Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10760/2004-4
Relator: FERREIRA MARQUES
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/23/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Nos termos conjugados dos art. 434º do Código do Trabalho e do art. 39º nº 1 do Cód. Proc. Trabalho o procedimento cautelar só pode ser instaurado quando se verificarem cumulativamente dois pressupostos essenciais:
1) que a relação contratual que vincula o requerente à requerida configure um contrato de trabalho;
2) que esse contrato de trabalho tenha cessado através de despedimento promovido pela entidade patronal do requerente, ou pelo menos, que essa cessação configure a verosimilhança de um despedimento.

Saber se na altura em que a requerente teve alta e se apresentou ao serviço, a requerida A ainda era sua entidade patronal ou se, nessa altura, a posição contratual que esta detinha no contrato de trabalho que celebrou com a requerente já se tinha transmitido para a requerida B, é questão que extravasa o âmbito do procedimento cautelar de suspensão de despedimento.
Decisão Texto Integral:
(A), instaurou procedimento cautelar contra:
Filgueiras & Sousa, Lda. e Gamas Altas, Têxteis e Confecções, Lda., com sede na Av. Santos Matos, n.º 8 B – LJ, na Amadora, pedindo que seja decretada a suspensão do seu despedimento, com as legais consequências.
Alegou para tanto e em síntese o seguinte:
Foi admitida ao serviço da 1ª requerida em 1 de Janeiro de 2003, mediante a celebração de contrato de trabalho a termo, e por conta, sob a direcção e fiscalização desta trabalhou, como caixeira.
Em 1 de Janeiro de 2004, o referido contrato foi renovado por mais 1 ano;
Em 1 de Outubro de 2004, devido ao agravamento do seu estado de saúde, ficou de baixa, situação que se manteve até ao dia 25 desse mesmo mês, data em que comunicou à sua entidade patronal a sua intenção de retomar a sua prestação de trabalho no dia seguinte.
Nessa altura, foi-lhe comunicado pelo gerente da firma Filgueiras & Sousa, Lda. que a mesma já não existia e que a nova firma “Gamas Altas, Têxteis e Confecções, Lda.” não iria admiti-la ao seu serviço.
No dia 26/10/2004, pelas 10.00 horas, deslocou-se ao seu local de trabalho, mas o gerente da firma Filgueiras & Sousa, Lda. impediu a sua entrada e comunicou-lhe que já não tinha que se apresentar ao trabalho, uma vez que a empresa que a tinha contratado já não existia.
Mesmo que tal situação se verifique e tenha havido transmissão de estabelecimento, a posição do empregador transmite-se para o adquirente, o contrato de trabalho mantém-se com todos os seus efeitos.
O seu contrato de trabalho só poderia cessar se a entidade patronal promovesse o seu despedimento com justa causa, precedido do necessário processo disciplinar.
Como isso não sucedeu, o seu despedimento deve ser declarado ilícito e decretada a sua suspensão.
Sobre esta petição recaiu o seguinte despacho:
Nos presentes autos não importa apenas equacionar se houve ou não despedimento e se este foi formal e substancialmente legal. Importa ainda saber se a posição contratual que a requerida Filgueiras & Sousa Lda. detinha no contrato de trabalho que celebrou com a requerida se transmitiu ou não para a requerida Gama Alta, Têxteis e Confecções, Lda.
A esfera jurídica do meio preventivo que é a providência cautelar de suspensão de despedimento está limitada à apreciação da justa causa do despedimento, invocada através de um mero juízo de probabilidade (...) cometidos pelo trabalhador e apontados pela entidade patronal como determinantes da rescisão da relação laboral existente.
Logo a discussão sobre quem é a entidade patronal da requerente não pode ser objecto da presente providência.
Neste sentido cfr., por exemplo, Acs. RL de 7/1/80, BMJ 297º, 402 e da RE de 11/7/00, CJ, Tomo IV, 287.
Com efeito, como refere o último acórdão citado, “no domínio da vigência do novo CPT, a providência cautelar de suspensão de despedimento continua a não ser o meio adequado para se discutirem questões que se afastem do núcleo essencial do seu objecto: a suspensão do despedimento dum trabalhador.”
Assim não pode discutir-se em tal procedimento cautelar se a posição contratual que a requerida Filgueiras e Sousa Lda. detinha no contrato de trabalho que celebrou com a requerente se transmitiu para a requerida Gamas Altas, Têxteis e Confecções, Lda.
Na verdade, o novo Código de Processo de Trabalho só introduziu a possibilidade de, na providência cautelar de suspensão de despedimento, se discutir em simultâneo com a validade, ou não, do despedimento a própria existência do mesmo, sem contudo alterar a necessidade prévia de ser facto assente quem são as partes do contrato de trabalho feito cessar.
Pelo exposto, indefiro liminarmente o requerimento inicial – arts. 234º, n.º 4, alínea b) e 234º-A, n.º 1, primeira parte, do CPC.
Custas pela requerente.”
Inconformada, a requerente interpôs recurso de agravo deste despacho, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:
1ª) - A presente providência cautelar baseia-se nos factos constantes do respectivo requerimento inicial e, bem assim, nos documentos com ele juntos;
2ª) - Ora, conforme resulta dos factos do petitório inicial e nos constantes dos documentos com ele juntos, parece-nos evidente que a questão fulcral em análise não é a do apuramento de qual a entidade patronal responsável, mas tão-só da existência do despedimento, real e efectivo no caso concreto, ainda que sob o disfarce de outra modalidade jurídica;
3ª) - Assim sendo, a providência cautelar de suspensão de despedimento é o meio legal adequado destinado a reagir contra este despedimento;
4ª) - Deste modo, se é verdade que a posição contratual se transmitiu, não é menos verdade que se trata de um despedimento ilícito sendo, por isso, passível do respectivo procedimento cautelar;
5ª) - De resto, tem sido esta a orientação que julgamos dominante na jurisprudência dos nossos tribunais como pode ver-se, designadamente, nos doutos Acórdãos que reproduzimos na parte expositiva das presentes alegações;
6ª) - Desta feita, ao decidir como decidiu, o douto despacho recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 234º, n.º 4 e 234-A, n.º 1 do CPC e, por omissão, o disposto no art. 34º do CPT.
Terminou pedindo a revogação da decisão recorrido e a sua substituição por outra que admita o procedimento cautelar de suspensão de despedimento e determine o prosseguimento dos autos.

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual concluiu pela improcedência do recurso.

Admitido o recurso, na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a esta Relação onde, depois de colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Neste procedimento cautelar e neste recurso estão em causa as seguintes questões:
1. Saber se, no final de Outubro de 2004, altura em que a requerente teve alta e se apresentou ao serviço, a requerida Filgueiras & Sousa Lda. ainda era a sua entidade patronal ou se, nessa altura, a posição contratual que esta detinha no contrato de trabalho que celebrou com a requerente já se tinha transmitido para a requerida Gamas Altas, Têxteis e Confecções, Lda.
2. Saber se, nessa data, a requerente foi ilicitamente despedida.


III. FUNDAMENTAÇÃO

Preceitua o art. 434º do Código do Trabalho que o trabalhador pode, mediante providência cautelar regulada no Código de Processo do Trabalho, requerer a suspensão preventiva do despedimento no prazo de cinco dias a contar da recepção da comunicação de despedimento.
Por seu turno, o art. 39º, n.º 1 do CPT determina que a providência cautelar de suspensão de despedimento é decretada se não tiver sido instaurado processo disciplinar, se este for nulo, ou se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria da inexistência de justa causa.
Resulta destes preceitos que o procedimento cautelar previsto nos arts. 434º do Código do Trabalho e 34º a 40º do CPT se destina a sustar o despedimento promovido por determinada entidade patronal, com a consequente reintegração do trabalhador, até à decisão final da acção de impugnação do referido despedimento, a intentar por esse trabalhador. Nele não se define nem declara um direito, apenas se acautela e proteje, através duma apreciação jurisdicional sumária, contra o perigo da demora na sua apreciação. O direito só posteriormente será apreciado em acção a propor e de que a providência é simples acto preparatório.
Resulta também dos referidos preceitos que tal procedimento cautelar só pode ser instaurado se se verificarem cumulativamente dois pressupostos essenciais:
1) que a relação contratual que vincula o requerente à requerida configure um contrato de trabalho;
2) que esse contrato de trabalho tenha cessado através de despedimento promovido pela entidade patronal do requerente ou, pelo menos, que essa cessação configure a verosimilhança de um despedimento.
Assim, quando seja indiscutível que a relação contratual que vincula trabalhador e entidade patronal configura um contrato de trabalho e quando esse contrato cesse, através de despedimento promovido pelo empregador, o trabalhador pode alegar que esse contrato está ameaçado de lesão grave, se tiver de aguardar a decisão final e definitiva do litígio, e requerer ao tribunal que o acto lesivo do seu direito – o despedimento – seja declarado suspenso, cabendo então ao juiz, nos termos do art. 39º, n.º 1 do CPT, verificar se tal despedimento foi ou não precedido de processo disciplinar; se (este) enferma de alguma nulidade que o invalide, e - se existir processo disciplinar e (se) este for válido - ponderar todas as circunstâncias relevantes e verificar se há, ou não, probabilidade séria de inexistência de justa causa (cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, Almedina, pág. 329 e segs; Acs. da RL de 7/1/80, de 16/6/99, de 22/5/02 e da RE de 11/7/00, respectivamente, BMJ 297º, 402; CJ, 1999, tomo 3º, pág. 172; CJ, 2002, tomo 3º, pág. 154, e CJ, 2000, tomo 4º, pág. 287).
É este o âmbito do procedimento cautelar de suspensão de despedimento e é dentro deste âmbito que o requerente se deve movimentar ao servir-se deste meio processual. E se a sua pretensão for atendida, o conflito fica provisoriamente resolvido; a sua resolução definitiva verificar-se-á mais tarde, quando for proferida decisão final na acção principal.
No caso em apreço, porém, o objecto do procedimento cautelar instaurado pela requerente extravasa o referido âmbito. Neste caso, para se emitir um juízo sobre a existência de despedimento da requerente e sobre a licitude ou ilicitude desse despedimento é necessário saber primeiro se, quando a requerente teve alta e se apresentou ao serviço, a requerida Filgueiras & Sousa Lda. ainda era a sua entidade patronal ou se, nessa altura, a posição contratual que esta detinha no contrato de trabalho que celebrou com a requerente já se tinha transmitido para a requerida Gamas Altas, Têxteis e Confecções, Lda.
Esta questão é fundamental, para se saber se a requerente foi despedida pelo gerente da 1ª requerida, como aquela alegou na sua petição inicial. Se, nessa altura, a transmissão já tinha ocorrido, não se pode falar em despedimento promovido pela 1ª requerida, pois esta já não era a entidade patronal da requerente, e não sendo a sua entidade patronal, a atitude assumida pelo gerente desta, quando aquela teve alta e se apresentou ao serviço, é juridicamente irrelevante, em relação à 1ª requerida.
A discussão e apreciação desta questão não tem, porém, cabimento no âmbito estrito da providência cautelar de suspensão de despedimento. Esta questão para ser apreciada, teria primeiro que ser demonstrada, e este procedimento cautelar não comporta produção de prova nem discussão em relação a essa matéria.
A lei, atendendo à “sumario cognitio”, própria dos procedimentos cautelares, apenas permite, nesta sede, apreciar a factualidade inerente ao despedimento e as questões inerentes à eventual inexistência ou nulidade do processo disciplinar e à probabilidade séria de inexistência de justa causa.
É certo que quando o despedimento não é precedido de processo disciplinar, o actual CPT, além da oposição do requerido, permite que as partes apresentem os seus meios de prova (cfr. arts.34º, n.º 2 e 35º, n.º 1 do CPT). Mas ao admitir a produção dessa prova, o legislador, ao contrário do que já vimos defendido, não está a permitir que se faça prova de factos e se discutam questões no âmbito deste procedimento cautelar respeitantes à caracterização da relação contratual, transmissão da posição contratual, à validade ou nulidade do contrato, às formas de cessação dessa relação ou a outras questões como as que se suscitam neste processo. Pretende-se tão somente que o trabalhador despedido verbalmente, possa fazer prova desse facto, o que não lhe era permitido no anterior código, situação que levava geralmente à improcedência das providências cautelares que tinham como objecto despedimentos não precedidos de processo disciplinar, dado que na audiência de partes a entidade patronal, por regra, contradizia o que o trabalhador tinha alegado no requerimento inicial, e perante essa oposição, dificilmente se podia concluir pela verificação do despedimento.
Como se decidiu no Acórdão do STJ, de uniformização de jurisprudência, publicado no Diário da República n.º 262, I-A Série, de 12/11/2003, o alargamento dos meios de prova utilizáveis visa apenas facilitar a prova dos requisitos necessários para a concessão da providência e não o alargamento do thema decidendum no procedimento de suspensão de despedimento individual ou colectivo. Nada na lei o permite, nem a ratio legis da alteração o consente, sob pena de subversão dos princípios gerais dos procedimentos cautelares que, indubitavelemente, norteiam os procedimentos cautelares tipificados no CPT.
Se o legislador, em profunda alteração com o anteriormente estatuído, quisesse permitir a discussão dessas questões em procedimentos cautelares nominados (pelo menos nestes) constantes do CPT/99, por certo que não deixaria de o explicar no preâmbulo do DL 480/99 e de o estatuir, claramente, em texto dos artigos do Código. Porém, não é isso que consta do citado art. 35º nem do preâmbulo deste decreto-lei.
Este não é, portanto, o meio processual adequado para discutir e decidir questões como a que se suscita nos presentes autos (cfr. Albino Mendes Baptista, Código de Processo do Trabalho Anotado, pág. 84, anotação ao art. 34º; J. Cruz de Carvalho, Prontuário de Legislação do Trabalho, Actualização n.º 43, pág. 15; Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, Almedina, pág. 329, Nota 568; Acs. da RL, de 16/6/99, CJ, 1999, III, 172, da RE, de 11/7/00, CJ 2000, IV, 287; da RL, de 22/5/02, CJ 2002, III, pág. 154).
Improcedem, assim, as conclusões do recurso, não merecendo o despacho recorrido a mínima censura.


IV. DECISÃO

Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 23 de Fevereiro de 2005

Ferreira Marques
Maria João Romba
Paula Sá Fernandes