Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23297/23.3T8LSB.L1-4
Relator: SUSANA SILVEIRA
Descritores: REGULAMENTO INTERNO
COMPLEMENTO RETRIBUTIVO
DIREITOS ADQUIRIDOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A lei reconhece à entidade empregadora um poder regulamentar interno, por força do qual não só lhe é permitido fixar os termos em que deve ser prestado o trabalho, como viabilizar a criação de uma vertente contratual influenciadora do conteúdo da relação juslaboral, através da adesão (expressa ou tácita) do trabalhador aos regulamentos.
II. Os direitos que, por via dos regulamentos cuja natureza se assuma contratual, venham a incorporar o contrato de trabalho apenas podem ser alterados e/ou suprimidos consensualmente, ainda que este consenso derive de instrumento de natureza semelhante que não venha a merecer a oposição do trabalhador (arts. 397.º e 406.º, n.º 1, ambos do Código Civil).
III. O direito à percepção de determinado complemento retributivo instituído por via regulamentar constitui-se a partir da sua instituição e publicitação, bem como da sua aceitação (expressa ou tácita) dos trabalhadores e passa a ser um efectivo direito, ainda que em evolução contínua e sujeito à condição suspensiva de verificação de um facto futuro, não sendo lícito ao empregador suprimi-lo unilateralmente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
1. AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL e MM intentaram acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do Processo Comum, contra a “Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, EPE (AICEP, EPE)”, peticionando: (i) que lhes seja reconhecido o direito aos Subsídios de Função Técnica; (ii) que a ré seja condenada a pagar-lhes os montantes em dívida vencidos após a respetiva retirada ilegítima do direito ao referido Subsídio a partir de 01/07/2007, montantes esses que, no global, ascendem a € 224.535,92€; (iii) que a ré seja condenada nas prestações vincendas e nos juros de mora, vencidos e vincendos, a partir da data de vencimento dos respetivos prémios até integral pagamento.
Sustentam os autores, em abono da sua pretensão, que o direito ao recebimento do subsídio de Função Técnica assenta nos contratos de trabalho por si celebrados com o “Instituto do Comércio Externo de Portugal (ICEP), posteriormente substituído pela aqui Ré.
2. Realizada a audiência de partes, frustrou-se a conciliação, tendo a ré sido notificada para contestar.
3. Contestou a ré, alegando, em síntese, que: (i) os valores peticionados pelos autores não são devidos, uma vez que pese embora o subsídio por eles referido se encontrasse previsto no Regulamento do ICEP que se lhes aplicava, a sua atribuição estava reservada aos trabalhadores com funções técnicas, sendo pago apenas a técnicos e as chefias, características que os autores não possuíam nem atingiram no período de vigência do dito Regulamento; (ii) os autores nunca adquiriram o direito a auferir o referido subsídio, sequer tendo adquirido a expectativa de, em algum momento, obter o direito a recebê-lo; (iii) o Regulamento aprovado pela Ordem de Serviço número 01/2008 não terminou com o subsídio de função – sendo que todos os trabalhadores que tinham adquirido esse subsídio durante a vigência do anterior Regulamento de Pessoal, o mantiveram -, antes tendo ocorrido que, com a aprovação deste Regulamento, todos os trabalhadores, independentemente da sua categoria profissional, passaram a estar potencialmente abrangidos pela possibilidade de receberem subsídio de função, mediante deliberação do órgão de gestão.
4. Os autores ofereceram resposta à contestação da ré.
5. A Mm.ª Juiz a quo, por despacho datado de 7 de Junho de 2024, e por entender que os autos dispunham de todos os elementos que consentiam proferir decisão sobre o mérito da causa, notificou as partes para alegar de facto e de direito quanto aos fundamentos da acção.
Mais se pronunciou quanto à desnecessidade de realização de audiência prévia.
6. Na sequência do despacho mencionado em 5., os autores ofereceram as suas alegações, concluindo-as no mesmo sentido que concluíram aquando da propositura da acção.
7. Também a ré ofereceu as suas alegações, concluindo, a final, pela improcedência da acção.
8. Foi proferido Despacho Saneador, nele se afirmando a regularidade da instância.
9. Foi fixado à causa o valor de € 224.535,92.
10. A Mm.ª Juiz a quo, na sequência do que já afirmara aquando da prolação do despacho identificado em 5., proferiu sentença cujo dispositivo é o seguinte:
«Tudo ponderado, pelas razões de facto e de direito que supra se deixam elencadas, julga-se totalmente procedente a presente acção e, em consequência:
a. Reconhece-se o direito dos Autores a receber subsídio de função técnica vencido e vincendo, enquanto mantiverem a categoria de técnicos superiores;
b. Condena-se a Ré a pagar aos Autores:
i. AA, a título de subsídios de função técnica vencidos entre Maio de 2012 e Agosto de 2023, a quantia de € 16.655,25, acrescida dos subsídios vencidos e vincendos desde Setembro de 2023 e enquanto a Autora se mantiver na referida categoria de técnico superior, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde o vencimento de cada subsídio, à taxa de 4% ao ano;
ii. BB, a título de subsídios de função técnica vencidos entre Outubro de 2019 e Agosto de 2023, a quantia de € 5.761,25, acrescida dos subsídios vencidos e vincendos desde Setembro de 2023 e enquanto a Autora se mantiver na referida categoria de técnico superior, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde o vencimento de cada subsídio, à taxa de 4% ao ano;
iii. CC, a título de subsídios de função técnica vencidos entre Fevereiro de 2009 e Agosto de 2023, a quantia de € 21.369,00, acrescida dos subsídios vencidos e vincendos desde Setembro de 2023 e enquanto a Autora se mantiver na referida categoria de técnico superior, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde o vencimento de cada subsídio, à taxa de 4% ao ano;
iv. DD, a título de subsídios de função técnica vencidos entre Junho de 2012 e Agosto de 2023, a quantia de € 16.550,50, acrescida dos subsídios vencidos e vincendos desde Setembro de 2023 e enquanto a Autora se mantiver na referida categoria de técnico superior, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde o vencimento de cada subsídio, à taxa de 4% ao ano;
v. EE, a título de subsídios de função técnica vencidos entre Fevereiro de 2009 e Agosto de 2023, a quantia de € 22.996,92, acrescida dos subsídios vencidos e vincendos desde Setembro de 2023 e enquanto a Autora se mantiver na referida categoria de técnico superior, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde o vencimento de cada subsídio, à taxa de 4% ao ano;
vi. FF, a título de subsídios de função técnica vencidos entre Maio de 2012 e Agosto de 2023, a quantia de € 16.655,25, acrescida dos subsídios vencidos e vincendos desde Setembro de 2023 e enquanto a Autora se mantiver na referida categoria de técnico superior, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde o vencimento de cada subsídio, à taxa de 4% ao ano;
vii. GG, a título de subsídios de função técnica vencidos entre Fevereiro de 2009 e Agosto de 2023, a quantia de € 21.369,00, acrescida dos subsídios vencidos e vincendos desde Setembro de 2023 e enquanto a Autora se mantiver na referida categoria de técnico superior, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde o vencimento de cada subsídio, à taxa de 4% ao ano;
viii. HH, a título de subsídios de função técnica vencidos entre Maio de 2012 e Agosto de 2023,a quantia de € 16.655,25, acrescida dos subsídios vencidos e vincendos desde Setembro de 2023 e enquanto a Autora se mantiver na referida categoria de técnico superior, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde o vencimento de cada subsídio, à taxa de 4% ao ano;
ix. II, a título de subsídios de função técnica vencidos entre Maio de 2012 e Agosto de 2023,a quantia de € 16.655,25, acrescida dos subsídios vencidos e vincendos desde Setembro de 2023 e enquanto a Autora se mantiver na referida categoria de técnico superior, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde o vencimento de cada subsídio, à taxa de 4% ao ano;
x. JJ, a título de subsídios de função técnica vencidos entre Fevereiro de 2009 e Agosto de 2023,a quantia de € 21.369,00, acrescida dos subsídios vencidos e vincendos desde Setembro de 2023 e enquanto a Autora se mantiver na referida categoria de técnico superior, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde o vencimento de cada subsídio, à taxa de 4% ao ano;
xi. KK, a título de subsídios de função técnica vencidos entre Outubro de 2019 e Agosto de 2023, a quantia de € 5.761,25, acrescida dos subsídios vencidos e vincendos desde Setembro de 2023 e enquanto a Autora se mantiver na referida categoria de técnico superior, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde o vencimento de cada subsídio, à taxa de 4% ao ano;
xii. LL, a título de subsídios de função técnica vencidos entre Fevereiro de 2009 e Agosto de 2023, a quantia de € 21.369,00, acrescida dos subsídios vencidos e vincendos desde Setembro de 2023 e enquanto o Autor se mantiver na referida categoria de técnico superior, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde o vencimento de cada subsídio, à taxa de 4% ao ano;
xiii. MM, a título de subsídios de função técnica vencidos entre Fevereiro de 2009 e Agosto de 2023, a quantia de € 21.369,00, acrescida dos subsídios vencidos e vincendos desde Setembro de 2023 e enquanto a Autora se mantiver na referida categoria de técnico superior, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde o vencimento de cada subsídio, à taxa de 4% ao ano.
11. Inconformada com a sentença da 1.ª instância, a ré dela interpôs recurso, rematando as suas alegações com a seguinte síntese conclusiva:
«1. A decisão do Tribunal do Trabalho de Lisboa condenou a AICEP a pagar aos 15 autores o subsídio de função técnica no valor total de 224 535,92 com os subsídios vencidos e vincendos, e os juros de mora até ao pagamento integral da dívida.
2. No artigo nº 26 - A do Regulamento de Pessoal do ICEP I. P. (Ordem de Serviço nº 01/2002) prevê o seguinte: “aos trabalhadores com a categoria de Técnico Superior, bem com aos que se encontrem no exercício de funções de chefia é ainda devido, a título de remuneração, um subsídio de função técnica, o qual se destina a remunerar o exercício de funções técnicas e que é liquidado em complemento da remuneração mensal.
O referido Subsídio tem um valor fixo em relação a cada nível de tabela salarial, conforme tabela contante do Anexo II deste Regulamento”.
3. Tal subsídio de função técnica é a substituição dos denominados “cheques auto” que o ICEP pagava aos técnicos ou às chefias,
4. Ora, no caso concreto, os trabalhadores que pediram à AICEP os subsídios de função técnica foram apenas designados a partir de 2009 até 2019, (Técnico / Técnico sénior), quando o ICEP I.P. já não existia,
5. A ordem de serviço n.º 1/2008 de 28 de março de 2008 - a ordem de serviço emitida pela AICEP - prevê no nº 2 o seguinte:
“Aprovar, para aplicação do novo Regulamento Interno das Carreiras Profissionais, as seguintes correspondências: Antiga situação: Técnico superior, Técnico Principal, Técnico; Nova situação: Técnico Especialista, Técnico Sénior, Técnico;
6. A sentença não se pronunciou entre o enquadramento da correspondência entre a situação antiga (ICEP) e a nova situação (AICEP), e deveria ter se pronunciado,
7. Sem prejuízo de o Regulamento de Pessoal da AICEP, no seu artigo nº 7, determina que apenas existe dois tipos de na AICEP:
- Carreira Técnica,
- Carreira de assistente.
(não existem automatismos de promoção entre níveis de carreira para nenhuma das carreiras existentes).
8. Os autores pretendem que lhes seja reconhecido o direito a receber o subsídio de função técnica, o qual se encontrava previsto no Regulamento do Pessoal do ICEP, aprovado pelo Despacho DE – 576/88, de 8 de abril em vigor na data em que os autores foram contratados como trabalhadores do ICEP,
9. Os autores (quando foi criada a AICEP) não eram técnicos, desenvolviam as suas funções nas categorias profissionais abrangidas pela carreira de pessoal de apoio geral, conforme artigo 7.º a 9.º do Anexo III do referido regulamento.
10. Na verdade, os autores não tinham, por conseguinte, os requisitos para receber o referido subsídio, nem, aliás, a mera expetativa de vir o receber, porquanto o mesmo não estava dependente de uma determinada tarefa ou dependente da mera passagem do tempo,
11. Ainda hoje a AICEP mantém a diferenciação de carreiras entre a carreira de assistente (onde se incluem os ex-grupos profissionais de pessoal de apoio geral e pessoal para técnico e administrativo) e a carreira técnica.
12. Os 13 trabalhadores, quando foi extinto o ICEP IP, mantiverem intactos os seus direitos, benefícios sociais, remuneração e antiguidade,
13. Todos os requisitos de aplicação do referido subsídio de função aos trabalhadores da AICEP estavam na referida comunicação junta aos autos pela AICEP.
14. Deste modo, e como já repetimos, tinham direito ao subsídio de função técnica, os técnicos e as chefias (quem recebia anteriormente os “Cheques Auto”), na verdade, os autores não eram técnicos ou chefias à data da publicação da Nota Circular n.º 3/2001,
15. E esse subsídio de função técnica destinava-se a remunerar o exercício de “funções técnicas”, seria pago mensalmente, através de um valor fixo definido em tabela constante do novo Anexo II do Regulamento do Pessoal do ICEP,
16. A Ordem de Serviço n.º 01/2002, e o Regulamento do Pessoal do ICEP, manteve-se integralmente em vigor até à entrada em vigor do Regulamento do Pessoal da AICEP, publicado pela Ordem de Serviço n.º 01/2008 de 28 de março de 2008,
17. Todos os trabalhadores que recebiam este subsídio (antes da Ordem de Serviço nº 01/2008) passaram a receber e continuam a recebê-lo até agora e no futuro,
18. Refere-se que a AICEP tinha acabado unilateralmente com o direito ao subsídio de função técnica, não é verdade,
19. Foi garantido e foi mantidos os direitos legalmente adquiridos - para os trabalhadores que detinham o subsídio de função, antes da extinção do ICEP IP, mantém-se até hoje,
20. A AICEP cumpriu todos os preceitos legais aplicáveis, isto é (i) comunicou a nota curricular em 2008, (ii) notificou a comissão de trabalhadores para se pronunciar sobre o novo regulamento de pessoal em devido tempo e (iii) publicou a ordem de serviço com o novo regulamento de pessoal e com as regras de correspondência aplicáveis,
21. E a AICEP garantiu que nenhum trabalhador da extinta API ou do extinto ICEP perdesse rendimento em pleno cumprimento do princípio constitucional da proibição do retrocesso social dos trabalhadores,
22. Na verdade, o regulamento de pessoal da AICEP, aprovado pela Ordem de Serviço n.º 01/2008 não terminou com o subsídio de função,
23. E o novo Regulamento de Pessoal da AICEP não só harmonizou as condições de trabalho de todos os trabalhadores da AICEP – ex-API e ex-ICEP – como alargou o âmbito de aplicação do subsídio de função a todos os trabalhadores mediante deliberação da R. nesse sentido,
24. Os autores não tinham qualquer expetativa de receberem subsídio de função técnica nos termos do artigo 26.º-A do Regulamento do Pessoal do ICEP pelo que não perderam nem a expetativa nem retrocederam face aos direitos que foram integrados nos seus contratos de trabalho.
25. Os direitos adquiridos não podem ser entendidos como correspondendo a apropriação pelo estatuto individual do trabalhador das vantagens da antiga lei ou da antiga convenção coletiva de trabalho (ou do antigo regulamento), não podendo falar-se em direitos adquiridos quando o que está em causa é a mera expectativa de manutenção da anterior regulamentação mais favorável, como defende o referido autor Bernardo Xavier, em Curso de Direito do Trabalho, pág. 648.
26. Apenas no quadro da sucessão de convenções coletivas é que subsiste um afloramento da manutenção dos direitos adquiridos, no ponto em que se estabelece que a mera sucessão de convenções coletivas não pode ser invocada para diminuir o nível de proteção global dos trabalhadores.
27. Esses direitos não podem, no entanto, ser caracterizados como direitos adquiridos, visto que a sua manutenção na esfera jurídica do trabalhador não se deve à intocabilidade desses direitos, mas ao jogo interpretativo decorrente das disposições conjugadas das normas legais, das normas coletivas, regulamentares e das cláusulas do contrato.
28. O conceito de direitos adquiridos, com o sentido que lhe é aqui atribuído, configurando-se como uma projeção do favor laboratoris na sucessão das fontes laborais, não se confunde com os direitos subjetivos – direitos já consolidados ou já formados na esfera jurídica do titular, mas ainda não efetivados –, nem com as meras expectativas jurídicas, isto é, com as situações de vantagem decorrentes da antiga lei ou do antigo instrumento coletivo do trabalho e cujos efeitos ainda se não produziram.
29. Os direitos subjetivos estão protegidos pelo princípio da não retroatividade da regulamentação nova enquanto as expectativas jurídicas apenas poderão ser tuteladas pelo princípio da proteção da confiança, quando a previsibilidade da sua manutenção se fundamente em valores reconhecidos no sistema e não apenas na inércia ou na manutenção do status quo (acórdão do TC n.º 786/96).
30. Neste sentido, acórdão do TC nº 101/92 entendeu-se que só ocorreria retrocesso social constitucionalmente proibido quando fossem diminuídos ou afetados “direitos adquiridos em termos de se gerar violação do princípio da proteção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito económico, social e cultural”, apontando para situações em que tenha havido uma prévia subjetivação desses mesmos direitos.
31. E, mais claro e mais objetivo foi o STJ no acórdão de 15/05/2019 quando referiu que “apesar daquelas medidas terem cessado, os trabalhadores da “AA” não adquiriram o direito a serem reposicionados nos escalões em que se encontrariam naquela data, se não tivesse sido suspensa a aplicação das cláusulas 16ª [promoção por antiguidade] e 17ª [promoção por mérito] do Acordo de Empresa aplicável. (…) Esta interpretação não viola o direito à progressão na carreira e nem os princípios constitucionais da igualdade, da segurança jurídica na vertente da confiança e nem o princípio da proteção da confiança conjugada com o princípio da proporcionalidade.”
32. E, como se fundamentou, durante o período em causa – vigência do artigo 26.º-A – os autores não adquiriram qualquer direito ao subsídio de função técnica.
33. Pelo que a AICEP não deve pagar aos 13 trabalhadores da AICEP o pagamento do subsídio de função, e em consequência, deve ser revogada a sentença recorrida do Tribunal de Trabalho de Lisboa».
Conclui a recorrente no sentido de «serem julgadas totalmente procedentes as alegações de recurso apresentadas» e «em consequência, ser revogada a decisão recorrida do Tribunal do Trabalho de Lisboa».
12. Os autores contra-alegaram, concluindo as suas alegações com a seguinte síntese:
«1 - A R. nas suas Alegações não descreve em nenhuma parte nem em nenhum momento a que eventuais erros em matéria de direito se pretende reportar, sendo seu esse ónus (cfr. Art.º 342º/1 do Código Civil), pelo que não pode o Tribunal dar-lhe razão nesta parte, atento o disposto no art.º 414º do CPC;
2 - O facto de autores não serem “técnicos ou chefias à data da publicação da Nota Circular nº 3/2001”, onde se propunha o pagamento de subsídios de função técnica em substituição da entrega de senhas de gasolina (cfr. Art.º 22º das Alegações), constitui um facto irrelevante na situação em apreço, na medida em que os AA. nos presentes autos reclamam o seu direito aos subsídios de função técnica a partir de fevereiro de 2009, data em que começaram a ser integrados no grupo de pessoal técnico superior na sequência de deliberação da Comissão Executiva da R. (cfr. quadro constante do art.º 79º da p.i.; e Doc.s 15 e 16, juntos com a p.i. dos AA.);
3 - Os AA. têm direito a beneficiar do direito ao subsídio de função técnica a partir do momento em que reúnem os pressupostos regulamentarmente definidos para o efeito, que no caso ocorreu a partir de fevereiro/2009, respetivamente, como se reclama nos autos;
4 - Como também se determina na douta sentença sob recurso, “O regulamento interno enquadra-se no poder regulamentar do empregador, consubstanciando uma proposta contratual que tendo sido tacitamente aceite pelo trabalhador, nos termos do artigo 7.º da LCT, passou a obrigar ambas as partes e a integrar o conteúdo do contrato individual de trabalho. Portanto, em rigor, o fulcro da questão consiste antes em saber se essa contrapartida contratual, que abrangeu os Autores e todos os demais trabalhadores já contratados à data, mas também todos aqueles que vieram a ser contratados posteriormente e em momento anterior à revogação do Regulamento referido em N., pode ser unilateralmente alterada pela entidade empregadora. Com efeito, através desse Regulamento, a Ré manifestou a sua vontade contratual, dirigida às relações laborais já existentes, mas também às que viessem a ser estabelecidas, no sentido de que verificados determinados requisitos, os trabalhadores adquiriam o direito a um subsídio de função técnica. Na linha do entendimento do Supremo Tribunal, isto é, que uma vez atribuído incondicionalmente um benefício este passa a integrar o contrato individual de trabalho, não podendo ser retirado ou diminuído, a não ser por consenso, entendemos que, tendo os trabalhadores, entre eles os Autores, adquirido aquele direito por integração no seu contrato de trabalho, não poderão vê-lo suprimido pela vontade unilateral da Ré. – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-06-2006, com o número de processo 06S699, disponível para consulta in www.dgsi.pt In casu, a progressão para técnico superior não se encontrava dependente da vontade da Ré, na medida em que o artigo 4º, n.º 2, do Anexo II do Regulamento referido em N. estabelecia os requisitos abstractos e universais necessários para a ascensão a esse grupo de qualificação profissional. Ainda que o estivesse, a verdade é que os Autores efectivamente integraram a essa categoria de Técnico Superior, entre Fevereiro de 2009 e Maio de 2012, por deliberação da Ré. Por outro lado, do expressamente referido pelo artigo 26º-A do Regulamento mencionado em N. resulta, de forma clara, que o referido subsídio assume natureza retributiva, gozando, assim sendo, da protecção estabelecida pelo artigo 122º, alínea d) do Código do Trabalho de 2003 e pelo artigo 129º, alínea d), do Código do Trabalho em vigor, não podendo, destarte, ser unilateralmente eliminado” (cfr. sentença sob recurso, quarto parágrafo e ss. da pág. 16 e 17/23);
5 - A aquisição pelos AA. e ora recorridos do direito ao subsídio de função técnica concretizou-se pela via regulamentar geral, através da criação e divulgação pela R. da Nota Circular nº 3/2001 e da Ordem de Serviço nº 01/2002, que instituíram o aludido Subsídio de Função Técnica (Docs 3 e 4), relativamente aos quais (Nota Circular e Ordem de Serviço), no prazo de 30 dias a contar da sua publicação e divulgação os ora AA. não se pronunciaram por escrito contra tais instrumentos regulamentares da R., tendo aderido tacitamente ao respetivo conteúdo (cfr. art.º 7º/1 e 2 do DL 49 408, de 24/11/69), que foi aditado ao invocado Regulamento de Pessoal com a designação de art.º 26º-A (Doc. 2-art.º 26º-A);
6 - A manifestação daquelas vontades patronais unilaterais através da instituição das respetivas nota circular e ordem de serviço, de caráter geral, após o decurso do prazo para adesão tácita dos trabalhadores produz os efeitos próprios de um acordo de vontades, incorporando-se o seu conteúdo no contrato individual de trabalho estabelecido entre as partes, constituindo doutrinariamente um direito legitimamente adquirido unilateralmente irrevogável (cfr. art.º 230º/1 do Código Civil), como mais profusamente se explana nos artigos 46º a 69º da p.i.;
7 - Como doutamente se determina na sentença sob recurso, “Encontramo-nos – por força do conteúdo do estabelecido pelo artigo 26º-A, do referido regulamento – perante uma verdadeira regalia ou benefício relacionada com as qualificações de serviço do trabalhador. Ora, uma vez atribuído incondicionalmente um benefício, este passa a integrar o contrato individual de trabalho, não podendo ser retirado ou diminuído, a não ser por consenso entre empregador e trabalhador” (cfr. sentença sob recurso, segundo e terceiro parágrafos da pág. 16 /23);
8 - O comunicado emitido pela R. a informar os AA da determinação daquela de fazer cessar a vigência dos regulamentos internos e das ordens de serviço por si anteriormente emitidas não foi “feito aos trabalhadores na ordem de serviço nº 01/2008 de 28 de março”, mas sim anteriormente, em 29/06/2007, a propósito da referência à extinção do então ICEP, IP, e consequente substituição pela AICEP, EPE, a partir de 01/07/2007, constituindo tal extinção o fundamento da informação aos AA. de que com tal extinção “cessa a vigência dos Regulamentos Internos e das Ordens de Serviço emitidos por este Instituto …” (cfr. Doc. 10 junto pelos AA. com a p.i., 3º parágrafo), como consta da alínea Z) dos factos dados como provados na sentença sob recurso, com os quais a R. e ora recorrente concorda (cfr. art.º 8º das Alegações da R.);
9 - De acordo com os novos Estatutos da AICEP, EPE, aprovados pelo DL 245/2007, de 25/06, “a AICEP, E. P. E., assume a titularidade da universalidade dos direitos e obrigações que constituem o património do ICEP” (Ibidem-art.º 3º/1). E “São assumidas pela AICEP, E. P. E., as posições contratuais do ICEP” (cfr. números 1 e 2 do artigo 3º do DL 245/2007, de 25/06). Pelo que, o argumento da R. de fazer cessar “a vigência dos Regulamentos Internos e das Ordens de Serviço emitidos por este Instituto …” com fundamento na extinção do ICEP, IP não pode ser acolhido pelo Tribunal, em virtude de legalmente deverem ser “assumidas pela AICEP, E. P. E., as posições contratuais do ICEP” (cfr. números 1 e 2 do artigo 3º do DL 245/2007, de 25/06);
10 - Não é aceitável a tese da R. no tocante às invocadas harmonização e ampliação do direito em causa inerentes ao novo Regulamento de Pessoal divulgado através da Ordem de Serviço nº 01/2008, por carecerem de demonstração, sendo esse ónus da R. (cfr. art.º 342º/1 do Código Civil), que não cumpriu, pelo que o Tribunal também aqui não lhe pode dar razão, atento o disposto no art.º 414º do CPC, como também doutamente se determina na sentença sob recurso, ao considerar que “Cabia à Ré demonstrar que os Autores haviam concedido o seu acordo à alteração da remuneração e/ou que com o Regulamento aprovado a situação dos Autores se mantinha ou até era mais favorável. A Ré sustenta uma melhoria mas não alega factos concretos de onde se extraia que o subsídio de função é idêntico e que não se mostram prejudicados os Autores, já que não demonstra que os estes têm vindo a receber o subsídio de função num valor superior ao valor que teriam recebido se tivessem auferido o requerido subsídio de função técnica ou mesmo que em abstracto o novo “Subsídio de Função” fosse mais favorável aos Autores do que o subsídio de função técnica que incorporou o seu contrato de trabalho. Assim sendo, os Autores têm direito a receber o subsídio de função técnica a partir do momento em que foram integrados no grupo de pessoal técnico superior” (cfr. sentença sob recurso, terceiro a quinto parágrafos da pág. 18 /23);
11 - No âmbito do direito de audição exercido pela Comissão de Trabalhadores os AA. opuseram-se à pretensa redefinição e substituição do subsídio de função técnica pelo designado subsídio de função previsto no art.º 5º do Regulamento Interno de Compensação (Doc. 11; e Doc. 12-nº 1, art.º 5º, juntos com a p.i.), mantendo-se assim em vigor o regime do Subsídio de Função Técnica em apreciação, atento o disposto no art.º 95º/2 do Código do Trabalho/2003, aprovado pela Lei 99/2003, de 27/08, então em vigor;
12 - Uma mera expectativa configura uma esperança forte de que venha a ocorrer certo acontecimento futuro, com probabilidade de que se concretize. É mais do que uma esperança, e menos do que um direito, constituindo o seu germe. (cfr. Galvão Teles – Direito das Sucessões, transcrito no Dicionário de Conceitos e Princípios Jurídicos, de João Melo Franco, e outro, pg. 412, enquanto um direito adquirido constitui uma vantagem ou poder que integrou a esfera jurídica de uma pessoa, que se pode fazer valer contra terceiro (como na situação em apreço nos presentes autos); Vantagem ou poder bem e devidamente feito nosso, de que estamos investidos, apropriados, que um terceiro não pode tirar (cfr. Pires de Lima e A. Varela – Noções Fundamentais de Direito Civil, transcrito no Dicionário de Conceitos e Princípios Jurídicos, de João Melo Franco, e outro, pg. 323), considerando-se jurisprudencialmente relativamente a um direito adquirido que, “uma vez atribuído incondicionalmente um benefício (…) passa a integrar o contrato individual de trabalho, não podendo ser retirado ou diminuído, a não ser por consenso”, cremos que, tendo os trabalhadores, entre eles o A., adquirido aquele direito por integração no seu contrato de trabalho, não poderá vê-lo suprimido pela vontade unilateral da R. [Cfr. Ac. do STJ de 28-06-2006]. (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05/11/2014, no processo nº 4877/12.9TTLSB.L1-4, disponível em www.dgsi.pt);
13 - Jurisprudencialmente, de forma similar à situação em apreço, decidiu o TRL em recente acórdão, não publicado, de 29/03/2023, prolatado no âmbito do processo 2266/10.9TTLSB.L3, que “o benefício do complemento de reforma configura uma expectativa jurídica com proteção legal que, como supra se conclui, integrou o contrato individual de trabalho de cada um dos Autores e Intervenientes, o qual está em formação desde essa integração do contrato, até ao momento em que se verifiquem as condições da efectiva aquisição do direito ao seu recebimento … A aceitar-se que, como ainda não ocorreram aquelas condições, o empregador (no caso o Réu) podia fazer cessar a qualquer momento e de forma unilateral tal expectativa jurídica, tal direito em formação, estaria descoberta uma forma “original” (mas totalmente ilícita e ilegal) de nunca pagar qualquer complemento de reforma (bastava ao empregador declarar a cessação do benefício, pouco antes de o trabalhador atingir a idade de reforma – um dia antes bastaria – porque até esse momento “o direito não existia, não se constituiu ! ?)” (Ibidem);
14 - “Aquando da celebração dos contratos de trabalho, por força da vigência do regulamento mencionado em N., os Autores tinham a expectativa de vir a receber o subsídio de função técnica quando integrassem esse grupo de pessoal superior. Essa expectativa jurídica, por sustentada em elemento que integrou o contrato de trabalho celebrado entre si e a Ré, goza de protecção legal, não podendo ser unilateralmente eliminado pela Ré, entidade empregadora, nem podendo pôr em causa os direitos anteriormente adquiridos. Tendo-se concluído que o direito ao subsídio de Função Técnica passou a integrar o conteúdo dos contratos individuais de trabalho dos trabalhadores ao serviço da ré, vinculando-a, consubstancia o mesmo um direito legitimamente adquirido, mostrando-se excluído dos efeitos da revogação da ordem de serviço. Tudo ponderado, conclui-se que a comunicação da Ré de considerar cessados os Regulamentos internos não afecta a parte do regulamento que integrou o contrato de trabalho dos Autores, designadamente no que se refere a direitos adquiridos e a expectativas de aquisição” (cfr. sentença sob recurso, quarto a sétimo parágrafos da pág. 17/23);
15 - Pelo que, contrariamente às posições esgrimidas pela recorrente, entendem os AA. e ora recorridos que não se vislumbram na sentença sob recurso quaisquer concretos erros na aplicação da matéria de direito, concluindo-se, como na douta sentença sob recurso, que “os Autores têm direito a receber o subsídio de função técnica a partir do momento em que foram integrados no grupo de pessoal técnico superior” (cfr. Sentença sob recurso, quinto parágrafo da pág. 18/23), devendo, por isso, a sentença manter-se na ordem jurídica».
Concluem os recorridos no sentido de dever ser «negado provimento ao recurso deduzido pela R. e ora recorrente» e de dever ser «confirmada a decisão recorrida».
13. O recurso foi admitido por despacho datado de 9 de Dezembro de 2024.
14. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
11. Ouvidas as partes, pronunciaram-se os autores quanto ao Parecer do Ministério Público, concluindo, a final, nos termos já constantes das contra-alegações.
12. Cumprido o disposto na primeira parte do n.º 2 do art.º 657.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art.º 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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II. Objecto do Recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da apelante – art.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art.º 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão essencial que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se aos autores, ora apelados, é ou não de reconhecer o direito à percepção do subsídio de função técnica.
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III. Fundamentação de Facto
Os factos materiais relevantes para a decisão da causa – que não foram objecto de impugnação pelas partes – são os seguintes:
A. AA celebrou com o Instituto do Comércio Externo de Portugal (ICEP) contrato de trabalho, no dia 1 de Setembro de 1987;
B. BB, celebrou com o Instituto do Comércio Externo de Portugal (ICEP) contrato de trabalho, no dia 5 de Janeiro de 1998, com a categoria profissional de Administrativa, Classe B1, Nível 4;
C. CC, celebrou com o Instituto do Comércio Externo de Portugal (ICEP) contrato de trabalho, no dia 01 de Julho de 1987;
D. DD celebrou com o Instituto do Comércio Externo de Portugal (ICEP) contrato de trabalho, no dia 1 de Agosto de 1987;
E. EE celebrou com o Instituto do Comércio Externo de Portugal (ICEP) contrato de trabalho, no dia 18 de Outubro de 1989;
F. FF celebrou com o Instituto do Comércio Externo de Portugal (ICEP) contrato de trabalho, no dia 17 de Fevereiro de 1988;
G. GG, celebrou com o Instituto do Comércio Externo de Portugal (ICEP) contrato de trabalho, no dia 01 de Setembro de 1987;
H. HH celebrou com o Instituto do Comércio Externo de Portugal (ICEP) contrato de trabalho, no dia 17 de Junho de 1991;
I. II celebrou com o Instituto do Comércio Externo de Portugal (ICEP) contrato de trabalho, no dia 06 de Julho de 1987;
J. JJ celebrou com o Instituto do Comércio Externo de Portugal (ICEP) contrato de trabalho, no dia 01 de Março de 1996;
K. KK celebrou com o Instituto do Comércio Externo de Portugal (ICEP) contrato de trabalho, no dia 01 de Janeiro de 1993;
L. LL celebrou com o Instituto do Comércio Externo de Portugal (ICEP) contrato de trabalho, no dia 15 de Outubro de 1997;
M. MM celebrou com o Instituto do Comércio Externo de Portugal (ICEP) contrato de trabalho, no dia 04 de Agosto de 1989;
N. Pelo despacho DE-576/88, de 8 de Abril, pelo Secretário de Estado do Comércio foi aprovado o Regulamento do Pessoal do ICEP e divulgado pelos seus trabalhadores através da ordem de serviço número 24/88, de 26 de Abril;
O. Sob o artigo 26º-A, o Regulamento referido em N. estabelecia que “Aos trabalhadores com a categoria de Técnico Superior, bem como aos que se encontrem no exercício de funções de chefia é ainda devido, a título de retribuição, um subsídio de função técnica, o qual se destina a remunerar o exercício de funções técnicas e que é liquidado em complemento da remuneração mensal”;
P. Através da Nota Circular 3/2001, foi comunicado que o complemento de vencimento atribuído aos Técnicos e Chefias referido em O. e liquidado através de “Cheque Auto” seria substituído por um subsídio denominado “Subsídio de Função Técnica” a ser integrado numa rubrica própria do Recibo de Pagamento e tributado nos Termos Gerais, de forma a assegurar a continuidade do valor liquidado a cada um dos respectivos destinatários;
Q. Pela ordem de Serviço 1/2002, de 22 de Janeiro de 2002, foi determinado o valor do Subsídio de Função Técnica nos seguintes termos:

R. No Regulamento referido em N. as carreiras profissionais da Ré estavam integradas nos seguintes grupos de qualificação profissional: 1-pessoal de apoio geral; 2-pessoal paratécnico e administrativo; e 3-pessoal técnico superior;
S. De acordo com o estabelecido no regulamento mencionado em N., com ressalva da possibilidade de a Comissão Executiva da Ré admitir os trabalhadores para um nível diferente do de início da carreira, ao grupo de pessoal técnico acedia-se mediante quatro critérios regulamentarmente definidos: a)- necessidade funcional declarada pela Comissão Executiva; b)- posse das habilitações exigidas, ou de experiência equivalente; c)- classificação positiva na avaliação de desempenho; d)- formação profissional exigível para a nova categoria a preencher;
T. De acordo com o estabelecido no Regulamento referido em N., o nível de habilitações/qualificações técnico-profissionais exigível para a integração no grupo profissional do pessoal técnico superior poderia ser constituído por “conhecimentos de nível universitário ou uma experiência profissional equivalente”;
U. De acordo com o estabelecido no Regulamento referido em N., as decisões para ingresso no grupo de pessoal técnico superior eram tomadas pela Comissão de Promoções, composta pelo Presidente do Conselho de Administração da Ré, pelo Director do Departamento de Pessoal e Organização e pelo Director do serviço a que pertença o trabalhador a propor para promoção;
V. De acordo com o estabelecido no Regulamento referido em N., ressalvada a possibilidade de a Comissão Executiva da Ré admitir os trabalhadores para um nível diferente do de início da carreira, o ingresso no grupo de pessoal técnico superior efectua-se pela classe AT, equivalente ao nível salarial 10;
W. De acordo com a Ordem de Serviço número 1/2002, referida em Q., o ingresso no grupo de pessoal técnico superior pela classe AT, correspondente à categoria de Técnico nível 10, conferia direito aos interessados ao Subsídio de Função Técnica, no valor de € 104,75;
X. Pelo Decreto-Lei 245/2007, de 25 de Junho o ICEP foi extinto e foi criada a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal;
Y. Por força do referido em X., as atribuições e competências, bem como a titularidade dos direitos patrimoniais e não patrimoniais, e obrigações que integravam o património do “ICEP Portugal, I.P.” foram transmitidas para a ora Ré Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal;
Z. A 29 de Junho de 2007, o Conselho Directivo do ICEP emitiu comunicado de onde constam, além de outros, os seguintes dizeres: “A publicação do Decreto-Lei 244/2007, de 25 de Junho, extinguiu o ICEP Portugal, I.P., com efeitos a 1 de Julho de 2007 e, na mesma data, a publicação do Decreto-Lei 245/2007, de 25 de Junho, veio integrar a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, EPE (AICEP), as atribuições e competências do organismo extinto. De acordo com estes diplomas legais, a AICEP EPE assumirá a titularidade da universidade dos direitos e obrigações que constituem o património ICEP, bem como as respectivas posições contratuais, designadamente a de empregador do pessoal ao serviço deste. Decorrendo de tal extinção, cessa a vigência dos Regulamentos Internos e das Ordens de Serviço emitidos por este Instituto, que tinham por objecto a definição das condições de trabalho dos respectivos trabalhadores, sem prejuízo dos direitos legalmente adquiridos. A referida cessação enquadra-se na futura harmonização das condições de trabalho de todos os trabalhadores ao serviço da AICEP, constituindo por isso uma oportunidade para a criação e implementação de novas políticas de gestão de recursos humanos”;
A.1. A 28 de Março de 2008, a Ré emitiu a Ordem de Serviço número 1/2008, assinada pelo Presidente, de onde constam, para além do mais, os seguintes dizeres: No âmbito dos trabalhos tendentes à estruturação da nova Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, EPE, a regulamentação interna, assumindo um cariz estruturante, obrigou a múltiplas ponderações, pretendendo-se que os textos agora aprovados, sejam um factor de agilização e modernidade interna da Agência. Assim, a Comissão Executiva, cumpridas as necessárias formalidades e ouvida a Comissão de Trabalhadores, deliberou o seguinte: 1. Aprovar, para aplicação ao pessoal do quadro em Portugal Regulamento do Pessoal da AICEP Portugal Global: • Regulamento Interno das Carreiras Profissionais; • Regulamento Interno da Compensação; • Modelo de Compensação dos Destacados; • Regulamento Interno de Gestão de Desempenho. Aprovar, para aplicação do novo regulamento Interno de carreiras Profissionais, as seguintes correspondências:


B.1. Sob o ponto 3., a Ordem referida em A.1. estabelece que os regulamentos referidos no n.º 1 entram em vigor no próprio dia;
C.1. Com a aprovação do Regulamento Interno das Carreiras Profissionais, através da Ordem de Serviço 1/2008, de 28 de Março de 2008, as decisões de ingresso no grupo de pessoal técnico superior passaram a ser tomadas por deliberação da Comissão Executiva da Ré, após um ano de exercício de funções de carácter técnico pelo trabalhador, ingressando o interessado no designado “nível “Técnico (T1f), com ressalva da possibilidade de a Comissão Executiva admitir os trabalhadores para um nível diferente do de início da carreira;
D.1. O regime regulamentarmente definido para atribuição do Subsídio de Função Técnica funcionou e foi aplicado a todos os trabalhadores integrantes do grupo de pessoal técnico superior, independentemente das habilitações literárias, 14 vezes por ano, incluindo os subsídios de férias e de Natal, até à extinção do ICEP Portugal, IP, por força do referido em Y.;
E.1. Os trabalhadores referidos em D.1. continuaram a receber o referido Subsídio de Função Técnica após a Ordem de Serviço mencionada em B.1., datada de 28 de Março de 2008;
F.1. AA foi integrada no grupo de pessoal técnico superior em Maio de 2012;
G.1. BB foi integrada no grupo de pessoal técnico superior em Outubro de 2019;
H.1. CC, foi integrada no grupo de pessoal técnico superior em Fevereiro de 2009;
I.1. DD foi integrada no grupo de pessoal técnico superior em Junho de 2012;
J.1. EE foi integrada no grupo de pessoal técnico superior em Fevereiro de 2009;
K.1. FF foi integrada no grupo de pessoal técnico superior em Maio de 2012;
L.1. GG foi integrada no grupo de pessoal técnico superior em Fevereiro de 2009;
M.1. HH foi integrada no grupo de pessoal técnico superior em Maio de 2012;
N.1. II foi integrada no grupo de pessoal técnico superior em Maio de 2012;
O.1. JJ foi integrada no grupo pessoal técnico superior em Fevereiro de 2009;
P.1. KK foi integrada no grupo de pessoal técnico superior em Outubro de 2019;
Q.1. LL foi integrado no grupo de pessoal técnico superior em Fevereiro de 2009;
R.1. MM foi integrada no grupo de pessoal técnico superior em Fevereiro de 2009;
S.1. O exercício de funções como técnico e a consequente atribuição da categoria de Técnico aos Autores concretizaram-se após as deliberações da Comissão Executiva da Ré;
T.1. De acordo com o regulamento referido em A.1., o nível “Técnico (T1)” corresponde à classe A1 constante do artigo 14º, n.º 2, do Anexo III do Regulamento do Pessoal do ICEP, integrada no nível 10 da tabela a que se refere o artigo 20º do aludido Anexo III;
U.1. O nível 10 da tabela a que se refere o artigo 20º do Anexo III, do Regulamento do Pessoal do ICEP corresponde ao nível de ingresso dos Técnicos no grupo de pessoal técnico superior, cujo valor-base do subsídio de função técnica é de € 104,75;
V.1. A Autora EE, ingressou no grupo de pessoal técnico superior através do designado nível “Técnico Sénior (S1)“ , com pelo menos três anos de integração no grupo pessoal técnico, correspondente à classe A5, constante do artigo 14º, n.º 6 do Anexo III do Regulamento do Pessoal do ICEP, integrada no nível 14 da tabela a que se refere o artigo 20º do aludido Anexo III;
W.1. O Regulamento Interno de Compensação aprovado pela Ordem de Serviço da Ré referida em A.1., pretendeu substituir o Regulamento Pessoal do ICEP, instituído em 1988;
X.1. Sob o seu artigo 5º, o Regulamento Interno de Compensação previa a atribuição de um “subsídio de função”, estabelecendo que o mesmo constitui “uma rúbrica da compensação fixa que não poderá exceder os 70% do Salário Base”.
Y.1. Por comunicação datada de 17 de Abril de 2008, a Comissão de trabalhadores expressou a sua posição quanto, para além de outros, à formulação contida nos artigos 4º, 5º declarando opor-se à mesma, por os considerar imprecisos ou não respeitarem ou omitirem os direitos em vigor, solicitando, no que respeita ao referido artigo 5º que seja determinado o universo dos beneficiários do referido subsídio, bem como as condições de atribuição e ainda a definição dos critérios impulsionadores da variação da percentagem a atribuir.
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IV. Fundamentação de Direito
A questão de direito essencial a analisar, como se infere do objecto do recurso acima traçado, consiste em saber se aos apelados deve ser reconhecido o direito a auferir o subsídio de função técnica desde a data da sua integração na carreira técnica.
1. O lapso temporal a que se reporta a presente acção demanda a consideração, por um lado, da LCT e do Código do Trabalho – relevantes considerando a data da admissão dos apelados e a data a que se reporta o pretendido vencimento do subsídio de função técnica – e, por outro, do DL n.º 388/86, de 18 de Novembro, entretanto revogado pelo DL n.º 264/2000, de 18 de Outubro, do DL n.º 244/2007, de 25 de Junho, do DL n.º 245/2007, de 25 de Junho, e do DL n.º 229/2012, de 26 de Outubro.
2. O DL n.º 244/2007, de 25 de Junho, no seu artigo 1.º, declarou extinto o ICEP Portugal, IP, sendo a totalidade das suas atribuições e competências transferidas para a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, EPE, abreviadamente designada por AICEP, E.P.E., a ora apelante.
De acordo com o mesmo diploma, e nos termos expressos no seu artigo 4.º, n.º 2, «são transferidas para a AICEP, E.P.E., as posições contratuais do ICEP Portugal IP».
Na mesma data de 25 de Junho de 2007 foi publicado o DL n.º 245/2007, cujo art.º 1.º, n.º 1, rege como segue:
«1 - É criada, com a natureza de entidade pública empresarial, a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E. P. E., abreviadamente designada por AICEP, E. P. E., sendo aprovados os respectivos Estatutos, publicados em anexo ao presente decreto-lei, que dele faz parte integrante».
No art.º 2.º, com a epígrafe “transferência de atribuições e competências”, veio a estabelecer-se:
«1 - Ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 244/2007, de 25 de Junho, a AICEP, E. P. E., integra as atribuições e competências cometidas na lei e nos respectivos Estatutos ao ICEP Portugal, I. P., abreviadamente designado por ICEP.
2 - Ao abrigo do diploma referido no número anterior, a AICEP, E. P. E., integra, na totalidade, as representações e delegações do ICEP em território nacional e no estrangeiro».
E, no art.º 3.º, veio a prever-se que:
«1 - Ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 244/2007, de 25 de Junho, a AICEP, E. P. E., assume a titularidade da universalidade dos direitos e obrigações que constituem o património do ICEP.
2 - São assumidas pela AICEP, E. P. E., as posições contratuais do ICEP».
3. Aquando da admissão dos apelados ao serviço do extinto ICEP vigorava o DL n.º 388/86, de 18 de Novembro, Lei Orgânica do ICEP, então com a natureza de instituto público, cujo art.º 30.º estatui que «[o] pessoal do ICEP rege-se, na generalidade, pelas normas aplicáveis ao contrato individual de trabalho e, na especialidade, pelo disposto em regulamento interno, aprovado pelo ministro da tutela».
O citado diploma viria a ser revogado pelo DL n.º 264/2000, de 18 de Outubro, mas sem que essa operada revogação tivesse tido a virtualidade de alterar a natureza jurídica dos vínculos laborais, isto é, a sua subordinação ao regime do contrato individual de trabalho (art.º 28.º, do DL n.º 264/2000).
A assunção, pela AICEP, ora apelante, das atribuições, competências, direitos e obrigações do extinto ICEP também não teve por efeito qualquer alteração à natureza dos contratos de trabalho, subsistindo estes subordinados ao regime do contrato individual de trabalho (art.º 2.º, n.º 1, do DL n.º 245/2007, de 25 de Junho, art.º 2.º, do DL n.º 229/2012, de 26 de Outubro, e art.º 16.º, do DL n.º 558/99, de 17 de Fevereiro).
4. Do regime jurídico exposto nos pontos 2. e 3. decorre, assim, que com a extinção do ICEP, as suas atribuições e competências, bem como a titularidade dos direitos patrimoniais e não patrimoniais e obrigações que integravam o seu património foram transmitidas para a ora apelada, aqui se incluindo, naturalmente, os contratos de trabalho dos apelados, com todo o acervo de direitos e deveres que, então, os integravam.
O vínculo por cada um estabelecido com o extinto ICEP e transmitido para a ora apelante esteve e está subordinado ao regime do contrato individual de trabalho, sem prejuízo, conforme notado nos diplomas acima citados, do que, em especial, se estabelecesse na respectiva regulamentação interna.
5. O Regulamento do Pessoal do extinto ICEP foi aprovado pelo Despacho DE-576/88, de 8 de Abril, aí se prevendo, no art.º 2.º, a sujeição do seu pessoal às respectivas normas e demais regulamentação interna, ao regime jurídico das empresas públicas e ao regime do contrato individual de trabalho. O regime instituído pelo Regulamento poderia, ainda, ser completado, nas matérias que o integravam, por Ordens de Serviço publicadas pela Comissão Executiva.
Em 29 de Junho de 2007, o Conselho Directivo do ICEP emitiu comunicado de onde constam, além de outros, os seguintes dizeres: «[a] publicação do Decreto-Lei 244/2007, de 25 de Junho, extinguiu o ICEP Portugal, I.P., com efeitos a 1 de Julho de 2007 e, na mesma data, a publicação do Decreto-Lei 245/2007, de 25 de Junho, veio integrar a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, EPE (AICEP), as atribuições e competências do organismo extinto. De acordo com estes diplomas legais, a AICEP EPE assumirá a titularidade da universidade dos direitos e obrigações que constituem o património ICEP, bem como as respectivas posições contratuais, designadamente a de empregador do pessoal ao serviço deste. Decorrendo de tal extinção, cessa a vigência dos Regulamentos Internos e das Ordens de Serviço emitidos por este Instituto, que tinham por objecto a definição das condições de trabalho dos respectivos trabalhadores, sem prejuízo dos direitos legalmente adquiridos. A referida cessação enquadra-se na futura harmonização das condições de trabalho de todos os trabalhadores ao serviço da AICEP, constituindo por isso uma oportunidade para a criação e implementação de novas políticas de gestão de recursos humanos».
Já em 28 de Março de 2008 foi instituído, pela apelada e por via da Ordem de Serviço n.º 1/2008, o Regulamento Interno das Carreiras Profissionais.
De salientar que, ao longo do tempo, em particular no lapso temporal que ora releva, sempre as sucessivas leis orgânicas do extinto ICEP e da actual apelante aludiram expressamente ao poder regulamentar enquanto meio de regulação das relações jurídico-laborais instituídas com os seus trabalhadores.
5.1. À data da admissão de cada um dos apelados ao serviço do extinto ICEP regia a LCT, aprovada pelo DL n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, cujo art.º 7.º dispunha como segue:
«1 – A vontade contratual pode manifestar-se, por parte da entidade patronal, através de regulamentos internos a que se refere o artigo 39.º e, pela parte do trabalhador, pela adesão expressa ou tácita aos ditos regulamentos.
2 – Presume-se a adesão do trabalhador quando este ou o seu representante não se pronunciar contra ele por escrito dentro de trinta dias, a contar do início da execução do contrato ou da publicação do regulamento, se esta for posterior».
Idêntico regime resulta do disposto no art.º 95.º, do Código do Trabalho de 2003, e do actual art.º 104.º, do Código do Trabalho de 2009.
6. A propósito do poder regulamentar do empregador, consignou-se, na sentença recorrida, em moldes que se nos afiguram correctos, que «(…) o regulamento interno pode desempenhar duas funções diferentes: a de meio de manifestação da vontade contratual da entidade empregadora e a de forma de expressão do poder organizativo (regulamentar) da empresa. Em relação ao primeiro caso, a vontade contratual do empregador pode manifestar-se através de regulamento interno da empresa, ao qual o trabalhador pode aderir expressa ou tacitamente; nestes casos, o regulamento tem a função de integrar o conteúdo do contrato de trabalho, fazendo-o com recurso a regras pré-determinadas, genéricas e abstractas, ou seja, típicas cláusulas contratuais gerais. Neste caso o regulamento inclui, ou pode incluir, cláusulas alusivas às carreiras na empresa, ao horário de trabalho, à retribuição, às férias, aos deveres do trabalhador atinentes à prestação laboral, entre outras, isto é, cláusulas dos contratos de trabalho que o titular da empresa está na disposição de celebrar. No segundo caso, tendo em conta que compete ao empregador estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, o empregador pode elaborar regulamentos internos de empresa sobre a organização e disciplina do trabalho (…).
Encontramo-nos, no caso de regulamentos internos, perante a manifestação – por forma normativa, geral e abstracta, e com especial publicidade – do poder directivo e disciplinar da entidade empregadora, que elabora regulamentos internos donde constam as normas gerais de organização e disciplina do trabalho na empresa. À entidade empregadora cabe também a faculdade de emitir normas, como ordens de serviço, instruções, com forma menos solene. Mas do regulamento interno podem também constar outras disposições que funcionam como cláusulas contratuais gerais (artigo 7º da LCT), em que se definem as condições de trabalho, ou se pormenorizam os vários direitos conferidos pela lei às partes [p. ex., disposições sobre as actividades a desempenhar, período de trabalho (horas a prestar), remunerações, férias, faltas]. Note-se que nesta parte o regulamento interno já não trata de matérias que possam ser decididas unilateralmente pela entidade empregadora, mas sim de questões que, por respeitarem ao conteúdo do contrato de trabalho, têm de ter o acordo dos trabalhadores. A Lei presume a existência desse acordo quando os trabalhadores não [se] pronunciem contra o regulamento, por escrito, dentro de 30 dias. O regulamento interno ou regulamento de empresa desempenha assim duas funções principais distintas: a manifestação de vontade contratual; e [a] manifestação dos poderes organizacionais, directivos e disciplinares do empregador, distinção essa plenamente consagrada nos artigos 7º e 39º da LCT. No que toca à parte contratual dos regulamentos, estes constituem contratos de adesão. As empresas aproveitam aqui as vantagens derivadas de uma tipificação do conteúdo dos contratos de trabalho: em vez de discutirem individualmente e ponto por ponto as condições de trabalho (p. ex. as remunerações do seu pessoal, as actividades a prestar ou as condições em que os empregados adquirem direito a regalias suplementares) definem no regulamento um certo esquema contratual que propicie a regulamentação a racionalização, a igualdade e o equilíbrio de situações dos seus empregados, que lhes possibilite o exacto conhecimento do que podem contar e ainda que permita uma certa antevisão e programação no que toca aos encargos com o trabalho.
(…)».
No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 157/88, de 7 de Julho de 1988, escreveu-se, ainda a propósito dos arts. 7.º e 39.º, da LCT, que a lei «reconhece à entidade patronal um poder “regulamentar” interno, por força do qual não só lhe é permitido “fixar os termos em que deve ser prestado o trabalho”, como viabiliza[r] a criação de uma vertente “contratual”, influenciadora do próprio conteúdo da relação juslaboral, através da “adesão” (expressa ou tácita) do trabalhador aos regulamentos», de sorte que os direitos que, por via dos regulamentos cuja natureza se assuma contratual, venham a incorporar o contrato de trabalho apenas possam ser alterados e/ou suprimidos consensualmente, ainda que este consenso derive de instrumento de natureza semelhante que não venha a merecer a oposição do trabalhador (arts. 397.º e 406.º, n.º 1, ambos do Código Civil, e arts. 7.º, n.º 2, da LCT, 95.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2003, e 104.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2009).
7. Estas as considerações que importam para a apreciação da questão que nos foi trazida por via do recurso e que nos nortearão no juízo a, em concreto, empreender.
7.1. No art.º 26.º-A, do Regulamento do Pessoal do extinto ICEP, aditado pela Ordem de Serviço n.º 01/2002, veio a prever-se a atribuição, aos trabalhadores com a categoria de Técnico Superior e aos que desempenhassem funções de chefia, de um subsídio de função técnica, com natureza retributiva, cujo valor, fixo, seria concedido em função de cada nível da tabela salarial (cfr., factos provados constante das alíneas O. e Q.).
Esse subsídio, contudo, fora já instituído no pretérito, por força da Ordem de Serviço 3/2001, destinando-se à substituição de um complemento que era liquidado através de “cheque-auto” (cfr., facto provado constante da alínea P.).
Em 29 de Junho de 2007, o Conselho Directivo do ICEP viria a produzir um comunicado no qual declarava a cessação da vigência dos Regulamentos Internos e das Ordens de Serviço emitidos por aquele Instituto, que tivessem por objecto a definição das condições de trabalho dos respectivos trabalhadores, sem prejuízo dos direitos legalmente adquiridos. Assim procedeu pretextando a futura harmonização das condições de trabalho de todos os trabalhadores ao serviço da AICEP, constituindo uma oportunidade para a criação e implementação de novas políticas de gestão de recursos humanos (cfr., o facto provado constante da alínea Z.)
Em 2008 viria a ser instituído, pela apelada, o Regulamento Interno das Carreiras Profissionais, cujo objectivo seria o de substituir o Regulamento do Pessoal do ICEP de 1988, naquele não se fazendo alusão ao subsídio de função técnica que estava previsto neste último, mas apenas a um subsídio de função, cujo valor não poderia exceder os 70% do salário base, depreendendo-se não estar o mesmo antecipadamente garantido nem associado a uma qualquer categoria profissional em específico (arts. 2.º e 5.º, do Regulamento Interno a que aludem as alíneas A.1., W.1. e X.1., dos factos provados).
Sendo inequívoco que o Regulamento de 1988, oriundo do extinto ICEP e anterior empregador dos apelados, se destinava a regular matéria atinente a prestação retributiva condicionada à integração em determinada categoria – a de técnico superior – ou ao exercício de determinadas funções é para nós inequívoco que o direito dele dimanado passou a integrar o conteúdo dos contratos de trabalho que, então, se encontravam em vigor, como era o caso dos dos ora apelados. Direito cuja aplicação ocorreria de imediato, com relação aos trabalhadores que, então, reunissem as condições conducentes à sua atribuição, e direito em formação com relação aos trabalhadores que, de futuro, as viessem a reunir.
Como assim, a alteração ou a supressão da dita prestação estava condicionada à aceitação dos trabalhadores por ela porventura afectados. E se apelante teve o cuidado de manter o pagamento do subsídio de função técnica aos trabalhadores que dele já beneficiavam (cfr., o facto provado constante do ponto E.1.), devê-lo ia também ter atribuído aos trabalhadores que, no futuro, viessem a reunir as condições necessárias à sua concessão, posto que o direito à sua percepção – ainda que em formação – se havia integrado nos seus contratos de trabalho, não dando nota os factos provados que ao contrário tivessem aqueles anuído, antes pelo contrário, deles resulta a sua oposição (facto provado constante do ponto Y.1), cumprindo salientar que pese embora a instituição da dita prestação haja ocorrido, por via regulamentar, no domínio da então vigente LCT, certo é que, neste conspecto, o Código do Trabalho de 2003 e o de 2009 não tiveram por efeito introduzir, no regime jurídico associado ao poder regulamentar do empregador, qualquer alteração cujo escopo fosse o de alterar os efeitos jurídicos decorrentes do exercício daquele poder.
Sustenta a apelante que os apelados, até à entrada em vigor do Regulamento de 2008, já de si dimanado, não reuniam as condições para a atribuição do subsídio de função técnica, o que é verdade se cotejados os factos provados constantes dos pontos F.1. a R.1.: nenhum dos apelados foi integrado na carreira técnica, com a categoria de Técnico Superior, em momento anterior ao ano de 2008. Conclui, daí, que, até então, mais não tinham senão mera expectativa não tutelada juridicamente.
Com todo o respeito, não acompanhamos o entendimento da apelante no que se reporta à figura jurídica a que recorre para categorizar a pretensão dos apelados. Como dito, o direito ao recebimento do dito subsídio, ainda que em formação, integrara-se já no conteúdo dos contratos de trabalho de cada um dos apelados, não podendo ser suprimido ou alterado sem o seu consentimento. O direito ao recebimento do subsídio de função técnica, a partir da sua instituição e publicitação pelo então ICEP bem como da sua aceitação (expressa ou tácita) pelos trabalhadores passa a ser um efectivo direito, ainda que em evolução contínua e sujeito à condição suspensiva de verificação de um facto futuro, qual fosse, no caso, a ascensão à carreira técnica, que todos os apelados vieram, então, a ascender.
A execução do contrato de trabalho coloca o trabalhador numa situação jurídica que goza de protecção legal, como seguramente se reconhece, daí que um direito, ainda que em formação na medida em que dependente da verificação de um facto futuro, não possa ficar destituído de tutela apenas porque uma das partes, ao arrepio da vontade contratual por si manifestada, decide unilateralmente alterá-la. A vontade então manifestada pelo ICEP, cujos efeitos se transmitiram para a ora apelante, integrou-se na categoria das obrigações a que se vinculou perante os seus trabalhadores, gerando na contraparte a legítima expectativa do cumprimento da obrigação no momento definido para o efeito. Verificado este, a obrigação terá que ser cumprida, não se lhe podendo opor uma sua ilícita ablação ou modificação, porque não consensualizada e mesmo merecedora de oposição por parte dos trabalhadores.
Conforme, com acerto, se ponderou na sentença recorrida, «[t]endo-se concluído que o direito ao subsídio de Função Técnica passou a integrar o conteúdo dos contratos individuais de trabalho dos trabalhadores ao serviço da ré, vinculando-a, consubstancia o mesmo um direito legitimamente adquirido, mostrando-se excluído dos efeitos da revogação da ordem de serviço.
Tudo ponderado, conclui-se que a comunicação da Ré de considerar cessados os Regulamentos internos não afecta a parte do regulamento que integrou o contrato de trabalho dos Autores, designadamente no que se refere a direitos adquiridos e a expectativas de aquisição».
Aduz a apelante, nas conclusões da sua alegação, que a sentença recorrida não fez adequada interpretação da correspondência entre as categorias que vinham do pretérito – técnico superior, técnico principal e técnico – com as que actualmente se consagram Regulamento Interno das Carreiras Profissionais: técnico especialista, técnico sénior e técnico (cfr., os pontos Q. e A.1.).
O assim alegado é, ponderando o que antes se deixou exposto, carecido de fundamento jurídico que legitime a pretensão da apelante. Na verdade, se cotejada a matéria de facto provada nos pontos Q. a W., a integração na categoria de técnico superior iniciava-se, desde logo, pelo início da carreira técnica nível 10, inexistindo, em rectas contas, distinção, do ponto de vista da atribuição do subsídio de função técnica, entre as categorias de técnico superior, técnico principal e técnico, cuja enunciação, aliás, sequer se surpreende no Regulamento de 1988. Uma tal distinção apenas surge no Regulamento Interno das Carreiras Profissionais, sequer se alcançando, aliás, com todo o respeito, qual o efeito que, por via das invocadas correspondências, a apelante pretende retirar, já que aparentemente defenderá a pura e simples inaplicabilidade do pretérito regulamento independentemente de qualquer co-relação entre a antiga situação e a nova.
Sustenta, por fim, a apelante que não fez cessar o anterior subsídio de função, antes tendo alargado a sua aplicação a todo o universo de trabalhadores mediante deliberação.
A realidade a que se refere a apelante está consagrada no ponto X.1., dos factos provados, aí se aludindo ao art.º 5.º, do Regulamento Interno das Carreiras Profissionais.
O dito subsídio não poderia exceder os 70% do salário base, sendo que, conforme se teve já oportunidade de dizer, depreende-se não estar o mesmo antecipadamente garantido nem associado a uma qualquer categoria profissional em específico (arts. 2.º e 5.º, do Regulamento Interno a que aludem as alíneas A.1., W.1. e X.1., dos factos provados). De resto, a apelante limitou a sua alegação à criação deste subsídio, mas sem que tivesse densificado as condições da sua aplicação/atribuição (o que foi, desde logo, notado pela Comissão de Trabalhadores, conforme decorre do facto provado constante do ponto Y.1.), também não dando nota os factos provados que os apelados o aufiram.
Seja como for e também aqui, na medida em que particularmente elucidativa, não podemos deixar de acompanhar a sentença recorrida quando diz que «[c]abia à Ré demonstrar que os Autores haviam concedido o seu acordo à alteração da remuneração e/ou que com o Regulamento aprovado a situação dos Autores se mantinha ou até era mais favorável.
A Ré sustenta uma melhoria mas não alega factos concretos de onde se extraia que o subsídio de função é idêntico e que não se mostram prejudicados os Autores, já que não demonstra que (…) estes têm vindo a receber o subsídio de função num valor superior ao valor que teriam recebido se tivessem auferido o requerido subsídio de função técnica ou mesmo que em abstracto o novo “Subsídio de Função” fosse mais favorável aos Autores do que o subsídio de função técnica que incorporou o seu contrato de trabalho».
E assim é, sem necessidade de considerandos adicionais.
Por todo o exposto, pois, mais não resta senão negar provimento ao recurso e manter a douta sentença provinda da 1.ª instância.
8. Porque ficou vencida, incumbe à apelante o pagamento das custas respectivas (art.º 527.º, ns. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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V. Dispositivo
Por tudo quanto se deixou exposto, nega-se provimento ao recurso e, em conformidade, mantém-se a sentença da 1.ª instância.
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As custas são a cargo da apelante.
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Lisboa, 9 de Abril de 2025
Susana Martins da Silveira
Alda Martins
Manuela Fialho