Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA PAULA GUEDES | ||
Descritores: | INTRODUÇÃO EM LUGAR VEDADO AO PÚBLICO CRIME DE EXECUÇÃO PERMANENTE CESSAÇÃO AMNISTIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/12/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | (da exclusiva responsabilidade da Relatora): I. O crime de introdução em lugar vedado ao público consuma-se no momento em que a pessoa entra ou permanece no local sem o consentimento ou autorização de quem de direito. II. Contudo, tal crime, embora não seja tipicamente um crime de execução permanente, pode evoluir nesse sentido sempre que a permanência se prolonga no tempo, ou seja enquanto perdura a conduta ilícita. III. Assim, para efeitos de aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02/08 é necessário apurar o momento cronológico em que cessou a permanência no local, pois, se a mesma ultrapassou a barreira temporal das 00:00 horas do dia 19 de junho de 2023, a conduta não está abrangida pela Lei n.º 38-A/2023. IV. Tal, como causa de extinção do procedimento criminal, deve ser apurado em audiência de julgamento e apreciado em sede de sentença. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juizes da 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: A)-Relatório: No âmbito do processo 1308/22.0GAMTA.L1, do Juízo Local Criminal do Barreiro - Juiz 1, por despacho datado de 23.12.2024, foi proferida a seguinte decisão: “Em face do exposto, julga-se extinto, por amnistia, o procedimento criminal contra a arguida AA”. * Inconformado com a decisão veio o assistente interpor o presente recurso. Apresenta as seguintes conclusões: “A. Vem a Recorrente apresentar recurso do douto Despacho com a Ref.: ..., proferido a 7 de janeiro de 2025, pela Meritíssima Senhora Juíza de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local Criminal do Barreiro – Juiz 1, porquanto, veio o douto Despacho recorrido determinar a amnistia da pena aplicável à AA. B. Entende o douto Despacho estarem preenchidos todos os requisitos necessários e impostos pela Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, em concreto: ii) o facto ilícito tenha sido praticado até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023. C. A questão que a Recorrente vem apresentar ao Venerando Tribunal é tão somente saber se estando perante o crime de introdução em lugar vedado ao público previsto, este de natureza duradoura, i) Qual o momento da sua consumação; ii) Se, atendendo a esse momento, é a Arguida elegível ou não para beneficiar da amnistia prevista na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, nomeadamente, mediante o preenchimento do requisito temporal da prática do facto constante do n.º 1 do artigo 2.º do referido diploma legal, e nestes pressupostos; iii) Discutir se foi devidamente aplicada a Amnistia à AA pelo Tribunal a quo. D. No âmbito do Proc. n.º 1308/22.0GAMTA, o douto Tribunal competente, apreciou previamente a questão de saber se a AA poderá beneficiar da aplicação da amnistia ao seu caso concreto, como estabelecido na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto. E. Neste sentido veio Meritíssima Senhor Juíza de Direito extinguir o procedimento penal quanto à suprarreferida porquanto julgou estarem preenchidos os pressupostos legais para aplicação da amnistia, i) estarmos perante uma pena aplicável ao crime em abstrato não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa, ii) o ilícito tenha sido praticado por pessoa que tenha entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto e, iii) que o facto tenha sido praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023. F. A AA, está em causa a prática, em coautoria material na forma consumada e em concurso efetivo, de dois crimes de introdução em lugar vedado ao público, p.p. artigo 191.º do Código Penal. G. Da fase de inquérito, por força da prova carreada aos autos, demonstrou-se suficientemente indiciada que, pelo menos desde 02.01.2023 a AA ocupou, num primeiro momento, a fração 3.ª esquerdo – propriedade do aqui Recorrente – do prédio sito na ..., tendo, aquando o despejo coercivo do imóvel, ocupado, num segundo momento, a fração 2.º esquerdo do mesmo prédio. H. Por atuação do Recorrente que recorreu aos tribunais para o efeito, ambas as frações foram desocupadas pelos Arguidos em momento muito posterior ao da sua ocupação, nomeadamente, a fração 3.º esquerdo foi desocupada a 17 de agosto de 2023 e a fração 2.º esquerdo, que ocuparam de seguida, apenas foi desocupada em 17 de junho de 2024. I. Diz expressamente o artigo 191.º do Código Penal “Quem, sem consentimento ou autorização de quem de direito, entrar ou permanecer (…)”, por sua vez, é entendimento Doutrinário que o crime em discussão é duradouro ou permanente e de mera atividade quanto a forma de consumação do ataque ao objeto jurídico. J. Ou seja, o crime não se consuma no momento da entrada no local vedado, mas sim ao dia em que cessar a consumação. K. A consumação do crime de introdução em lugar vedado ao público, ao contrário do entendimento do Douto Tribunal a quo, não é, portanto, o momento da entrada na primeira fração, 02/01/2023, mas, sim, todo o período em que, sabendo que não tinha consentimento nem autorização da Recorrente para permanecer, num primeiro momento na fração 3.º esquerdo e num segundo momento na fração 2.º esquerdo, ainda assim permaneceu!!! L. Pelo que a prática do crime de forma consciente só cessou e de forma definitiva em 17 de junho de 2024, quase um ano após a data limite dos factos temporalmente elegíveis para a aplicação da amnistia. M. Assim, por se julgar provado o lapso de interpretação e aplicação da Lei n.º 38- A/2023, de 2 de agosto, por se tratar de crime duradouro e de mera atividade, a consumação do crime cometido pela AA, não se deu antes das 00:00 do dia 19 de junho de 2023, mas, sim, perdurou no tempo até o dia 17 de junho de 2024 – data em que o despejo do imóvel foi concretizado, pelo que não poderá aquela beneficiar da extinção do procedimento criminal, por via da amnistia, uma vez que não estão preenchidos o requisitos legalmente impostos. N. Deve, assim, a decisão de aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto ao caso concreto, ser revogada e substituída por outra que determine a prossecução do processo para julgamento com vista a decidir sobre a responsabilidade criminal da AA pelos factos indiciados”. * O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo * O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela sua procedência. Conclui nos seguintes termos: 1. Entendeu o Tribunal a quo que estavam reunidos os pressupostos previstos na Lei n.º 38-A/2023, de 02 de Agosto, relativamente à arguida, AA, julgando extinto o procedimento criminal relativamente à mesma. 2. A Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto, prevê os seguintes pressupostos de aplicação: - Infracções cuja pena não seja superior a um ano de prisão ou a 120 dias de multa; - Praticadas até às 00:00 horas do dia 19 de Junho de 2023; - Por pessoas com idade compreendida entre os 16 e os 30 anos; - Não se tratando de nenhuma das excepções previstas no art.º 7º do mencionado diploma. 3. Os factos imputados à arguida são passíveis de integrar a prática de dois crimes de introdução em lugar vedado ao público, previstos e punidos pelo artigo 191º do Código Penal. 4. O que está em causa e importa analisar é o momento em que tais crimes se consumaram. 5. AA entrou na primeira fracção em data anterior a 02/01/202 e nela permaneceu até 17/08/2023. Depois, em data que não foi possível apurar, mudou-se dessa primeira fracção para outra, sita no 2º andar do mesmo prédio, onde permaneceu ininterruptamente até ao dia 17/06/2024. 6. Tendo a arguida permanecido nos imóveis para além do dia 19/06/2023, será que se pode considerar que os crimes se consumaram antes dessa data, para efeitos de aplicação da Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto? 7. A prática do facto ilícito prolongou-se no tempo, assumindo os crimes natureza permanente. 8. Nos crimes permanentes, a lesão do bem objecto de tutela é única, mas o facto perdura, protraindo-se no tempo a conduta ofensiva, apenas cessando a consumação (o crime é exaurido) no momento em que cessa o comportamento antijurídico (acção ou omissão) por vontade do agente ou por qualquer outra causa. 9. Assim, concluímos que nos crimes permanentes, não só a consumação, como a própria execução, permanecem enquanto se mantiver o estado de compressão do bem, objecto jurídico do crime. 10. Nos crimes permanentes o momento da consumação reporta-se … “ao instante em que o estado de anti-juridicidade termine, pois tipicamente, apenas nesse momento temporal, a acção inicial cessa os seus efeitos…”. 11. Aplicando-se ao caso em apreço, temos que o momento a considerar para efeito de consumação dos crimes imputados à arguida não se reporta à data em que esta entrou nos imóveis, mas, necessariamente, à data em que deles saiu, pois que, só nessa altura, fez cessar o estado anti-jurídico a que deu causa. 12. E, assim, concluímos que os factos não se consumaram antes do dia 19/06/2023. 13. E concluímos, também, por consequência, que não se mostram verificados os pressupostos previstos na Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto, concretamente, o pressuposto temporal, na pessoa da arguida, pelo que deve prosseguir o procedimento criminal quanto à mesma. 14. Atento tudo o que se deixou exposto e concordando com o recurso interposto, é nosso entendimento que o Tribunal a quo deve revogar a sua decisão de 23/12/2024, na parte em que julgou extinto o procedimento criminal contra a arguida AA, substituindo-a por outra que determine a prossecução dos autos para julgamento, a fim de se apurar a sua responsabilidade pelos factos pelos quais vai acusada”. * Remetidos os autos a este Tribunal a Exm.ª Senhora Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer nos seguintes termos: “ Do texto da acusação não resulta identificado o momento cronológico em que a permanência nesta fracção cessou, na medida em que a permanência nesta fracção cessa com a mudança para o 2º andar esquerdo, e o momento desta mudança também não se encontra cronologicamente identificado; Do texto da acusação não resulta identificado temporalmente o momento em que a arguida entra e permanece na fração do 2º andar esquerdo, a única referência da acção situa-se após a data de 2.01.2023, mas o tempo cronológico está indeterminado. Em cada uma das situações não consta da acusação o momento cronológico em que cessou a permanência em cada uma das fracções, relativamente à permanência na fração 2º andar esquerdo desconhece-se mesmo se a acção cessou. No texto da acusação imputa-se à arguida a prática de dois crimes de p. e p. no artigo 191º do Código Penal (considerando a imputação proposta na acusação e que o despacho de recebimento da acusação não pôs em crise). O ilícito em causa trata-se de um crime de dano, de mera actividade, e duradoiro ou permanente quanto à forma de consumação. Nos crimes duradoiros ou permanentes a consumação do crime ocorre com a cessação da acção, uma vez que estamos perante uma realidade em que o agente dá inicio à situação antijurídica e mantém-na mediante a sua vontade, cessando esta no momento em que este decide acabar com a acção desvaliosa. Ou seja, é essencial para a determinação do momento da consumação do crime apurar o momento em que a acção cessou. A determinação deste momento é absolutamente essencial para a aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02.08 Perdão de Penas e Amnistia de Infrações - Jmj, uma vez que se trata de uma forma de extinção do procedimento criminal, conforme previsão do artigo 127 º do código Penal e artigo 2º da lei n.º 38-A/2023, de 02.08. Conforme dispõe o artigo 124º do CPP, são objecto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou medida de segurança aplicáveis. Ou seja, em nosso entendimento, no momento do saneamento do processo e considerando o texto da acusação (único até ao momento orientador do objecto do processo) o Mm. º juiz não estava na posse dos elementos factuais que lhe permitissem definir o momento da consumação de qualquer dos ilícitos em causa. (isto, sem prejuízo de, na fase de julgamento, considerando nomeadamente os factos que hajam sido trazidos para a discussão, nomeadamente, com a contestação, se conhecer daquela verificação, mediante a prova que viesse a se realizada). Esta carência, uma vez que é pressuposto temporal da aplicação da lei da amnistia mencionada , que os factos ilícitos hajam sido praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, ( ou seja que o crime se tenha consumado até este momento temporal) não permite concluir, como fez o despacho recorrido, que se encontra verificado este pressuposto formal da aplicação da lei da Lei n.º 38-A/2023. Assim , considerando a questão sujeita a recurso, entendemos dever o despacho ser revogado”. * Foi cumprido o artigo 417, nº2 do CPP. Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência. * B)-Fundamentação: Impõe-se desde logo determinar quais são as questões a decidir em sede de recurso. “É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões(…)”], sem prejuízo da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal nas decisões finais (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I série-A, de 28/12/95- O objeto do recurso está limitado às conclusões apresentadas pelo recorrente -cfr. Ac. do STJ, de 15/04/2010:). Assim, o conhecimento do recurso está limitado às suas conclusões, sem prejuízo das questões/vício de conhecimento oficioso. Na situação concreta a única questão a decidir é a da aplicação ou não da lei 38-A/2023, de 02/08, à situação concreta (sendo esta a única questão suscitada no recurso em análise). * É o seguinte o teor da decisão recorrida: “ De acordo com o disposto nos artigos 2.º, n.º 1 e 4.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02.08, são amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa e que tenham sido praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto. Porém, a amnistia é excluída quanto aos crimes e agentes previstos no artigo 7.º, n.ºs 1 e 2 da citada Lei, sem prejuízo de tal exclusão não prejudicar a aplicação da amnistia relativamente a outros crimes cometidos (n.º 3 da mesma norma). In casu, a arguida AA, nascida em ........1997, encontra-se acusada da prática, no dia ........2023, em coautoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de dois crimes de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191.º do Código Penal, cuja pena aplicável não é superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa, encontrando-se, assim, verificados os pressupostos temporal e etário para a aplicação da amnistia. Não se verificam quaisquer das situações excludentes da amnistia previstas no artigo 7.º, n.ºs 1 e 2 da sobredita Lei. Nos termos dos artigos 127.º, n.º 1 e 128.º, n.º 2 do Código Penal, a amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos como da medida de segurança. Em face do exposto, julga-se extinto, por amnistia, o procedimento criminal contra a arguida AA”. * É o seguinte o teor da acusação proferida nos autos: “ O Ministério Público deduz acusação, em processo comum e com intervenção do TRIBUNAL SINGULAR, contra: BB, solteiro, filho de CC e de DD, natural de Lisboa, nascido em .../.../1969, titular do cartão de cidadão n.º 08969317 5zx3, residente na ..., AA, solteira, filha de BB e de EE, natural da ..., nascida em .../.../1997, titular do cartão de cidadão n.º 15508375 9zx1, residente na ..., ... ..., e FF, solteiro, filho de GG e de HH, natural do ..., nascido em .../.../1990, titular do cartão de cidadão n.º 13721520 7zx0, residente na ..., ... .... Porquanto: - Em data não concretamente apurada, mas anterior a 02/01/2023, o arguido BB deslocou-se ao rés do chão direito, do prédio sito no n.º 78, da ..., propriedade do ..., - O qual se encontrava fechado e devoluto, à espera de ser atribuído em concurso. - Uma vez lá chegado, de forma não concretamente apurada, conseguiu entrar no referido imóvel, o qual ocupou e onde passou a viver, pelo menos desde 02/01/2023. - Do mesmo modo, em data não concretamente apurada, mas anterior a 02/01/2023, os arguidos AA e FF, em comunhão de esforços e intentos e no cumprimento de plano previamente gizado entre ambos, deslocaram-se ao 3º andar esquerdo, do prédio sito no n.º 78, da ..., propriedade do ..., - O qual se encontrava fechado e devoluto, à espera de ser atribuído em concurso. - Uma vez lá chegados, de forma não concretamente apurada, conseguiram entrar no referido imóvel, o qual ocuparam e onde passaram a viver, pelo menos desde 02/01/2023, - Sendo que, passado algum tempo, em data que não se conseguiu apurar, mudaram-se para o 2º andar esquerdo do mesmo prédio, o qual ocuparam e onde passaram a viver, também ele pertencente ao ..., - E que também se encontrava fechado e devoluto, à espera de ser atribuído em concurso. - Os arguidos agiram de forma livre, voluntaria e consciente, - Com o propósito concretizado de entrar e ocupar as referidas fracções, nas quais passaram a viver, sabendo que as mesmas não lhes pertenciam e que estavam devidamente fechadas e com o acesso vedado, sabendo , ainda, que não tinham autorização para lá entrar. - Os arguidos agiram conforme descrito, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal. Pelo exposto e com a conduta descrita: - O arguido BB cometeu dolosamente (artigo 14.º, n.º 1 do CP), em autoria material (artigo 26.º do CP), na forma consumada um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191º do Código Penal. - Os arguidos AA e FF cometeram dolosamente (artigo 14.º, n.º 1 do CP), em co-autoria material (artigo 26.º do CP), na forma consumada, em concurso efectivo dois crimes de introdução em lugar vedado ao público, previstos e punidos pelo artigo 191º do Código Penal”. * No caso em análise foi a arguida AA acusada, em co-autoria, pela prática de dois crimes de introdução em lugar vedado ao público, previstos e punidos, pelo artigo 191º do Código Penal. Aquando da ocupação das frações mencionadas na acusação, a arguida tinha idade inferior a 30 anos. De acordo com o artigo 2º, nº1 da lei 38-A/2023, de 02/08, entrada em vigor em setembro de 2023:“ estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º”. Acrescentando o artigo 4º do mesmo diploma que são: “ amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa. Dispõe o artigo 191 do CP que: “Quem, sem consentimento ou autorização de quem de direito, entrar ou permanecer em pátios, jardins ou espaços vedados anexos a habitação, em barcos ou outros meios de transporte, em lugar vedado e destinado a serviço ou a empresa públicos, a serviço de transporte ou ao exercício de profissões ou atividades, ou em qualquer outro lugar vedado e não livremente acessível ao público, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 60 dias”. No crime de introdução em lugar vedado ao público o bem jurídico protegido é a inviolabilidade de um conjunto de espaços, protegendo-se ainda a privacidade desses espaços. Contudo, através do mesmo visa-se, ainda, titular a intimidade pessoal a que todo cidadão tem direito. O tipo objetivo de ilícito consiste na entrada ou permanência, sem consentimento ou autorização de quem de direito, em espaços diversificados. A ação típica deste ilícito compreende duas modalidades: a entrada sem consentimento e a permanência depois da intimidação para se retirar, ou seja, a entrada e a permanência contra a vontade expressa ou presumida de quem de direito. O crime de introdução em lugar vedado ao público consuma-se no momento em que a pessoa entra ou permanece no local sem o consentimento ou autorização de quem de direito. Contudo, tal crime, embora não seja tipicamente um crime de execução permanente, pode evoluir nesse sentido sempre que a permanência se prolonga no tempo, ou seja enquanto perdura a conduta ilícita. Nestas situações é a própria consumação do crime que se prolonga no tempo e só termina com a saída do agente do local, e isto por contraposição aos crimes de ação, ou crimes instantâneos, em que a consumação coincide com a prática do ato criminoso e esgota-se neste. Nos crimes permanentes verifica-se uma unificação jurídica de todas as condutas, como se elas se tivessem verificado no momento da última conduta. Volvendo ao caso concreto, diz-se na acusação que a arguida ocupou uma fração do prédio, sito no n.º 78, da ..., pelo menos em ........2023, onde passou a viver, e que passado algum tempo, em data que não se conseguiu apurar, mudou-se para o 2º andar esquerdo, onde, também, passou a viver. Sem dúvida que aquando da 1ª ocupação, em ........2023, as infrações penais cuja pena aplicável não era superior a 1 ano de prisão estavam abrangidas pela lei 38-A/2023, de 02/08 desde que o agente tivesse idade compreendida entre os 16-30 anos. Acontece que a conduta da arguida não se esgotou no episódio ocorrido em ........2023, perdurando no tempo até à data em que cessou a ocupação das frações. Assim, se tal ocupação ultrapassou a barreira temporal das 00:00 horas do dia 19 de junho de 2023, não pode a arguida beneficiar da lei 38-A/2023. É certo que a acusação é omissa no que tange ao período temporal da ocupação, limitando-se a referir que a arguida passou a viver nas frações, sem especificar o momento cronológico em que cessou a permanência em cada uma das frações. Contudo, a partir do momento em que se diz que a arguida passou a viver naqueles locais, não pode o Tribunal recorrido presumir que tal ocupação cessou antes das 00:00 horas do dia 19 de junho de 2023 e, em face de tal, concluir que os crimes em causa estão abrangidos pela lei 38-A/2023, Acresce que está alegado no pedido de indemnização civil, deduzido pela assistente que: “Os Arguidos AA e FF ocuparam as frações 3º esquerdo e, posteriormente, mas em ato contínuo, 2º esquerdo desde pelo menos ... ate ao dia ... de ... de 2024, tendo por isso beneficiado indevidamente e sem que para o efeito procedesse ao pagamento da devida renda por 19 meses”. Logo, só pode o Tribunal concluir pela aplicação, ou não, da lei 38-A/2023, e pela verificação do pressuposto formal, depois de apurar o momento temporal em que cessou a permanência nas frações. A aplicação da amnistia é uma forma de extinção do procedimento criminal, nos termos do artigo 127, nº1 do CP. Preceitua o artigo 124, nº1 do CPP que: “ 1 - Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis”. Acrescentando o artigo 368º do mesmo diploma, relativamente à sentença, que: “1 - O tribunal começa por decidir separadamente as questões prévias ou incidentais sobre as quais ainda não tiver recaído decisão. 2 - Em seguida, se a apreciação do mérito não tiver ficado prejudicada, o presidente enumera discriminada e especificamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa, relevantes para as questões de saber: a) Se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime; b) Se o arguido praticou o crime ou nele participou; c) Se o arguido actuou com culpa; d) Se se verificou alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa; e) Se se verificaram quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a punibilidade do agente ou a aplicação a este de uma medida de segurança; f) Se se verificaram os pressupostos de que depende o arbitramento da indemnização civil. 3 - Em seguida, o presidente enumera discriminadamente e submete a deliberação e votação todas as questões de direito suscitadas pelos factos referidos no número anterior”. Assim, terá o momento temporal em que cessou a ocupação, como uma eventual causa de extinção do procedimento criminal da arguida, de ser apurado em audiência de julgamento e apreciado em sede de sentença. C) Decisão: Pelo exposto, acordam os juízes que compõem a 9º secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso e, consequentemente: - Revogar o despacho recorrido que julgou extinto o procedimento criminal contra a arguida AA, que deve ser substituído por outra que determine a prossecução dos autos para julgamento, onde deve ser apurado o momento cronológico em que cessou a permanência da arguida, em cada uma das frações Sem custas Notifique. Lisboa, 12 de junho de 2025. Ana Paula Guedes Ivo Nelson Caires B. Rosa Ana Marisa Arnêdo |