Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15180/17.8T8LSB-A.L1-7
Relator: ANA RODRIGUES DA SILVA
Descritores: ALIMENTOS
COBRANÇA COERCIVA
EXECUÇÃO
CASO JULGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. O credor de alimentos devidos a menor pode optar pela cobrança coerciva da sentença proferida em sede de regulação das responsabilidades parentais através do mecanismo previsto no art. 48º do RGPTC ou através da execução especial por alimentos prevista na lei processual civil, de natureza diversa daquela;
2. Não sendo a execução especial por alimentos uma providência tutelar cível, a mesma não está abrangida pela norma de conexão constante do art. 11º do RGPTC;
Entre um processo de regulação das responsabilidades parentais e aqueles em que se visa a cobrança coerciva das prestações de alimentos devidas aos menores não existe uma identidade de pedidos e de causa de pedir nos termos e para os efeitos da excepção de caso julgado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO

1. Por apenso à execução por alimentos instaurada por RG… contra BM…, veio este deduzir embargos de executado, defendendo a inexistência de título executivo

2. A exequente contestou, pugnando pela improcedência da oposição à execução.

3. Foi proferida decisão, julgando improcedente a oposição deduzida e determinando o prosseguimento da execução a que os presentes autos se encontram apensos com vista à cobrança das quantias peticionadas por RG….

4. Inconformado, o executado recorre desta sentença, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“1- Vem a sentença de que se recorre indeferir os embargos deduzidos à execução intentada pela aqui apelada dando esta como titulo executivo uma decisão proferida no Tribunal Irlandês em Julho e Novembro de 2015, sendo que, correram e correm termos no Tribunal de Família de Lisboa sob os autos …/… pedido formulado pelo aqui apelada das decisões proferidas pelo Tribunal Irlandês para que tais decisões sejam exequíveis em Portugal, pelo que, nesse sentido, o apelante nos embargos que deduziu à execução requereu a apensação aqueles autos o que fez nos termos do artº 11º do RGPTC, pedido que foi indeferido pela Mm Juiz com o fundamento que a execução por alimentos não cabia no âmbito do artº 11 do RGPTC. Não se pode concordar com tal decisão da MM Juiz, por violação do artº13º nº 3 e 24º c) do Reg 4/2009, 10/01, que pretendem evitar decisões inconciliáveis e que a MM Juiz a quo deveria ter cumprido, o que não fez sendo nula a sentença por falta de competência da MM Juiz.
2- Sucedeu ainda que, correu termos nos autos principais com o nº …/…, pedido de regulação das responsabilidades parentais intentado pelo apelante, sendo que a apelada aproveitando tais autos vem pedir a executoriedade da decisão proferida em Julho de 2015 pelo Tribunal Irlandês e que deu como titulo à execução. A MM Juiz 6 indeferiu os pedidos declarando o Tribunal incompetente, sendo que a apelada de tal decisão não interpôs recurso, existindo quanto a essa decisão, caso julgado, que sendo uma excepção peremptória absolve o apelante do pedido, ao abrigo do disposto no artº 576º, 579º e 580º do CPC, aplicados aos presentes ex vi do artº 33º do RGPTC, ora, ao não apreciar a excepção peremptória, a Mm Juiz torna nula a sentença nos termos do disposto no artº 615º, nº 1 d) do CPC.
3- Posteriormente, a apelada vem novamente solicitar pedido de executoriedade das decisões proferidas no Tribunal Irlandês, incluindo as posteriores a Julho de 2015 e que deu à execução, ora, tais autos ainda não transitaram em julgado, tanto mais que a Mm Juiz do Juiz … mandou que se notificasse o Tribunal Irlandês para vir demonstrar que foram cumpridas as formalidades exigidas para a executoriedade de tais decisões, a apelada recorreu, mas não obteve ganho de causa e o processo está pendente.
4- Estando pendente acção igual, sob o apenso … dos autos referidos e que correm no Juiz … do Tribunal de Lisboa não pode a Mm Juiz decidir sobre o mesmo pedido, - executoriedade de decisões -, ali formulado, existindo litispendência, que sendo uma excepção peremptória absolve o apelante do pedido tal como o indica o disposto nos artºs 576º, 579º e 580º do CPC, aplicados aos presentes ex vi do artº 33º do RGPTC, sendo a litispendência do conhecimento oficioso a Mm Juiz não tendo desta tomado conhecimento tornou nula a sentença ao abrigo do disposto no artº 615º nº 1 d) do CPC.
5- A sentença de que se recorre é falha na fundamentação para decidir considerar exequível uma decisão que em parte já forma caso julgado e que noutra forma litispendência, tanto mais não sendo o Juiz … o competente, pois já existia, ao tempo em que foi intentada a execução, acção que aprecia a executoriedade das mesmas decisões, pelo que viola a sentença os artºs 11º do RGPTC, 13º, nº 3, 24º c) do Reg 4/2009, 10/01 e ainda os artºs 576º 579º e 580º do CPC, aplicados aos autos ex vi do artº 33º do RGPTC a, sendo nula a sentença, nos termos do disposto no artº 615º, nº 1 d), devendo por tal absolver-se o apelante do pedido o que se requer”.

6. Em sede de contra-alegações, a exequente defendeu a manutenção da sentença recorrida, tendo ainda requerido a condenação do executado como litigante de má fé.

II- QUESTÕES A DECIDIR

Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, são:
- da incompetência do tribunal por violação do art. 11º do RGPTC e 13º nº 3 e 24º c) do Reg 4/2009, 10/01 e da necessidade de apensação;
- da nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
- da existência de caso julgado e de litispendência.

III. APRECIAÇÃO DO RECURSO

A. Dos factos:

Da análise dos autos resultam assentes os seguintes factos:

1. Os autos de execução a que a presente oposição está apensa visam a cobrança de pensão de alimentos fixada pelo Tribunal Distrital da Área Metropolitana de Dublin, República da Irlanda;

2. Corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz … o processo com o nº …/…, o qual se refere a divórcio entre as partes destes autos;

3. O apenso … desse processo refere-se à regulação das responsabilidades parentais dos menores.

B. Dos fundamentos do recurso:

Face ao teor das alegações de recurso e às questões a decidir, importa iniciar a sua análise de forma lógica, o que se passa a efectuar.

B.1. A incompetência do tribunal por violação do art. 11º do RGPTC e 13º nº 3 e 24º c) do Reg 4/2009, 10/01 e da necessidade de apensação:

Defende o apelante que o tribunal recorrido não poderia ter proferido a decisão em causa nos autos, porquanto deveria ter ordenado a apensação por si requerida, o que constitui violação dos arts. 11º do RGPTC e 13º nº 3 e 24º c) do Reg 4/2009, 10/01.
Refere o art. 11º RGPTC o seguinte:
“1 - Se, relativamente à mesma criança, forem instaurados, separadamente, processo tutelar cível e processo de promoção e proteção, incluindo os processos perante a comissão de proteção de crianças e jovens, ou processo tutelar educativo, devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respetivo estado, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar.
2 - O disposto no número anterior não se aplica às providências tutelares cíveis relativas à averiguação oficiosa da maternidade ou da paternidade, nem às que sejam da competência das conservatórias do registo civil, ou às que respeitem a mais que uma criança.
3 - Estando pendente ação de divórcio ou de separação judicial, os processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de prestação de alimentos e de inibição do exercício das responsabilidades parentais correm por apenso àquela ação.
4 - Quando o processo tutelar cível respeitar a mais do que uma criança, pode ser instaurado um único processo e, tendo sido instaurados processos distintos, pode proceder-se à apensação de todos eles ao que foi instaurado em primeiro lugar, se as relações familiares assim o justificarem.
5 - A incompetência territorial não impede a observância do disposto nos nºs 1, 3 e 4.”.
Por seu turno, o art. 13º, nº 3 do Reg 4/2009, de 10/01, estipula que se consideram “conexas as acções ligadas entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídas e julgadas simultaneamente para evitar soluções que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente”, referindo a al. c) do art. 24º que a decisão não é reconhecida se for inconciliável com uma decisão proferida entre as mesmas partes no Estado-Membro em que é pedido o reconhecimento.
Ora, salvo o devido respeito, as normas citadas não se referem às execuções por alimentos, que, como bem se refere na decisão recorrida, não são providências tutelares cíveis.
Com efeito, o credor de alimentos devidos a menor pode optar pela cobrança coerciva da sentença proferida em sede de regulação das responsabilidades parentais através do mecanismo previsto no art. 48º do RGPTC ou através da execução especial por alimentos prevista na lei processual civil, de natureza diversa daquela.
Assim sendo, não estão as mesmas abrangidas pelo RGPTC, pelo que não há qualquer violação do princípio da competência por conexão, podendo os presentes autos ser apreciados autonomamente aos referidos com vista ao reconhecimento das decisões proferidas pelo Tribunal Irlandês.
No que à apensação diz respeito, e afastada a conexão entre as várias acções, há que referir que não se mostram reunidos os pressupostos do art. 267º do CPC para ser ordenada a apensação de acções.
Com efeito, nos termos do art. 267º, nº 1 do CPC, “Se forem propostas separadamente ações que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, pudessem ser reunidas num único processo, é ordenada a junção delas, a requerimento de qualquer das partes com interesse atendível na junção, ainda que pendam em tribunais diferentes, a não ser que o estado do processo ou outra razão especial torne inconveniente a apensação”, mais referindo o nº 2 que “Os processos são apensados ao que tiver sido instaurado em primeiro lugar, salvo se os pedidos forem dependentes uns dos outros, caso em que a apensação é feita na ordem da dependência, ou se alguma das causas pender em instância central, a ela se apensando as que corram em instância local”.
Ora, considerando que estes autos entraram posteriormente, não podia o tribunal ordenar a apensação nos termos requeridos, por manifesta impossibilidade legal.
Donde, não há qualquer incompetência do tribunal por violação do art. 11º do RGPTC e 13º nº 3 e 24º c) do Reg 4/2009, 10/01, nem se mostrava possível a apensação pretendida, assim improcedendo, nesta parte, a alegação do apelante.

B.2. Da nulidade por omissão de pronúncia:

Entende ainda o apelante que a sentença é nula, por não ter apreciado as excepções de caso julgado e de litispendência, nem explicar como decidiu considerar a decisão título exequível.
Quanto à nulidade por omissão de pronúncia, o art. 615º, al. d) do CPC estatui que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Relaciona-se este preceito com o disposto no art. 608º do CPC, segundo o qual a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais suscitadas pelas partes ou de conhecimento oficioso e que possam determinar a absolvição da instância, bem como resolver todas as questões de mérito que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se de outras, salvo as que forem de conhecimento oficioso.
Assim sendo, na fundamentação da sentença deve o juiz pronunciar-se sobre cada uma das pretensões trazidas a juízo, bem como sobre cada um dos fundamentos que lhes são opostos em sede de contestação, seja a título de excepção dilatória e que não tenha sido antes apreciada, seja a título de excepção peremptória.
Por outro lado, “… não integra o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido portanto numa questão de mérito“, cfr. Tomé Gomes, ob.cit., pág. 370.
Quer isto dizer que não há qualquer omissão de pronúncia quando as questões estruturantes da posição das partes sejam implícita ou tacitamente decididas, já que a análise da argumentação das partes não se confunde com a apreciação das questões que devem ser conhecidas, esta sim essencial.
No caso dos autos, verifica-se que o executado deduziu os presentes embargos requerendo a apensação de acções e fundando a sua oposição na falta de título executivo, por existência de caso julgado e falta de notificação da decisão e ainda a existência de pagamentos.
Ora, a sentença recorrida pronuncia-se sobre todas estas as questões trazidas a juízo, não sendo a discordância do apelante quanto ao fundamento jurídico da decisão enquadrável na omissão de pronúncia, mas sim uma questão de mérito.
Por outro lado, a sentença recorrida explica de forma detalhada os motivos pelos quais entendeu serem as excepções suscitadas em sede de oposição à execução improcedentes, assim se tendo pronunciado sobre todas as questões trazidas a juízo.
Donde, também nesta parte é a apelação improcedente.

B.3. Da violação de caso julgado e de litispendência:

Nas suas alegações, defende o apelante que a decisão recorrida não atendeu à existência de caso julgado, uma vez que existiu já uma decisão sobre a executoriedade da decisão em causa.
Suscitou ainda a excepção de litispendência entre os presentes autos e o Apenso … do proc. …/….
Vejamos.
Por razões de economia processual apreciaremos simultaneamente ambas as excepções, do ponto de vista da sua configuração.
As excepções de litispendência e de caso julgado encontram consagração legal como excepção dilatória no art. 577º, al. f) do CPC. Pressupõem ambas a repetição de uma acção em dois processos distintos, sendo, conforme dispõe o nº 1 do art. 580º do mesmo diploma, requisito da litispendência que a causa se repita estando pendente uma outra e do caso julgado que o primeiro desses processos tenha findado por decisão que já não admita recurso ordinário, isto é, que tenha transitado em julgado (cfr. art. 628º do CPC).
Haverá uma repetição de causas quando se verifique uma identidade quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (cfr. art. 581º CPC).
A exigência desta tríplice identidade fixa os limites subjectivos e objectivos do caso julgado e da litispendência.
Relativamente aos limites subjectivos, importa salientar que a identidade dos sujeitos relevante para efeito da excepção de caso julgado é, como dispõe o art. 580º, nº 2 do CPC, a identidade jurídica. Ou seja, não interessa tanto a identidade física dos sujeitos envolvidos nas várias acções, mas sim a qualidade jurídica em que aqueles intervieram no processo.
Assim, o caso julgado (e de igual modo a litispendência) forma-se relativamente aos intervenientes no processo (pessoa singular ou colectiva) e ainda quanto aos sucessores na posição jurídica substantiva das partes, os quais, por sucessão mortis causa ou transmissão inter vivos, tenham assumido a posição jurídica de quem era parte no processo, independentemente da substituição se dar no decurso da acção, nos termos dos arts. 262º e 263º, nº 3 do CPC, quer posteriormente à prolação da sentença, e quer se trate da parte vencedora, quer da parte vencida. Neste sentido, vide Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, 1985, págs. 722 e ss..
Quanto aos limites objectivos, estes traduzem-se na identidade do pedido e da causa de pedir.
O art. 581º, nº 3 do CPC estrutura a identidade de pedidos com base na obtenção pelo autor do mesmo efeito jurídico que se tentara alcançar com a propositura da primeira acção, tenha ou não esse objectivo sido alcançado. Mutatis mutandis, se deverá raciocinar quanto ao réu e aos pedidos reconvencionais que formule.
A identidade de pedidos assume grande relevância no âmbito do caso julgado, já que este se forma directamente sobre o pedido. Como refere o Prof. Antunes Varela, ob.cit., pág. 712, "a ordem pela qual, compreensivelmente, a lei enumera as três identidades caracterizadoras do caso julgado (a identidade do pedido antes da identidade da causa de pedir) mostra que é sobre a pretensão do autor, à luz do facto invocado como seu fundamento, que se forma o caso julgado". Deste modo, será, em última análise, a identidade de pedidos que determinará a existência da excepção de caso julgado, pois os mesmos factos podem servir para fundamentar vários tipos de acções.
Terá ainda que se verificar a identidade de causas de pedir, isto é, os factos em que se fundamenta o direito alegado pelo autor têm de ser os mesmos nas várias acções em causa (cfr. art. 581º, nº 4 do CPC). Caso esta coincidência fáctica não se verifique, não é possível afirmar a existência da aludida excepção.            Assim, é com base nos limites objectivos elencados que se aquilatará da existência de caso julgado, conjugando a decisão do tribunal relativamente à pretensão do autor ou do réu reconvinte, concretizada no pedido ou na reconvenção e delimitada em função da respectiva causa de pedir.
É por este motivo que o caso julgado abrange apenas a decisão e não os fundamentos, nem o raciocínio lógico que conduziu à decisão final, já que a razão de ser desta excepção é evitar a colisão prática de julgados, ou seja, evitar que "o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior" (cfr. art. 580º, nº 2 do CPC), o que justifica, em certa medida, que a excepção de caso julgado seja de conhecimento oficioso (art. 578º do CPC), de forma a impedir a referida colisão de julgados, mesmo que as partes não tenham alegado a mencionada excepção.
Assim, considerando-se procedente a excepção de caso julgado, evita-se uma duplicação de decisões, eventualmente contraditórias. Como refere o Prof. Alberto dos Reis, "Oposta a excepção de caso julgado e julgada procedente, o juiz absolve o réu do pedido, embora não chegue a conhecer do mérito da causa; e absolve-o fundado na força e autoridade do caso julgado constituído pela sentença anterior. Desta sorte, evita-se um novo julgamento de mérito da mesma causa, obsta-se a que o tribunal ou contradiga ou reproduza a decisão contida na primeira instância". Cfr., A. REIS, in CPC Anotado, vol. III, pág. 92.
No que diz respeito aos presentes autos, verifica-se que o apelante invoca como causa da excepção de caso julgado ter já sido proferida decisão quanto à executoriedade da decisão em causa nos autos.
Com interesse para esta questão, pode ler-se na decisão recorrida o seguinte:
“com interesse para a decisão a proferir, urge ter presente que, efectivamente, a situação em apreço se rege pelo Regulamento CE n.º 4/2009 e não pelo Regulamento CE número 2201/2003, inaplicável à situação em apreço, em face do preceituado no seu artigo 1.º, número 3, alínea e), na medida em que estamos perante decisões que versam, somente, sobre a questão dos alimentos devidos aos dois menores ali mencionados.
Prevê-se no citado regulamento que as decisões em matéria de obrigações alimentares que hajam sido proferidas num Estado-Membro vinculado pelo Protocolo da Haia de 2007, como é o caso da Irlanda, são reconhecidas e têm força executória em todos os outros Estados-Membros, como seja Portugal sem necessidade de qualquer outra formalidade e sem qualquer forma de controlo quanto ao fundo no Estado-Membro de execução – cfr. o seu artigo 17.º, número 1, bastando, para o efeito, a apresentação da documentação elencada no seu artigo 20.º, conforme sucedeu no caso em apreço.
A recusa ou suspensão da execução de uma tal decisão só poderá fundar-se, de harmonia com o preceituado no artigo 21.º do mesmo regulamento, em prescrição ou caducidade que hajam sido arguidas, na existência de decisão incompatível, em pedido de reapreciação formulado com observância do estatuído no seu artigo 19.º ou, finalmente, em suspensão da força executória da decisão exequenda no Estado—Membro de origem.
In casu, o executado sustenta a sua pretensão no facto de tais decisões judiciais - que foram dadas à execução - não terem sido reconhecidas em Portugal ou sequer puderem sê-lo, na medida em que não terá sido citado ou notificado das mesmas, e, como assim é, não podem valer como título executivo.
A verdade é, porém, que, se é certo que nenhum desses fundamentos se subsume a qualquer dos elencados no artigo 21.º do Regulamento CE n.º 4/2009, não é menos verdade que resulta da documentação carreada para os autos pela exequente, R…, que, com tal fundamento, o executado, BM…, interposto recurso da decisão proferida em 9 de Novembro, ao qual foi negado provimento, razão pela qual, em face do teor do formulário junto aos autos principais, forçoso se torna julgar improcedentes, por falta de fundamento legal bastante, os embargos deduzidos com tal fundamento.
Acresce que no que tange à sentença proferida no apenso …, a mesma não se pronunciou tão-pouco sobre o pedido de reconhecimento formulado, incidentalmente, pela ali requerida, antes o desconsiderou, in totum, limitando-se a julgar verificada a excepção de litispendência e, para o efeito, considerou, somente, o pedido formulado pelo ali requerente e aqui embargante.
Inexiste assim caso julgado que obste ao prosseguimento da execução”.
Face a todos os elementos constantes dos autos, temos de concluir pelo acerto da decisão recorrida.
Na verdade, e tendo em atenção o que se explanou quanto aos requisitos do caso julgado, em confronto com as normas legais aplicáveis a cada uma das situações e aos dois processos em causa, constata-se que não existe uma identidade de pedidos entre elas.
Isto é, embora as partes sejam as mesmas e os factos trazidos a juízo tenham um núcleo comum, o objectivo de cada destas acções é diverso, porquanto naqueles autos se visa a regulação das responsabilidades parentais, e nestes se visa a cobrança coerciva das prestações de alimentos devidas aos menores. Isto é, entre as duas acções em causa não existe uma identidade de pedidos e de causa de pedir nos termos e para os efeitos da excepção de caso julgado.
Conclui-se, pois, como na sentença recorrida pela inexistência de caso julgado e de violação do mesmo através da decisão proferida.
No que tange à excepção de litispendência, importa, antes de mais, salientar que o apelante, em sede de oposição à execução não suscitou tal excepção, nem fez qualquer referência ao Apenso … e sua repercussão no âmbito dos presentes autos.
Ora, a apreciação de questões novas, que não foram alegadas oportunamente, está vedada no âmbito de recurso, nos termos do disposto no art. 608, nº 2 do CPC, salvo se as mesmas forem de conhecimento oficioso.
No caso dos autos, e independentemente do conhecimento oficioso da excepção de litispendência, não contém os autos qualquer elemento de facto relativamente ao Apenso …, para além da descrição efectuada pela apelada, pelo que nunca poderia este tribunal pronunciar-se sobre tal questão.
Concluindo, entende-se que a sentença recorrida não merece qualquer censura, sendo improcedentes as conclusões do apelante.
A finalizar as suas contra-alegações, suscitou a apelada a condenação do apelante como litigante de má fé, por trazer a recurso a questão da litispendência, que não se verifica.
Diz-se “litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave (…) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar”, nos termos da alínea a) do nº 2 do art. 542º do CPC.
Do confronto desta norma com as alegações efectuadas nos autos, não se pode concluir que o apelante tenha deduzido pretensão injustificada, porquanto a sua alegação apenas se deve a errado enquadramento jurídico da questão e não a uma pretensão dolosamente formulada, pelo que se conclui pela improcedência do peticionado.
Pelo exposto, entende-se que a decisão recorrida não merece qualquer censura, assim se julgando improcedente a apelação.

IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2019

Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa
Maria Amélia Ribeiro