Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA RODRIGUES DA SILVA | ||
Descritores: | EMBARGO DE OBRA NOVA PRESSUPOSTOS CADUCIDADE ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/13/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Sumário: (elaborado ao abrigo do disposto no art. 663º, nº 7, do CPC) 1. São requisitos do embargo de obra nova previsto no art. 297º, nº 1 do CPC a titularidade de um direito de propriedade, ou outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, por parte do requerente; que este tenha sido ofendido no seu direito em consequência de obra realizada pela contraparte que lhe cause ou ameace causar prejuízo e que o embargo seja requerido em trinta dias a contar do seu conhecimento; 2. Tal como resulta do art. 342º, nº 2 do CC, e estando em causa um facto extintivo do direito do requerente, é ao requerido que incumbe a sua alegação e prova. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO 1. A … intentou o presente procedimento cautelar de embargo de obra nova contra VGPT I-Investimentos Imobiliários, Lda alegando que a Requerida está a iniciar a construção de um prédio, ocupando prédio que lhe pertence. Termina pedindo que se “ordene a suspensão imediata da obra na parte em que conflitue com o prédio do requerente”. 2. Citada a Requerida, esta apresentou contestação, alegando a caducidade do direito do Requerente e ainda que a obra que está a realizar se situa no seu terreno. 3. Convidado a pronunciar-se sobre a matéria de excepção, o Requerente defendeu a sua improcedência. 4. Procedeu-se à produção de prova requerida, após o que foi proferida sentença, julgando improcedente o presente procedimento. 4. Inconformado, o Requerente recorre desta sentença, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: “1ª O prédio do requerente, para além de estar devidamente identificado na planta que instruiu a escritura de compra e venda entre a CML e os avós do requerente, está também identificado na certidão que a CML emitiu e juntamos aos autos como documento nº 3 com a pi. 2ª O prédio que a requerida adquiriu tem 1 530 ,50 m2 e resultou da anexação dos prédios …, … e … e do …, todos adquiridos pelo Município de Lisboa. 3ª Em consonância, mostra-se errada a factualidade que o Tribunal dá como demonstrada no ponto 34 dos FP, que deve ser eliminada, pois que, além de contrariada com o citado documento, também se mostra em oposição com a factualidade apurada nos FP 6, 10, 11, 13 e 14. 4 4ª Caso assim não venha a ser entendido, sempre deverá, em qualquer caso, ver alterada a sua redação pelo modo seguinte: À data da aquisição da alienação do lote em hasta pública, bem como à data da aquisição do lote pela requerida em 05/04/2016 o prédio do requerente sobrante dos 2 destaques efetuados, um em 1950 e outro em 1960, permaneceu na descrição original, só tendo sido extratado em ficha em 09/12/2020. 5ª A fundamentação que referimos nesta alegação (inscrição no registo, as regras do código do registo predial relativa às desanexações, das escrituras de compra aos avós do requerido e do requerimento de registo) impõe esta conclusão, como consta dos artigos 8º a 22º desta alegação. 6ª De resto, com base nos mesmos elementos, entendemos que se justifica uma alteração da redacção conferida aos pontos 26 e 27, que devem passar a ter a seguinte redação, respectivamente: A requerida deu início à construção da obra na parcela com 1 802,89 m2 A requerida vedou o espaço com 1 802,89 m 2 para dar início à construção da obra. 7ª O ponto 35 dos FP deve passar ter a seguinte redação “A requerida adquiriu o lote com 1530,50 m2 completamente convicto de que não lesava os direitos de outrem tendo pago o preço pedido e pretendendo desenvolver a sua atividade de promoção imobiliária”. 8ª A requerida tinha todos os meios para averiguar a diferença entre a área que lhe foi vendida e a identificação dela em planta publicada no Boletim Municipal da CML que desencadeou a venda. 9ª A fundamentação é a que consta do texto destas alegações, e documentos referidos, a saber, o doc. 22 junto em 15/10/2024, os documentos do registo predial, tudo conjugado, note-se com os FP 21, 22 e 24 e doc. 16 a 19 do requerimento inicial. 10ª Também o ponto 36 dos FP deve ter uma redação distinta da que lhe foi atribuída na sentença, propondo-se, de antemão, a seguinte: “A requerida deslocou-se ao local sito na Rua … e deparou com um terreno repleto de mato delimitado, em parte, na frente com a rua em parte com o muro (antigo) e em parte com uma rede, tal qual resulta da reportagem fotográfica junta pela requerida na sua douta oposição, com o lote nº 18”. 11ª A fundamentação é a que consta dos artigos 72º e seguintes destas alegações, onde se enfatiza a combinação da prova documental (doc. 18) com a prova testemunhal resultante do depoimento da testemunha B … produzido em audiência de julgamento havida em 16/01/2025, com início pelas 14h06m e término pelas 15h06m, com especial destaque o que se acha gravado entre o minuto 14.30 ao minuto 21.15 do seu depoimento. 12ª Também o ponto 37 dos FP justifica ter uma redação distinta daquela que lhe atribuiu a Senhora Juiz recorrida, e que assim se propõe: “Em fevereiro e março de 2018 foram efetuadas pesquisas arqueológicas que abrangeram 3 sondagens, a nº 1 na área de 7x6 m2, sita na área norte do lote, a nº 2 numa área de 16x7,5 no centro do lote e a nº 3 numa área de 12x5 na área este do lote. 13ª A fundamentação é a que consta desta peça nos artigos 82º a seguintes desta alegação, destacando-se a que se arvora no conjunto de imagens que compõe o doc. 11 junto com o requerimento inicial, combinado também com a realidade que se extrai do doc. 12 junto com o mesmo articulado, ambos não impugnados. 14ª O ponto 39 dos FP não tem qualquer utilidade ou relevo para a boa decisão da causa e por não ter prova que sustente quando foi efetuada a medição e quando foram recolhidos elementos para o projeto de arquitetura (que foi elaborado bem antes – em 2016 – com o início do procedimento de licenciamento). 15ª Aliás, basta atentar no doc. 13 junto com a oposição, para que, conjugando-a com aquilo que são as regras do normal agir, se perceber que inexistiu qualquer medição prévia, motivo pelo qual nada do que dele consta foi provado, sobretudo por apelo àquele que era o meio adequado a demonstrá-lo. 16ª Com base no lastro documental identificado, ademais, diga-se que o ponto 40 dos FP deve ter a seguinte redação: “Após medir a área do terreno interior às vedações a requerida concluiu que a área total era de 1802,89 m2 e não 1530,50 m2 que adquiriu”. 17ª O ponto 41 dos FP deve ser eliminado. Não se pode provar a crença da requerida. E nunca poderia ser dada como provada a consciência de que adquiriu 1802,89 m2 quando a Câmara anunciou 1530,50 m2 e é o que consta do registo predial. 18ª Aliás, do mesmo doc. 13 da oposição, se mostra que foi atestado pela entidade com competência para o efeito, tendo esse elemento sido utilizado para ser promovido o registo pela requerida, o que contraria, em termos documentais, aquilo que o Tribunal deu por adquirido. 19ª O ponto 42 dos FP não pode manter-se, sendo que do contrato truncado junto pela requerida como documento nº 20, falece-lhe substracto probatório que permita sustentar o que ali foi indiciariamente dado por demonstrado pelo Tribunal recorrido. 20ª O ponto 43 dos FP também tem de ser eliminado, por ser incongruente. Aliás, falamos de um juízo conclusivo que é indevidamente contemplado nesta sede, ao qual falece suporte probatório, e que, ademais, se afigura distante do que resulta de um critério de normalidade, sabido que é que o que fará pagar juros é a utilização do capital, e não a paragem da obra, propriamente dita. 21ª O ponto 44 dos FP também não tem relevo para a decisão da causa nem está fundamentada em prova produzida. 22ª Não foram alegados contratos promessa, nem sinais recebidos, e doutra coisa é incapaz o Tribunal “a quo” de mencionar, no quadro da motivação que formula. 23ª O ponto IX dos FP não provados, daqui em diante FNP, na redação dada pela senhora juiz deve ser dado como provado na integra. 24ª Apurou-se que o terreno foi vedado em 2008, após a morte do pai do requerente. Antes esteve, como sempre, na disponibilidade da família, no património dos antepassados do requerente. 25ª Na posse dos avós do autor ficou o remanescente do prédio, demarcado na planta que se acha junta com o doc. 3 do requerimento inicial, correspondendo a uma faixa situada na parte poente do prédio original. 26ª Consequentemente, atentando nesse elemento probatório, cremos que devia ter sido dada como provada a factualidade ali consignada. 27ª Do mesmo modo, o ponto XII dos FNP deve ser dado como provado como resulta da escritura da compra de 1960 e da certidão emitida pela CML em 02/06/2011, junta aos autos, e supra referida. 28ª Em terceiro lugar, o ponto XIII dos FNP deve ser dado como provado, por demais óbvio. Aliás, cotejando a prova documental trazida aos autos (máxime, doc. 18 do requerimento inicial e doc. 19 da oposição), como aduzimos na motivação supra formulada, vemos que aquela factualidade tem ali adequado suporte, demandando juízo distinto do alcançado pelo Tribunal recorrido. 29ª O ponto XIV dos FNP deve ser dado como provado, pois demonstrou-se que a área adquirida é de 1530,50 m2 e o espaço envolvido tem 1802,89 m2, tudo isso com base nos mesmos documentos indicados 30ª O ponto XV dos FNP tem de ser dado como provado, não só pelo depoimento das testemunhas indicadas pelo requerente, mas também conjugando-o com os documentos apresentados (doc. 2 e 3 do requerimento inicial) e com o apurado nos pontos FP 28 a 31. 31ª É o que resulta do depoimento das seguintes testemunhas, a saber, B … por depoimento produzido em audiência ocorrida no dia 16/01/2025, com início entre as 14h06m e termino pelas 15h06m, audiência ocorrida no dia 16/01/2025, com início entre as 14h06m e termino pelas 15h06m, gravado entre os minutos 16m20 a 21m00s, 29m00s a 30m58s e 32m00s a 37m00s. 32ª Esta testemunha, casada que foi com o requerente, esclareceu: “que o local em que o ex-marido vive não é perto; que ele soube no dia 16/09, dia em que o filho por là passou e reparou que a vedação estava substituída. O filho telefonou-lhe estava ela a almoçar no Hospital de Santa Maria com o médico C … (amigo dos filhos e colega do Hospital) a quem pediu para ir ao local ter com o filho dela para o apoiar pois ela estava comprometida com outro assunto inadiável”. 33ª Por sua vez, a testemunha, o médico C …, ouvido que foi na mesma sessão de 16/01/2025, depondo com clareza confirmou, no seu depoimento produzido com início pelas 15h33m e as 15h48m, com ênfase para os minutos 05.10 ao minuto 06.15, e depois 11m00 a final, que estava a almoçar com a enfermeira B …, no Hospital de Santa Maria quando ela recebeu o telefonema do filho a informar de que haviam mudado a vedação. 34ª E afirmou que foi ao local logo a seguir, no dia 16/09 e viu o prédio entaipado (com nova vedação) e que viu lá para dentro porque é alto (minuto 06.15). 35ª E, a o minuto 11.10 até final esclareceu que às segundas feiras tinha consultas e que a pedido dela foi ter com o D …. 36ª Por sua vez a testemunha E …, filho do requerente, depondo na mesma ocasião, com início pelas 15h07m e término pelas 15h32m, disse, no seu depoimento com início o minuto 05.00 e 06.48 que conhece bem o prédio, e ao minuto com 15.30 a 16.30 que passou por lá no dia 16/09, que viu a vedação mudada contou ao pai, que ficou indignado e que lhe disse que falasse com a irmã que é advogada. 37ª Também E …, inquirido que foi naquela sessão de julgamento (depoimento registado com início pelas 15h49m e término pelas 15h57m), disse, com início no minuto 03.20 até final que “passamos por lá (ele o primo E …, filho do requerente) e este viu uma nova vedação diferente, que o chamou à atenção”. 38ª O ónus da prova de que o requerente já tinha conhecimento do início da obra há mais de 30 dias é da requerida. 39ª Ónus esse que a mesma não cumpriu e que, por força do funcionamento das regras de repartição do ónus da prova, tem de ser decidida em termos desfavoráveis à requerida. 40ª O artigo 368º, nº 2 não é aplicável ao procedimento de embargo de obra nova, por exclusão taxativamente consagrada pelo artigo 370.º do C.P.C. 41ª Consequentemente, demonstrados que estavam os pressupostos de que depende o decretamento da providência requerida, documentada que se achava a titularidade do Requerente sobre o bem identificado, e bem assim a privação que do mesmo, em virtude da conduta da Requerida, foi determinada, devia o Tribunal requerido ter dado procedência ao pedido formulado.”. 5. Em contra-alegações, a Requerida defendeu a improcedência do recurso e procedeu à sua ampliação relativamente ao facto não provado sob o nº XVII. * II. QUESTÕES A DECIDIR Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, são: - da impugnação da matéria de facto; - da caducidade do direito do Requerente; - da verificação dos requisitos de decretamento de procedimento cautelar de embargo de obra nova. * III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade: “Dos Factos A) Factos Indiciariamente Provados com relevo para a decisão da causa: 1. O requerente é dono e legitimo proprietário dum prédio urbano composto por uma parcela de terreno destinada à construção urbana, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob a ficha …/… 09. 2. E inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. Vicente, em Lisboa sob o artigo …. 3. O valor patrimonial tributário do prédio é de € 59.014,97. 4. 4. Trata-se dum terreno destinado à construção urbana com a área de 52,25 m2, correspondente ao remanescente do prédio, que foi dos seus avós, sito na Rua …,… -A, … e …. 5. O Município de Lisboa adquiriu duas parcelas deste prédio aos avós do requerente, ambas por compra e venda, uma em 1950 e outra em 1960. 6. O terreno do requerente é o que sobrou do prédio inicial, após os dois destaques que a autarquia lhe fez pelas citadas escrituras. 7. Este prédio do requerente foi por si adquirido, por sucessão hereditária. 8. O prédio pertenceu aos seus avós, F … e G …, que foram casados, entre si, na comunhão geral de bens; depois ao pai do requerente, filho único do casal, G …, falecido em 28/11/2008, e de quem o requerente foi o único herdeiro. 9. Os referidos avós do requerente adquiriram o prédio urbano inicial sito na Rua …, nºs … A, … e …, na então na freguesia dos Anjos, hoje S. Vicente, por compra que efetuaram ao Dr. H …, por escritura pública outorgada a 29 de janeiro de 1936. 10. O prédio estava descrito na 4ª conservatória do registo predial de Lisboa sob os números … e … e inscrito na matriz predial urbana da freguesia dos Anjos sob o artigo …. 11. Por escritura de compra e venda daquela data celebrada no notário privativo da Câmara Municipal de Lisboa, o Município adquiriu um terreno com 116 m2, em parte ocupado com construção e que correspondia a toda a frente do prédio entre os nºs …A a …, para nela implantar um arruamento. 12. O Município elaborou uma planta, que ficou arquivada com a escritura, identificadora, que os intervenientes outorgantes rubricaram, e que ficou a fazer parte integrante da escritura. 13. Os avós do requerente outorgaram nova escritura de compra e venda em 12/02/1960 no cartório privativo do Município de Lisboa ficou consignado que o prédio vendido corresponde ao representado pelos nos 1 e 2 – orla amarela na cópia da planta número 8719 que ficou arquivada depois de rubricada pelos outorgantes. 14. Na propriedade dos avós do autor ficou o remanescente do prédio. 15. G …, faleceu em 13 de janeiro de 1968 e na relação de bens apresentada pelo seu óbito foi declarado este concreto terreno, como um bem da herança aberta. 16. A avó faleceu viúva do marido com quem foi casada em primeiras e únicas núpcias de ambos e, na relação de bens apresentada pelo seu óbito, foi relacionado este concreto terreno como bem da herança. 17. Sucedeu-lhe o único filho do casal, G …, falecido em 28/11/2008, pai do requerente de quem o requerente é único herdeiro, a quem o remanescente do prédio ficou a pertencer. 18. O Município de Lisboa transmitiu os 2 terrenos que adquiriu aos avós do requerente à EPUL por auto de transmissão de 18/10/2004. 19. Bem como também transmitiu os terrenos descritos sob as fichas …, … e …. 20. EPUL anexou os 4 prédios e formou um prédio novo, a ficha …/Anjos. 21. Consta da informação do registo predial, com histórico, do prédio …/… 07 o seguinte: a) trata-se dum lote de terreno para construção a confrontar do Norte coma Câmara Municipal de Lisboa e Rua …, do Sul com Escadas do … nº …, do Nascente Com a Rua …, nº … e, do Poente com Câmara Municipal de Lisboa e Escadas do Monte b) Com a área de 1530,50 m2 que resultou da anexação dos prédios … 88, … 47, … 02 e … 77 todos da freguesia dos Anjos. 22. O prédio ..88, o prédio … 47 e o prédio … 02 também foram transmitidos à EPUL pelo Município e o registo de aquisição foi efetuado pelas apresentações 1,2 e 3 de 4 de junho de 1990 e que o prédio … também foi transmitido pelo Município de Lisboa à EPUL e levado ao registo pela apresentação nº 8 de 28 de janeiro de 2005. 23. O direito de propriedade sobre o novo prédio voltou à Câmara Municipal, por reversão levada ao registo pela AP … 20, de 15 de setembro de 2015. 24. O Município vendeu este imóvel à sociedade Qualquer PontoSociedade Imobiliária, Unipessoal, Lda., que alterou a designação para Qualquer Ponto-Sociedade Imobiliária, limitada, como constante da Apresentação 1835 de 19 de fevereiro. 25. Que, por sua vez o vendeu à atual proprietária, na altura com a designação social de Vanguardeagle IV, Investimentos Imobiliários, Lda., atualmente VGPT I-Investimentos Imobiliários, Lda. 26. A requerida deu início à construção no prédio que adquiriu. 27. A requerida vedou o seu lote de terreno para dar início à construção da obra. 28. O início da Empreitada foi amplamente e publicamente divulgado. 29. Em 04.06.2024, iniciou-se a Empreitada. 30. Em 07.06.2024, tiveram lugar as demolições dos muros existentes na Rua … e que delimitavam a propriedade ali existente. 31. Em 11.06.2024, principiaram as movimentações de terras, o que foi feito com recurso a maquinaria pesada. 3 2. Em 09.07.2015, a Câmara Municipal de Lisboa publicou um Edital para venda, em hasta pública, de “ativos imobiliários municipais. 33. Graficamente descrito em planta, no referido edital, do seguinte modo: 34. À data de alienação do Lote em hasta pública, bem como à data de aquisição do Lote pela Requerida, em 05.04.2016, o Prédio do Requerente não constava do registo predial, algo que só viria a ocorrer mais de quatro anos após a aquisição do Lote pela Requerida, isto é, em 09.12.2020. 35. A Requerida adquiriu o Lote, assim, completamente convicta que não lesava os direitos de ninguém, tendo pago o preço pedido e pretendendo desenvolver a sua atividade de promoção imobiliária. 36. A Requerida deslocou-se ao local, sito na referida Rua …, e deparou-se com uma propriedade completamente una e uniformemente devoluta, repleta de mato, onde nada se encontrava erigido além do muro que delimitava e impedia o acesso ao interior de tal propriedade. 37. A Requerida, em fevereiro e março de 2018, procedeu a pesquisas arqueológicas em profundidade no terreno. 38. Sem oposição. 39. Concluídas as pesquisas arqueológicas, o terreno intramuros foi medido para recolha de dados necessários à elaboração do projeto de arquitetura. 40. Após concluir tal medição, a Requerida deparou-se com uma área total intramuros, não de 1.530,50 m2, mas de 1.802,89 m2. 41. Foi crendo tratar-se de um lapso de medição de áreas que a Requerida procurou registar a área que mediu (os tais 1.802,89 m2). 42. A mera paragem da obra implica o pagamento ao empreiteiro de um valor mensal que ascende a € 30.000,00 (trinta mil euros), enquanto a obra se encontrar parada. 43. Com a paragem da obra a Requerida terá de suportar os custos do financiamento do Empreendimento, que ascendem a um total de € 7,1 milhões (cerca de € 2,6 milhões, no que concerne ao financiamento obtido junto da banca, e cerca de € 4,5 milhões, relativos ao financiamento obtido junto do acionista), sem poder prever quando poderá alienar as frações do mesmo. 44. Sem poder prever quando alienará as frações do Empreendimento, as vendas destas serão colocadas em risco, bem como poderão ter de ser devolvidos sinais já pagos para aquisição das frações. B) Factos Indiciariamente Não Provados: i. Desde então passaram a possuir o prédio, à vista de toda a gente. ii. Passaram a conservá-lo, a frequentá-lo, a dá-lo de arrendamento, a tratar dos terrenos que compunham o logradouro, a pagar os impostos respetivos. iii. Faziam as obras que achavam necessárias, custeando-as, retiravam as utilidades, tal e qual fazem os proprietários. iv. Passaram a agir como agem os proprietários, sem qualquer oposição ou obstáculo, no convencimento de que eram os proprietários. v. Os atos de posse praticados pelos avós do requerente, além de públicos, decorreram ininterruptamente, sem qualquer perturbação ou hiato. vi. Na convicção de possuírem o que lhe pertencia por direito. vii. Sem oposição de quem quer que fosse. viii. Os pais do autor continuaram a possuir o remanescente do prédio. ix. Na posse dos avós do autor ficou o remanescente do prédio, demarcado na planta referida no artigo anterior, uma faixa situada na parte poente do prédio inicial. x. Posse que manteve as caraterísticas da anterior. xi. O pai do requerente sucedeu na posse que o pai e a mãe exercitaram e o requerente sucedeu na posse que exercitou seu pai e seus avós. xii. O remanescente do prédio está localizado no extremo Poente do prédio desde a base, sita na confrontação Sul até ao limite dos comprados nas escrituras, sita na confrontação a Norte. xiii. O Município réu licenciou para o prédio da requerente descrito sob a ficha … uma construção multifamiliar. xiv. O lote adquirido e que foi vedado tem área superior aquela que adquiriu. xv. O requerente tomou conhecimento da obra em 16.09.2024. xvi. Veio a confirmar dias mais tarde que o seu terreno foi abrangido pelos movimentos de terra para a obra iniciada. xvii. O Requerente teve conhecimento do início da Empreitada vários meses antes de ter requerido o embargo.”. * IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Face às questões a decidir, passemos a efectuar a sua análise. 1. Da impugnação da matéria de facto: Nos termos do art. 662º, nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Por outro lado, dispõe o art. 640º, nº 1 do CPC que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” Tal como vem sendo entendido pela Doutrina e pela Jurisprudência, resulta deste preceito o ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, fundamentando os pontos da divergência, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, abarcando a totalidade da prova produzida em primeira instância. Ou seja, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tem como objectivo colocar em crise a decisão do tribunal recorrido, quanto aos seus argumentos e ponderação dos elementos de prova em que se baseou. Como nos ensina António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, págs. 168 e 169, “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações: a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4, e 641º, nº 2, al. b)); b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a)); c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.): d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, ob. cit., págs. 168 e 169. Refira-se ainda que, quando se verifique que a alteração da decisão sobre matéria de facto pretendida pelo apelante é manifestamente insusceptível de ter como efeito a alteração da decisão quanto ao fundo da causa, deve o Tribunal da Relação rejeitar a impugnação da matéria de facto apresentada, por a mesma contrariar os princípios da celeridade e celeridade e economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do CPC), constituindo um acto inútil, e como tal proibido, nos termos do art. 130º do CPC. Neste sentido, veja-se, entre outros, e por mais recentes, Acs. STJ de 30-06-2020, proc. 4420/18.6T8GMR-B.G2.S1, relator Graça Amaral e de 09-02-2021, proc. 26069/18.3T8PRT.P1.S1, relator Maria João Vaz Tomé; e Acs. TRG de 02-03-2023, proc. 189/20.2T8ALJ.G1, relator Jorge Teixeira; TRP de 22-05-2023, proc. 3602/14.4TBMAI-B.P1, relator Miguel Baldaia Morais; TRL de 26-09-2019, proc. 144/15.4T8MTJ.L1, relator Carlos Castelo Branco; de 24-09-2020, proc. 35708/19.8YIPRT.L1, relator Inês Moura e de 14-03-2023, proc. 176/17.8TNLSB.L1, relator Alexandra de Castro Rocha. A finalizar, recorde-se que estamos no âmbito de um procedimento cautelar, sendo importante referir que a prova produzida nos procedimentos cautelares é meramente indiciária, cfr. art. 364º, nº 4 do CPC, o que equivale a dizer que o apelante pode sempre fazer a prova dos factos que pretende ver provados no âmbito da respectiva acção principal. Efectuado este enquadramento, cumpre referir que a pretensão do apelante não pode ser apreciada na sua totalidade, seja por não estar observado o ónus constante do art. 640º do CPC, seja pela irrelevância da modificação pretendida para o desfecho dos autos. Defende o apelante a alteração da redacção de alguns factos, bem como a eliminação de factos provados e não provados, sendo a sua discordância relativa aos factos atinentes às áreas do seu prédio e do prédio da Requerida (Factos 34, 26, 27, 35 e Factos Não Provados IX, XIII e XIV), à conduta da Requerida e prejuízos por esta sofridos (Factos 36, 37 e 39 a 44 e Facto Não Provado XIII) e ainda quanto ao seu conhecimento do início da obra (Facto Não Provado XV). Destes factos, constata-se que o facto não provado XIII (O Município réu licenciou para o prédio da requerente descrito sob a ficha … uma construção multifamiliar) assume-se como completamente irrelevante para a decisão a tomar, porquanto apenas interessa saber se a Requerida está ou não a efectuar uma obra, trabalho ou serviço novo que ofende o direito do requerente e cause ou ameace causar prejuízo, sendo irrelevante se se trata de uma construção multifamiliar ou qualquer outra. De igual modo, os factos provados sob os nºs 36 (36. A Requerida deslocou-se ao local, sito na referida Rua …, e deparou-se com uma propriedade completamente una e uniformemente devoluta, repleta de mato, onde nada se encontrava erigido além do muro que delimitava e impedia o acesso ao interior de tal propriedade) e 37 (37. A Requerida, em fevereiro e março de 2018, procedeu a pesquisas arqueológicas em profundidade no terreno) não assumem qualquer relevância, na medida em que não interessa nem o estado do terreno em causa nem o número de pesquisas arqueológicas efectuadas. Com efeito, nem o estado do terreno determina que o mesmo pertence ou não ao Requerente, nem o número de escavações determina uma maior ou menor invasão desse terreno, a qual, a existir, se basta com uma única actuação. Por outro lado, e quer quanto a estes factos quer quanto aos factos 39 a 44, e ainda quanto aos Factos Não Provados IX e XII, verifica-se que o apelante não efectua uma análise crítica da prova existente nos autos por forma a que se entenda o que determina a modificação pretendida. Ora, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tem como objectivo atacar a forma como os factos foram decididos através da análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância. Essa análise crítica pressupõe um exame detalhado de toda a prova produzida, decompondo-a de forma lógica e estruturada, por forma a que se possa chegar a conclusão diversa da encontrada pelo tribunal recorrido. Ou seja, ao impugnar a decisão sobre a matéria de facto, o apelante tem de proceder à análise dos depoimentos prestados, confrontando-os com a demais prova, mesmo que em sentido contrário, harmonizando todos esses elementos e assim apresentando a sua versão. No caso vertente, não se mostra efectuada essa análise, pelo que se tem de concluir que, quanto a estes factos, o apelante não obedeceu ao citado ónus de concretização e especificação, o que determina a rejeição parcial do recurso relativo à impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Do que se vem de expor, conclui-se que apenas poderá ser apreciada a pretensão do apelante quanto aos Factos 34, 26, 27, 35 e Factos Não Provados XIV, XV e XVII, os quais se prendem com a área do terreno do Requerente e com o conhecimento deste do início da obra levada a cabo pela Requerida. No que se refere aos factos atinentes às áreas dos prédios de Requerente e Requerida (Factos 34, 26, 27, 35 e Facto Não Provado XIV), cumpre referir que não é possível atender à pretensão do apelante. Com efeito, analisados todos os documentos juntos aos autos, constata-se que a apreciação efectuada pelo tribunal recorrido quanto à propriedade e localização do terreno se mostra correcta. Na verdade, dúvidas não restam de que o Requerente é proprietário do prédio referido em 1, o qual tem 52,25 m2 de área. Mais se extrai das certidões juntas que os prédios descritos sob os nºs … e … pertenciam aos avós do Requerente e ainda que os prédios descritos sob os nºs … e … foram anexados, dando origem ao prédio … 77, adquirido pela CML. Também não existem dúvidas de que o prédio da Requerida descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … resultou da anexação dos prédios antes descritos sob os nºs …, …, … e …, cuja soma das áreas perfaz 1530,50 m2, área esta que se mostra indicada no acto de aquisição da propriedade pela Requerida e no subsequente registo predial. Por esse motivo, não merece qualquer censura o facto nº 34, sendo que o aditamento pretendido pelo apelante (que o prédio do requerente sobrante dos 2 destaques efetuados, um em 1950 e outro em 1960, permaneceu na descrição original, só tendo sido extratado em ficha em 09/12/2020) decorre já dos factos 1 a 25. No que diz respeito aos factos provados 26 e 27, pretende o apelante que se altere a respectiva redacção, por forma a que conste da mesma que a parcela da Requerida, onde se deu o início da obra e se vedou o espaço, tem com 1 802,89 m2. Ora, o que se assume como essencial nos factos em causa é apenas o início da obra no terreno adquirido pela Requerida, independentemente da sua área e confrontações, as quais têm de ser as que decorrem do registo predial. De igual modo, o facto nº 35, e apesar do seu carácter conclusivo, também tem de permanecer inalterado, por apenas reflectir o que se passou no momento da aquisição do terreno pela Requerida. Concomitantemente, o facto não provado XIV (xiv. O lote adquirido e que foi vedado tem área superior aquela que adquiriu) não pode ser alterado, já que não se apurou se o erro de áreas detectado pela Requerida no momento das medições arqueológicas vem de medições erradas dos prédios …, …, … e …, na origem do prédio …, ou se esse aumento de área vem da ocupação de terrenos alheios ou de terrenos municipais. A esta conclusão não obsta o facto de o tribunal recorrido ter entendido que o doc. 5 estava ilegível, defendendo o apelante que deveria ter sido ordenada a junção de cópia legível. Na verdade, analisando o doc. 5 verifica-se que o mesmo, apesar de difícil percepção, permite, ainda assim, comprovar o que consta da escritura anexa e que foi dado como provado, ou seja, a existência de um prédio pertencente aos avós do apelante e que deu origem aos vários prédios em causa por via das desanexações. Donde, e quanto a estes factos, conclui-se pela improcedência da impugnação da matéria de facto. Relativamente ao facto não provado XV relativo ao conhecimento do apelante quanto ao início da obra levada a cabo pela Requerida, importa referir que, ouvidos atentamente todos os depoimentos prestados e analisada a demais prova constante dos autos, conclui-se não ser possível dar como assente que o apelante apenas tenha tido conhecimento da obra no dia 16.09.2024. Com efeito, foi referido pelas testemunhas B …, D …, E … e C … que, no dia em causa, as testemunhas D … e D … passaram no local e verificaram a existência de obras, tendo avisado o apelante. Não se questiona que essa situação tenha ocorrido. Mas, temos de acompanhar o tribunal recorrido quando refere que “… quanto à questão da tomada de conhecimento do início das obras, relevante para efeitos de existência ou não de caducidade, afigura-se-nos que a tão vivida lembrança de todas as testemunhas ouvidas sobre a data de 16.09.2024 é no mínimo estranha. Por acaso, nesse dia o filho do requerente passa casualmente no local com a testemunha D …, vê que existem obras a decorrer e chama a testemunha C … e ficam ali todos a ver a obra… nada mais se passa. Não chamam a polícia, não tentam falar com alguém responsável pelo empreendimento. Nada fazem. Não esqueçamos que o requerente vive a 11km do local e o filho deste a 7km do local. O empreendimento foi amplamente publicitado. Não se nos afigura muito verosímil tamanha coincidência. Sendo certo que muito antes disso já tinham existido trabalhos de escavação arqueológica, a requerida já tinha mandado limpar os terrenos (mesmo nos anos anteriores) e ninguém se preocupou”. Para além do mais, há que recordar que constam dos autos vários recortes de jornais dando conta do desagrado da população de Lisboa com o projecto aprovado para o local no ano de 2018, levando a uma petição pública e até à sua alteração, como se noticiou já em 2020. Ora, não nos parece curial que alguém com terrenos no local, pretendendo rentabilizar o prédio (como disse a testemunha D … quando aludiu à possibilidade de ali explorar um restaurante ou algo similar) não se interesse pela sorte do mesmo, nomeadamente face à existência de um projecto aprovado e não se tenha apercebido do início das obras no mês de Junho de 2024, as quais foram amplamente divulgados e tiveram, seguramente, impacto na zona envolvente. Ou seja, não é possível dar como assente a versão do apelante quanto a esse conhecimento, assim se mantendo o facto em apreço no elenco dos factos não provados. Consequentemente, improcedem todas as conclusões do apelante relativas à impugnação da matéria de facto. Aqui chegados, importa referir que a apelada veio ampliar o objecto do recurso por forma a que se adite o facto não provado XVII à lista de factos provados, caso o recurso interposto não seja julgado improcedente. Nos termos do art. 636º, nº 2 do CPC, “Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas”. Ou seja, a ampliação do objeto do recurso visa permitir ao recorrido acautelar a possibilidade de o recurso interposto vir a ser julgado procedente, permitindo-lhe questionar aspectos da decisão que lhe foram decididos desfavoravelmente na sentença recorrida, pedindo a sua apreciação em caso de procedência do recurso inicial da contraparte. No caso dos autos, pretende a apelada que se dê como provado o facto não provado XVII (xvii. O Requerente teve conhecimento do início da Empreitada vários meses antes de ter requerido o embargo.), alegando que “seja pela vasta divulgação pública do Empreendimento e da Empreitada, seja pelo evidente interesse que o Empreendimento gerou no Recorrente (finalmente quebrando uma inércia registral de 60 anos), seja ainda pela mobilização de meios para o local da Empreitada, a notícia do início desta seguramente chegou, mais dia, menos dia, ao conhecimento do Requerente ainda no mês de junho de 2024”. Ouvida a prova, verifica-se que não existe um relato directo de qualquer testemunha que permita dar como assente este facto, sendo necessário, para tanto, recorrer às presunções judiciais e aos factos provados no seu conjunto para se apreciar a questão. Nos termos do art. 349º do CC, “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.”. Supõem a prova de um facto conhecido (base da presunção), do qual, depois, se infere o facto desconhecido. Ou seja, a demonstração da realidade de um facto pode ser efectuada directamente ou pode ser extraída, por presunção judicial, de outros factos provados (a base da presunção). Como nos explicam Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição revista e actualizada, pág. 312, “As presunções podem ser legais, se estabelecidas pela lei, ou judiciais, simples ou de experiência, quando assentam no simples raciocínio de quem julga. Estas últimas inspiram-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana”. Também Luís Filipe Pires de Sousa in Prova por Presunção no Direito Civil, 2017, 3ª Edição, págs. 55 e 56 nos diz que “As pessoas, ao contemplarem a sucessão dos factos, formam uns standards de conduta nos termos dos quais, perante a ocorrência “normal” de um facto determinado, estimam produzidos igualmente todos aqueles factos que costumam acompanhar o primeiro. O facto-base e o facto presumido devem estar vinculados entre si por uma relação lógica de causa-efeito, segundo uma regra de critério ou experiência humana. Em suma, verifica-se que, num elevado número de casos, um determinado facto encontra-se associado a um outro facto segundo uma relação de antecedência, coexistência ou sucesso de modo que pode supor-se que os dois factos se apresentam constantemente relacionados de modo que se ocorre um também ocorrerá o outro.”. É este o caso dos autos. Com interesse para esta questão, há que salientar que está assente que a Requerida vedou o seu lote de terreno para dar início à construção da obra; que o início da Empreitada foi amplamente e publicamente divulgado; que em 04.06.2024 se iniciou a Empreitada; que em 07.06.2024, tiveram lugar as demolições dos muros existentes na Rua … e que delimitavam a propriedade ali existente e que em 11.06.2024, principiaram as movimentações de terras, o que foi feito com recurso a maquinaria pesada (cfr. factos provados nºs 27 a 31). Mais resulta dos autos que o Requerente apenas procedeu à concretização do registo do prédio dos autos em 2020, pese embora o ter adquirido por sucessão hereditária em 2008, como se extrai dos factos provados nºs 1, 7 e 8. Ora, da conjugação destes factos com regras de experiência comum e recorrendo ao disposto no art. 359º do CC, é possível dar como assente que o apelante tem de ter tido conhecimento do início da obra durante o mês de Junho. Donde, na procedência da impugnação da matéria de facto efectuada pela apelada, dá-se como provado que: “O Requerente teve conhecimento do início da Empreitada vários meses antes de ter requerido o embargo.” 2. Da caducidade do direito do Requerente: Tendo sido suscitada a caducidade do direito do Requerente, entendeu a primeira instância que “para além dos requisitos atinentes ao direito e pressupostos substantivos para o decretamento da providência, é também necessário que a providência tenha sido proposta nos 30 dias subsequentes ao conhecimento do facto. Considerando que a obra se iniciou muito antes do alegado conhecimento pelo requerente, e competindo-lhe a si a prova de que o conhecimento apenas teria ocorrido em momento posterior, a qual não logrou, não resta senão a conclusão que se mostraria caduco o direito de recurso à presente acção”. Insurge-se o apelante com esta decisão, defendendo a inexistência de caducidade. Ora, embora os autos permitam confirmar a decisão recorrida, impõe-se referir que não será pelos mesmos motivos. Senão, vejamos. Nos termos do art. 397º, nº 1 do CCPC, “ Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente.”. São, assim, requisitos do embargo de obra nova: - a titularidade de um direito de propriedade, ou outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, por parte do requerente, - que este tenha sido ofendido no seu direito em consequência de obra realizada pela contraparte que lhe cause ou ameace causar prejuízo e - que o embargo seja requerido em trinta dias a contar do seu conhecimento. Como se explica no Ac. TRL de 14-07-2022, proc. 1178/22.8T8OER.L1-7, relator Conceição Saavedra, “a referência à suspensão enquanto objetivo da providência aponta no sentido de limitar o embargo às obras ou trabalhos que não se mostrem ainda concluídos nos seus aspetos fundamentais, sob pena de se perder a sua função preventiva. Cumpre também realçar que se mostra indiferente à apreciação dos requisitos do embargo de obra nova o cumprimento de exigências administrativas, a autorização da obra por qualquer autoridade pública, na medida em que intervenção de uma tal entidade se destina a assegurar o respeito por normas de interesse público e não a dirimir conflitos de outra natureza entre particulares. Por fim, vem sendo entendido que o embargo de obra nova tem como objetivo a defesa do património, podendo “ser requerido quando tenha sido afectado o direito de propriedade, outro direito real ou pessoal de gozo ou a posse formal, já não quando os actos, mesmo que ilícitos, apenas afectem o interessado na esfera dos seus direitos de personalidade.” Por outro lado, o prazo de trinta dias aludido no citado nº 1 do art. 297º é um prazo de caducidade e o decurso do mesmo sem que o interessado requeira o embargo extingue o direito de posteriormente o requerer. Assim, o termo inicial deste prazo coincide com o conhecimento, por parte do interessado, de que a obra, trabalho ou serviço novo lhe causa ou ameaça causar prejuízo. De salientar que, tal como resulta do art. 342º, nº 2 do CC, e estando em causa um facto extintivo do direito do requerente, é ao requerido que incumbe a sua alegação e prova. Neste sentido, veja-se, entre outros, Ac. TRL de 18-06-2019, proc. 20711/18.3T8LSB.L1-7, relator Cristina Coelho e de 25-10-2022, proc. 3372/22.2T8LSB.L1-7, relator Micaela Sousa. Quer isto dizer que é ao embargado que incumbe alegar e provar que o procedimento cautelar foi intentado decorridos mais de 30 dias sobre aquele conhecimento, ao contrário do expendido em primeira instância. No caso vertente, constata-se que logrou a Requerida provar que o Requerente teve conhecimento da obra meses antes da propositura do presente procedimento cautelar, pelo que a aludida excepção tem, necessariamente, de proceder. Assim, estando verificada a excepção de caducidade invocada pela Requerida, não pode ser decretada a providência cautelar de embargo de obra nova, não sendo necessário apreciar as demais questões suscitadas pelo apelante e relativos à verificação dos requisitos de decretamento de procedimento cautelar de embargo de obra nova. Concluindo, mantém-se a decisão recorrida, assim improcedendo a apelação. As custas devidas em juízo serão suportadas pelo apelante, cfr. art. 527º do CPC. * V. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas pelo apelante. * Lisboa, 13 de Maio de 2025 Ana Rodrigues da Silva Edgar Taborda Lopes Micaela Sousa |