Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LUÍS ESPÍRITO SANTO | ||
Descritores: | ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO DIREITO DE PROPRIEDADE ÓNUS DA PROVA TÍTULO TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL CADUCIDADE DO CONTRATO ARRENDAMENTO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/13/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDÊNCIA PARCIAL | ||
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Sumário: | I – Tendo os AA. demonstrado, de forma inequívoca e irrefutável, o seu direito de propriedade sobre o imóvel que reivindicam, competia ao R. o ónus de provar a existência do título que legitimava a sua utilização do bem - susceptível de paralisar o efeito de restituição visado pelos peticionantes ( artº 1311º, nº 2 do Código Civil ). II – Não tendo em momento algum sido manifestada ao senhorio a intenção, por parte do Réu, de beneficiar da transmissão da posição de inquilino e não havendo, em qualquer circunstância, lugar à celebração de um novo contrato que lhe conferisse, a partir de então, essa qualidade jurídica de locatário ao pai do ora Réu, não pode o actual utilizador do locado, face à extinção da sociedade arrendatária e à consequente caducidade do arrendamento sub judice ( artº 1051º, alínea d) do Código Civil ), opor-se à restituição do imóvel ao reivindicante. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa ( 7ª Secção ). I – RELATÓRIO. Intentaram A. e M. , residentes na… a presente acção declarativa, com processo experimental, decorrente do DL nº 108/2006, de 8 de Junho, contra D., residente no… Essencialmente alegaram : São proprietários da fracção dos autos por a terem adquirido dos anteriores titulares inscritos, a qual havia sido arrendada para comércio pelo anterior proprietário à sociedade denominada B. Lda., pela renda anual de € 13.800$00, que sempre a pagou. Em Julho de 2009, o réu dirigiu-se aos escritórios do autor para proceder ao pagamento da renda em nome próprio, alegando que a sociedade arrendatária tinha sido declarada extinta, o que se verificou ter ocorrido em 2006. Em Setembro de 2010, o réu foi notificado para fazer a entrega da fracção em causa, que ocupa, o que este não fez. Tendo em conta a sua localização, a fracção é arrendável pelo valor de € 300 por mês. Concluem pedindo a a condenação do réu reconhecer o seu direito de propriedade sobre uma fracção autónoma sita no F…, A…, e a restituir-lhes tal fracção, livre e devoluta, bem como a pagar-lhes uma indemnização pela privatização do uso, privação e disposição, no valor mensal de € 300, desde a data em que foi notificada a ocupação ilícita até efectiva entrega. Na contestação, o réu alegou : A fracção foi arrendada, desde o início, para habitação do seu pai, tendo ficado convencionado que os recibos iriam ser emitidos em nome da referida sociedade, de que o pai era sócio, de molde a entrarem na contabilidade da empresa. Os seus pais, entretanto falecidos, constituíram na fracção em causa, desde 1967, a sua casa de morada de família, na qual ele passou a habitar em 1980, ainda em vida de seu pai, tudo com o conhecimento dos autores. Conclui pela improcedência da acção, face à existência de título legítimo para a utilização do imóvel. Procedeu-se ao saneamento dos autos ( fls. 67 a 68 ). Foi proferida sentença que julgou a presente acção procedente quanto ao reconhecimento do direito de propriedade do A. sobre o imóvel, mas improcedente quanto ao restante peticionado, absolvendo nesse tocante o Réu ( cfr. fls. 157 a 169 ). Apresentaram os AA. recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação ( cfr. fls. 206 ). Juntas as competentes alegações, formularam os AA. as seguintes conclusões, após convite para a respectiva síntese : (...) Não houve resposta. II – FACTOS PROVADOS. Foi dado como provado em 1ª instância : (...) III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS. São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar : 1 - Impossibilidade de modificação da decisão de facto. 2 – Da existência, ou não, de título de utilização do imóvel, por parte do Réu, oponível ao reivindicante. 3 – Do pedido de indemnização por privação do uso do imóvel. Passemos à sua análise : 1 - Impossibilidade de modificação da decisão de facto. Nas suas alegações de recurso vieram os AA. pugnar pela modificação das respostas dadas a diversos pontos da base instrutória ( concretamente os pontos 2, 4, 5, 6, 7, 14, 16 a 18 da decisão de facto ). Acontece que não houve registo da prova produzida em audiência. Assim sendo, não é possível, ao abrigo do disposto no artigo 712º, alínea a) do Código de Processo Civil, determinar a modificação da decisão de facto que, por esse motivo, se manterá incólume. 2 – Da existência, ou não, de título de utilização do imóvel, por parte do Réu, oponível ao reivindicante. A questão fulcral a apreciar e decidir neste recurso prende-se com a existência, ou não, de título que legitime a detenção pelo Ré do imóvel reivindicado pelos AA.. Tendo os AA. demonstrado, de forma inequívoca e irrefutável, o seu direito de propriedade sobre o imóvel que reivindicam, competirá ao R. o ónus de provar a existência de título que legitime a sua utilização do bem, susceptível de paralisar o efeito de restituição visado pelos peticionantes ( artº 1311º, nº 2 do Código Civil ). Ora, Segundo a estruturação imprimida pelos AA. à sua causa de pedir : Sobre o imóvel reivindicando foi celebrado, pelos anteriores proprietários, um contrato de arrendamento com uma determinada sociedade comercial para o prosseguimento nele da sua actividade. Tal sociedade, denominada B. Lda., veio a ser dissolvida em 2006, tendo sido registada a sua dissolução e o encerramento da liquidação em 22 de Maio de 2006. Face à extinção desse ente colectivo verificou-se a inevitável extinção, por caducidade, do contrato de arrendamento. Não assiste, por esse motivo, ao actual ocupante ( filho do sócio gerente da sociedade extinta ) qualquer título para permanecer no imóvel e recusar a sua entrega ao respectivo proprietário. A este propósito, provou-se nos autos que : O anterior proprietário da fracção dos autos declarou, em 24 de Janeiro de 1968, que esta havia sido arrendada para comércio à sociedade B. Lda., conforme certidão do S…, sendo os respectivos recibos de renda emitidos em nome da sociedade B. Lda.. O arrendamento manteve-se após a aquisição pelos autores da fracção dos autos, continuando a ser emitidos recibos de renda em nome da referida sociedade. No princípio de Julho de 2009, o réu compareceu no escritório do autor a fim de proceder ao pagamento da renda da fracção em causa, alegando que foi notificado para passar a pagar a quem de direito. Nessa altura, quando foi pedido ao réu o número de contribuinte da sociedade B. Lda., para ser emitido recibo da renda vencida em 1 de Julho de 2009 e respeitante ao mês de Agosto desse ano, este disse que tal sociedade havia sido extinta, solicitando que o recibo fosse emitido em seu nome, o que lhe foi recusado. A referida sociedade B. Lda. foi dissolvida em 2006, tendo sido registada a sua dissolução e o encerramento da liquidação em 22 de Maio de 2006. O autor enviou ao réu, que recebeu, uma carta datada de 15 de Setembro de 2009, epigrafada “caducidade do contrato de arrendamento por extinção da Sociedade B. ”, conforme cópia de fls. 36 e que aqui se dá por integralmente reproduzida. Durante anos, cujo número concreto não foi possível apurar, os pais do réu viveram na fracção autónoma dos autos, que constituiu a casa de morada de família deles até às datas das suas mortes, ela em 1978 e ele em 1990. O pai do réu vendia bilhas de gás e afins da B., Lda. na fracção dos autos. A B. Lda. tinha, pelo menos desde 1961, sede e instalações na Av. … C… . A partir de 1980, o réu passou a residir na fracção autónoma dos autos juntamente com o seu pai e até à data do falecimento dele. A situação de facto referida nos dois pontos anteriores era do conhecimento do autor. A fracção autónoma dos autos constitui a única residência do réu deste 1980. Apreciando : Consta da decisão recorrida : “Para obstar à peticionada restituição, o réu invoca a existência de um contrato de arrendamento para habitação celebrado com o seu pai e que se lhe transmitiu. De harmonia com o disposto nos arts. 83º e 85º, nº 1, al. b), e nº 2, do RAU (em vigor à data da morte do pai do réu), o arrendamento caduca por morte do arrendatário, excepto se lhe sobreviver descendente que com ele convivesse há mais de um ano, caso em que a posição daquele se transmite a favor deste. Por outro lado, a autora entende que o contrato de arrendamento caducou, por extinção da sociedade arrendatária – vide art. 1051º, alínea d), do Cód. Civil. No caso em análise, ficou provado que a fracção dos autos estava formalmente arrendada a uma sociedade, em nome de quem sempre foram passados os respectivos recibos de renda, mas que, na verdade, a mesma era usada, desde largos anos, pelo menos também e primordialmente, para habitação dos pais do réu e, actualmente, por este. Mais se provou que a dita sociedade foi dissolvida em 2006, pelo que, pelo menos a partir dessa data, não foi exercido na fracção qualquer tipo de comércio por aquela. Desta factualidade provada decorre que o contrato de arrendamento dos autos, ainda que inicialmente tivesse sido celebrado apenas para o exercício do comércio por parte da sociedade B. Lda. (o que não se apurou), passou, a determinada altura, a ser utilizada como única habitação dos pais do réu, sendo a actividade comercial aí exercida irrelevante ou mesmo, a partir de determinada altura, nula. Tal facto era do conhecimento do autor. Assim, atenta a situação de facto admitida por ambas as partes e consolidada ao longo de vários anos, entendo que estamos perante um verdadeiro contrato de arrendamento para habitação. Importa, por isso, considerar que o réu é o arrendatário da fracção dos autos, para habitação, em virtude de tal posição lhe ter sido transmitida por morte do seu pai, anterior arrendatário, o qual era titular de um verdadeiro contrato de arrendamento para habitação por força de uma situação de facto consolidada e mutuamente aceite pelas partes nesse contrato. Mesmo que assim não se entendesse, sempre se dirá que a pretendida desocupação do locado em virtude da extinção da sociedade em nome de quem estavam a ser passados os recibos consubstancia abuso de direito, já que os autores sabiam, e não podiam, nem ignoravam, que no locado não se exerce o comércio e que o mesmo está a ser habitado, há largos anos, primeiro pelos pais do réu, até á morte deles, e, depois, também pelo este (o réu). Atento o exposto, julgo improcedente o pedido de restituição da fracção dos autos e, consequentemente, o pedido de indemnização pela privação do uso. “. Vejamos : A decisão recorrida assenta no pressuposto essencial de que o pai do Réu, sócio gerente da sociedade B. Lda., assumiu a qualidade de arrendatário do imóvel reivindicado pelos AA., transmitindo o respectivo arrendamento - por sua morte - ao filho, nos termos gerais dos arts 83º e 85º, nº 1, al. b), e nº 2, do RAU[1]. Porém, Analisada - com o rigor exigível - a realidade factual apurada nos autos, cumpre concluir não ser possível afirmar essa sua qualidade de locatário. Com efeito, O arrendamento sub judice foi firmado entre o anterior proprietário do imóvel e a sociedade comercial supra indicada. Foi, ainda, permitido que no local habitassem os sócios da sociedade e respectivos familiares, o que não altera, de modo algum, a identidade da pessoa da arrendatária – a sociedade B. Lda. De salientar que Em momento algum foi manifestada ao senhorio a intenção por parte do Réu de beneficiar da transmissão da posição de inquilino. Outrossim, Não houve, em qualquer circunstância, a celebração de um novo contrato que lhe conferisse ao pai do ora Réu, a partir de então, essa qualidade jurídica de locatário. Conforme resulta pacificamente dos autos, sempre as rendas foram passadas em nome de B. Lda. e a declaração apresentada pelo anterior proprietário, para efeitos fiscais, contemplava, nesses termos, essa mesma entidade colectiva[2]. Inclusivamente na anterior acção judicial intentada pelo ora AA. contra a B. Lda., na qualidade de Ré, foi expressamente aceite pela contestante e foi dado como provado que a arrendatária da fracção era a referida sociedade e não pessoalmente qualquer dos seus sócios[3]. Assim sendo, Não há qualquer base factual que permita sustentar que o senhorio ( o actual ou o anterior ) tenha aceite ou reconhecido, em momento algum, o Réu - ou o seu pai - como locatários da fracção. Note-se que não existe prova, sequer, que os AA. ( ou o antecedente proprietário da fracção ) tivessem conhecimento – antes de Julho de 2009 - da extinção da sociedade B. Lda. ou do termo, no plano fáctico, do efectivo exercício da sua actividade social. Diferentemente, O que se provou ser do conhecimento dos AA. foi que : A partir de 1980, o réu passou a residir na fracção autónoma dos autos juntamente com o seu pai e até à data do falecimento dele. E que A B. Lda. tinha, pelo menos desde 1961, sede e instalações na Av…. Cova da Piedade. Daqui não resulta que os AA. soubessem da extinção formal da sociedade ou mesmo do termo do seu giro comercial - e da circunstância do imóvel ser utilizado exclusivamente para habitação do Réu, aceitando e reconhecendo, nessa medida, a dita qualidade de inquilino. O que igualmente afasta a possibilidade de enquadramento da situação na figura do abuso de direito, nos termos gerais do artigo 334º do Código Civil. Com a extinção da sociedade arrendatária do imóvel – a B. Lda. - verificou-se necessariamente a caducidade do contrato de arrendamento, conforme resulta do disposto no artigo 1051º, alínea d) do Código Civil. A apelação procede, neste tocante. 3 – Do pedido de indemnização por privação do uso do imóvel. A base factual que permitiria enquadrar juridicamente tal matéria, proporcionando a atribuição de indemnização por privação de uso, consta do artigo 14º da petição inicial, onde se referiu : “ E tendo em conta a localização da fracção facilmente a arrendaria por um valor mínimo mensal de € 300,00 ( trezentos euros ), o que até ao momento totaliza a quantia de € 1.500,00 ( mil e quinhentos euros ) e ainda todos os que se venceram até á efectiva entrega. “. Acontece que Tal factualidade foi dada, inteiramente, como não provada ( cfr. fls. 162 ). Pelos motivos indicados supra, não há lugar à modificação da decisão de facto proferida. O que impõe, por ausência da base factual bastante, a inevitável improcedência deste mesmo pedido[4]. Confirma-se nesse particular, com este fundamento, o decidido em 1ª instância. IV - DECISÃO : Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando-se a sentença recorrida e condenando o Réu a restituir aos AA., imediatamente, livre de pessoas e bens, a fracção reivindicada, confirmando-se o decidido na parte sobrante. Custas pelo apelante e apelado, na proporção de 1/3 ( um terço ) e 2/3 ( dois terços ), respectivamente. Lisboa, 13 de Novembro de 2012. ( Luís Espírito Santo ). ( Gouveia Barros ). ( Conceição Saavedra ). [1] Aplicável à situação sub judice atenta a data do óbito do arrendatário. [2] Saliente-se que o Réu não provou que “A fracção foi arrendada, desde o início, para habitação do seu pai, tendo ficado convencionado que os recibos iriam ser emitidos em nome da referida sociedade, de que o pai era sócio, de molde a entrarem na contabilidade da empresa “, conforme concretamente alegara. [3] Conforme consta da certidão junta a fls. 82 a 96, foi dado como provado, no indicado processo, por sentença datada de 17 de Março de 1992, que “ Por ajuste verbal celebrado há mais de vinte anos, um anterior proprietário da referida fracção, deu de arrendamento à Ré ( B. Lda. ) pelo prazo sucessivamente renovável de seis meses, mediante a renda mensal de 1.150$00, actualizada posteriormente “ e que “ Desde o início do arrendamento, a par da venda ao público de electrodomésticos e botijas de gás, também o sócio gerente da Ré e seus familiares habitavam o arrendado “. [4] Não é possível a condenação do Réu no montante a liquidar ulteriormente, uma vez que ausência de demonstração dos pressupostos de facto do seu direito indemnizatório inviabiliza, à partida, a possibilidade do peticionante vir a produzir, de novo, a prova que agora não conseguiu – definitivamente – realizar. | ||
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Decisão Texto Integral: |