Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
600/18.2T8LSB-K.L1-7
Relator: CRISTINA SILVA MAXIMIANO
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
INCUMPRIMENTO
CONFERÊNCIA DE PAIS
OBRIGATORIEDADE
MULTA E INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: É entendimento pacífico na Doutrina e Jurisprudência que a aplicação de sanções por incumprimento ao abrigo do regime estatuído no art. 41º, nº 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei nº 141/2015, de 08/09, há-de depender da ponderação e análise dos factos concretos provados nos respectivos autos, porquanto só a análise dessas circunstâncias concretas permitirá verificar se existem os requisitos previstos naquele preceito: do acordo ou decisão vigente resulte a específica obrigação tida por incumprida por alguns dos pais ou terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada e que esse incumprimento seja grave, reiterado e culposo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO


A intentou o presente processo de incumprimento de regulação das responsabilidades parentais de seus filhos, Miguel ….. e Simão …, contra o progenitor destes, B, nos termos do disposto nos arts. 41º e ss do R.G.P.T.C., requerendo que o mesmo seja “severamente sancionado”.

Alegou para o efeito, em síntese útil, que: o seu filho Miguel fez 8 anos no 17 de Abril de 2021; a Requerente avisou antecipadamente o Requerido que pretendia almoçar com o filho naquele dia, exercendo o seu direito de ter uma refeição com o mesmo; na Cláusula 4ª, nº 7, do regime de regulação de responsabilidades parentais vigente desde 12/06/2017, ficou determinado que:No aniversário dos menores, estes passarão uma refeição com cada um dos progenitores”; dado que o Requerido se recusou a entregar os filhos na casa de morada de família (como sempre tinha sido feito desde 2017) no dia de aniversário do filho Miguel, a Requerente informou o Requerido que iria buscar o filho a casa do Requerido no dia de aniversário, pelo meio-dia, para passar o aniversário com o mesmo, mas o Requerido insistiu que a recolha e entrega do filho teria de ser feita em Montemor-o-Novo, a mais de 100 quilómetros de Lisboa; não tem qualquer cabimento a pretensão do Requerido no sentido de os filhos terem de ser recolhidos fora do concelho de Lisboa, sendo a conduta do Requerido tanto mais grave quando bem sabia que há mais de quatro anos os filhos sempre foram entregues na casa de morada de família e, no limite (a não ser assim), teriam que o ser na residência do Requerido dentro do concelho de Lisboa; os filhos vivem em Lisboa e a morada do Requerido é também em Lisboa; sabendo de antemão que tal direito ia ser exercido pela mãe, a decisão unilateral do Requerido de levar os filhos para fora do concelho de Lisboa não pode prejudicar o exercício de tal direito; foi uma escolha que, a ter incómodos ou transtornos, caberiam exclusivamente ao Requerido e por este teriam de ser resolvidos, dado que a alternativa integra, na prática, violação do acordo pela imposição de ónus que não seriam exigíveis atento o concelho de residência das crianças; em 17/04/2021, o Requerido enviou à Requerente uma mensagem de correio eletrónico, da qual consta: “(…) foi-te dito inúmeras vezes o que poderias fazer dado os miudos estarem comigo. continuas a insistir na mesma tecla, pelo que só posso concluír que não virás busca-los por tua própria escolha. é lamentável que estejas uma vez mais a colocar as tuas atitudes à frente do interesse deles. vou explicar ao Miguel que não os quiseste vir buscar (…)”; o Requerido sabia que o filho devia passar uma refeição com a mãe, e agiu propositadamente para que esta não exercesse o seu direito de ter uma refeição com o seu filho e impediu de forma grave que o filho conseguisse ir a casa almoçar com a mãe; o Requerido sabia que, estando em vigor ainda no dia 17 de Abril, um conjunto de restrições relativas à pandemia COVID e que determinavam o encerramento de quaisquer restaurantes ou similares às 13.00 horas, era impossível à Requerente ir recolher o filho a uma bomba de gasolina a 100 kms de Lisboa e este ir a casa almoçar com a mãe; e, o Requerido agiu dolosamente e com o propósito de impedir o filho de estar com a mãe no dia do respectivo aniversário.
O Requerido respondeu, defendendo a improcedência da acção, por inexistir qualquer situação de incumprimento que lhe seja imputável; tendo alegado, para o efeito, em síntese útil, que: no mencionado dia de aniversário do Miguel, foi a primeira vez desde a separação da Requerente e do Requerido, que o filho se encontrava à guarda e cuidados do pai; em todos os anos anteriores, estando o Miguel à guarda e cuidados da mãe, foi o Requerido quem teve de se deslocar para ir buscar o filho à escola ou a casa da mãe, para com ele passar uma refeição; o Requerido sempre o fez, nunca tendo deixado de usufruir do direito (e dever) de passar com o seu filho algum tempo no dia do seu aniversário; este ano, estando os filhos à guarda e cuidados do Requerido, cabia à Requerente deslocar-se para ir buscar os filhos, por forma a poder com eles passar a refeição do almoço, tal como se encontra estabelecido no regime de regulação das responsabilidades parentais; e, foi isso que o Requerido cumpriu integralmente, nunca tendo impedido que a Requerente pudesse estar com os seus filhos durante o almoço do dia 17/04/2021; sucede que, como a Requerente tem perfeito conhecimento, o Requerido passa os seus fins-de-semana em Montemor-o-Novo há largos meses; esta localidade situa-se perto de Lisboa, não constituindo uma deslocação excessiva ou desequilibrada; é falso que o Requerido tenha obrigado a Requerente a deslocar-se a Montemor-o-Novo; o Requerido indicou à Requerente que poderia ir buscar os filhos à estação de serviço de Vendas Novas (a qual seria mais perto e inclusive nem sequer implicaria que a mesma saísse da autoestrada), a qual se encontra a apenas 60 km de Lisboa; no entanto, a Requerente optou por não o fazer, não se deslocando 60 km para almoçar com o seu filho no dia de aniversário deste; a Requerente tem carta de condução e viatura própria, não existindo qualquer fundamento para que a mesma não possa assegurar uma deslocação dos filhos; a circunstância de o Requerido, ao longo dos anos, ter tentado colaborar e realizar a grande maioria das deslocações (porque não prescinde de estar com os seus filhos, ainda que tenha que se deslocar centenas de quilómetros para o efeito) não significa que tal seja uma obrigação exclusivamente sua; a Requerente tem obrigado o Requerido a deslocar-se a Caminha (Viana do Castelo) todos os anos para os ir buscar ou entregar os filhos na época festiva do Natal; a Requerente obriga o Requerido a deslocar-se mais de 800 Kms (ida e volta) para que este possa usufruir de algum tempo com os seus filhos no Natal, mas revela-se incapaz ou indisponível para se deslocar 60 km para ir buscar os filhos para almoçar com eles no dia de aniversário; o regime de regulação das responsabilidades parentais em vigor não impõe que seja o Requerido a realizar todas as deslocações dos filhos; e é evidente que a escolha em não estar com os seus filhos no dia de aniversário do Miguel foi uma escolha exclusiva da Requerente e que só a esta pode ser imputada.

Foi proferido despacho, com o seguinte teor:Ao Ministério Público”.
O Ministério Público pronunciou-se alegando que: no regime vigente de regulação do exercício das responsabilidades parentais nada ficou estabelecido quanto ao local de entrega e de recolha das crianças nos convívios referentes aos períodos de férias e épocas festivas; pelo que, inexistindo local estipulado para a entrega e recolha das crianças, a situação alegada não é susceptível de configurar incumprimento por parte do progenitor; no entanto, por forma a obviar situações futuras de discórdia, devem os progenitores ser notificados para virem informar se concordam em ser estabelecido o seguinte regime: nos anos pares, as crianças devem ser recolhidas no estabelecimento escolar ou na casa de morada de família do progenitor com quem se encontram pelo progenitor com quem irão conviver; nos anos ímpares, as crianças devem ser entregues no estabelecimento de ensino ou na casa de morada de família do outro progenitor pelo progenitor com que se encontram nesse momento, sendo que, em caso de aceitação, será homologado pelo tribunal o acordo nesta parte.

De seguida, foi proferida a decisão recorrida, com o seguinte teor – para o que aqui interessa:

“O acordo de regulação das responsabilidades parentais em vigor, no que ao regime de convívios nos períodos festivos diz respeito, estabelece, por acordo dos progenitores, homologado em ata de 12/06/2017, na respetiva cláusula 4ª e no que ao caso concreto interessa:
4.1. Nas férias de verão de 2017, os menores passarão, no mês de Julho, semanas alternadas com os progenitores e no mês de Agosto uma quinzena com cada um dos progenitores, sendo que a primeira e terceira semanas de Julho e a 1.ª quinzena de Agosto pertencem ao progenitor e a segunda e quarta semanas de Julho e a 2.ª quinzena de Agosto pertencem à progenitora.
4.2. A partir do verão de 2018, os menores passarão, nos meses de Julho e Agosto, duas quinzenas alternadas com cada um dos progenitores, devendo o período que pertence a cada um ser acordado entre ambos.
4.3. Na falta de acordo entre os progenitores, relativamente às férias de verão, nos anos ímpares o progenitor terá preferência de escolha e nos anos pares a progenitora terá preferência de escolha, devendo estes comunicar o período que pretendem até ao dia 30 de Abril do ano a que diga respeito
4.4. Nas férias da Páscoa de 2018, os menores passarão a 1.ª semana com a progenitora e a 2.ª semana com o progenitor, alterando anualmente.
4.5.Nas férias do Natal de 2018, os menores passarão a 1.ª semana com a progenitora e a 2.ª semana com o progenitor, alternando anualmente, devendo a troca ser feita no dia 25 de Dezembro antes do almoço.
4.6. Os menores passarão o Dia da Mãe e o aniversário desta com a progenitora e o Dia do Pai e o aniversário deste com o progenitor.
4.7. No aniversário dos menores, estes passarão uma refeição com cada um dos progenitores.
Em local nenhum do acordo celebrado entre os progenitores, se estabelece que o local de recolha/entrega dos menores no dia de aniversário é na casa da Requerente em Lisboa, ou na casa do Requerido no mesmo local.
Do mesmo modo, não acordaram as partes que era ónus do Requerido entregar as crianças à mãe no dia de aniversário daquelas, nos locais que a mesma indica.
Por outro lado, ante tal omissão, não alega a Requerente que no dia em causa – e pese embora a distância de 100 km que o Requerido propôs reduzir para 60 km – estava impossibilitada de, por si, ir buscar a criança, designadamente, por não dispor de meios (de condução e transporte) para o efeito, não se afigurando de resto que a deslocação, em face da distância, seja excessiva ou demasiado onerosa à Requerida ou tenha sido efetuada com o propósito de impedir a Requerente de passar a refeição com o filho (ou, mais importante, que a mesma tenha sido impedida de estar com o filho por conduta culposa do requerente).
Assim, o que é certo é que não resulta dos motivos alegados pela Requerente, no contexto do acordo celebrado pelas partes, que o Requerido tenha incumprido com as obrigações que emergem do acordo de regulação das responsabilidades parentais, pelo que, sem necessidade de acrescidas considerações, é de improceder o incidente de incumprimento.
No que concerne ao regime proposto pelo Ministério Público, atenta a elevada litigiosidade de que estes autos e incidentes dão conta, poderão os progenitores, caso o entendam, submeter o mesmo a homologação pelo Tribunal, sendo que este incidente não prosseguirá para esses efeitos.
Termos em que face ao exposto, por infundado julga-se improcedente o incidente de incumprimento.”.

Inconformada, a Requerente recorre desta decisão, peticionando a revogação da mesma, e que seja julgadoprocedente o incumprimento deduzido, com todas as consequências daí decorrentes, ou, caso assim não se entenda”, que seja determinado “o prosseguimento dos autos com marcação de uma conferência de pais com vista à obtenção de um acordo que corresponda aos interesses das crianças”. Formula as seguintes Conclusões:
1.Nos presentes autos está em causa um incidente de incumprimento do regime do exercício das responsabilidades parentais deduzido pela mãe, ora Recorrente, contra o pai, ora Recorrido, tendo o Tribunal decidido, apenas com base no requerimento de dedução do incidente e da respectiva resposta, pela improcedência do mesmo, por entender que o local de recolha/entrega dos menores não se encontra concretamente especificado na cláusula respeitante aos dias festivos.
2.Com efeito, o incidente em causa foi deduzido pela mãe com base na situação ocorrida no dia em que o filho Miguel fez 8 anos (17 de Abril de 2021), em que o progenitor impôs à progenitora que fosse buscar o filho a Montemor-o-Novo ou à área de Serviço de Vendas Novas, caso quisesse fazer uma refeição com o mesmo.
3.A Recorrente não pode concordar com a decisão proferida, por entender que a mesma não está correcta, abre um perigoso precedente na execução do regime do exercício das responsabilidades parentais pelos progenitores, que necessariamente irá intensificar o nível de litigiosidade entre ambos e, acima de tudo, por considerar que tal decisão não acautela o superior interesse dos menores.
4.Nos termos da cláusula 4.7. do acordo de regulação das responsabilidades parentais, homologado em 12 Junho de 2017 “no aniversário dos menores, estes passarão uma refeição com cada um dos progenitores.”
5.Pese embora não se encontre concretamente indicado nesta cláusula (4ª) o local de recolha/entrega dos menores, parece-nos evidente que tal local de recolha/entrega das crianças, a não ser que exista acordo dos pais noutro sentido, ter-se-á de efectuar ou na escola ou na residência do progenitor com quem os menores se encontrem, todos em Lisboa.
6. Se assim não fosse, qualquer progenitor poderia inviabilizar execução desta cláusula, ou seja, qualquer progenitor obstaculizaria à possibilidade de o outro progenitor fazer uma refeição com o filho no dia de aniversário deste, bastando, para tal, deslocar-se nesse dia para qualquer sítio do país ou para o estrangeiro.
7.Desde Junho de 2017, foi sempre a prática reiterada dos progenitores que nos dias festivos, nomeadamente dia da Mãe, dia do Pai, aniversários das crianças e dos pais, as recolhas/entregas das crianças se realizassem ou na escola ou na casa onde os menores residem com a mãe.
8.Acresce que, por mais exaustivo que seja um regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, é impossível que o mesmo preveja, ao pormenor, todas as questões sobre a vida das crianças.
9.Torna-se, pois, necessário contextualizar a situação e interpretá-la de acordo com o regime que se encontra estipulado, o qual prevê, genericamente, na cláusula 2ª, sob a epígrafe “Contactos e Convívios”, que as recolhas/entregas dos menores se realizam no estabelecimento de ensino ou em casa da progenitora, ambos em Lisboa, bem como interpretá-la de acordo com a prática que tem vindo a ser adoptada pelos progenitores ao longo dos anos, de acordo com a qual as recolhas/entregas dos menores nos dias festivos sempre ocorreram na escola ou em casa da mãe.
10.Uma vez que nos dias festivos, como sejam os dias de aniversários dos pais e dos menores, as crianças podem encontrar-se com o pai, é aceitável que as entregas/recolhas se possam efectuar também na residência deste, em Lisboa.
11.O que não é, de todo, aceitável e não pode conceber-se como uma situação normal é que o progenitor com quem a criança se encontre “obrigue” o outro progenitor a deslocar-se para fora de Lisboa para, conforme previsto no acordo, poder fazer uma das refeições com o filho.
12.No caso sub judice, o dia em que o Miguel completou 8 anos (17 de Abril de 2021), coincidiu com um Sábado em que a criança estava entregue ao pai, tendo a mãe, antecipadamente, informado o mesmo da sua intenção de almoçar com o filho, conforme resulta do doc. 1 junto ao incidente de incumprimento.
13.Sucede que o progenitor, aqui Recorrido, sem qualquer fundamento justificável, se recusou a entregar o filho em casa da mãe ou na casa onde reside em Lisboa, transmitindo à Recorrente que se quisesse almoçar com o filho teria de o ir buscar a Montemor (a cerca de 100km de Lisboa) ou à área de serviço de Vendas Novas (a cerca de 65 km de Lisboa), às 12h para aí o entregar às 16h.
14.Independentemente de o pai se encontrar em Montemor, no Algarve ou nos Açores, sabe de antemão que, nos dias festivos identificados no regime de regulação das responsabilidades parentais, os filhos têm de ser entregues à mãe, em Lisboa, salvaguardando e permitindo os direitos dos filhos de poderem fazer uma refeição com a progenitora.
15.A mesma obrigação impende sobre a mãe, sendo que, nos anos anteriores, em que o dia de anos dos filhos coincidiu com dias em que os menores se encontravam aos seus cuidados, bem sabia esta que não podia, sem o acordo do progenitor nesse sentido, deslocar-se, por exemplo, para o Algarve com as crianças ou para o Norte do país, impedindo, na prática, que o Recorrido pudesse fazer uma das refeições com os filhos.
16.E não se diga que, no caso em concreto, estavam apenas em causa 60 km, já que para poder estar com o filho no dia do seu aniversário, a mãe teria, pelo menos, de fazer cerca de 65 km de ida (distância entre Lisboa e a área de serviço de Vendas Novas), mais 65 km de regresso a Lisboa, num total de 130 km.
17.Acresce que, em Abril de 2021, e tal como era do perfeito conhecimento do Recorrido, o país encontrava-se numa situação de Estado de Emergência devido à pandemia causada pela Covid-19, sendo que nessa fase, por determinação do Governo, os restaurantes tinham de encerrar impreterivelmente às 13h.
18.Isto significa que, para poder almoçar em casa com o filho, a Recorrente teria de fazer quatro viagens de cerca de 65 km cada, num total de 260 kms.
19.Ora, o tempo que perderia nestas viagens impossibilitaria o que no regime se quis acautelar, ou seja, a possibilidade de a criança poder conviver com a mãe e com ela fazer uma refeição, tranquila e feliz, no dia do seu aniversário.
20.A mãe tinha tudo preparado para receber o filho em sua casa e para lhe fazer uma festa de aniversário, sendo que, devido ao comportamento culposo e censurável do pai, viu-se impedida de o fazer.
21.Para além de incumprir o acordo, obstaculizando ao convívio da criança com a mãe, o Recorrido conseguiu ir ainda mais longe ao dizer ao filho que a mãe não o quis ir buscar no dia do seu aniversário.
22. Isto quando o Recorrido bem sabia que tinha de entregar os menores (como sempre fez) na residência da mãe, ou, em alternativa, permitir a recolha das crianças na sua residência, em Lisboa.
23.Bem sabendo o Recorrido que, estando em vigor um conjunto de restrições relativas ao Estado de Emergência, os restaurantes encerravam às 13h, sendo, por isso, impossível à Recorrente ir recolher o menor a uma área de serviço a cerca de 65 km de Lisboa, regressar a Lisboa, para depois voltar a levá-lo a essa área de serviço e regressar novamente a Lisboa.
24.O comportamento do pai é grave, culposo e altamente censurável.
25.O Recorrido agiu dolosamente e com o propósito de impedir o filho, no dia em que fazia 8 anos, de poder fazer uma refeição com mãe, chegando ao cúmulo de dizer à criança que mãe não queria ir buscá-lo.
26.Resulta, do exposto, que decisão do Tribunal a quo, ao julgar, sem mais, improcedente o incidente de incumprimento deduzido, está profundamente errada, na medida em que abre um precedente na interpretação e execução do regime, permitindo que outras situações semelhantes possam ocorrer, agravando o grau de litigiosidade entre os progenitores e não acautelando o superior interesse das crianças que, necessariamente, são as mais atingidas.
27.Pese embora o Ministério Público se tivesse pronunciado no sentido de não existir propriamente um incumprimento, por não se encontrar concretamente estipulado, na cláusula respeitante aos dias festivos, onde se devem efectuar as recolhas e entregas dos menores, foi sugerido pela Sra. Procuradora, por forma a obviar futuras quezílias, proceder a uma alteração ao regime que solucionasse a questão.
28. O que não se pode conceber foi a solução dada pelo Mma. Juíza do Tribunal recorrido que, sem sequer ter convocado as partes para a realização de uma conferência, limitou-se a julgar improcedente o incumprimento, com base num elemento de natureza puramente formal, sem atender ao contexto do regime e à execução do mesmo pelas partes, aumentando a probabilidade de novas discórdias sempre que estejam em causa dias festivos ou períodos de férias dos menores.
29. Devendo, assim, ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, julgando-se procedente o incumprimento deduzido, com todas as consequências daí decorrentes ou, caso assim não se entenda, determinando-se o prosseguimento dos autos com marcação de uma conferência de pais, com vista à obtenção de um acordo que corresponda aos interesses das crianças.
30. A sentença recorrida desconsiderou o disposto no artigo 41º do RGPTC, bem como os princípios orientadores de intervenção, como seja o princípio da consensualização, a que se refere o artigo 4º, n.º1, al. b)do referido diploma legal e o princípio fundamental do superior interesse da criança, previsto no artigo 4º al. a) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.”.

O Requerido e o Ministério Público apresentaram contra-alegações, nas quais pugnam pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II–QUESTÕES A DECIDIR

De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objecto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º, nº 3 do Cód. Proc. Civil). De igual modo, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas de todas as questões suscitadas que se apresentem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (cfr. art. 608º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, ex vi do art. 663º, n.º 2 do mesmo diploma). Acresce que, não pode também este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas, porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas - cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, p. 114-116.

Nestes termos, no caso dos autos, as questões a decidir são as seguintes:
- se a decisão recorrida violou o disposto no art. 41º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei nº 141/2015, de 08/09 (doravante, denominado de R.G.P.T.C.), o princípio da consensualização, a que se refere o art. 4º, nº 1, al. b) do mesmo diploma, e o princípio do superior interesse da criança, previsto no art. 4º, al. a) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, ao não convocar as partes para uma conferência de pais – cfr. pontos 27. a 30. das Conclusões;
- se, se verifica a existência de um incumprimento por parte do Requerido do regime vigente de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao dia de aniversário do Miguel de 17 de Abril de 2021, nos termos do art. 41º do R.G.P.T.C. - cfr. pontos 3. a 26. das Conclusões.

III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos provados com interesse para a decisão do recurso são os que constam da parte I-Relatório desta decisão, que se dão aqui por integralmente reproduzidos

IV–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Pretende-se nestes autos apreciar o alegado incumprimento, por parte do Requerido, do acordo relativo ao exercício das responsabilidades parentais do Miguel e do Simão, no que concerne ao dia do aniversário do Miguel de 17 de Abril de 2021.
Sem o afirmar expressamente, a apelante suscita a ocorrência de uma nulidade, ao invocar que a decisão recorrida violou o disposto no art. 41º do R.G.P.T.C., o princípio da consensualização, a que se refere o art. 4º, nº 1, al. b) do mesmo diploma, e o princípio do superior interesse da criança, previsto no art. 4º, al. a) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, ao não convocar as partes para uma conferência de pais, pelo que deve ser determinado “o prosseguimento dos autos com marcação de uma conferência de pais com vista à obtenção de um acordo que corresponda aos interesses das crianças”.

Pese embora esta questão tenha sido suscitada nos pontos finais das Conclusões (cfr. pontos 27. a 30.) e a respectiva pretensão tenha sido deduzida a título subsidiário, para o caso de não ser julgado procedente o incumprimento deduzido (cfr. parte final das alegações, com sublinhado nosso: “… revogar a sentença recorrida, julgando procedente o incumprimento deduzido, com todas as consequências daí decorrentes, ou, caso assim não se entenda, determinando o prosseguimento dos autos com marcação de uma conferência de pais”), por se tratar de uma alegada nulidade processual, iremos apreciá-la em primeiro lugar, o que se passa a fazer.

Dispõe o art. 41º do R.G.P.T.C., sob a epígrafe “Incumprimento” que:
1- Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos.
2- Se o acordo tiver sido homologado pelo tribunal ou este tiver proferido a decisão, o requerimento é autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão, para o que será requisitado ao respetivo tribunal, se, segundo as regras da competência, for outro o tribunal competente para conhecer do incumprimento.
3- Autuado o requerimento, ou apenso este ao processo, o juiz convoca os pais para uma conferência ou, excecionalmente, manda notificar o requerido para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente.
4- Na conferência, os pais podem acordar na alteração do que se encontra fixado quanto ao exercício das responsabilidades parentais, tendo em conta o interesse da criança.
5- Não comparecendo na conferência nem havendo alegações do requerido, ou sendo estas manifestamente improcedentes, no incumprimento do regime de visitas e para efetivação deste, pode ser ordenada a entrega da criança acautelando-se os termos e local em que a mesma se deva efetuar, presidindo à diligência a assessoria técnica ao tribunal.
6- Para efeitos do disposto no número anterior e sem prejuízo do procedimento criminal que ao caso caiba, o requerido é notificado para proceder à entrega da criança pela forma determinada, sob pena de multa.
7- Não tendo sido convocada a conferência ou quando nesta os pais não chegarem a acordo, o juiz manda proceder nos termos do artigo 38.º e seguintes e, por fim, decide.
8- Se tiver havido condenação em multa e esta não for paga no prazo de 10 dias, há lugar à execução por apenso ao respetivo processo, nos termos legalmente previstos”.

Atenta a sua inserção sistemática, epígrafe e o teor literal do nº 1 (“não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido”), é incontroverso que o incumprimento a que respeita o preceito a que vimos aludindo pode incidir sobre o direito de visitas, sobre a divisão e partilha de períodos festivos, obrigação de alimentos ou a qualquer outro aspecto atinente à regulação das responsabilidades parentais.

Decorre, ainda, deste preceito que, quando o mesmo pretende disciplinar especificamente uma das vertentes da regulação das responsabilidades parentais, fá-lo de um modo expresso, como se verifica pelos respectivos nºs 5 e 6, que respeitam apenas ao regime de visitas.

Assim sendo, numa situação em que esteja exclusivamente em causa o incumprimento do regime de visitas - como é o caso dos autos - o nº 3 do preceito em referência tem plena aplicação.

Ora, nos termos expressamente consagrados – e permitidos, diga-se - nesta norma (nº 3 do art. 41º do R.G.P.T.C.), poderá o juiz não convocar os pais para uma conferência, prosseguindo os autos com a notificação do requerido para alegar o que tiver por conveniente. É certo que a não convocação de conferência de pais é reputada de excepcional pelo legislador nesta norma, mas tal não significa que a conferência de pais seja de realização obrigatória, dependendo de um juízo em cada caso concreto sobre a sua (im)possibilidade (por exemplo, por ausência dos pais em parte incerta), (in)utilidade ou (im)pertinência para a apreciação do incumprimento, de harmonia com as circunstâncias específicas de cada situação e tendo sempre em cada caso em consideração a salvaguarda do superior interesse da criança. Esta ponderação e decisão sobre a realização de conferência de pais em cada caso concreto, de forma ao tribunal aferir se deve optar pela regra (no sentido daquela realização) ou considerar a excepção (no sentido da não realização da conferência), tem pleno cabimento à luz do disposto no nº 3 do art. 41º do R.G.P.T.C., não implicando, pois, a respectiva não realização qualquer preterição de diligência ou formalidade essencial.

Note-se, aliás, que, quando o legislador pretende a realização obrigatória (e não como regra) de conferência de pais no âmbito de providências tutelares cíveis, consagra-o expressamente e de forma cristalina, como resulta dos artigos: 35º, nº 1 (regulação do exercício das responsabilidades parentais, mesmo nas situações urgentes: art. 44º-A, nº 2), 42º, nº 5 (alteração daquela regulação), 44º, nº 2 (falta de acordo dos pais em questões de particular importância) e 45º, nº 1 e 46º, nº 1 (fixação de alimentos devidos a criança ou alteração dos anteriormente fixados), todos do R.G.P.T.C.. 

Alega, ainda, a apelante que a não realização da conferência de pais desconsidera o princípio da consensualização, consagrado no art. 4º, nº 1, al. b) do R.G.P.T.C., e o princípio fundamental do superior interesse da criança, previsto no art. 4º, al. a) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.

Não se nos afigura que assim seja.

De acordo com o princípio da consensualização, princípio orientador por que se rege o processo tutelar cível: “Os conflitos familiares são preferencialmente dirimidos por via do consenso, com recurso a audição técnica especializada e ou à mediação, e, excecionalmente, relatados por escrito” (art. 4º, nº 1, al. b) do R.G.P.T.C.).

Vislumbra-se neste princípio da consensualização o objectivo de consagrar uma fase processual de consenso, conducente à mínima intervenção judicial, através do recurso à audição técnica especializada e ou à mediaçãocfr. Alcina da Costa Ribeiro, in “Parecer Proposta de Lei nº 338/XII com vista à aprovação do regime do Processo Tutelar Cível”, 25 de Junho de 2015, acessível em https://www.csm.org.pt/ficheiros/pareceres/2015/2015_06_25_parecer_propostalei338xii4a_rptc.pdf, p. 7.

Donde, não se apreende neste princípio qualquer obrigatoriedade da realização de conferência de pais no incumprimento da regulação das responsabilidades parentais; pelo contrário, resulta do princípio a que ora aludimos a orientação de o juiz, tendo em vista a fundamentação da decisão e sempre que entenda conveniente, determinar o recurso a entidades exteriores ao próprio tribunal (à audição técnica especializada: art. 23º do R.G.P.T.C.; e ou a mediação das partes: art. 24º do RGPTC), tal como resulta claro do art. 21º, nº 1, al. b) do R.G.P.T.C..

Acresce que, também ao contrário do que entende a apelante, não vislumbramos na não convocação e realização de conferência de pais no caso dos autos qualquer desconsideração do princípio da salvaguarda do superior interesse das crianças, sendo certo que a apelante nada concretiza a esse propósito.

Em suma, no caso dos autos, não se nos afigura que o tribunal a quo, ao não convocar a conferência de pais, tenha preterido ou omitido um acto/diligência/formalidade que a lei prescreva como obrigatória, de forma a verificar-se nulidade da decisão recorrida, pelo que improcedem os pontos 27. a 30. das Conclusões de recurso. O que se decide.
***

Quanto ao mérito da decisão:
Do preceito legal convocado pela Requerente para fundamentar o pedido que formulou nesta acção – o nº 1 do art. 41º do R.G.P.T.C., acima já transcrito -, resulta que, para uma situação fáctica se subsumir ao mesmo, é necessário, desde logo, que “um dos pais” (para o que aqui interessa) não cumpra “com o que tiver sido acordado ou decidido”. O que, de forma cristalina, significa que é necessário que, do acordo ou decisão vigente, resulte a concreta obrigação tida por incumprida por alguns dos pais.
Acresce que, como tem sido defendido pela Doutrina e pela Jurisprudência, não é qualquer incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais que faz desencadear as consequências ditadas no art. 41º do R.G.P.T.C..
Na verdade, o recurso ao regime estatuído no art. 41º do R.G.P.T.C. pressupõe uma crise, um incumprimento efectivamente grave e reiterado por parte do progenitor remisso e não uma mera situação ocasional ou pontual de incumprimento surgida por motivos imponderáveis alheios à vontade do próprio progenitor incumpridor.
Por outro lado, o incumprimento reiterado e grave só releva se for culposo, isto é, se puder ser assacado ao progenitor faltoso um efectivo juízo de censura. Ou seja, só o incumprimento culposo - e não mero incumprimento desculpável - de um dos progenitores, relativamente ao decidido quanto ao exercício das responsabilidades parentais, deve ser sancionado com multa e indemnização.
Desta forma, a aplicação de sanções por incumprimento do que tiver sido decidido há-de depender da ponderação e análise dos factos concretos provados nos respectivos autos, porquanto só a análise das circunstâncias concretas em que incorreu o incumprimento permitirá verificar se existe culpa e ilicitude por parte do incumpridor ou, pelo menos, se revestem gravidade que justifiquem a sua condenação.

V.d., no sentido de que, é necessário, para que sejam aplicadas sanções ao incumprimento, que este seja grave, reiterado e culposo por parte do progenitor:

- na Doutrina:
  • Maria Clara Sottomayor, in “Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio”, 4ª ed. revista, aumentada e actualizada, 2002, Almedina, p. 91, nota 216;
  • Paulo Guerra e Helena Bolieiro, in “A criança e a família – Uma questão de Direito(s), Visão Prática dos Principais Institutos do Direito da Família e das Crianças e Jovens, Coimbra, Coimbra Editora, 2009”, p. 246, nota de rodapé 146, onde se escreve: “Convém ter alguma razoabilidade na aferição da existência de um rigoroso incumprimento – existem muitas situações que não configuram, de facto, qualquer tipo de incumprimento, o que significa que urge averiguar se da letra expressa do acordo homologado ou da sentença consta uma cláusula de onde resulte essa obrigação agora tida por incumprida por alguns dos pais”; e nota de rodapé 148, onde se escreve:não é qualquer incumprimento que faz desencadear as consequências ditadas no artigo 181.º, só relevando o incumprimento, que não sendo ocasional, é grave, culposo e reiterado. Não o é aquele que surge por razões imponderáveis alheias à vontade do pai dito «incumpridor» ou no caso em que este está convencido que não está a incumprir, até por má compreensão do acordado ou sentenciado”. 
- na Jurisprudência, os seguintes Acórdãos, todos acessíveis em www.dgsi.pt:
  • do TRP de 10/01/2012, proc. nº 336/09.5TBVPA-B.P1, Maria Cecília Agante;
  • do TRG de 23/02/2017, proc. nº 23/14.2T8VCT-A.G1, Fernando Fernandes Freitas, onde se escreve: “Atento o teor do artigo 41.º, n.º 1, do actual Regime Geral do Processo Tutelar Cível, continua válido e actual o entendimento, que era uniforme, de que só o incumprimento grave e reiterado do progenitor remisso justifica que seja condenado em multa, somente relevando, quanto à culpa, o dolo no incumprimento(…). E quanto à culpa também só releva o dolo no incumprimento, ou seja, as situações em que o incumpridor quis realizar o facto ilícito (dolo directo); ou, não o querendo realizar directamente, o previu como uma consequência necessária da sua conduta mas, apesar disso, não a alterou (dolo necessário); ou ainda, não querendo realizar directamente o facto ilícito, previu-o como uma consequência possível (dolo eventual), mas, mesmo assim, aceitou-o.”;
  • do TRL de 12/10/2017, proc. nº 2183/15.6T8LRS-J.L1, Cristina Neves;
  • do TRG de 19/10/2017, proc. nº 1020/12.8TBVRL-E.G1, Maria João Matos;
  • do TRG de 26/10/2017, proc. nº 2416/15.9T8BCL-C.G1, Raquel Tavares;
  • do TRC de 22/10/2019, proc. nº 1014/08.8TMCBR-P.C1, Vítor Amaral.

Cumpre, então, analisar a situação dos autos.

O tribunal a quo concluiu que os factos em causa nos autos não revelavam um incumprimento da regulação vigente das responsabilidades parentais por parte do progenitor das crianças essencialmente por: (i)- não resultar da regulação vigente de responsabilidades parentais que os locais de recolha/entrega das crianças no respectivo dia de aniversário são na casa da progenitora ou na casa do progenitor, ambas sitas em Lisboa, ao contrário do entendido pela Requerente; (ii)- os progenitores das crianças não acordaram que era ónus do progenitor entregar as crianças à mãe nos dias dos respectivos aniversários nos locais que a Requerente ora indica (casa da progenitora ou casa do progenitor, ambas em Lisboa); (iii)- e, perante estas circunstâncias [mencionadas em (i) e (ii)], nem invoca a Requerente que, no dia em causa estava impossibilitada de, por si, ir buscar o filho (designadamente, por não dispor de condução e transporte para o efeito); nem se afigura que a concreta deslocação em causa fosse excessiva ou demasiado onerosa à Requerente ou que o Requerido tenha tido o propósito de impedir a Requerente de passar a refeição com o filho.

Crê-se, diversamente do que propugna a apelante, que o tribunal a quo avaliou correcta e cabalmente os factos em causa, que, efectivamente, não permitem concluir que o progenitor tenha adoptado qualquer comportamento que juridicamente lhe possa ser imputado a título de incumprimento da regulação vigente de responsabilidades parentais.

Senão, vejamos.

Note-se, em primeiro lugar (e tal como é admitido pela própria apelante: cfr. ponto 5. das Conclusões de recurso), que, na regulação vigente de regulação das responsabilidades parentais (cfr. Acta da conferência de pais realizada no dia 12/06/2017 no âmbito do Apenso B, sob a Referência Citius nº 367045941) não existe estipulação expressa quanto ao local onde as crianças deverão ser recolhidas/entregues no dia dos seus aniversários para passarem uma refeição com cada um dos progenitores.

Na verdade, a este propósito, apenas consta da Cláusula 4.7. daquela regulação que:No aniversário dos menores, estes passarão uma refeição com cada um dos progenitores.”. Esta estipulação está inserida na 4ª Cláusula que rege, nos demais nºs 1 a 6, especificamente sobre os períodos de férias (de verão, de Páscoa e de Natal), os dias de aniversários de cada progenitor e os dias da Mãe e do Pai, e tem como epígrafe “Férias e épocas festivas”, sendo certo que, em toda esta Cláusula não se encontra prevista, a propósito de qualquer um dos mencionados períodos de “férias e épocas festivas”, nenhum local de recolha/entrega das crianças, nem que incumbe ao progenitor ir buscá-las/entregá-las em Lisboa.

Estrutura a apelante todo o seu entendimento de que se verifica incumprimento das responsabilidades parentais por parte do progenitor no pressuposto que, no dia de aniversário das crianças, o “local de recolha/entrega das crianças, a não ser que exista acordo dos pais noutro sentido, ter-se-á de efetuar ou na escola ou na residência do progenitor com quem” as crianças “se encontrem, todos em Lisboa (cfr. ponto 5. das Conclusões de recurso). Argumenta neste sentido que a Cláusula 2ª da regulação vigente prevê, genericamente, sob a epígrafe “Contactos e Convívios”, que as recolhas/entregas das crianças se realizam no estabelecimento de ensino ou em casa da progenitora, ambos em Lisboa.

Porém, a Cláusula 2ª, chamada à colação pela apelante, rege apenas - não obstante na respectiva epígrafe constar “Contactos e convívios” - nos seus únicos pontos 1 e 2, os convívios regulares das crianças aos fins-de-semana, de 15 em 15 dias, com o progenitor. Donde, dada a diversidade das situações (entre, por um lado, aqueles convívios regulares aos fins-de-semana alternados e, por outro lado, situações de férias de verão, Natal e Páscoa e dias festivos mencionados na Cláusula 4ª), não se pode, sem mais, extrapolar da regulamentação ali especificamente estipulada sobre o local onde o progenitor vai buscar e levar os filhos nos fins-de-semana, para a sua aplicação, com carácter vinculativo, em qualquer outro convívio das crianças com o pai, máxime os previstos na 4ª Cláusula.

Na falta de estipulação expressa sobre o local concreto da recolha/entrega das crianças em cada período de “férias e épocas festivas” consagrado na mencionada Cláusula 4ª e sobre quem as deve ir buscar/levar para o efeito, incumbirá aos progenitores acordarem entre si esse local de recolha/entrega dos filhos em cada período de férias (de verão, Páscoa e Natal) e dias festivas (Dia da Mãe e Dia do Pai; de aniversário de cada um dos progenitores; e de aniversário de cada uma das crianças), numa natural e necessária actividade de interpretação, execução e complementação do acordo de regulação das responsabilidades parentais, pois, como a própria apelante reconhece, “por mais exaustivo que seja um regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, é impossível que o mesmo preveja, ao pormenor, todas as questões sobre a vida das crianças(cfr. ponto 8. das Conclusões de recurso).

Acordo esse, que os progenitores do Miguel não lograram alcançar quanto ao dia de aniversário do filho, em 17/04/2021, como resulta do relatado no processo.

Argumenta, ainda, a apelante que tem vindo a ser a prática adoptada pelos progenitores ao longo dos anos de as recolhas/entregas das crianças nos dias festivos sempre ocorreram na escola ou em casa da mãe, mais aduzindo, de seguida, que, nos dias festivos quando as crianças se encontrarem com o pai, é aceitável que as entregas/recolhas se possam efectuar também na residência deste, em Lisboa.

Relativamente ao que tem vindo a acontecer em anteriores situações de férias de verão, Natal e Páscoa e dias festivos mencionados na aludida Cláusula 4ª, é de salientar que tal corresponde à aludida necessidade de os progenitores lograrem obter acordo quanto ao local de recolha/entrega das crianças e quem os deverá ir buscar/levar, para, assim, ambos, cumprirem o estipulado naquela Cláusula. Aliás, e como resulta dos articulados juntos aos autos, a prática dos progenitores, pelo menos nas férias de Natal dos filhos, tem sido outra que não a entrega/recolha em casa da mãe, ou do pai, nem na escola, em Lisboa, mas em Caminha (onde estão com a mãe e onde o pai se desloca para os ir buscar/entregar, o que é reconhecido pela apelante, que afirma, inclusive, que o pai se desloca desde Mangualde, onde se encontra naquela altura, até Caminha, para esse efeito: cfr. fls. 8 das motivações de recurso), sendo certo que a regulamentação quanto àquelas férias consta da mesma Cláusula que regulamenta os demais dias festivos, não existindo, quanto a nenhuma dessas situações, um local previamente definido para as respectivas recolhas/entregas das crianças, nem sobre quem deve assegurar tais deslocações, pelo que, quanto a todos esses convívios, deverão os progenitores, perante cada situação concreta, acordar aqueles locais e a quem incumbe ir buscar/levar os filhos.

Relativamente ao concreto local que o progenitor (com quem o Miguel se encontrava nesse dia) propôs à progenitora que fosse recolher/entregar o filho - área de serviço de Vendas Novas  –, atendendo a que tal ponto dista cerca de 65 Kms de Lisboa por autoestrada (como é reconhecido pela apelante nos nºs 2., 13. e 16. das Conclusões de recurso), acolhemos o juízo do tribunal a quo no sentido de: “não alega a Requerente que no dia em causa (…) estava impossibilitada de, por si, ir buscar a criança, designadamente, por não dispor de meios (de condução e transporte) para o efeito, não se afigurando de resto que a deslocação, em face da distância, seja excessiva ou demasiado onerosa à Requerida ou tenha sido efetuada com o propósito de impedir a Requerente de passar a refeição com o filho (ou, mais importante, que a mesma tenha sido impedida de estar com o filho por conduta culposa do requerente).”.

Argumenta a apelante que, em Abril de 2021, os restaurantes tinham de, legalmente, encerrar impreterivelmente às 13h (devido à situação de Estado de Emergência decretada em virtude da pandemia causada pela Covid-19). Porém, dos e-mails trocados entre os progenitores do Miguel quanto ao dia do aniversário do filho e juntos aos autos, resulta que nunca essa circunstância foi sequer abordada pela progenitora, que também nunca propôs qualquer ajuste ou alteração ao sugerido pelo progenitor quanto ao horário e/ou período de tempo do convívio em causa (por exemplo, propondo um aumento deste período de tempo), como é inerente a uma tentativa de obtenção de acordo quanto a uma qualquer concreta questão (ainda para mais, não concretamente prevista e estipulada no acordo vigente) que ambos tenham de decidir sobre os filhos comuns ao longo de toda a menoridade destes. Mais, do que se apreende dos autos, não era intenção da progenitora ir almoçar com o filho a um restaurante, mas tomar com o mesmo a refeição em sua casa, como perpassa quer do Requerimento Inicial, quer das alegações de recurso.

Donde, e em suma, na falta de regulamentação expressa na regulação vigente das responsabilidades parentais sobre o local da recolha/entrega da criança no dia do seu aniversário e a quem incumbe essa responsabilidade (como vimos) e na falta de acordo entre os progenitores sobre aquele local (como também vimos), o comportamento do Requerido, ao não entregar o filho em casa da Requerente ou na casa onde o Requerido reside, em Lisboa, no dia 17/04/2021, para que o Miguel tomasse uma refeição com a mãe (fundamento invocado pela Requerente como causa de pedir), não consubstancia, de per si, juridicamente qualquer incumprimento ao abrigo do art. 41º do R.G.P.T.C., entendido este, nos termos que acima delineámos, em consonância com a Doutrina e jurisprudência unânimes, ou seja, um incumprimento reiterado, grave e culposo – ao contrário do entendimento da apelante. O que se decide.

Por todo o exposto, improcede a apelação, sendo de manter a decisão recorrida.
***

As custas devidas pela presente apelação são da responsabilidade da apelante – cfr. art. 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil e art. 1º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais.

V.DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar a presente apelação improcedente, e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas pela apelante.



Lisboa, 7 de Julho de 2022



Cristina Silva Maximiano
Maria Amélia Ribeiro
Isabel Salgado