Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
529/11.5YRLSB-1
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
RELAÇÃO PROCESSUAL
ADOPÇÃO
LEGITIMIDADE PASSIVA
LEGITIMIDADE ACTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/04/2011
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: INDEFERIMENTO
Sumário: 1) Na acção de revisão de sentença estrangeira não é imprescindível a existência de demandados.
2) Os adoptantes e adoptado devem requerer em conjunto, e sem indicação de requerido, a revisão e confirmação da sentença estrangeira de adopção.
3) Os pais biológicos não são parte legítima na acção de revisão e confirmação de sentença estrangeira de adopção.
( Da responsabilidade do Relator )
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: A atribuição de eficácia no território nacional a sentenças proferidas por tribunais estrangeiros (na falta de outra regulamentação) obtém-se através do processo de revisão de sentença estrangeira regulado nos artigos 1094º a 1102º do CPC.
A essência da tramitação aí estabelecida consiste na apresentação da petição, instruída com a sentença revidenda, na Relação do distrito judicial do domicílio da pessoa contra quem se pretende valer a sentença, citação da parte contrária, contestação, resposta, produção de prova, alegações das partes e do MP e julgamento.
Essa regulamentação, no entanto, não pode ter-se como taxativa; não é imperativo que tenham lugar todos aqueles procedimentos (como, aliás, em todos os outros processos). A regulamentação processual visa estabelecer o mais amplo leque de possibilidades de ocorrência no desenvolvimento do processo, procurando estabelecer os seus limites máximos. Em cada processo concreto só deve, porém, ter lugar aquilo que estando na disponibilidade das partes for de sua vontade e aquilo que for útil (artigos 137º e 265º do CPC) e adequado (artº 265-Aº do CPC) para a obtenção de uma decisão judicial sobre a pretensão deduzida (artº 2º do CPC).
E na particular acção em causa não podemos deixar de ter em conta que
“o acto formal de reconhecimento ou de exequatur não é outra coisa, no fundo, senão a condição necessária (conditio juris) para que a sentença estrangeira possa estender ao Estado do foro os efeitos que lhe competem: os seus efeitos de acto jurisdicional. Antes do exequatur, a sentença estrangeira não produz efeitos no Estado do foro, salvo aquele que se traduz na admissibilidade da própria acção de revisão: a sua eficácia encontra-se num estado de pendência. Quanto à sentença de confirmação, ela não tem valor constitutivo, a não ser na medida em que declara que todas as condições às quais a lex fori subordina o reconhecimento das sentenças estrangeiras se encontram preenchidas. O objectivo do processo de revisão não consiste, assim, na obtenção de uma sentença nacional idêntica à sentença estrangeira, mas de uma sentença nacional que permita que a decisão estrangeira opere na ordem jurídica do foro os efeitos que lhe são próprios, de acordo com a lei do estado de origem[1]
pelo que a relação jurídica processual haverá de ser moldada em função dessa finalidade e não em função dos direitos regulados na sentença revidenda.

Vem isto a propósito da questão levantada nos autos acerca de saber contra quem deve ser deduzida a pretensão; a quem deve ser atribuída legitimidade passiva.
Sendo uma sentença um acto pelo qual se definem direitos, a atribuição de eficácia a uma sentença estrangeira coloca aquele a quem ela atribui direitos numa posição de, no território nacional, a fazer impor a quem aquela sentença constitui na obrigação de reconhecer aqueles direitos. Daí que o pedido de revisão dessa sentença deva ser formulado no confronto com quem possa ser directamente atingido pelo deferimento de tal pedido (daí que o pedido deva ser formulado contra quem se pretenda fazer valer a acção – e não necessariamente o vencido na mesma – no tribunal da área da sua residência para a ela ser chamado por meio de citação).
Mas nem sempre a atribuição de eficácia à sentença estrangeira visa a possibilidade de a fazer impor a outrem; de a fazer valer contra outrem. Com efeito, situações há em que com atribuição de eficácia à sentença estrangeira apenas se pretende tornar efectivas no território nacional as situações definidas na sentença estrangeira em favor do próprio peticionante, sem que haja qualquer confronto com terceiro.
Ora nesses casos a acção de revisão não se estabelece numa relação processual antagónica, em termos de autor/réu, requerente/requerido, mas numa simples demanda ao Estado de atribuição de eficácia à sentença estrangeira; ao reconhecimento da situação por ela definida. Pelo que a mesma não terá qualquer sujeito a ocupar o lado passivo da relação processual (abstraindo aqui do papel do MP enquanto defensor da legalidade e dos princípios de ordem pública).
O caso paradigmático dessa situação é o pedido de revisão de sentença estrangeira de divórcio formulado por ambos os ex-cônjuges[2].

Neste processo está em causa uma sentença que decreta a adopção sem que se vislumbre qualquer outra finalidade da atribuição de eficácia a tal sentença que não a de mero reconhecimento em Portugal do estado de pais e filho resultante daquela adopção. Pretende-se, assim, o mero reconhecimento da situação definida na sentença revidenda, sem que se pretenda fazer valer contra quem quer que seja em concreto.
Daí que se nos afigure dever a acção ser proposta pelos directamente afectados no seu estado pela sentença: aqueles que em face dela ficam relacionados familiarmente como pais de um determinado filho. E tanto o poderão fazer em conjunto (por haver coincidência de interesses, como é natural que ocorra as mais das vezes), caso em que não se pretende fazer valer a sentença contra ninguém em concreto; como o poderá fazer qualquer deles individualmente (quiçá por só a ele interessar a produção de efeitos no território nacional), caso em que, para além do simples reconhecimento da situação se pretende, igualmente, a imposição desses efeitos aos demais interessados, pelo que a pretensão haverá de ser deduzida contra eles.
O que não se nos afigura correcto é que a relação processual se deva estabelecer entre o(s) pai(s) adoptivo(s) e o(s) pai(s) biológico(s). Com efeito, e desde logo, não se compreende porque se exclui da relação processual alguém com um manifesto interesse na causa – o adoptado. Mas, e fundamentalmente, porque tal posição concebe a relação jurídica processual a partir, não da finalidade do processo de revisão de sentença estrangeira, mas da própria relação jurídica por ela regulada e em termos que excedem essa mesma regulação. Com efeito, no ordenamento jurídico português, o processo de adopção plena, que é de jurisdição voluntária,  não admite os pais biológicos como ‘parte contrária’, apenas estabelecendo a sua audição para prestação do seu consentimento (podendo, em certos casos, tal intervenção ser dispensada (cf. artigos 162º e seguintes da OTM). Ao que acresce ser tal posição incompatível com outras disposições legais; designadamente o chamamento do progenitor à acção de revisão de sentença de adopção é incompatível com as situações em que não pode ser revelada a identidade do adoptante (cf. artº 1985º do CCiv).
Temos pois que no caso dos autos a revisão deve ser pedida conjuntamente pelos pais adoptivos e pelo filho; e sem necessidade de o pedido ser dirigido contra alguém.
                                                    *
Termos em que decido:
- absolver da instância, por ilegitimidade, os requeridos já citados;
- que os autos sejam continuados com vista ao MP.
                                                    *
Lisboa, 4 de Outubro de 2011                                                        

Paulo Jorge Rijo Ferreira
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[1] - Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado – Aditamentos, Coimbra, 1973, pg 45-46.
[2] - cf. ac. RL de 12JUN84 (BMJ, 338, 471).