Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2901/22.6T8ALM-A.L1-2
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: CADUCIDADE DA ACÇÃO
CONHECIMENTO NO SANEADOR
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (do relator):
1. Como dispõem o n.º 1, do art.º 571.º e n.º 1, do art.º 573.º, do C. P. Civil toda a defesa deve ser deduzida na contestação, nela se compreendendo a defesa por exceção, sendo que esta regra processual apresenta como reverso a proibição de defesa ulterior, com ressalva da prevista no n.º 2, do art.º 573.º, a saber, “…só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente”.
2. A apelação não é o meio processual próprio para articular os factos atinentes à exceção da caducidade do direito de ação, ainda que em obtemperação à factualidade que serviu de base ao conhecimento da exceção pelo tribunal recorrido.
3. O meio processual próprio para impugnar a base factual do despacho que conheceu da exceção é o previsto nos art.ºs 640.º e 662.º, do C. P. Civil, para a impugnação da decisão em matéria de facto da sentença, como decorre do disposto no n.º 3, do art.º 595.º, do C. P. Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO.
FLGL, propôs contra AMCPA, JVD e sua mulher MMCPAD esta ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a sua condenação na redução do preço da aquisição do imóvel que identifica e que lhe foi vendido por estes, com a devolução da quantia paga em excesso e subsidiariamente a sua condenação a reparar a estrutura interna do imóvel, sendo ainda condenados em indemnização por danos não patrimoniais, à razão de € 500,00 por cada mês que o mesmo viveu e vai viver no imóvel sem condições de habitabilidade, acrescida de juros desde a citação, com fundamento, em síntese, em que o imóvel apresenta defeitos comprovados por vistoria camarária.
Citados, contestaram os RR, deduzindo a exceção da caducidade do direito de instaurar esta ação, por ter sido proposta decorridos mais de seis meses sobre a denúncia dos defeitos e impugnando os fundamentos da ação dizendo que adquiriram o imóvel em 16 de Junho de 2017, não tendo nele habitado nem realizado quaisquer obras e pedindo a absolvição da instância ou, se assim se não entender, a absolvição do pedido
O tribunal a quo conheceu da exceção da caducidade no despacho saneador, julgando-a procedente quanto aos defeitos denunciados por comunicação de 8 de fevereiro de 2019 e improcedente relativamente aos defeitos denunciados em 18 de janeiro de 2021
Inconformados com essa decisão, os RR AMCPA e JVD, dela interpuseram recurso, recebido como apelação, formulando as seguintes conclusões:
I. Da audiência prévia realizada no dia 07.03.2024 resulta do despacho saneador, do qual se recorre, relativamente, à Excepção Peremptória de Caducidade do Direito de Instaurar a Acção, invocada pelos RR., que
“ (…) no que toca aos defeitos denunciados em 18 de Janeiro de 2021, cujo conhecimento o autor reporta a Junho de 2020, isto é, a período contido no ano anterior à denúncia (…) terá que se concluir que não caducou o direito do autor nessa parte, assim improcedendo a excepção nesse segmento, aqui se destacando que abrangem inclusivamente o período de suspensão do prazo de caducidade que se iniciou em 22.01.2021 (e decorreu até 05.04.2021)”
II. Ora, conforme resulta dos documentos nºs 2, 5 e 6 juntos na PI, comprovam que o A.
teve conhecimento dos defeitos denunciados em 18 de janeiro de 2021, pelo menos
desde 9/10/2019, data do Auto de Vistoria efetuado pela Câmara Municipal da Moita
e não em Junho de 2020, como invoca na carta datada de 18/01/2021 (Doc 12 PI)
III. Mas, já em 8 de fevereiro de 2019, por cartas, cuja cópia consta de fls. 13 a 17, o A,
comunica as alegadas anomalias, denunciando todos os defeitos que constam da
comunicação de 18 de Janeiro de 2021 e que o A. reporta a Junho de 2020, como se só nessa
data delas tivesse tido conhecimento
IV. Os defeitos denunciados em 18 de Janeiro de 2021, cujo conhecimento o autor reporta
a Junho de 2020, estão todos elencados no Doc. 5 (Auto de Vistoria datado de
9/10/2019)
V. Ante o exposto, tendo o A. denunciado em 18/01/2021, alegadas anomalias que diz
terem surgido em junho de 2020, posteriormente, às invocadas em 8/02/2019,
constata-se que, conforme resulta dos documentos nºs 2, 5 e 6 juntos na PI, pelo A.,
de que este teve conhecimento dos defeitos denunciados em 18 de janeiro de 2021,
pelo menos, desde 9/10/2019
VI. Pelo que não tem qualquer relevância o facto do A. ter interpelado os RR, por carta
registada com aviso de recepção, em 18 de janeiro de 2021
VII. Esta carta terá apenas o valor de uma insistência na denuncia, mas não tem a
virtualidade de impedir ou reiniciar um novo prazo de caducidade da ação
VIII. Diz-nos o art. 916 do Código Civil que, o comprador deve denunciar ao vendedor o
vício ou a falta de qualidade da coisa, (…), devendo a denúncia ter lugar até trinta dias
depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa móvel,
passando esses prazos para um ano e cinco anos, respectivamente, caso a coisa
vendida seja um imóvel
IX. Para que os RR vendedores possam ser responsabilizados pelo cumprimento
defeituoso e seja reconhecido o direito ao comprador à eliminação dos defeitos é
indispensável que este, tempestivamente, proceda à sua denúncia, nos termos do art.
916.º do CC e, não sendo na sequência dela eliminados, interponha a correspondente
ação no prazo fixado no art. 917.º do mesmo código
X. Nesse sentido, pode ver-se, entre outros do Supremo Tribunal de Justiça, e já citado
pelo Tribunal a quo, no Despacho Saneador do qual se recorre, o Acórdão de
11.07.2023, acessível in www.dgsi.pt – processo n.º 1499/21.7T8PVZ.P1.S1, que
decidiu, assim sumariado na parte que importa(..).III - Para que os réus vendedores
possam ser responsabilizados pelo cumprimento defeituoso e seja reconhecido o
direito aos compradores à eliminação dos defeitos é indispensável que estes
tempestivamente procedam à sua denúncia, nos termos do art. 916.º do CC e, não
sendo na sequência dela eliminados, interponham a correspondente ação no prazo
fixado no art. 917.º do mesmo código
XI. Pelo que, o A. teria de ter procedido tempestivamente à sua denuncia, nos termos do
art. 916.º do CC, até ao dia 9/10/2020
XII. Atendendo a que, os defeitos denunciados, pelo A., em 18 de janeiro de 2021, já
eram, deste, conhecidos, pelo menos, desde 9/10/2019
XIII. Com a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da
infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, verificou-se a
suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de
processos e procedimentos
XIV. Tendo de se ter em conta o disposto nas leis de suspensão de prazos, incluindo os
prazos de caducidade, que vigoraram no período de pandemia, nomeadamente a L.
nº 1-A/2020 de 19 de março, a L. nº 4-B/2021 de 1 de fevereiro e a L. nº 13-B/2021 de
5 de abril.
XV. Os prazos processuais onde se inclui o prazo de caducidade do direito de ação, por
força das denominadas leis da pandemia e suprarreferidas, face à situação sobre a
qual nos detemos, estiveram suspensos de 9 de março de 2020 até 2 de junho de
2020, num total de 86 dias
XVI. O que significa que os prazos processuais estiveram “parados”, sofreram uma
pausa na sua contagem, retomando-a no primeiro dia útil subsequente ao fim da
suspensão.
XVII. No caso, a denúncia, a que se reporta o art. 916º, do Cód. Civil, deveria ter ocorrido
até 9/10/2020, mas devido à suspensão do prazo de caducidade ter iniciado em
9/03/2020 até 2/06/2020, num total de 86 dias, deveria ter ocorrido até 3/01/2021
XVIII. Tendo o autor denunciado as alegadas anomalias existentes na sua casa, adquirida
aos réus por contrato de compra e venda, por comunicação em 18/01/2021, é
manifesto que ocorreu a caducidade do direito de o A. intentar a ação, face ao supra
exposto e ao disposto nos arts. 916º do Cód. Civil.
Nestes termos, e nos demais de Direito que Vossas Exas. doutamente suprirão,
deve ser dado provimento ao presente Recurso, e em consequência:
- Ser julgada procedente, por provada, a exceção peremptória de caducidade da
ação invocada pelos réus, no que toca ao direito de instaurar a presente acção,
na parte que respeita aos defeitos denunciados em 18 de Janeiro de 2021, e,
em consequência, julgar extinto o direito invocado, absolvendo os RR do pedido
*
O apelado contra-alegou, pugnando pela confirmação do despacho recorrido.
2. FUNDAMENTAÇÃO.
A) OS FACTOS.
Para conhecimento da exceção da caducidade o Tribunal a quo julgou:
A.1. Provados os seguintes factos:
1. Por escritura pública de compra e venda, outorgada em 23 de Julho de 2018, o autor declarou comprar aos réus, que declararam vender-lhe, para sua habitação, o imóvel sito na Rua … na Baixa da Banheira, pelo preço de € 48.500,00 (quarenta e oito mil e quinhentos euros), que estes receberam.
2. O imóvel foi entregue na data referida em 1..
3. Nesta acção, o autor alega que o mesmo imóvel apresentou fugas de água, infiltrações e humidade, em Agosto de 2018, bem como surgiram, em Junho de 2020, outras anomalias, que descreve, incluindo entupimento da canalização, desabamento do tecto da sala, humidade em várias divisões, pavimentos descolados, portas que empenam, infiltrações na casa de banho, deficiente isolamento térmico na cobertura do anexo e muros a descascar, mais tendo sido efectuada uma vistoria ao imóvel pela edilidade, em 09.10.2019, que constatou as suas deficiências, o que determinou o agravamento do estado de saúde do autor e angústia, conforme consta da petição inicial de fls. 1 a 10, cujo teor se dá por reproduzido.
4. Com base na descrita alegação, pede o autor ao tribunal seja a acção julgada procedente, por provada e, em consequência: seja reduzido o preço da aquisição do imóvel descrito nos artigos 1.º e 2.º da petição, para € 8.500,00 (oito mil e quinhentos euros); sejam os réus condenados a pagar ao autor o montante pago em excesso, no total de € 40.000,00 (quarenta mil euros); subsidiariamente, para o caso de o primeiro pedido não proceder, devem os réus ser condenados a reparar a estrutura interna do imóvel, repondo a forma e a estrutura e demais condições de habitabilidade que foram aprovadas e licenciadas pela Câmara Municipal da Moita; se condenem os réus a pagar ao autor uma indemnização por danos não patrimoniais, à razão de € 500,00 (quinhentos euros) por cada mês que o mesmo viveu e vai viver no imóvel sem condições de habitabilidade e até ao pagamento integral do montante peticionado a título de redução do preço e que se computa nesta data em € 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros), sendo o remanescente a liquidar em incidente posterior à sentença; sejam os réus condenados no pagamento de juros, desde a citação e até integral pagamento e ainda nas custas de parte.
5. Por cartas datadas de 8 de Fevereiro de 2019, cuja cópia consta de fls. 13 a 17 e se dá por reproduzida, o autor comunicou aos réus a existência de água na cozinha, com uma mancha no chão, decorrente de anomalias na canalização.
6. Por cartas datadas de 18 de Janeiro de 2021, cuja cópia consta de fls. 37 verso a 42 e se dá por reproduzida, o autor comunicou aos réus o seguinte:
“(...) No dia 23 de julho de 2018, comprei-lhe a fração autónoma designada pela letra “A”, que corresponde ao rés-do-chão direito do imóvel sito na Rua de …, Baixa da Banheira.
Decorrido um mês de estar a residir na referida habitação, em agosto de 2018, surgiam as seguintes anomalias/defeitos no imóvel:
a) Fuga de água no cano de esgoto do lava loiça, com a consequente infiltração de água na parede onde passa o cano e a inundação da cozinha sempre que era utilizado o lava loiça;
b) Aparecimento de manchas pretas de humidade no teto, paredes e janelas da cozinha;
c) Deficiências na instalação elétrica;
As referidas anomalias/defeitos foram-lhe comunicadas por carta registada com aviso de receção, datada de 08-02-2019, à qual nunca foi dada qualquer resposta. Porque se tratava de anomalias graves e a necessitarem de resolução/reparação urgente, foram efetuados os seguintes trabalhos para reparação das anomalias existentes:
a) Na cozinha foi removido o pladur das paredes laterais e frente e de parte do teto;
b) Na cozinha foi substituído o cano de esgoto, que estava rachado e furado, por cano em PVC;
c) Na cozinha foi refeita a instalação elétrica, com a colocação de fio terra nas tomadas, colocação de mais três disjuntores para aumentar a potência e isolamento dos fios interiores com tubo PVC;
d) Na cozinha colocação de pladur nas paredes e teto e colocação de azulejos na parede do lava loiça;
e) Na cozinha remoção dos armários superiores e inferiores, que ficaram danificados com as infiltrações de água, remoção e do lava loiça;
f) Colocação de armários superiores e inferiores novos, colocação de balcão em perda mármore e lava loiça;
g) Pintura da cozinha;
Com a reparação das anomalias/defeitos do imóvel gastei em material e mão de
ora a quantia de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros).
Posteriormente, em junho de 2020, surgiram as seguintes anomalias, igualmente
graves, na referida fração:
a) Problemas de drenagem nos esgotos, causados por entupimento da canalização, com o consequente cheiro a esgoto que se sente em toda a casa, sendo mais intenso no quarto e na entrada;
b) Desabamento do teto da sala;
c) Humidade na parede da sala, junto ao rodapé, e descolamento do rodapé;
d) Pavimento flutuante no quarto e na sala está descolado e ondulado;
e) No quarto aparecimento de humidade na parede e a tinta a sair;
f) As portas interiores são feitas de material de baixa qualidade, parece cartão;
g) As portas interiores empenam com a humidade e não fecham;
h) Na casa de banho, o poliban foi deficientemente instalado, não está assente no chão nem está bem isolado, o que provoca a infiltração de água na parede e no chão;
i) No poliban foi indevidamente construído um muro que não tem utilidade e é inestético;
j) Na casa de banho os azulejos foram deficientemente aplicados, não cobrem a totalidade da parede junto às torneiras;
k) Aparecimento de humidade no teto da arrecadação;
l) No anexo construído no logradouro as paredes estão a descascar;
m) Deficiente isolamento térmico da cobertura do anexo construído no logradouro;
n) No pátio o revestimento dos muros está a descascar.
Em face do acima descrito, convicto do vosso melhor entendimento, venho solicitar o pagamento da quantia de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros) que corresponde ao valor que despendi com a reparação das anomalias/defeitos existentes na cozinha, os quais lhe foram atempadamente comunicados.
Quanto aos defeitos/anomalias que surgiram posteriormente, solicito a rápida eliminação dos mesmos, devendo para o efeito indicar-me a data para a execução dos respetivos trabalhos, ou, na falta ou ausência de possibilidade de reparação/eliminação dos defeitos, a imediata redução do preço pago pela aquisição do imóvel, tudo sem prejuízo do direito a ser indemnizado pelos danos ou prejuízos ulteriormente sofridos.
Na expetativa de breve resposta de V. Exa., que solicito até ao dia 31 de janeiro de 2021, numa última tentativa de evitar o recurso à via judicial para a realização coativa das reparações devidas e obtenção da compensação/indemnização.”
7. No dia 26 de Janeiro de 2021, o réu pediu, junto da Segurança Social, o benefício de apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento da compensação de patrono, para instaurar a presente acção.
8. O Ilustre Patrono que representa o autor nestes autos foi-lhe nomeado no dia 4 de Março de 2021.
9. Esta ação foi instaurada no dia 20 de Abril de 2022.
B) O DIREITO APLICÁVEL.
O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2 e 639.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
Atentas as conclusões da apelação, acima descritas, a questão submetida ao conhecimento deste Tribunal pelos apelantes consiste, tão só, em saber se a denúncia de defeitos feita em 18 de janeiro de 2021 com conhecimento a junho de 2020, a que se reporta o n.º 6 dos factos provados, acima descrito, deveria ter ocorrido até 3/01/2021 porque o A apelado tomou conhecimento desses defeitos a 9/10/2019 e não em junho e 2020.
Conhecendo.
Como é pacífico nos autos os RR deduziram na sua contestação a exceção perentória da caducidade do direito de ação, invocando para o efeito que a ação foi proposta depois de decorridos seis meses sobre a denúncia dos defeitos, que teve lugar a 8 de Fevereiro de 2019.
O tribunal a quo conheceu dessa exceção no despacho saneador por considerar que esse conhecimento era possível nesse momento, tal como previsto na parte final da al. b), do n.º 1, do art.º 595.º, do C. P. Civil, tendo para o efeito fixado os factos pertinentes, articulados pelas partes na ação, fundamentando essa fixação.
Notificados desse despacho e discordando da parte que julgou improcedente a exceção da caducidade por eles invocada, que a mesma decisão identifica por referência à denúncia de 18 de janeiro de 2021 cujo conhecimento o A apelado reporta a junho de 2020, constante sob o facto n.º 6, vêm agora os RR aduzir que o A não teve conhecimento dos defeitos em junho de 2020 mas antes em 9/10/2019.
Obtempera o A apelado, além do mais, “…que os réus estão a invocar uma nova causa de caducidade que já deveria ter sido referida em sede de contestação, nos termos do artigo 573.º, n.º 1, do Código de Processo Civil”.
Como dispõem o n.º 1, do art.º 571.º e n.º 1, do art.º 573.º, do C. P. Civil toda a defesa deve ser deduzida na contestação, nela se compreendendo a defesa por exceção, sendo que esta regra processual apresenta como reverso a proibição de defesa ulterior, com ressalva da prevista no n.º 2, do art.º 573.º, a saber, “…só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente”.
Como dispõe o n.º 2, do art.º 342.º, do C. P. Civil, sobre a parte que deduz a exceção perentória da caducidade impende o ónus da prova dos factos em que a mesma se sustenta e que pressupõe por ela invocados para o efeito.
Este regime legal de articulação dos factos relativos à exceção e prova a eles atinente permitem-nos concluir, numa primeira linha, que os factos relativos ao conhecimento dos factos pelo A apelado deveriam ter sido articulados na contestação, numa segunda linha, que após esse momento processual não mais poderão ser articulados e por último, mais diretamente, que a apelação não é o meio processual próprio para articular tais factos, ainda que em obtemperação à factualidade que serviu de base ao conhecimento da exceção pelo tribunal recorrido.
Aliás, o meio processual próprio para impugnar a base factual do despacho que conheceu da exceção não poderá deixar de ser o previsto nos art.ºs 640.º e 662.º, do C. P. Civil, para a impugnação da decisão em matéria de facto da sentença, como decorre do disposto no n.º 3, do art.º 595.º, do C. P. Civil.
Nestas circunstâncias processuais, para além de cumprirem o dever de articular na contestação que o A apelado tomou conhecimento dos defeitos a 9/10/2019, discordando do facto provado sob o n.º 6, na apelação deveriam os RR apelantes demonstrar que em face dos elementos de prova constantes dos autos era essa e não a fixada pelo tribunal a quo a data em que o A apelado tomou conhecimento dos defeitos em causa.
Como resulta do antes exposto, não fizeram uma coisa nem outra, pelo que a data de conhecimento dos defeitos agora articulada na apelação não tem o condão de contrariar e substituir-se à data fixada pelo tribunal a quo.
E assim sendo, como decorre da fundamentação da sentença, que os apelantes não questionam, a denúncia dos defeitos em causa, de 18 de janeiro de 2021, foi feita no prazo estabelecido pelo n.º 3, do art.º 916.º, do C. Civil, pelo que a exceção da caducidade não podia deixar de improceder nessa parte.
Improcede, pois, esta questão única da apelação e com ela a própria apelação.,
C) SUMÁRIO
1. Como dispõem o n.º 1, do art.º 571.º e n.º 1, do art.º 573.º, do C. P. Civil toda a defesa deve ser deduzida na contestação, nela se compreendendo a defesa por exceção, sendo que esta regra processual apresenta como reverso a proibição de defesa ulterior, com ressalva da prevista no n.º 2, do art.º 573.º, a saber, “…só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente”.
2. A apelação não é o meio processual próprio para articular os factos atinentes à exceção da caducidade do direito de ação, ainda que em obtemperação à factualidade que serviu de base ao conhecimento da exceção pelo tribunal recorrido.
3. O meio processual próprio para impugnar a base factual do despacho que conheceu da exceção é o previsto nos art.ºs 640.º e 662.º, do C. P. Civil, para a impugnação da decisão em matéria de facto da sentença, como decorre do disposto no n.º 3, do art.º 595.º, do C. P. Civil.

3. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.

Orlando Santos Nascimento
Arlindo José Colaço Crua
Inês Moura