Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOSÉ MOURO | ||
Descritores: | FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO AGREGADO FAMILIAR RENDIMENTOS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/12/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – Tendo a decisão recorrida sido proferida em 9-12-2010, quando já se encontrava em vigor a nova redacção que ao art. 3 do dl 164/99, de 13-5, fora dada pelo art. 16 do dl 70/2010, deveria ser tida em consideração essa nova versão, segundo a qual «o conceito de agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação de rendimentos, referidos no número anterior, são calculados nos termos do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho». II - Deste modo, os rendimentos a considerar são os mencionados no art. 3, o conceito de agregado familiar é o constante do art. 4, ambos do dl 70/2010; no que concerne à capitação, haverá que ter em conta o disposto no art. 5 segundo o qual no apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar, a ponderação de cada elemento é efectuada de acordo com a escala de equivalência seguinte: requerente – 1; por cada indivíduo maior – 0,7; por cada indivíduo menor – 0,5. (Sumário da Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: * I - O «Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP» apelou da decisão que face ao incumprimento da satisfação da pensão de alimentos devida aos menores “A” e “B” por parte da mãe destes, “C” e na sequência de promoção do Ministério Público, decidiu «fixar definitivamente a pensão de alimentos devida aos filhos menores (…) no valor mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros) sendo € 75, 00 por cada filho, a pagar pelo Fundo de Alimentos Devidos a Menores, em substituição da progenitora “C”». Concluiu o apelante nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso: · 1º Não consta da douta sentença recorrida a verificação de um dos requisitos cumulativos que a Lei nº 75/98 de 19/11 em conjugação com o Dec-Lei nº 70/2010 de 16/06, exige para que as prestações de alimentos possam ser atribuídas nos termos que preconiza. · 2º Com efeito, da sentença não consta a inexistência de rendimentos líquidos dos menores “A” e “B”, superiores ao salário mínimo nacional, nem a prova de que estes não beneficiam na mesma quantidade, de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontram. · 3º Sendo o agregado familiar dos menores, composto pela pai e eles próprios, o rendimento que há que considerar, in casu para chegar à capitação prevista no nº 2 do artº 3º do Dec-Lei nº 164/99 tem de ser calculado nos termos das regras do Dec-Lei nº 70/2010 de 16/06. · 4º Esse rendimento, no valor de € 633,82 per capita, é superior ao salário mínimo nacional. · 5º O apelante considera, que in casu, não estão preenchidos os pressupostos necessários ao pagamento pelo Fundo de Garantia, dos alimentos devidos aos menores, “A” e “B”. · 6º É imprescindível a existência dos vários requisitos cumulativos, uma vez que a prestação de alimentos só se mantém enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão (e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado). · 7º A intervenção do apelante tem natureza subsidiária. Não foram apresentadas contra alegações. * II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: 1 – Por sentença homologatória de acordo datada de 19-01-2010, já transitada em julgado, ficou estabelecido que a mãe contribuiria com a quantia mensal global de € 100,00, até ao dia 8 de cada mês, sendo € 50,00 por cada filho, a partir de Fevereiro de 2010, a título de pensão de alimentos devida aos filhos “A” e “B”, sendo que estes ficariam confiados à guarda e cuidados do pai. 2 – A requerida apenas pagou € 50,00 em Fevereiro de 2010, a título de pensão de alimentos devida aos filhos e desde então nada pagou. 3 – A requerida trabalha como colaboradora no L…. e aufere uma remuneração mensal líquida de € 255,33. 4 – O requerido com a categoria profissional de «Encarregado 1ª Canalizador» na firma «Paulo … & …, Lda.» aufere o vencimento mensal de € 1.267,65. 5 – O agregado familiar do requerido é composto por si e pelos dois filhos menores. * III - Tendo em conta que, nos termos do art. 684, nº 3, do CPC, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, a única questão que se coloca é a de se, no caso dos autos, estão reunidos todos os pressupostos para que o Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores deva assegurar o pagamento de prestações alimentares aos menores “A” e “B”, mais concretamente se o rendimento per capita de que estes dispõem, atentos os termos da lei, é superior ao salário mínimo nacional. * IV – 1 - A lei nº 75/98, de 19-11, que veio a ser regulamentada pelo dl 164/99, de 13 de Maio, criou a «Garantia dos alimentos devidos a menores». Determinou a referida lei no seu artigo 1º: «Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação». Especificando o art. 2: «1 — As prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC. 2 — Para a determinação do montante referido no número anterior, o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor». No preâmbulo do diploma que regulamentou a lei – o acima citado dl 164/99 – mencionou-se que «a Constituição da República Portuguesa consagra expressamente o direito das crianças à protecção, como função da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento integral» e que «ainda que assumindo uma dimensão programática, este direito impõe ao Estado os deveres de assegurar a garantia da dignidade da criança como pessoa em formação a quem deve ser concedida a necessária protecção. Desta concepção resultam direitos individuais, desde logo o direito a alimentos, pressuposto necessário dos demais e decorrência, ele mesmo, do direito à vida», traduzindo-se «no acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna». Sendo que no art. 3 deste diploma se estabeleceu: «1 - O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando: a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.° 314/78, de 27 de Outubro; b) O menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre. 2 - Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário. 3 - As prestações a que se refere o n.º 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC, devendo o tribunal atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor». Assim, no âmbito destes diplomas são considerados como pressupostos necessários para a intervenção do Fundo: 1 – Que o progenitor esteja judicialmente obrigado a prestar alimentos; 2 – Impossibilidade de cobrança das prestações em dívida nos termos do art. 189 da OTM; 3 – Que o alimentando não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, verificando-se esta hipótese quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário; 4 – Que o alimentando resida em território nacional. Sucede que posteriormente foi publicado e entrou em vigor o dl 70/2010, de 16-6 ([1]) em cujo preâmbulo se refere: «No âmbito do actual contexto global, de crise económica e financeira internacional, e à semelhança da economia mundial, também a economia portuguesa tem sentido os impactos adversos daí resultantes. Neste contexto, o Governo definiu, no Programa de Estabilidade e Crescimento 2010-2013, um conjunto significativo de políticas indispensáveis para a promoção do crescimento económico e do emprego, bem como um conjunto de medidas de consolidação orçamental, algumas delas estruturais. Faz parte integrante desse conjunto de medidas, que visam conter de forma sustentada o crescimento da despesa pública, a redefinição das condições de acesso aos apoios sociais. Deste modo, o presente decreto-lei procede, não só à harmonização das condições de acesso às prestações sociais não contributivas, possibilitando igualmente que a sua aplicação seja mais criteriosa (…) Esta harmonização centra-se em aspectos fundamentais na verificação da condição de recursos, independentemente dos apoios públicos em causa, assente em três esferas distintas, como o conceito de agregado familiar, com uma tendência de aproximação ao conceito de agregado doméstico privado, como os rendimentos a considerar, mediante a introdução de uma maior efectividade na determinação da totalidade dos rendimentos … e finalmente a definição de uma capitação entre as definidas pela OCDE, em função da composição dos elementos do agregado familiar, incluindo as famílias monoparentais, tendo em consideração a existência de economias de escala no seio dos mesmos». Do art. 1 do mencionado diploma, relativo ao seu objecto, prescreve-se no nº 2-c) que as «regras previstas no presente decreto-lei são ainda aplicáveis aos seguintes apoios sociais ou subsídios, quando sujeitos a condição de recursos: … Pagamento das prestações de alimentos, no âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores»; por seu turno no nº 3-a) adianta-se que o «presente decreto-lei procede ainda à alteração dos diplomas seguintes: a) Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio». Em consonância, o art. 16 do dl 70/2010, dispõe: «Artigo 16.º Alteração ao Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio O artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, passa a ter a seguinte redacção: «Artigo 3.º [...] 1 - ... 2 - ... 3 - O conceito de agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação de rendimentos, referidos no número anterior, são calculados nos termos do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho. 4 - (Anterior n.º 3.)» Assim, quando foi proferida a decisão recorrida – em 9-12-2010 - já se encontrava em vigor a nova redacção que ao art. 3 do dl 164/99, de 13-5, fora dada pelo art. 16 do dl 70/2010 e que determinava que «o conceito de agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação de rendimentos, referidos no número anterior, são calculados nos termos do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho». Deste modo, os rendimentos a considerar são os mencionados no art. 3, o conceito de agregado familiar é o constante do art. 4 do dl 70/2010 e, no que concerne à capitação, haverá que ter em conta o disposto no art. 5 segundo o qual no apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar, a ponderação de cada elemento é efectuada de acordo com a escala de equivalência seguinte: requerente – 1; por cada indivíduo maior – 0,7; por cada indivíduo menor – 0,5 ([2]). Aparentemente, a decisão recorrida não teve em consideração a nova redacção que ao art. 3 do dl 164/99 foi dada pelo art. 16 do dl 70/2010 – o que, consoante decorre do que expusemos, deveria ter sucedido. * IV – 2 - De acordo com os factos apurados e considerando o preceituado no do art. 4 do dl 70/2010, os dois menores fazem parte de um agregado familiar composto por eles próprios e pelo pai. Por outro lado, o rendimento a ter em apreciação, também de acordo com os factos provados e o disposto no art. 3 do mesmo diploma é o vencimento mensal de € 1.267,65 auferido pelo pai dos menores “A” e “B”. Temos, pois, um indivíduo maior – o pai – e os dois menores, logo, um peso correspondente a “2” (1+0,5+0,5), face ao teor do art. 5 do dl 70/2010. Feita a capitação, o rendimento é, assim, de € 633,82 (€ 1.267,65:2). Como o salário mínimo nacional fixado para o ano de 2010 era o de € 475,00 ([3]) temos um valor de capitação superior ao salário mínimo nacional. Deste modo, não está demonstrado o pressuposto supra elencado sob o nº 3, atentas as alterações que o dl 70/2010 introduziu no dl 164/99, ou seja não está demonstrado que os menores não beneficiam de um rendimento auferido pelo progenitor a cuja guarda se encontram confiados superior ao valor do salário mínimo nacional, o que afasta a hipótese de Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores estar obrigado a assegurar quaisquer prestações alimentares aos menores. * V - Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e, consequentemente, sendo indeferido o requerimento de pagamento pelo Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores de prestações de alimentos aos menores “A” e “B”. Sem custas. * Lisboa, 12 de Maio de 2010 Maria José Mouro Teresa Albuquerque Isabel Canadas ---------------------------------------------------------------------------------------- [1] De acordo com o seu art. 26 «O presente decreto-lei entra em vigor no 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da sua publicação». [2] O que é de relacionar com a «capitação entre as definidas pela OCDE» aludida no preâmbulo. [3] Dl 5/2010, de 15-1. |