natureza mista da reparação, pois visa-se reparar o dano e também punir a conduta do lesante. A indemnização por danos não patrimoniais não se destina obviamente a repor as coisas no estado anterior, mas tão só a dar ao lesado uma compensação pelo dano sofrido, proporcionando-lhe situação ou momentos de prazer e alegria que amenizem, quanto possível, a intensidade da dor física ou psíquica sofrida. Para a determinação da compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há-de assim decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a dialéctica comparativa das situações económicas do lesante/responsável e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade. Na fixação do montante compensatório dos danos não patrimoniais associados à violação de certos tipos de bens pessoais (como são o caso da vida, integridade física, honra, personalidade moral), os ditames da equidade devem sobrepor-se à necessidade de salvaguarda da segurança jurídica. A decisão recorrida ponderou os danos não patrimoniais item por item e do somatório de todos esses itens fixou como justa e equitativa a indemnização de € 56 000,00. Analisaremos a justeza e proporcionalidade desta indemnização no bolo global da indemnização concedido, na medida em que a própria apelante ataca a justeza da indemnização concedida no seu todo e não em termos parcelares. Atendeu o Tribunal a quo às seguintes circunstâncias: (i) incapacidade temporária do Autor, tendo o período de défice funcional temporário parcial sido de 258 dias, a repercussão temporária na actividade profissional total de 138 dias, a repercussão temporária na actividade profissional parcial de 120 dias e o quantum doloris durante esse período de grau 4 em 7; (ii) o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos em 100; (iii) a repercussão permanente na actividade profissional , implicando esforços suplementares , tendo em conta a dificuldade em realizar esforços com membros superiores com irradiação à coluna e realizar marcha por períodos prologados; (iv) dano estético de grau 1 em 6; (v) repercussão permanente na actividade sexual de grau 2 em 7; (vi) dependência permanente de ajudas, nomeadamente medicação analgésica e anti-inflamatória. Levou ainda em atenção a idade do Autor à data do acidente. Há que realçar que a decisão recorrida – ao contrário de alguns dos Acórdãos citados pela apelante nas suas alegações – integrou na fixação de danos não patrimoniais o défice funcional permanente da integridade física – o chamado dano biológico -, não valorando aquele em termos patrimoniais, mas apenas não patrimoniais. O que se acaba de dizer acaba por relativizar o uso e a pertinência comparativa, para os presentes autos, dos acórdãos referenciados pela Ré/Apelante nas suas alegações. Maior e melhor pertinência revelam os seguintes Acórdãos: Acórdão do S.T.J. de 29-10-2019, relativo ao processo n.º 7614/15.2T8GMR.G1.S1 (Henrique Araújo): «(…) III - Numa situação em que ao lesado, com 34 anos, foi atribuído um défice funcional de 16 pontos por força das lesões sofridas, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua actividade profissional (vendedor e empresário de materiais de construção civil e produtos agrícolas), afigura-se ajustado o montante de €36 000,00 para indemnizar tal dano futuro. IV - Considerando (i) as cinco intervenções cirúrgicas a que o autor se submeteu, (ii) os tratamentos de fisioterapia durante cerca de dois anos, (iii) a dor física que padeceu (grau 4 numa escala de 1 a 7), (iv) o dano estético (grau 3 numa escala de 1 a 7), a afectação permanente nas actividades desportivas e de lazer (grau 3 numa escala de 1 a 7), (v) a limitação funcional do membro superior esquerdo em relação a alguns movimentos, (vi) a dor ligeira da anca no máximo da flexão e ao ficar de cócoras, (vii) a tristeza, a depressão e o desgosto, considera-se adequado compensar estes danos não patrimoniais no montante de €30 000,00, reduzindo-se, assim, a indemnização fixada pela Relação». Acórdão do S.T.J. de 6-12-2018, no processo n.º 652/16.0T8GMR.G1.S2 (Maria do Rosário Morgado): «…II - Dado que à data do acidente, o recorrente contava com 40 anos de idade e ficou a padecer de um défice funcional de 10% (com possível agravamento com o decorrer do tempo) que o obriga a esforços acrescidos para o desempenho da sua profissão, revela-se equitativa e conforme aos padrões jurisprudenciais o montante de €60 000 fixado pela Relação para ressarcir esse dano». Neste acórdão os danos patrimoniais (não objecto de recurso) foram fixados em 30 000,00. Acórdão do S.T.J. de 6-12-2017, no processo n.º 1509/13.1TVLSB.L1.S1 (Tomé Gomes): «…IX. No caso vertente em que as limitações de mobilidade de que o lesado ficou afectado, correspondentes a um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 25,6%, a partir da alta médica em 14-03-2012 (data em que o A. contava quase 60 anos de idade), além do acréscimo de esforço físico no exercício do tipo de actividade profissional habitual que vinha então desenvolvendo, implicam inegável redução da sua capacidade económica geral para se dispor ao desempenho de actividades económicas, concomitantes ou alternativas, que, presumivelmente, ainda lhe pudessem surgir na área da sua formação profissional e até para a execução de tarefas quotidianas, ao longo da sua expectativa de vida, mesmo para além da idade-limite da reforma. X. Nessas circunstâncias, sem esquecer o tempo decorrido entre a data da alta médica (14-03-2012) e a data da sentença da 1.ª instância (09/06/2016), no quadro dos padrões da jurisprudência mais recente, tem-se como razoável valorar o dito dano biológico, na respectiva vertente patrimonial, na quantia de €100.000,00, tida por actualizada à data da sentença.» Também neste acórdão os danos não patrimoniais foram fixados autonomamente à fixação de indemnização por dano biológico. Acórdão do S.T.J. de 6-12-2017 no processo n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1 (Maria da Graça Trigo): «(…) VI - Resultando da factualidade provada que a autora: (i) tinha 31 anos de idade à data do sinistro; (ii) a esperança média de vida das mulheres situava-se, na altura, entre 75 e 80 anos; (iii) em consequência do acidente, ficou a padecer de um índice de incapacidade geral permanente de 2 pontos; (iv) apresenta cervicalgias, sempre que roda a coluna cervical para a esquerda e para a direita, sempre que a flecte para a esquerda e para a direita, sempre que a flecte no sentido ante-posterior; (v) com toda a probabilidade terá, a médio e longo prazo, repercussões negativas na sua capacidade de trabalho, com diminuição dos seus rendimentos, tanto no exercício da profissão habitual (operária fabril) como no exercício de actividades profissionais alternativas, compatíveis com as suas competências, considera-se justa e adequada a fixação da indemnização pela perda da capacidade de ganho no montante de €20 000. VII - Tendo ainda em atenção as lesões que a autora sofreu em consequência do acidente, em concreto traumatismo da coluna cervical, com as inerentes dores e incómodos que teve de suportar, sendo que o quantum doloris ascendeu ao grau 4, numa escala de 1 a 7, e os tratamentos a que teve de se submeter e bem assim as sequelas de que ficou a padecer, considera-se ser de manter o montante indemnizatório fixado pela Relação por danos não patrimoniais no montante de €15 000». Acórdão do S.T.J. de 19-2-2015, no processo n.º 99/12.7TCGMR (Oliveira Vasconcelos), Onde foi fixada uma indemnização de €25 000,00 relativamente a uma incapacidade permanente parcial de 12 pontos compatível com o exercício da actividade profissional habitual, sem redução da capacidade de ganho e a quantia de €20 000 arbitrada a título de danos não patrimoniais «…tendo em atenção que (i) à data do acidente o autor tinha 43 anos de idade; (ii) em consequência do acidente sofreu traumatismo do ombro direito, com fractura do colo do úmero, fractura do troquiter, traumatismo do punho direito, com fractura do escafóide, traumatismo do ombro esquerdo, com contusão, (iii) foi submetido a exames radiológicos e sujeito a imobilização do ombro com “velpeau”; (iv) foi seguido pelos Serviços Clínicos em Braga e submetido a uma intervenção cirúrgica ao escafóide; (v) foi submetido a tratamento fisiátrico; (vi) mantém material de osteossíntese no osso escafóide; (vii) teve de permanecer em repouso; (viii) ficou com cicatriz com 5 cms, vertical, na face anterior do punho; (ix) teve dores no momento do acidente e no decurso do tratamento; e (x) as sequelas de que ficou a padecer continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodos e mal-estar que o vão acompanhar toda a vida e que se acentuam com as mudanças do tempo, sendo de quantificar o quantum doloris em grau 4 numa escala de 1 a 7». Estes exemplos servem para formar uma ideia do montante das indemnizações que vêm sendo fixadas noutros casos, quer semelhantes quer diversos, para, sem deixar de atender ao caso concreto, alinhar a presente decisão com a valoração que habitualmente vem sendo feita nos tribunais de modo a conseguir alguma uniformidade que contribuirá para promover o princípio da igualdade e equidade na fixação da indemnização concreta. Por outro lado, relativamente ao argumento utilizado pelo Recorrente, atinente aos valores constantes das tabelas anexas à PRT 377/2008 de 26 de Maio do anexo IV, não podemos deixar de acompanhar a posição de Salazar Casanova [2] em que o mesmo conclui que: - «Os métodos de cálculo de indemnização constantes da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio não vinculam os tribunais; também não são vinculativas fórmulas matemáticas e cálculos financeiros». Prevalece a equidade.» - «Os critérios constantes de tabelas, fórmulas matemáticas e cálculos financeiros são indicativos» - «Tais critérios constituem uma base – um minus – devendo o montante indemnizatório ser procurado com recurso a processos objectivos sobre o qual poderá então incidir um juízo de equidade». Aliás., no preâmbulo diz-se que diz-se que o objectivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, nos termos do n.º 3 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas apresentadas. Mas, conforme se refere no Ac. da R.P. de 23-02-2021, “o certo é que estes critérios orientadores passaram a ser tomados à letra pelas seguradoras e respaldam agora propostas miserabilistas em nada contribuindo para o desiderato da almejada a «proposta razoável de indemnização»”. E, nesse mesmo acórdão se acrescenta, “A pretendida resolução extra judicial do litígio fica comprometida e proliferam as acções instauradas em tribunal onde não é discutida a dinâmica do acidente (pois a seguradora assume a responsabilidade pela obrigação de indemnizar o lesado) mas apenas os danos e essencialmente o quantum indemnizatório. É confrangedor verificar que as seguradoras, sabendo que os valores da Portaria não são vinculativos e que a jurisprudência os tem reiteradamente considerado desadequados por demasiado escassos, persistem em invoca-los.” Voltando ao caso dos autos, tendo em consideração os exemplos que acabam de ser dados, (i) tendo o Autor 29 anos à data do acidente[3], (ii) tendo suportado uma incapacidade temporária durante 258 dias, (iii) suportado sofrimentos (quantum doloris) situados no grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, (iv) ser portador de um dano estético permanente enquadrável no grau 1 da mesma escala, (v) ter ficado a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos em 100, (vi) com repercussão permanente na actividade profissional, implicando esforços suplementares (tendo em conta a dificuldade em realizar esforços com membros superiores com irradiação à coluna e realizar marcha por períodos prologados),(vii) a repercussão permanente na actividade sexual de grau 2 em 7, (viii)a dependência permanente de ajudas, nomeadamente medicação analgésica e anti-inflamatória e, por ultimo (ix) a ausência de culpa do Autor na produção do evento gerador dos danos, entende-se manter o montante indemnizatório fixado pela 1.ª instância de € 56 000,00, para ressarcimento de danos não patrimoniais (dano biológico aqui incluído) que o acidente acarretou para o Autor. b.2) Início da contagem dos juros Alega a Ré apelante que, no que respeita aos juros de mora, o Tribunal determinou a condenação da Ré, ora Recorrente, no pagamento da “quantia de €56.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento” e da “quantia a liquidar posteriormente, correspondente ao valor do remunerados que o autor deixou de fazer entre Maio de 2018 e Março de 2020, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento” e que, atendendo a que o Tribunal a quo fixou a indemnização de forma actualizada – quer quanto à indemnização pelos danos patrimoniais, quer quanto aos danos não patrimoniais – os juros de mora deveriam contar somente a partir da prolação da sentença, e não da data de citação, sob pena de se originar uma duplicação dos valores indemnizáveis. Remetendo para o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 4/2002, (relator José Augusto Marques), que refere que “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação” e ainda para o Acórdão do STJ de 30.10.2008, (Processo n.º 08B2662, relator Bettencourt de Faria). Defende assim que os juros de mora devem contar-se a partir da prolação da sentença de primeira instância quando esta fixar o montante e nele intervier um juízo actualizador. A questão de direito a resolver prende-se com a determinação do momento de início da contagem de juros de mora sobre os quantitativos da indemnização arbitrada a título de responsabilidade civil por facto ilícito ou pelo risco, designadamente os respeitantes a danos não patrimoniais e a danos patrimoniais cuja liquidação foi relegada para momento ulterior. A sentença recorrida, na parte decisória, estipulou que: 1. A quantia de €56.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento. 2. A quantia a liquidar posteriormente, correspondente ao valor do remunerados que o autor deixou de fazer entre Maio de 2018 e Março de 2020, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento. Urge analisar cada uma destas condenações de per si. Quanto aos danos não patrimoniais: Uma leitura literal da norma do art. 805.º, n.º 3, do CC poderia levar à afirmação de que os juros de mora se contariam a partir da citação – como foi decidido na sentença recorrida –, nomeadamente quanto à indemnização por danos não patrimoniais, por estar em causa a responsabilidade civil por facto ilícito, nos termos do art. 483.º, n.º 1, do CC. A jurisprudência encontrava-se dividida: (i) no sentido da admissibilidade da acumulação de juros de mora desde a citação com a actualização da indemnização em função da taxa da inflação, podiam-se enumerar os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 17 de Novembro de 1992, de 17 de Janeiro de 1995, de 30 de Maio de 1995, de 28 de Setembro de 1995, de 3 de Dezembro de 1998, de 13 de Janeiro de 2000 e de 23 de Novembro de 2000 (todos eles melhor identificados no AUJ 4/2002 infra identificado); (ii) sustentando a inadmissibilidade da referida acumulação, e a necessidade da interpretação restritiva do falado segmento do n.º 3 do artigo 805.º, podiam-se enumerar os acórdãos DO Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 1987, de 20 de Dezembro de 1990, de 26 de Fevereiro de 1991, de 14 de Março de 1991, de 31 de Março de 1993, de 15 de Dezembro de 1998, de 12 de Julho de 2001, de 6 de Novembro de 2001 e de 12 de Março de 2002 (todos eles melhor identificados no AUJ 4/2002, melhor identificado infra). Esta contradição de julgados conduziu ao acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Maio de 2002 (publicado no Diário da República – I Série-A, 27 de Junho de 2002), fixou como jurisprudência: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do art. 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação”. Nesta perspectiva, a questão da contagem dos juros de mora prende-se com a decisão actualizadora da indemnização, designadamente da correspondente à indemnização por danos não patrimoniais. Sendo a indemnização fixada por equidade, é a mesma actualizada ao momento da sua fixação, como geralmente sucede, não se justificando, nesse caso, a retroacção da mora consagrada no art. 805.º, n.º 3, do CC, que teve como finalidade combater o poder corrosivo da inflação, especialmente em épocas de taxas elevadas. Assim, numa interpretação restritiva, assumida pelo referido acórdão uniformizador de jurisprudência, a contagem dos juros de mora faz-se a partir da data da decisão actualizadora da indemnização, e não a partir da citação. No caso vertente, tendo a indemnização por danos não patrimoniais sido fixada actualizadamente na sentença recorrida, os juros de mora contam-se a partir da data daquela, excluindo-se sempre a contagem a partir da citação, como havia sido determinado na sentença recorrida. Em face do que precede, deve a Recorrente pagar ao Recorrido a indemnização no valor de € 56 000,00 (cinquenta e seis mil euros), acrescida dos juros de mora legais, a partir da data da sentença proferida em primeira instância, julgando-se o recurso procedente neste particular. Quanto aos danos patrimoniais ilíquidos: No que respeita aos lucros cessantes, cuja liquidação se relegou para momento ulterior, a decisão recorrido fixou a contagem de juros igualmente a partir da citação. Insurge-se a recorrente quanto ao momento do início da contagem de juros na medida em que a indemnização foi actualizada. Não obstante, não se entende como pode a recorrente dizer que uma indemnização que nem sequer foi fixada, e cuja liquidação foi relegada para momento ulterior, foi actualizada! A este respeito a sentença refere “Importa condenar a ré a pagar ao autor a quantia correspondente ao valor dos remunerados que o autor deixou de fazer entre Maio de 2018 e Março de 2020, a liquidar posteriormente.” Em momento algum se refere que o valor dos remunerados é aos dias de hoje! Pelo contrário: esse valor há de ser encontrado por reporte aos anos de 2018, 2019 e 2020. Tendo sido a questão dos juros suscitada pela Ré /apelante com fundamento na actualização da indemnização e não tendo ocorrido qualquer actualização ou comando nesse sentido no dispositivo da sentença, terá neste particular, que improceder o recurso. Os juros moratórios exercem a função de indemnização pelo retardamento de uma prestação pecuniária (artigo 806.º, n.º 1), sendo, assim, devidos a título de indemnização. Diga-se ainda que a circunstância de a obrigação não ser líquida não releva igualmente para efeitos de inicio da contagem de juros, uma vez que nos encontramos no domínio da responsabilidade extracontratual, em que rege o n.º 3 do art. 805.º do CC. É sabido que o n.º 3 do art.º 805.º do Código Civil, com a redacção introduzida pelo DL nº 262/83, de 16.6, estipula que, no caso de crédito ilíquido emergente de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja mora antes da data da citação. E o legislador não fez qualquer distinção entre danos verificados antes da propositura da acção, durante a sua pendência ou que venham previsivelmente a ocorrer após o trânsito em julgado da decisão (cfr., v.g., acórdão do STJ, de 28.9.1995, BMJ nº 449, pág. 344 e seguintes, também publicado na Col. de Jur., STJ, ano III, tomo III, pág. 36 e seguintes). Só se a sentença ou decisão que fixe a indemnização actualizar o respectivo valor a momento posterior à data da citação, nomeadamente à data da prolação dessa decisão (ao abrigo do disposto no nº 2 do art.º 566.º do Código Civil) – que já vimos não ser o caso deste particular segmento - é que, de acordo com a jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão uniformizador supra citado, os juros de mora devidos se vencerão a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação. Sendo certo que não existe fundamento legal para se presumir que os tribunais proferem sentenças actualizadas face aos pedidos formulados (neste sentido, v.g., STJ, acórdão de 04.12.2007, processo 07A3836). Nesta parte, pois, o recurso não merece provimento. * IV. Decisão: Por todo o exposto, acordam os juízes desta 6.ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação da Ré parcialmente procedente e consequentemente: a) Alterar-se a sentença recorrida quanto ao ponto 1. do dispositivo, o qual passará a ter a seguinte redacção: 1. Condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 56 000,00 (cinquenta e seis mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data da sentença recorrida até efectivo e integral pagamento. b) No mais, mantém-se a sentença recorrida. As custas da apelação por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento. Registe e notifique. * Lisboa, 24 de Outubro de 2024 Maria Teresa F. Mascarenhas Garcia Teresa Pardal Gabriela de Fátima Marques _______________________________________________________ [1] , RLJ, 108, 221, [2] «O Dano na Responsabilidade Civil – Introdução à Temática do Dano na Responsabilidade Civil», e-book CEJ, págs. 21-22. [3] Com efeito, não é de descurar a idade do Autor na medida em que todas as repercussões permanentes vão ser vividas e experienciadas por este durante um lapso de tempo maior, tornando mais penosas as sequelas não patrimoniais. É indesmentível que as dores e sequelas, do ponto de vista da perda de qualidade de vida, irão prolongar-se no tempo por um período mais longo. |