Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MICAELA SOUSA | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA INTERNACIONAL REGULAMENTO (EU) 1215/2012 PRIMADO DO DIREITO COMUNITÁRIO EXTENÇÃO DA COMPETÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/11/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1– Na ordem jurídica portuguesa vigoram em simultâneo dois regimes gerais de competência internacional: o regime comunitário e o regime interno. 2– O n.º 4 do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa, preceito introduzido pela Lei Constitucional nº 1/2004, de 24 de Julho (Sexta Revisão Constitucional) consagra o princípio do primado do direito comunitário sobre o direito nacional, enquanto princípio estruturante do próprio ordenamento comunitário. 3– Por essa razão, quando a acção estiver compreendida no âmbito de aplicação do regime comunitário, este prevalece sobre o regime interno por ser de fonte hierarquicamente superior. 4– O Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012 relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, designado como Regulamento Bruxelas I (Reformulado) aplica-se em matéria civil e comercial, sendo que este conceito, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, para garantir a igualdade e a uniformidade dos direitos e das obrigações dele decorrentes, não deve ser interpretado como uma simples remissão para o direito interno de um Estado-Membro. Pelo contrário, deve ser considerado como um conceito autónomo que tem de ser interpretado com referência, por um lado, aos objectivos e ao sistema do referido Regulamento e, por outro, aos princípios gerais resultantes das ordens jurídicas nacionais no seu conjunto. 5– Nos termos do artigo 4.º, n.º 1 do Regulamento, em regra, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas nos tribunais desse Estado-Membro, independentemente de a sua nacionalidade corresponder ou não à do Estado-Membro do domicílio; o Regulamento é aplicável sempre que o demandado tenha domicílio num Estado-Membro, não sendo necessário que o demandado tenha a nacionalidade desse Estado-Membro ou de qualquer outro Estado-Membro. 6– Verificando-se, em simultâneo, os pressupostos para a aplicação da regra geral do domicílio do réu e uma regra especial de competência (secções 2 a 7 do Regulamento), esta não derroga a regra geral; o artigo 5º do Regulamento apenas atribui ao demandante a faculdade de optar entre intentar a acção segundo a regra geral do domicílio do réu prevista no artigo 4º, n.º 1, ou intentá-la ao abrigo das normas de competências especiais, desde que não se verifique alguma situação de competência exclusiva (artigo 24º) ou convencional (artigo 25º), que afastam os critérios gerias e especiais de competência. 7– O artigo 26º, n.º 1 do Regulamento consagra uma situação de extensão de competência, em que a competência para o julgamento do litígio se alarga, passando a ser competente não só o tribunal inicialmente designado por disposição do Regulamento, como também aquele perante o qual o demandado compareça a oferecer a sua defesa, sem suscitar a incompetência dos tribunais desses Estado. 8– Nos termos do artigo 8º, 1) do Regulamento uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode também ser demandada, se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa * I–RELATÓRIO A [ ANTÓNIO …..], de nacionalidade espanhola, residente em Avenida de la Virgen de Lidón, n.º ..., piso ..., porta …. Castellón de la Plana, Espanha e B [ V……….S. L., sociedade comercial ] com sede em Plaza Cardone Vives, 1-1-2, E-12001 Castellón de la Plana, Espanha intentam contra C [ JOSÉ …..] , residente na Rua da Saudade, …., 2...-4...–C..., com NIF 1......79; D [ FERNANDO …….] , residente em Rua Dom Afonso Henriques, nº ….. 2...-5... –E..., com NIF 2......94; E [ RICARDO …….] , residente em Rua Pedra da Nau, …, 2...-6...–C... com NIF 1......99; F [ ANTÓNIO ……. ], residente em Rua de São Bernardo, nº .., 1...-8...–L..., Portugal, com NIF 1......76; e G [ ……INSURANCE PLC UK ], com domicílio em London Underwriting Center, Zurich London, 3 Minister Court, Mincing Lane, Londres, ECR3 7DD, Reino Unido a presente acção declarativa de condenação, com processo comum formulando os seguintes pedidos: 1)– A condenação solidária dos réus a pagar a cada um dos autores uma indemnização, cujo valor se apurará em liquidação de sentença, nos seguintes termos: a)- no caso do 1º autor devem os RR pagar uma indemnização no valor do capital das “Notes” e no valor dos juros referidos em 56, deduzido o ou os valores que o autor venha a receber nos processos de insolvência da ESI e do BPES; b)- no caso da 2ª autora devem os RR pagar uma indemnização no valor do capital das “Notes” e no valor dos juros referidos em 56, deduzido o ou os valores que a autora venha a receber nos processos de insolvência da ESI e do BPES; 2)– A condenação solidária dos réus a pagar a cada um dos autores juros de mora à taxa legal – juros civis no caso do 1º autor e juros comerciais no caso da 2ª autora, calculados sobre o quantitativo de indemnização que vier a ser apurado relativamente a cada um dos autores, contados desde a data de vencimento das “Notes” até à data do efectivo e integral pagamento da indemnização. Alegam, para tanto, muito em síntese, o seguinte: – O 1º autor dedica-se profissionalmente à consultoria em segurança e à corretagem de seguros; a 2ª autora foi constituída em 2006, com o objectivo de desenvolver negócios imobiliários, sendo uma sociedade familiar detida pela família Suarez, de que o 1º autor era e é administrador; – Os 1º a 4º réus eram, em Dezembro de 2013 e no primeiro semestre de 2014, membros do conselho de administração (presidente e vogais) do Banque Privée Espírito Santo, S.A. (adiante BPES); – O BPES (que se encontra actualmente em liquidação) era em 2013 e no primeiro semestre de 2014, um banco com sede na Av. Général-Guisan, 70A Pully Suíça, tendo, actualmente, sede na Rue Pepinet, 3, Cornard Consulting SA, 103, Lausanne, na Suíça e fazia parte do Grupo Espírito Santo (adiante GES), sendo a sua principal accionista a sociedade Espírito Santo Financial Group, por sua vez detida, ainda que indirectamente, pela sociedade Espírito Santo International (adiante ESI); – A ESI (que se encontra actualmente em liquidação) é uma sociedade holding com sede no Luxemburgo; – Os 1º a 4º réus eram, em Dezembro de 2013 e no primeiro semestre de 2014, membros do Conselho de Administração da ESI; – Alguns dos réus assumiam, no final de 2013 e no primeiro semestre de 2014, cargos nos conselhos de administração do Banco Espírito Santo, SA (adiante BES) e na sociedade Espírito Santo Financial Group (adiante ESFG); – A ESFG era uma sociedade holding com sede no Luxemburgo, que detinha as participações sociais das empresas financeiras do GES, incluindo, entre outros, o BPES e o BES; – Em 02-01-2012, os autores abriram duas contas bancárias no BPES, onde eram seus interlocutores Marco ….. e a sua secretária Mónica …..: uma conta em nome do 1º autor a que foi atribuído o nº CH9308330080240801100, e outra em nome da 2ª autora, com o nº CH8408330080246801100, para onde transferiram, respectivamente, a quantia de € 705 000,00 e € 5 005 000,00, de Espanha, para as contas de que eram titulares no BPES; – Em Fevereiro de 2014 foi proposto ao 1º autor que este e a 2ª autora investissem o dinheiro que tinham depositado no BPES numas obrigações de caixa emitidas da ESI, obrigações essas apelidadas de “Notes”; – Após troca de mensagens de correio electrónico para se esclarecerem sobre a natureza do investimento e de lhe ter sido informado que se tratava de uma obrigação de caixa do grupo a 6 meses e que o nível de risco é o da entidade financeira, ou seja, a holding do GES, no Luxemburgo, sendo a vantagem do produto a existência de mercado secundário, podendo o comprador vender as “Notes”, recuperando o capital e os juros vencidos, no dia 19 de Fevereiro de 2014, o 1º autor, às 19h55m, enviou uma mensagem a Mónica dando-lhe ordem para formalizar a subscrição das “Notes”; – No dia 21 de Fevereiro de 2014, o BPES subscreveu para o 1º autor, e este adquiriu, 730.000 “Notes” da ESI, isto é, obrigações de caixa da ESI, por um valor de € 730 000 e subscreveu para a 2ª autora, e esta adquiriu, 5.900.000 “Notes” da ESI, isto é, obrigações de caixa da ESI, por um valor de € 5 900 000; – As “Notes” são títulos de dívida, ou seja, obrigações emitidas pela ESI, com um prazo de reembolso de 6 meses e uma taxa de juro anual fixa de 3,75%; – Nunca foi dito aos autores que a ESI tinha qualquer problema financeiro, ou que tivessem sido detectadas algumas irregularidades nas suas contas ou na sua contabilidade, ou que a ESI estivesse a ser objecto de qualquer inquérito ou auditoria extraordinária ou fora do normal; – Em Maio/Junho de 2014, os autores tomaram conhecimento, através da comunicação social, dos problemas que alegadamente afectavam o GES e no dia 2 de Junho de 2014, o seu advogado enviou uma mensagem para o BPES, a solicitar a imediata liquidação e pagamento das “Notes”; – Em 18 de Junho, o BPES informou expressamente que não iria proceder ao reembolso das obrigações antes de 22 de Agosto de 2014, mais informando que o mercado secundário “foi suspenso” e que o Banco não podia executar a ordem de venda das “Notes”; – Em 4 de Julho de 2014, a ESI enviou uma carta ao BPES a informar que “não se encontra em condições de efectuar o pagamento” das “Notes” no prazo de 48 horas, como lhe havia sido pedido pelo BPES; – No dia 22 de Agosto de 2014, data de vencimento das “Notes”, o valor do capital destas e os juros não foram pagos aos autores; – A ESI entrou em processo de insolvência no dia 27 de Outubro de 2014, no Tribunal do Comércio do Luxemburgo, onde os autores apresentaram reclamações de créditos; – Em 17 de Setembro de 2014, a Autoridade federal de supervisão dos mercados financeiros da Suíça (FINMA) declarou a insolvência do BPES, com efeitos a partir do dia 19 de Setembro de 2014 e em 30 de Setembro de 2014, onde os autores reclamaram os seus créditos, que foram reconhecidos, sendo considerados credores de empresas do GES; – O processo está na fase de liquidação mas o mais provável é os autores receberem muito pouco ou nada, pelo que pretendem receber dos réus o valor do capital das “Notes” e juros que não venham a receber naqueles processos de insolvência, a apurar em execução de sentença; – As contas da ESI não reflectiam a verdadeira situação financeira da empresa, verificando-se um balanço desvirtuado em 1.300 milhões de euros a 31 de Dezembro de 2012, o que resultou da ocultação de 1.331 milhões de euros de passivo (títulos de dívida) sendo somente referidos no balanço 1.569 milhões de euros, face a um total emitido que era efectivamente de 2.900 milhões de euros; – A grave situação financeira da ESI ou a suspeita de que a ESI pudesse estar numa grave ou incerta situação financeira era conhecida pelos 1º a 4º réus, pelo menos, desde o final do ano 2013, o que também veio a ser do conhecimento do Banco de Portugal que, em 14 de Fevereiro de 2014, enviou uma carta ao Conselho de Administração do BES a exigir a: «Não comercialização, quer de forma directa quer indirecta (v.g., através de fundos de investimento, outras instituições financeiras) de dívida de entidades do ramo não financeiro do GES junto de clientes de retalho.»; – Os 1º a 4º réus não implementaram nunca no BPES normas que detectassem, prevenissem, impedissem ou diminuíssem situações de conflito de interesses entre os interesses dos clientes do Banco e os interesses dos accionistas do Banco, incluindo a ESI (como a continuada comercialização das “Notes” é um caso flagrante); – Ao não terem proibido a comercialização das “Notes” da ESI e/ou ao não terem informado os clientes do BPES sobre a conhecida ou suspeita situação da ESI, imediatamente após tomarem conhecimento da situação da ESI, os administradores do BPES, incluindo os aqui réus, não cumpriram o dever de diligência, de lealdade, de prevenção de conflito de interesses, de protecção dos interesses dos clientes e o dever de informação a que estavam adstritos enquanto administradores do banco; – Os réus, com a sua inércia, ao não agirem prontamente, foram imprudentes e negligentes, causando essa omissão um dano aos clientes do BPES que adquiriram as “Notes” em 2014, incluindo aos autores, cujo ressarcimento cabe aos réus e à sua seguradora, a ora 5ª ré, com quem aqueles celebraram um contrato de seguro do tipo “D&O Insurance” (Directors and Officers Liability Insurance), mediante o qual esta se obrigou a pagar ao BPES e/ou a terceiros, indemnizações ou compensações para ressarcir danos causados por actos ilícitos praticados pelos administradores do BPES, no exercício das suas funções; – As decisões estratégicas relativas ao GES e as decisões mais importantes que afectavam as empresas do grupo eram tomadas pela família Espírito Santo e alguns membros desta reuniam-se regularmente em Lisboa, no “Conselho Superior” do GES, com o objectivo de analisar a situação das empresas do GES e tomarem as decisões estratégicas e as decisões mais importantes que afectavam o GES e cada uma das empresas do grupo; – O BPES funcionava, na prática, quase como um departamento do “private banking” do BES, na Suíça; muitos trabalhadores do BPES eram antigos trabalhadores do BES, que implementavam no BPES as directrizes e a cultura oriundas de Portugal; muitos trabalhadores do BES deslocavam-se regularmente ao BPES para trabalhar clientes conjuntos, articular políticas e aplicar as instruções oriundas de Lisboa; – Apesar de existir formalmente uma administração na Suíça, as decisões relevantes quanto ao funcionamento do BPES eram tomadas em Portugal e articuladas com a Administração do BES em Portugal, cabendo às pessoas que residiam na Suíça cumprir as ordens e instruções oriundas de Portugal; – O presente caso envolve ordenamentos jurídicos de vários países membros da União Europeia, pelo que se aplica o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, que regula a competência judiciária, o reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial, que tem como regra geral a de as pessoas domiciliadas num Estado-Membro deverem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado Membro (Artigo 4º nº 1), podendo também ser demandada no território de outro Estado-membro, nos termos do art. 8º, n.º 1 do Regulamento, quando exista uma ligação e relação de interdependência, como sucede com a 5ª ré; – Os administradores de uma sociedade comercial estão sujeitos ao dever geral e fundamental de “diligência do gestor criterioso e ordenado”, nos termos do art. 64.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais[1], sendo que a violação dos deveres a que estão adstritos constitui um acto ilícito, que, sendo doloso ou negligente e danoso, é susceptível de desencadear responsabilidade civil dos seus autores, nos termos dos art.ºs 78.º e 79º do CSC. Citados os réus vieram estes deduzir contestação em que suscitaram diversas excepções. Os réus C, D e F invocaram expressamente a excepção de incompetência internacional do tribunal português para a apreciação da causa. O réu C, na sua contestação (apresentada em 6 de Março de 2017 - cf. folhas 382 e seguintes dos autos), convoca o estatuído nos art.ºs 62º e 63º do Código de Processo Civil[2] para sustentar que a causa de pedir dos autos não apresenta a mais ténue conexão com a ordem jurídica portuguesa, dado que o fundamento do direito dos autores assenta numa relação contratual que estabeleceram, por aconselhamento ocorrido em Espanha, com um banco suíço, que investiu as poupanças dos autores em produtos financeiros emitidos pela Espírito Santo International (ESI), o que não se enquadra em nenhuma previsão dos art.ºs 62º e 63 do CPC. Na sua contestação (apresentada em 5 de Junho de 2017 – cf. folhas 78 e seguintes), D deduziu também a excepção de incompetência absoluta do tribunal, referindo que a causa de pedir se reporta a uma relação contratual estabelecida com o Banque Privée Espírito Santo (BPES), com sede na Suíça, após conversações tidas em Espanha e que conduziu à aquisição de produtos financeiros (“Notes”) emitidos pela Espírito Santo International, com sede no Luxemburgo, sendo que todas as decisões, contrariamente ao afirmado na petição inicial, tomadas pelo conselho de administração do BPES terão tido lugar na sede deste, na Suíça, afastando a aplicação do Regulamento 1215/2012, de 12 de Dezembro, porque a Suíça não é um dos países signatários; ainda que o fosse, o critério aferidor da jurisdição internacional seria o relativo à responsabilidade civil extracontratual, ou seja, definido pelo lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso e não o domicílio do réu, o que também decorre da Convenção de Lugano II, de que a Suíça é signatária, pelo que, entendendo que a competência dos tribunais portugueses depende do preenchimento de alguma previsão das normas dos art.ºs 62º e 63º do CPC, o que não se verifica, conclui pela incompetência do tribunal. Também o réu F invocou a excepção de incompetência absoluta do tribunal (em contestação apresentada em 15 de Maio de 2017 – cf. fls. 757 e seguintes) alegando que a causa de pedir e o pedido não apresentam qualquer ligação/conexão com a ordem jurídica portuguesa pois que resultam da aquisição de instrumentos financeiros, aconselhada em Espanha, com transferência de dinheiro para um banco suíço e aquisição de produtos emitidos por sociedade com sede em Luxemburgo, não cabendo na previsão dos art.ºs 62º e 63º do CPC. Os réus E e G deduziram contestação, suscitando diversas excepções processuais e impugnando a matéria de factoalegada, mas não deduziram a excepção de incompetência internacional dos tribunais portugueses para a apreciação da causa. Em 20 de Novembro de 2018, os autores apresentaram resposta em que se pronunciaram sobre as excepções deduzidas referindo, quanto à excepção de incompetência internacional do tribunal, que há que aplicar o Regulamento (EU) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012 e não os art.ºs 62º e 63º do CPC, pelo que nos termos do art. 4º, n.º 1, sendo quatro dos réus residentes em Portugal, podem aqui ser julgados; mais referem que a competência especial prevista no art. 7º, n.º 2 do Regulamento é alternativa à competência geral prevista no artigo 4º e que a Convenção de Lugano II não é aplicável porque nenhuma das partes reside na Suíça e ainda que se houvesse de aplicar as normas dos art.ºs 62º e 63º do CPC sempre os tribunais portugueses seriam competentes, dado que o facto que serve de causa de pedir na acção foi praticado em território português. Em 21 de Junho de 2019 foi proferido despacho saneador sentença em que se decidiu o seguinte: “Absolver da instância, os réus, por o Tribunal ser internacionalmente incompetente para tramitar esta acção, cfr. arts. 278, nº 1, al. a) e 576, nº 2, 595, nº 1, al. a) e 99 do CPC. Custas pelos autores (artº 527, nºs 1 e 2 do CPC).” Inconformados com o assim decidido, os autores interpuseram o presente recurso de apelação, concluindo as respectivas alegações do seguinte modo: A)–O Despacho Saneador-Sentença de que se recorre sustenta que “Se é certo que está em vigor o Regulamento (UE) n.º 1215/2112 (..) e nos termos do mesmo, “as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado Membro” (cf. Artigo 4°, n.º 1), esta norma não afasta os Artigos 62° e 63° do CPC, na parte em que os mesmos estipulam a competência nacional dos Tribunais Portugueses” e, em consequência, decide o Tribunal a quo que “Pelo exposto, por força dos artigos 96°, 97°, n.º 1, 98°, 99°. n.º 1, 576°, n.º 2, 577°, al. a), e 578°, todos do Código de Processo Civil, declaro este Tribunal incompetente para julgar a presente ação”. B)– O Tribunal errou ao não aplicar o Regulamento 1215/2012. E errou, desde logo, quando considerou não existirem elementos de conexão entre o caso e a ordem jurídica portuguesa, uma vez que eles existem e são relevantes: quatro dos cinco réus têm domicílio em Portugal, o que constitui um elemento relevante para atribuir competência internacional aos tribunais portugueses. C)–O Tribunal a quo equivocou-se, igualmente, quando desconsiderou o princípio do primado do Direito Europeu, incluindo os Regulamentos Europeus, perante o direito interno dos Estados-Membros, princípio este que se encontra expressamente afirmado no art. 8.°, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, pelo que a decisão do Tribunal recorrido é inconstitucional. D)–A primazia do Direito Europeu é, aliás, expressamente reconhecida no art. 59.° do CPC, tendo sido abundantemente sufragada na jurisprudência (citada nas Alegações e nos Pareceres) onde, inclusivamente, se analisou e afirmou concretamente o primado do Regulamento 1215/2012, em relação às normas internas portuguesas. E)–Os Regulamentos Comunitários são directamente aplicáveis na ordem jurídica interna Portuguesa (artigo 288° do Tratado da União Europeia). F)–No caso em apreciação, verificam-se os pressupostos temporais, materiais e espaciais da aplicação do Regulamento 1215/2012: o Regulamento aplica-se às acções judiciais intentadas depois de 10 de Janeiro de 2015, tendo a presente acção dado entrada em 2017. O Regulamento aplica-se a matérias de natureza civil e comercial, sendo a presente causa uma acção de responsabilidade civil extracontratual. O Regulamento é aplicável se os demandados tiverem o seu domicílio num Estado-Membro, o que se verifica no processo. G)–Nos termos do. 4.°, n.º 1 do Reg. 1215/2012, qualquer demandado que tenha o seu domicílio num Estado-Membro pode ser demandado nos tribunais deste Estado. Assim, os 1o a 4o Recorridos, que têm o seu domicílio em Portugal, podem ser demandados nos tribunais portugueses. H)–A 5a Recorrida G (tal como o Recorrido E) não invocou a excepção da incompetência internacional do Tribunal, e compareceu em juízo, contestando esta acção, pelo que, relativamente a ela (e ao Recorrido E), o Tribunal Português é - sempre - competente, nos termos do art 26° do Regulamento. I)–Independentemente disso e ainda especificamente quanto à 5a Recorrida, o art.º 8.°, n.º 1, Reg. 1215/2012, estabelece que, se a acção for proposta contra vários réus, todos podem ser demandados no tribunal do domicílio de um deles, desde que os pedidos que são formulados contra eles estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar soluções que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem apreciadas separadamente (este regime tem de ser visto em consonância com o disposto no art. 30.°, n.º 3, Reg. 1215/2012 quanto à conexão entre acções que se consideram conexas quando estejam ligadas entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídas e julgadas em conjunto para evitar decisões eventualmente incompatíveis se as acções fossem julgadas separadamente). Pelo que se conclui que, nos termos previstos no art. 8.°, n.º 1, do Regulamento 1215/2012, a Recorrida G pode ser demandada juntamente com os primeiros quatro demandados perante tribunais portugueses. J)–Ainda quanto à 5a Recorrida, pode ainda considerar-se aplicável o art. 8º, n.º 2, Reg. 1215/2012 que prevê que qualquer garante ou outro terceiro pode ser chamado a intervir numa acção pendente (como, por exemplo, o segurador na acção proposta contra o responsável pelos danos). O direito português admite, através da intervenção acessória provocada, o chamamento da seguradora à acção proposta pelo lesante. Perante isto, como refere o Sr. Professor Miguel Teixeira de Sousa “o argumento impõe-se: se a G, como seguradora dos Demandados, poderia ser chamada por estes a intervir na acção agora pendente, então, por força do princípio da igualdade das partes, a G também pode ser demandada inicialmente pelos Demandantes”. K)–Sem conceder, caso, hipoteticamente, se considerassem aplicáveis os artigos 62° e 63° do CPC e não o Regulamento 1215/2012, ainda assim, poder-se-ia considerar os Tribunais Portugueses competentes, uma vez que, nos termos e para efeitos do Art 62 al b) do CPC, “o facto que serve de causa de pedir na acção ou algum dos factos que o integram’’ foi praticado no território português. Na verdade, na tese dos Recorrentes, foi em Portugal, no seio do Conselho Superior do Grupo Espírito Santo, que os 1º a 4º Recorridos, tomaram a decisão estratégica de comercializar, como comercializar e/ou deixar de comercializar, pelas várias empresas do GES, incluindo o BPES, as “Notes” emitidas pela ESI, sendo estas decisões, tomadas em Portugal e emanadas de Portugal, transmitidas aos trabalhadores do BPES, que, como meros executores, se limitavam a executar e a obedecer às mesmas. L)–Nestes termos, foram violados, nomeadamente os art. 8o n.º 4 da CRP, o art.º 288° do Tratado da União Europeia, os Artigos 1o, 4o, 6o, 8o, 26° e 62° do Regulamento 1215/2012, e art. 59.° e 62.°, al. b) do CPC. Nestes termos pugnam pela procedência do presente recurso e consequente revogação e substituição do despacho saneador-sentença recorrido por outro que considere o Tribunal recorrido competente para julgar a presente acção. A recorrida G contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida por não se verificar nenhum dos pressupostos dos art.ºs 62º e 63º do CPC, para além de, conforme alegou na sua contestação, figurar no contrato de seguro a Cláusula 10.13, por via da qual foi acordado um procedimento de resolução alternativa de litígios sob a forma de cláusula compromissória de arbitragem, pelo que o tribunal sempre seria incompetente, resultando afastada a aplicação do Regulamento 1215/2012 e ainda que o fosse não poderia a recorrida ser demandada em Portugal, porquanto a sua sede se situa no Reino Unido, nem podendo aplicar-se o disposto no seu art. 8º por estar em causa matéria de seguros. * II–OBJECTO DO RECURSO Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95. Assim, perante as conclusões da alegação dos autores/recorrentes há que apreciar apenas a competência internacional dos tribunais portugueses para a apreciação da presente causa. Colhidos que se mostram os vistos, cumpre decidir. * III–FUNDAMENTAÇÃO 3.1.–FUNDAMENTOS DE FACTO Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra e ainda os factos considerados provados na decisão recorrida: 1.-Os Autores têm nacionalidade espanhola e residência/sede em Espanha. 2.-Os Autores abriram duas contas bancárias no BPES, um banco com sede na Suíça, na Av. Général- Guisan, 70A Pully, actualmente, com sede na Rue Pepinet 3, Carrard Consulting SA, 103, Lausanne, na Suíça. 3.-Os Autores subscreveram, através do referido banco suíço (BPES), um produto financeiro, “Notes”, emitido pela sociedade Espírito Santo International, também designada ESI, com sede no Luxemburgo. 4.-As instituições identificadas em 2. e 3. foram declaradas insolventes nos Tribunais dos países nos quais se mostram sediadas, tendo os autores reclamado juntos dos respectivos processos, os créditos que constituem fundamento desta acção. 5.-Os autores pretendem ser indemnizados pelos prejuízos decorrentes da subscrição das referidas Notes. * 3.2.–APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO Em face do circunstancialismo supra descrito, sobremaneira atendendo à causa de pedir e pedido deduzidos, a decisão recorrida concluiu que a relação jurídica em discussão nenhuma conexão apresentava com o ordenamento jurídico português, considerando aplicáveis as normas vertidas nos art.ºs 71º, n.º 2 e 62º e 63º do CPC, que dispõem sobre o modo de aferição da competência internacional dos tribunais portugueses e afastando a aplicabilidade das normas constantes do Regulamento (UE) 1215/2012, o que fez nos seguintes termos: “Com a presente acção é deduzido, um pedido de indemnização com fundamento na efectivação da responsabilidade civil baseada em facto ilícito. De acordo com o artº 71, nº 2 do CPC, este tipo de acção deve ser intentada no Tribunal onde o facto ocorreu. A subscrição das NOTES que, alegadamente causou prejuízo aos autores, não foi efectuada em Portugal, mas no país em que se encontra sediada a instituição bancária identificada em b) (Suíça), onde os autores abriram as contas bancárias, cujos fundos foram usados para a subscrição ruinosa. O facto de a maioria dos réus viver em Portugal, não permite a conexão territorial desejada pelos autores. Nos artigos 62.º e 63.º do Código de Processo Civil, o legislador estabeleceu os fatores de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses. Segundo o artigo 62.º do Código de Processo Civil, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes: a)- Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa; b)- Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram; c)- Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real. Por sua vez, o artigo 63.º do mesmo diploma legal dispõe sobre as situações em que há competência exclusiva dos tribunais portugueses, nomeadamente: a)- Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis situados em território português; todavia, em matéria de contratos de arrendamento de imóveis celebrados para uso pessoal temporário por um período máximo de seis meses consecutivos, são igualmente competentes os tribunais do Estado membro da União Europeia onde o requerido tiver domicílio, desde que o arrendatário seja uma pessoa singular e o proprietário e o arrendatário tenham domicílio no mesmo Estado membro; b)- Em matéria de validade da constituição ou de dissolução de sociedades ou de outras pessoas coletivas que tenham a sua sede em Portugal, bem como em matéria de validade das decisões dos seus órgãos; para determinar essa sede, o tribunal português aplica as suas regras de direito internacional privado; c)- Em matéria de validade de inscrições em registos públicos conservados em Portugal; d)- Em matéria de execuções sobre imóveis situados em território português; e)- Em matéria de insolvência ou de revitalização de pessoas domiciliadas em Portugal ou de pessoas coletivas ou sociedades cuja sede esteja situada em território português. A causa de pedir narrada pelos Autores – ou seja, a factualidade concreta que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido (aqui, o recebimento de uma indemnização) – não apresenta a mais ténue conexão com a ordem jurídica portuguesa. Está em causa uma relação contratual que, supostamente, os Autores, na sequência de aconselhamento obtido em Espanha, estabeleceram com um banco suíço – conforme confessado pelo Autor no artigo 40.º da Petição Inicial –, o Banque Privée Espírito Santo (o “BPES), instituição suíça esta que, alegadamente, teria investido as “poupanças” dos Autores em produtos financeiros (segundo o Autor, “notes”), emitidos pela Espírito Santo International (a “ESI”). Como se vê, não há, na causa de pedir vertida pelos Autores, a mais ínfima conexão com a ordem jurídica portuguesa ou com o território português. Assim, e desde logo, o caso dos autos não se enquadra em nenhum dos que o legislador previu no artigo 62.º do Código de Processo Civil. Com efeito, não só esta ação judicial não poderia ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa, como não foi praticada, em território português – mas, alegadamente, espanhol, suíço ou luxemburguês – a factualidade que serve de causa de pedir. A situação descrita na Petição Inicial não apresenta qualquer elemento de conexão com as que se elencam no artigo 63.º do Código de Processo Civil, na medida em que aqui não se discutem matérias relacionadas com “direitos reais sobre imóveis situados em território português”, “validade da constituição ou dissolução de sociedade com sede em Portugal ou de decisões dos seus órgãos”, “validade de inscrições em registos públicos conservados em Portugal”, “execuções sobre imóveis situados em território português” ou “insolvência ou revitalização de entidades com sede em território português”. Se é certo que está em vigor o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à “competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial” e nos termos do mesmo, “as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos Tribunais desse Estado Membro” (cfr Artigo 4º nº 1), esta norma não afasta os Artigos 62º e 63º do CPC, na parte em que os mesmos estipulam a competência nacional dos Tribunais Portugueses. Pelo exposto, por força dos artigos 96.º, 97.º, n.º 1, 98.º, 99.º, n.º 1, 576.º, n.º 2, 577.º, a), e 578.º, todos do Código de Processo Civil, declaro este Tribunal incompetente para julgar a presente ação. Face ao teor da decisão “supra” proferida fica prejudicada a apreciação das restantes excepções invocadas. Fixo o valor da acção em € 50 001 (art.º 305º, n.º 2 do CPC).” Está em discussão nos presentes autos a competência internacional dos tribunais portugueses para preparar e julgar a presente acção. Esta acção é instaurada por uma pessoa singular, com residência em Espanha e por uma sociedade comercial cuja sede social se localiza, também em Espanha. Por sua vez, são demandados cinco réus, sendo quatro deles pessoas singulares, com residência em Portugal e uma sociedade, com sede social fixada no Reino Unido. A acção tem como causa de pedir a responsabilidade civil que os autores imputam aos primeiros quatro réus, enquanto administradores de uma instituição financeira, o Banque Privée Espírito Santo, com sede na Suíça, para onde aqueles, aconselhados por funcionários desse banco em Espanha, transferiram as suas poupanças e ainda enquanto também administradores da Espírito Santo Internacional, com sede no Luxemburgo, por lhes imputar a violação dos seus deveres decorrentes dessa sua qualidade de administradores por não terem impedido que fossem colocadas no mercado as obrigações emitidas por esta última sociedade, designadas Notes, adquiridas pelos demandantes, num momento em que os réus já conheciam a situação financeira daquela, com um passivo elevado e o risco de não retorno do capital investido. Trata-se, como é de meridiana clareza, de um litígio emergente de uma relação plurilocalizada ou transnacional face aos diversos elementos de conexão com ordens jurídicas estrangeiras: os autores têm nacionalidade espanhola e residem em Espanha; o aconselhamento sobre a aplicação das suas poupanças ocorreu em Espanha, por intermédio de funcionários do BPES situados nesse país, o dinheiro foi transferido para o BPES, na Suíça, a aplicação foi feita em instrumentos financeiros emitidos pela ESI, com sede no Luxemburgo; a quinta ré é uma sociedade com sede no Reino Unido. Como elemento de conexão com a ordem jurídica portuguesa surge a residência dos quatro primeiros réus, pessoas singulares, que se situa em Portugal. A circunstância da transnacionalidade da relação jurídica coloca o problema da competência internacional para o julgamento da acção, ou seja, quer através das partes interessadas, quer pelo seu próprio objecto, a existência de conexão com várias ordens jurídicas exige a determinação de qual o tribunal que, no âmbito destas, tem competência para dirimir o litígio. As regras relativas à competência internacional usam de certos elementos de conexão para determinar a jurisdição nacional competente, tais como o domicílio de uma das partes, o lugar de cumprimento da obrigação ou o da ocorrência do facto ilícito. Tais regras “não são, consideradas em si mesmas, normas de competência, porque não se destinam a aferir qual o tribunal concretamente competente para apreciar o litígio, mas apenas a definir a jurisdição na qual se determinará, então com o recurso a verdadeiras regras de competência, qual o tribunal competente para essa apreciação. Dada esta função, as normas de competência internacional podem ser designadas por normas de recepção, pois que visam somente facultar o julgamento de um certo litígio plurilocalizado pelos tribunais de uma jurisdição nacional.” – cf. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª Edição, Lisboa 1997, pp. 93-94. A legislação portuguesa, como as dos outros países, define os critérios em função dos quais reconhece aos tribunais portugueses competência internacional, que se encontram vertidos nos art.ºs 62.º, 63.º e 94.º do CPC. Sucede que, ainda que a Suíça, país onde está sedeado o BPES para onde foram transferidos os valores monetários reclamados pelos autores, não pertença à União Europeia, a Espanha, país de residência dos autores (facto não colocado em crise), Portugal, país de residência de quatro dos réus (facto também não contestado) e o Reino Unido, país da sede da quinta ré, integram a União Europeia. Tal significa que a aludida transnacionalidade da relação jurídica em causa nos autos demanda que se convoquem as normas jurídicas europeias que estatuem sobre a matéria da competência judiciária. Nessa sede, encontra-se em vigor o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012 relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (reformulação), designado como Regulamento Bruxelas I (Reformulado) e a Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em Lugano, em 30-10-2007, sendo que o primeiro se aplica aos litígios que oponham partes com domicílio em países da União Europeia, enquanto a Convenção de Lugano se aplica aos litígios que envolvam sujeitos com domicílio em Estados EFTA. O n.º 1 do art. 8º da Constituição da República Portuguesa estabelece um regime de recepção automática das normas e princípios de direito internacional geral, que fazem parte integrante do direito português. O n.º 4 do referido preceito constitucional, introduzido pela Lei Constitucional nº 1/2004, de 24-07 (Sexta Revisão Constitucional) estatui que “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.” Assim, tal normativo constitucional reflecte o princípio do primado do direito comunitário sobre o direito nacional, enquanto princípio estruturante do próprio ordenamento comunitário, tal como tem vindo a ser sustentado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia. Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-11-2018, relator Cabral Tavares, processo n.º 46/13.9TBGLG.E1.S1 disponível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, Ip em www.dgsi.pt[3]: “No quadro da assinatura do Tratado de Lisboa, na declaração nº 17 anexa à ata final, sobre o primado do direito comunitário,«A Conferência lembra que, em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia, os Tratados e o direito adotado pela União com base nos Tratados primam sobre o direito dos Estados-Membros, nas condições estabelecidas pela referida jurisprudência». Primado do direito comunitário sobre o direito nacional reconhecido no nº 4 do art. 8º da Constituição: uma das dimensões de tal primado consiste, precisamente, em «afastar as normas de direito ordinário internas preexistentes e em tornar inválidas, ou pelo menos ineficazes e inaplicáveis, as normas subsequentes que o contrariem. Em caso de conflito, os tribunais nacionais devem considerar inaplicáveis as normas anteriores incompatíveis com as normas de direito da UE e devem desaplicar as normas posteriores, por violação da regra da primazia» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., 2014, anotação XXIII ao art. 8º, pág. 271; realce acresc.).” Assim, o mencionado Regulamento 1215/2012 é obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros, em conformidade com o Tratado que institui a Comunidade Europeia.[4] Significa isto que na ordem jurídica portuguesa vigoram em simultâneo dois regimes gerais de competência internacional: o regime comunitário e o regime interno. No entanto, contrariamente ao sustentado na decisão recorrida, importa notar que quando a acção estiver compreendida no âmbito de aplicação do direito comunitário, é esse regime que prevalece sobre o regime interno por ser de fonte hierarquicamente superior e face ao referido princípio do primado do direito europeu. Aliás, isso é expressamente ressalvado no art. 59º do CPC ao dispor: “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94º.” Neste sentido, atente-se na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia referida no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-02-2017, relator Aristides Rodrigues de Almeida, processo n.º 159312/15.4YIPRT.P1: “Conforme foi afirmado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia entre vários outros no Acórdão de 8.09.2010, no processo C-409/06 (Winner Wetten GmbH contra Bürgermeisterin der Stadt Bergheim) […] “(…) resulta de jurisprudência assente [que], por força do princípio do primado do direito da União, as disposições do Tratado e os actos das instituições directamente aplicáveis têm o efeito de, nas suas relações com o direito interno dos Estados - Membros, impedir de pleno direito, pelo simples facto da sua entrada em vigor, qualquer disposição contrária da legislação nacional (v., designadamente, acórdãos Simmenthal, já referido, n.º 17, e de 19 de Junho de 1990, Factortame e o., C-213/89, Colect., p. I-2433, n.º 18). 54. Com efeito, como salientou o Tribunal de Justiça, as normas do direito da União directamente aplicáveis, que são uma fonte imediata de direitos e obrigações para todos, sejam Estados-Membros ou particulares partes em relações jurídicas abrangidas pelo direito da União, devem produzir a plenitude dos seus efeitos de modo uniforme em todos os Estados-Membros, a partir da sua entrada em vigor e durante todo o seu período de validade (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Simmenthal, n.os 14 e 15, e Factortame e o., n.º 18). 55. Resulta igualmente de jurisprudência assente que qualquer juiz nacional, no âmbito da sua competência, tem, enquanto órgão de um Estado-Membro, a obrigação, por força do princípio da cooperação consagrado no artigo 10.º CE, de aplicar integralmente o direito da União directamente aplicável e de proteger os direitos que este confere aos particulares, não aplicando nenhuma disposição eventualmente contrária da lei nacional, seja anterior ou posterior à norma do direito da União (v., neste sentido, designadamente, acórdãos, já referidos, Simmenthal, n.os 16 e 21, e Factortame e o., n.º 19).” Daqui se retira que a senhora juíza a quo não podia ter gizado toda a sua decisão apenas apoiada no direito interno português, para, a final, sem qualquer explicação adicional, concluir que a vigência do Regulamento 1215/2012 não afasta as normas dos art.ºs 62º e 63º do CPC, em que se louvou para excluir a competência internacional dos tribunais portugueses. Com efeito, como decorre do acima expendido e do próprio art. 288º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o regime interno de competência internacional só será aplicável se o não o for o regime comunitário, posto que este advém de uma fonte normativa superior, face ao primado do direito europeu. Como tal, é evidente que para efeitos de definição do foro internacionalmente competente, no âmbito da União Europeia (como é o caso, dado que as partes têm a residência e sedes em diferentes Estados-Membros), haverá que ter presente as regras estabelecidas no Regulamento (EU) n.º 1215/2012 do Parlamento e do Conselho, de 12-12-12[5], pois que estando a acção sujeita ao regime comunitário, como se disse, este regime prevalece em relação ao regime interno (sem prejuízo, naturalmente, de se ponderar sobre a sua efectiva aplicabilidade ao caso em apreço) – cf. neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1-10-2019, relator Acácio das Neves, processo n.º 2300/18.4T8PRT.P1.S1; de 15-01-2019, relator Fonseca Ramos, processo n.º 27881/15.0T8LSB-A.L1-A.S1; de 9-02-2017, relator Nunes Ribeiro, processo n.º 1387/15.6T8PRT-B.L1.P1-A; e de 6-09-2016, relator Alexandre Reis, processo n.º 1386/15.8T8PRT-B.P1.S1; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-05-2018, relator Manuel Rodrigues, processo n.º 27.881/15.0T8LSB-A.L1-6; acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 27-09-2018, relator José Manuel de Araújo Barros, processo n.º 13688/16.1T8PRT.P1; de 23-02-2017, relator Aristides Rodrigues de Almeida, processo n.º 159312/15.4YIPRT.P1; de 1-06-2017, relator Aristides Rodrigues de Almeida, processo n.º 10310/16.0T8PRT-A.P1; acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 4-10-2018, relator Heitor Gonçalves, processo n.º 6029/17.2T8GMR.G1 e de 24-01-2019, relatora Sandra Melo, processo n.º 1689/17.7T8BGC.G1. Na situação sub judice, a presente acção está incluída no âmbito territorial, material e temporal do Regulamento 1215/2012, o que sucede porque o Regulamento é aplicável em todos os Estados-membros, designadamente Portugal, Espanha e Reino Unido; o litígio tem conexão com o território desses Estados-membros vinculados pelo Regulamento, sendo que os quatro primeiros réus são domiciliados em Portugal e a quinta ré no Reino Unido. Por outro lado, a acção tem por objecto matéria civil não excluída do âmbito do Regulamento por nenhum dos seus preceitos – cf. art. 1º. Note-se que tem sido entendido que, uma vez que o Regulamento revoga e substitui o Regulamento n.º 44/2001, que por sua vez substituiu a Convenção de 27 de Setembro de 1968, relativa à Competência Jurisdicional e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, a interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça no que respeita às disposições deste último instrumento jurídico é igualmente válida para o Regulamento n.º 1215/2012, quando estas disposições possam ser qualificadas de equivalentes – cf. neste sentido, Acórdão de 29 de Julho de 2019, Tibor-Trans, C-451/18, EU:C:2019:635, n.º 23; Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia[6] de 7 de Novembro de 2019, processo C-213/18 Adriano Guaitoli – EasyJet Airline Co. Ltd acessível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?qid=1573721350153&uri=CELEX:62018CJ0213. Segundo jurisprudência constante do TJUE, para garantir a igualdade e a uniformidade dos direitos e das obrigações que decorrem do Regulamento para os Estados-membros e as pessoas interessadas, não se deve interpretar o conceito de «matéria civil e comercial», constante do seu artigo 1º, n.º 1, como uma simples remissão para o direito interno de um Estado-membro. Pelo contrário, este conceito deve ser considerado um conceito autónomo que tem de ser interpretado com referência, por um lado, aos objectivos e ao sistema do referido regulamento e, por outro, aos princípios gerais resultantes das ordens jurídicas nacionais no seu conjunto – cf. Acórdão de 9 de Março de 2017, Pula Parking, C-551/15, EU:C:2017:193, n.º 33; Acórdão de 28 de Fevereiro de 2019, BUAK Bauarbeiter-Urlaubs- u. Abfertigungskasse - Gradbeništvo Korana d.o.o. C-579/17, https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?qid=1573721350153&uri=CELEX:62017CJ0579. Também Marco Carvalho Gonçalves esclarece que o conceito de “matéria civil e comercial” “é “específico, autónomo e exclusivo” do regulamento – já que a qualificação da natureza civil ou comercial de um determinado litígio não é uniforme nos diferentes Estados-Membros da União Europeia – e tem vindo a ser integrado e densificado, caso a caso, em função da jurisprudência produzida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). Fundamentalmente, o objecto central do legislador europeu foi o de restringir o âmbito de aplicação material do regulamento às relações jurídicas de direito privado.” – cf. Competência Judiciária na União Europeia, Scientia Iuridica – Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Tomo LXIV, N.º 339 – Setembro/Dezembro – 2015, pág. 421 acessível em https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/40078/1/SI%20Tomo%20LXIV%202015%20-%20Compet%C3%AAncia%20Judici%C3%A1ria%20na%20Uni%C3%A3o%20Europeia.pdf. Estando em causa a responsabilidade civil extracontratual dos quatro primeiros réus fundamentada na violação que lhes é imputada dos seus deveres de diligência e de informação enquanto administradores das acima identificadas instituições financeiras, deve ter-se a acção por abrangida pelo âmbito material do Regulamento por estar em causa matéria de natureza civil, isto é, relações jurídicas de direito privado que não estão incluídas nas que o próprio Regulamento exclui de forma expressa (art.º 1º). Finalmente, a acção foi instaurada depois de 10 de Janeiro de 2015, data em que entrou em vigor o Regulamento, o qual é aplicável apenas às acções judiciais intentadas depois da sua entrada em vigor – cf. artigos 66º e 81.º do Regulamento. Nos termos do artigo 4.º, n.º 1 do Regulamento, em regra, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas nos tribunais desse Estado-Membro, independentemente de a sua nacionalidade corresponder ou não à do Estado-Membro do domicílio. Nos termos do artigo 6.º, se o requerido não tiver domicílio num Estado-Membro, a competência dos tribunais de cada Estado-Membro é, sem prejuízo do artigo 18.º, n.º 1, do artigo 21.º, n.º 2, e dos artigos 24.º e 25.º, regida pela lei desse Estado-Membro. Assim, o Regulamento é aplicável sempre que o demandado tenha domicílio num Estado-Membro, não sendo necessário que o demandado tenha a nacionalidade desse Estado-Membro ou de qualquer outro Estado-Membro. Sabendo-se que os réus têm residência e sede em Estados-membros da União Europeia, o Regulamento 1215/2012 é aplicável, o que exclui a aplicação do direito interno português. A este propósito atente-se no que se refere no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de -06-2017, processo n.º 10310/16.0T8PRT-A.P1 já acima referido: “Em sede de interpretação do artigo 2.º da Convenção de Bruxelas que é o antecedente legislativo desta matéria na Europa, o Tribunal de Justiça, no Acórdão de 01.03.2005 (processo C-281/02, Owusu/Jackson), manifestou o entendimento de que que «…para efeitos da aplicação do artigo 2.º da Convenção de Bruxelas, o caracter internacional da relação jurídica em causa não tem de necessariamente decorrer da implicação de diversos Estados contratantes, devido ao mérito da questão ou ao domicílio respectivo das partes no litígio. A implicação de um Estado contratante e de um Estado terceiro, em virtude, por exemplo, do domicílio do demandante e de um demandado no primeiro Estado e da localização dos factos controvertidos no segundo, também é susceptível de conferir natureza internacional à relação jurídica em causa. Com efeito, esta situação é susceptível de suscitar no Estado contratante, como acontece no processo principal, questões relativas à determinação da competência dos órgãos jurisdicionais na ordem jurídica internacional, que constitui precisamente uma das finalidades da Convenção de Bruxelas, como resulta do terceiro considerando do seu preâmbulo»(n.º 26), e que por isso mesmo «…o artigo 2.° da Convenção de Bruxelas se aplica a uma situação [...] que abrange as relações entre os órgãos jurisdicionais de um único Estado contratante e as de um Estado não contratante e não as relações entre os órgãos jurisdicionais de diversos Estados contratantes». Segundo Teixeira de Sousa, in https://blogippc.blogspot.pt/2016/07/jurisprudencia-414.html, esta interpretação do Tribunal de Justiça sobre o artigo 2.º da Convenção de Bruxelas deve ser seguida na interpretação do «…correspondente art. 4.º, n.º 1, Reg. 1215/2012, pelo que a circunstância de a acção ter conexão com um Estado terceiro (Moçambique) não é suficiente nem para afastar a aplicação do Reg. 1215/2012, nem para excluir a competência internacional dos tribunais do Estado do domicílio do demandado que é atribuída pelo art. 4.º, n.º 1, Reg. 121572012 (na doutrina, cf. Kropholler/von Hein, Europäisches Zivilprozessrecht. 9.º ed. (2011), vor Art. 2 EuGVO 8; Schlosser/Hess, EuZPR, 4.ª ed. (2015), Vor Art. 4-35 EuGVVO 5). Noutros termos: a circunstância de a opção ser entre a competência internacional dos tribunais portugueses ou a competência internacional dos tribunais moçambicanos não é suficiente para excluir a aplicação do Reg. 1215/2012, pelo que teria bastado a aplicação do disposto no art. 4.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 para justificar a competência internacional dos tribunais portugueses. Dado o primado do direito europeu sobre o direito nacional, a aplicabilidade do Reg. 1215/2012 à determinação da competência internacional dos tribunais portugueses afasta a aplicação de qualquer regime interno.»” Sendo assim e resultando aplicável o Regulamento 1215/2012, não há necessidade de avaliar as conexões previstas nos artigos 62º e 63º do CPC (atendíveis quando não existem instrumentos internacionais) e rege a regra geral de competência do domicílio do réu, independentemente da sua nacionalidade, como decorre do artigo 4º, n.º 1 do Regulamento. Nos termos do art. 62º, n.º 1 do Regulamento, para determinar se uma parte tem domicílio no Estado-membro a cujos tribunais é submetida a questão, o juiz aplica a sua lei interna. Neste caso, face às regras de fixação de domicílio previstas no artigo 82º do Código Civil e ao domicílio fiscal dos réus pessoas singulares em Portugal, bem como à sua citação na morada em Portugal indicada na petição inicial (cf. fls. 252 a 254 e 381 dos autos), não há dúvida de que estão reunidos os pressupostos impostos no Regulamento para a competência dos tribunais portugueses, tanto mais que a residência habitual dos réus não foi colocada em crise, sequer por aqueles que suscitaram a incompetência internacional do tribunal. Contudo, ainda que o réu tenha o seu domicílio ou sede num determinado Estado-Membro da União Europeia, este pode, ainda assim, ser demandado num outro Estado-Membro, quando se verifique alguma das regras especiais de competência previstas nos art.ºs 7º e seguintes ou quando esteja em causa alguma competência de natureza exclusiva (art. 24º) ou convencional (art. 25º). Importa afastar, desde já, a verificação de competência exclusiva, porquanto não está em causa qualquer uma das matérias elencadas nas diversas alíneas do art. 24º do Regulamento. Por outro lado, não há notícia de qualquer convenção das partes acerca do tribunal com competência para apreciar o litígio aqui em discussão (art. 25º do Regulamento). Ora, ainda que se invoque o lugar da prática do ilícito como critério relevante para a atribuição de jurisdição, importa realçar que as regras de competência especiais previstas nas secções 2 a 7 do capítulo II do Regulamento, nomeadamente a regra do n.º 2 do artigo 7º (em conjugação com o artigo 5º, n.º 1), que permite que uma pessoa com domicílio no território de um Estado-membro possa ser demandada, em matéria extracontratual, noutro Estado-membro onde ocorreu o facto danoso, não afastam aquela regra geral. Com efeito, o artigo 5º não impõe regras de competência, apenas atribui ao demandante a faculdade de optar entre intentar a acção segundo a regra geral do domicílio do réu prevista no artigo 4º, n.º 1, ou intentá-la ao abrigo das normas de competências especiais do artigo 7º. Assim, “estando simultaneamente preenchida a regra geral do domicílio do réu e uma regra especial de competência, a regra especial não derroga a regra geral. Diversamente, verificando-se, no caso em concreto, algum critério especial de competência, o autor tem a possibilidade de escolher entre propor a acção nos tribunais do Estado-Membro do domicílio do réu ou nos tribunais do Estado-Membro que sejam competentes à luz desse critério especial, ou seja, a competência desses tribunais é alternativa. Isto a não ser que, no caso em concreto, se verifique alguma situação de competência exclusiva (art. 24º) ou convencional (art. 25º), as quais afastam os critérios gerais e especiais de competência. Ocorrendo essa possibilidade de escolha do foro, estamos perante uma situação de forum shopping.” – cf. Marco Carvalho Gonçalves, op. cit., pág. 427. Atendendo a que os réus pessoas singulares têm domicílio em Portugal, a competência dos tribunais portugueses é aferida pela aplicação da regra geral que, como resulta dos Considerandos (15) e (16) do Regulamento, não pode ser afastada com o fundamento de que outra jurisdição estará em melhor posição para decidir a causa, pois que ainda que os foros alternativos sejam permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça, a opção cabe ao demandante. Deste modo, o artigo 7º, n.º 2 do Regulamento apenas estabelece um critério alternativo ao do domicílio, não o substituindo, pelo que os autores podiam demandar os réus domiciliados em Portugal, em tribunal português, como fizeram - cf. neste sentido, ainda que a propósito do Regulamento 44/2011 mas cuja interpretação das normas equivalentes deste Regulamento se mantém, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-05-2016, relatora Maria Teresa Pardal, processo n.º 478-14.5TBCSC.L1-6 e acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24-01-2019, relatora Sandra Melo, processo n.º 1689/17.7T8BGC.G1. Conclui-se, assim, pela competência internacional dos tribunais portugueses para apreciar a acção e o pedido deduzido relativamente aos réus pessoas singulares, domiciliados em Portugal. Já no que concerne à quinta ré, seguradora, com sede no Reino Unido, demandada por via do contrato de seguro que os primeiro a quarto réus com ela celebraram, por meio do qual aquela se obrigou a pagar ao BPES e/ou a terceiros, indemnizações ou compensações para ressarcir danos causados por actos ilícitos praticados pelos administradores do BPES, no exercício das suas funções, há que atender ao disposto no artigo 26.º, n.º 1 do Regulamento 1215/2012, que dispõe o seguinte: “Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro no qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 24.º”. Este preceito consagra uma situação de extensão de competência (cf. epígrafe da secção 7 que contém os artigos 25.º e 26.º), isto é, uma situação em que a competência para o julgamento do litígio se alarga, passando a ser competente não só o tribunal inicialmente designado por disposição do Regulamento, como também aquele perante o qual o demandado compareça a oferecer a sua defesa. Neste sentido, esclarece o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-02-2017, relator Aristides Rodrigues de Almeida, processo n.º 159312/15.4YIPRT.P1 já acima referido: “A competência pode assim resultar não apenas do acordo explícito (pacto de jurisdição) como ainda do acordo implícito das partes que ao apresentarem-se perante aquele tribunal a demandar e a oferecerem a sua defesa aceitam tacitamente a respectiva jurisdição, caso o requerido compareça em tribunal sem arguir no primeiro acto de defesa a incompetência do tribunal ao qual é posta a questão. Esta norma corresponde ao artigo 24.º do Regulamento n.º 44/2001 que o Regulamento n.º 1215/2012 veio substituir, não apresentando diferenças em relação à disposição pretérita. A interpretação do artigo 24.º do Regulamento n.º 44/2001 foi realizada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 20.05.2010, no processo C-111/09 (Česká podnikatelská pojišťovna as Vienna Insurance Group), no qual se formulou a seguinte jurisprudência […]: “21.- (…) o artigo 24.º, primeiro período, do Regulamento n.º 44/2001 estabelece uma regra de competência baseada na comparência do demandado no processo, aplicável a todos os litígios em que a competência do tribunal onde foi intentada a acção não decorra de outras disposições deste regulamento. Esta disposição é aplicável também nos casos em que a acção foi intentada em violação das disposições do referido regulamento e implica que a comparência do demandado no processo possa ser considerada uma aceitação tácita da competência do tribunal onde foi intentada a acção e, portanto, uma extensão da sua competência. 22.- O artigo 24.º, segundo período, do Regulamento n.º 44/2001 prevê excepções a essa regra geral. Estabelece que não há uma extensão tácita da competência do tribunal onde foi intentada a acção se o demandado deduzir uma excepção de incompetência, expressando assim a sua vontade de não aceitar a competência desse órgão jurisdicional, ou se o litígio em causa for um dos litígios relativamente aos quais o artigo 22.º do referido regulamento estabelece regras de competência exclusiva. (…) 25.- (…), segundo a jurisprudência relativa ao artigo 18.º da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), disposição idêntica, no essencial, ao artigo 24.º do Regulamento n.º 44/2001, nos casos que não constam expressamente de entre as excepções previstas na segunda frase do referido artigo 18.º, é aplicável a regra geral sobre a extensão tácita da competência. Ao pronunciar-se no âmbito de um litígio em que as partes tinham celebrado um pacto atributivo de jurisdição, o Tribunal de Justiça afirmou que não havia qualquer razão decorrente da economia geral ou dos objectivos da referida Convenção para se considerar estarem as partes impedidas de submeter um litígio a um órgão jurisdicional diferente do estipulado no pacto (v. acórdãos de 24 de Junho de 1981, Elefanten Schuh, 150/80, Recueil, p. 1671, n.º 10, e de 7 de Março de 1985, Spitzley, 48/84, Recueil, p. 787, n.os 24 e 25). 26.- Nestas condições, uma vez que as regras de competência enunciadas na secção 3 do capítulo II do Regulamento n.º 44/2001 não são regras de competência exclusiva, o tribunal onde a acção foi intentada com inobservância das referidas regras deve declarar-se competente quando o demandado comparece no processo e não deduz qualquer excepção de incompetência.(…) 30.- (…) embora nos domínios visados pelas secções 3 a 5 do capítulo II do mesmo regulamento as regras de competência tenham por objectivo oferecer à parte mais fraca uma protecção reforçada (v., a este respeito, acórdão de 13 de Dezembro de 2007, FBTO Schadeverzekeringen, C-463/06, Colect., p. I-11321, n.º 28), não pode ser imposta a essa parte a competência judiciária determinada por essas secções. Se essa parte decidir deliberadamente comparecer no processo, o Regulamento n.º 44/2001 dá-lhe a possibilidade de contestar o mérito da acção perante um órgão jurisdicional diferente dos determinados com base nas referidas secções. 33.- Resulta do exposto que importa responder à segunda questão que o artigo 24.º do Regulamento n.º 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que o tribunal em que a acção foi intentada, sem que as regras constantes da secção 3 do capítulo II deste regulamento tivessem sido respeitadas, deve declarar-se competente quando o demandado comparece no processo e não deduz uma excepção de incompetência, constituindo essa comparência no processo uma extensão tácita da competência.” Refere-se ainda em tal acórdão que esta extensão de competência dá-se mesmo que conduza à derrogação das competências de protecção, só cedendo perante as normas do Regulamento que definem competências exclusivas (artigo 24.º), ao contrário do que sucede com a definição de competência através do pacto de jurisdição que nunca pode contrariar as regras de competência exclusivas e em matéria de seguros, contratos celebrados por consumidores e contratos individuais de trabalho (artigo 25.º, n.º 4), aduzindo: “Essa solução justifica-se porque a intenção clara destes Regulamentos é agilizar o funcionamento da justiça no espaço da União e impor a todos os Estados a aceitação das decisões proferidas pelos tribunais de qualquer deles, pelo que se o réu é demandado nos tribunais de um Estado-Membro e aí comparece a defender-se sem suscitar, como podia, a incompetência dos tribunais desse Estado, nenhum interesse existe em inutilizar o processado e obrigar à instauração de nova acção nos tribunais de outro Estado, excepto nas situações que justificam a fixação de uma competência exclusiva.” Logo, se outra norma não permitisse a demanda da quinta ré perante o tribunal português sempre se teria de concluir pela competência internacional deste para apreciar o pedido contra aquela deduzido, porquanto, conforme resulta do relatório supra, a ré G contestou, deduziu diversas excepções e impugnou os factos articulados na petição inicial, mas não suscitou a incompetência internacional dos tribunais portugueses, pelo que aceitou essa competência. Mas ainda que assim não fosse, sempre se teria de atender ao estatuído no art. 8º, 1) do Regulamento de onde decorre que uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode também ser demandada, se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente. Para a interpretação desta norma tem sido convocado o vertido no n.º 3 do art. 30º do Regulamento que considera conexas as acções “ligadas entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídas e julgadas em conjunto para evitar decisões eventualmente inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente”. Uma vez que a quinta ré é demandada como seguradora dos primeiros quatro réus, a sua responsabilidade só existirá se se concluir pela verificação da prática do acto ilícito que é imputado aos restantes réus, isto é, a seguradora responderá na medida da responsabilidade que deva ser assacada aos segurados. Ora, tal significa que a decisão a proferir pelo tribunal terá de ser uniforme para todos os demandados, ainda que o fundamento jurídico da condenação seja diverso, não sendo de admitir que, discutida nesta acção a responsabilidade dos réus, esta possa vir a ser sindicada, posteriormente, pela seguradora, numa outra acção, para afastar a sua responsabilidade. Como tal, sempre se haveria de concluir pela existência de um vínculo estreito entre os pedidos, justificando-se, face à necessidade de evitar decisões contraditórias, que a seguradora, possuindo o seu domicílio no território de um outro Estado-membro, seja demandada perante o tribunal português, que é o tribunal do domicílio dos demais réus (note-se, como aliás é realçado no parecer do Prof. Doutor Miguel Teixeira de Sousa junto pelos recorrentes, que o regime do art.º 8º do Regulamento teria de prevalecer sobre o decorrente dos art.ºs 10º a 16º - Secção 3 – Competência em matéria de seguros -, porquanto este se destina a proteger a parte contratual mais fraca, ou seja, o segurado, nas suas relações com o segurador, o que não é caso da presente acção). Finalmente, quanto à questão suscitada pela recorrida G nas suas contra-alegações, no sentido de que o Regulamento não é aplicável ao presente caso, porque não se aplica à arbitragem (cf. art. 1º, n.º 2, d)), sendo que, conforme cláusula vertida no contrato de seguro, as partes acordaram num procedimento de resolução alternativa de litígios sob a forma de cláusula compromissória de arbitragem, cumpre apenas referir que se trata de questão nova, não apreciada na decisão recorrida e que contende com a eventual excepção de preterição de tribunal arbitral. Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quempossa ou deva conhecer ex officio,é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem. Como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, ou seja, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os art.ºs 627.º, n.º 1, 631, n.º1 e 639.º, do CPC) – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-07-2016, relator Gonçalves Rocha, processo n.º 156/12.0TTCSC.L1.S1 – “[…] não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, podendo ver-se neste sentido os acórdãos do S.T.J. de 1.12.1998, in BMJ n.º 482/150; 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág. 156; e os acórdãos de 24/2/2015, processo nº 1866/11.4TTPRT.P1.S1, e de 14/5/2015, 2428/09.1TTLSB.L1.S1”. Não compete, assim, a este Tribunal apreciar a excepção de preterição de tribunal arbitral, dado que, uma vez reconhecida a competência internacional dos tribunais portugueses para o julgamento da causa, esta haverá de ser apreciada no prosseguimento dos autos, como se ordenará infra. Resta, pois, concluir pela competência internacional dos tribunais portugueses para apreciar a causa submetida a juízo e pela procedência do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que, tendo presente a competência internacional dos tribunais, ordene o prosseguimento dos trâmites processuais que se impuserem, se a tanto outras excepções que cumpra conhecer não obstarem. * Das Custas De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria. Uma vez que a pretensão recursória dos recorrentes merece provimento, as custas (na vertente de custas de parte) ficam cargo dos recorridos, parte vencida no recurso. * IV–DECISÃO Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em revogar a decisão impugnada e, em consequência, declarar os tribunais portugueses internacionalmente competentes para a apreciação do presente litígio, devendo ser ordenado o prosseguimento dos autos, se a tanto nada obstar. Custas a cargo dos apelados. * Lisboa, 11 de Dezembro de 2019[7] Micaela Sousa Cristina Silva Maximiano Maria Amélia Ribeiro [1]Adiante designado pela sigla CSC. [2]Adiante designado pela sigla CPC. [3]Todos os arestos mencionados adiante sem indicação de origem encontram-se disponíveis na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt. [4]O artigo 288.º, segundo parágrafo do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia estatui: “O regulamento tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros”. [5]Adiante designado por Regulamento. [6]Adiante designado pela sigla TJUE. [7]Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página. |