Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6666/18.8T8LSB.L1-4
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
MOTIVO JUSTIFICATIVO
LANÇAMENTO DE NOVA ACTIVIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I– Para que se possa afirmar a validade do termo resolutivo aposto ao contrato é necessário que se explicitem no seu texto factos recondutíveis a um motivo justificativo da estipulação do termo e que tais factos tenham correspondência com a realidade.

II– No contrato a termo fundado em lançamento de nova actividade, incumbe ao empregador provar factos demonstrativos de que à data da contratação do trabalhador se lançava numa nova actividade e que a actividade laboral para que o trabalhador foi contratado se inscreve nessa nova actividade a que passou a dedicar-se.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:


1. Relatório


1. 1. AAA, intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra Banco BBB, SA, peticionando:

1.   Seja declarado sem termo o contrato de trabalho celebrado entre autora e ré;

2.   Seja declarada a ilicitude do despedimento e, em consequência:

a) Seja a ré condenada a pagar à autora as retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, deduzido o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da propositura da acção;

b) Seja a ré condenada a reintegrar a autora, sem prejuízo da categoria profissional, retribuição e antiguidade, ou a pagar-lhe uma indemnização a calcular até à data do trânsito em julgado da decisão judicial, cabendo ao tribunal fixá-la em 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fracção de antiguidade, conforme opção que vier a fazer até ao termo da discussão em audiência final.

Em fundamento da sua pretensão, alegou, em síntese: que foi admitida para trabalhar são serviço da ré em 1 de Abril de 2016, por contrato de trabalho a termo certo, com prazo de duração de seis meses, que foi renovado, mediante a retribuição mensal de € 1.600,00, para desempenhar as funções inerentes à categoria de quadro, designadamente funções técnicas, na área de reclamações, bem como funções afins ou funcionalmente ligadas; que por carta datada de 20 de Janeiro de 2017, a ré lhe comunicou a caducidade do contrato de trabalho a termo certo, com efeito a 31 de Março de 2017; que as funções para que foi contratada são funções permanentes; que, após a sua saída, foi admitida outra trabalhadora para exercer as mesmas funções, pelo que o termo é nulo.

Realizada a audiência de partes, a R. apresentou contestação na qual explicitou as razões concretas que levaram à aposição do termo nos termos em que foi consagrado no escrito que ambos outorgaram, para lançamento e início de uma nova actividade da R., a actividade bancária; que a A. desempenhava funções técnicas na área das reclamações; que a R. decidiu externalizar o tratamento e resposta a reclamações a uma entidade terceira e, deixando de ter a R. uma estrutura interna dedicada a esse tratamento, comunicou à A. a caducidade do contrato de trabalho a termo; que a trabalhadora (…) foi contratada para funções distintas das da A. e em momento anterior ao da cessação do seu contrato de trabalho, não ocupando o posto de trabalho daquela, pelo que não se encontra violado o artigo 143.º do CT; que neste caso o contrato de trabalho a termo não visa satisfazer uma necessidade temporária de mão de obra e o motivo se mostra suficientemente densificado, pelo que deve ser absolvida dos pedidos formulados.

Fixado o valor à acção, foi dispensada a audiência prévia, proferido despacho saneador tabelar e dispensada a enunciação do objecto do litígio e dos temas da prova.

Realizado o julgamento, no decurso do qual as partes chegaram a acordo quanto a parte da matéria de facto em litígio e a A. optou pela indemnização em caso de procedência da acção (fls. 60 e ss.), foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:

“Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção procedente e, em consequência decide-se:
1.   Declarar o termo nulo.
2.   Declarar ilícito o despedimento da autora.
3.  Condenar a ré Banco BBB, SA a pagar ao autor a as retribuições, férias, subsídios de férias e de Natal, desde 21 de Fevereiro de 2018, tendo por referência a retribuição base de € 1.600,00, até ao trânsito em julgado da presente sentença descontadas as importâncias que a autora tenha obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, devendo o subsidio de desemprego que eventualmente tenha sido auferido pela autora neste período ser entregue pela ré ao Instituto da Segurança Social, acrescidas aquelas retribuições de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data de vencimento até integral e efectivo pagamento.

3. Condena-se a ré Banco BBB, SA a pagar à autora uma indemnização de 30 dias de retribuição base - € 1.600,00 - por cada ano completo ou fracção de antiguidade, e até ao trânsito da presente sentença, não podendo a mesma ser inferior a três meses de retribuição base, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da sentença até integral e efectivo pagamento.
Custas a cargo da ré.
Comunique nos termos e para os efeitos do artigo 75º n.º 2 do Cód. Proc.
Trabalho.»

1.2. A R., inconformada interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:

(…)

1.3. A A. respondeu pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.

(…)

1.4. O recurso foi admitido por despacho rectificado a fls. 146 (na sequência da intervenção da Exma. Relatora já nesta Relação), declarando-se ter o recurso efeito suspensivo, em face da caução prestada nos autos. No mesmo despacho a Mma. Julgadora a quo afirmou não se verificar a nulidade da sentença suscitada pela recorrente.

1.5. Foram os autos redistribuídos à ora Relatora em consequência da tomada de posse no Supremo Tribunal de Justiça da primitiva Relatora.

1.6. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta opinou pela improcedência do recurso em douto Parecer que apenas mereceu resposta da recorrente, dele discordando.

Cumprido o disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
                                                                                                               *
2. Objecto do recurso
                                                                                                               *

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, são as seguintes:

1.ªda nulidade da sentença;
2.ªsaber se é, ou não, válida a estipulação do termo resolutivo aposto no contrato de trabalho que se estabeleceu entre as partes em 1 de Abril de 2016 com fundamento no lançamento de uma nova actividade;
3.ªda impugnação da decisão de facto quanto ao alegado no artigo 15.º da contestação, caso se considere que para afirmar a validade do contrato é necessário demonstrar o nexo de causalidade entre a opção de externalização das tarefas a que se dedicava a trabalhadora (que motivou a comunicação da caducidade do contrato) e a incerteza do lançamento da nova actividade;
4.ª na mesma hipótese, da validade do termo resolutivo. 
                                                                                                               *
3. Da nulidade da sentença
                                                                                                               *

3.1. A recorrente invoca que a sentença violou a norma do artigo 615.º, n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil pois os fundamentos em que assentou estão em oposição com a decisão proferida ou, no limite, existe obscuridade da decisão que torna a decisão ininteligível.

Vejamos.

Nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando:

“(…)

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível

(…).”

Este preceito corresponde ao artigo 668º do Código de Processo Civil de 1961, agora revogado, tendo inovado na alínea c) do nº 1, ao prever a ambiguidade ou a obscuridade que torne a decisão ininteligível [para além da supressão da alínea f) do mesmo nº 1, cuja previsão que agora está em parte contemplada no nº 1 do artigo que antecede].

Para que se verifique a primeira causa de nulidade, necessário é que os fundamentos estejam em oposição com a decisão, isto é, que os fundamentos nela invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença ou o acórdão expressa[1]. Nestas hipóteses, a decisão opõe-se aos fundamentos em que repousa, verificando-se um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, uma direcção diferente[2].

Quanto aos vícios previstos na segunda parte da referida alínea c), da ininteligibilidade e obscuridade, que anteriormente constituíam fundamento para pedido de aclaração da sentença ou acórdão [artigo 669.º, n.º 1, alínea a) do CPC revogado], só têm cabimento quando algum trecho essencial da sentença seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos)[3].

3.2.Começa a recorrente por dizer que o Tribunal a quo considerou que o termo do contrato se encontrava suficientemente circunstanciado, sendo o mesmo válido de um ponto de vista formal mas considerou depois que esse mesmo termo era, afinal, nulo, porquanto não se demonstrou que o contrato de trabalho com a autora foi celebrado para satisfazer necessidades temporárias, tendo-se por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo”. Questiona a recorrente: se resulta de forma clara e evidente qual foi o motivo justificativo que esteve na origem da celebração do contrato da Recorrida, como é que algumas linhas abaixo este mesmo Tribunal considera que afinal não resulta demonstrado que o contrato foi celebrado para satisfazer uma necessidade temporária?

Ora quanto a este aspecto não vemos que a sentença tenha incorrido num qualquer vício processual.

A afirmação de que o termo é válido de um ponto de vista formal porque o motivo está concretamente identificado não colide com a afirmação ulterior de que o vínculo deve ser considerado de duração indeterminada nos termos do artigo 147.º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho por não ter a R. provado que o contrato de trabalho com a autora foi celebrado para satisfazer a necessidades temporárias, tendo-se por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo”, afirmação que resulta de uma análise substancial dos factos e da adopção de uma determinada perspectiva jurídica.

São na verdade realidades diversas a validade formal de um contrato de trabalho a termo e a sua validade substancial, decorrente da efectiva correspondência entre o clausulado e a realidade à luz do regime jurídico pertinente, podendo subsistir uma sem a outra.

Poderá haver um erro de julgamento em qualquer destas asserções da sentença que a recorrente reputa de contraditórias, o que se aferirá no momento da aplicação do direito aos factos, mas não pode dizer-se que se verifica uma qualquer contradição decisória ou obscuridade geradora de nulidade.

3.3.A recorrente alega ainda haver incongruência entre a fundamentação e a decisão final pois o tribunal a quo entendeu na fundamentação da decisão que estávamos perante uma situação de necessidade permanente e não temporária, não se percebendo, afinal, se o tribunal entende que estamos perante uma necessidade permanente ou perante uma temporária.

Ora também aqui se não detecta qualquer incongruência na decisão da 1.ª instância. É pacífico que a necessidade a que se reporta o contrato de trabalho a termo celebrado é permanente. A A. assim o afirmou (vide o artigo 12.º da petição inicial), a R. igualmente o aceitou (vide o artigo 4.º da contestação) e a sentença seguiu o mesmo caminho, fundando aliás nesta permanência das funções da A. na esfera da empresa de outsourcing o seu juízo condenatório final, mas jamais dizendo que as necessidades para que foi contratada a recorrida eram temporárias.

Perante esta coerência da sentença, não se detecta, neste particular, a invocada nulidade.

3.4. Finalmente, a recorrente alega que a sentença incorre em frontal contradição ao afirmar que o factor de incerteza resulta, por natureza, do lançamento de uma nova actividade e considerar posteriormente que a R. não demonstrou quaisquer factos de onde resulta que a referida actividade foi externalizada pela incerteza do início da laboração”. Segundo diz, não se logra compreender por que razão a R. teria de ter demonstrado o nexo de causalidade entre a opção de externalização – que motivou a comunicação de caducidade do contrato da Recorrida – e a incerteza do lançamento de nova actividade, uma vez que uma e outra estão geneticamente ligadas.

Neste aspecto assiste razão à recorrente.

É na verdade contraditório:

- por um lado, e a propósito da alegação da A. de que do contrato não resulta que é uma actividade incerta”, afirmar a sentença que a incerteza resulta do próprio início de actividade”, só tem de resultar do contrato que é efectivamente o início de uma nova actividade, que o regime jurídico do contrato de trabalho a termo, ao permitir a aposição do termo resolutivo, contempla situações de natureza distinta”, que se distinguem das situações clássicas, marcadas pela nota da satisfação de necessidades temporárias da empresa” os casos previstos no artigo 140º, n.º 4, alínea a) CT em que o contrato a termo é celebrado, quando uma empresa, prosseguindo ou não anteriormente outras actividades, lança uma actividade, nova em si, no mercado, ou resolva implementá-la num novo local geográfico”, que a admissibilidade da contratação a termo nestes casos se justifica, sem necessidade de outro fundamento, atendendo a razões de natureza económica e psicológica e para pôr à disposição do empregador modalidades mais flexibilizadoras dos efectivos da empresa susceptíveis de vencer as resistências à admissão de novos trabalhadores, sobretudo no início da sua actividade produtiva ou do seu alargamento, momentos em que as incertezas e dúvidas no que respeita ao êxito da actividade são compreensivelmente maiores”, sendo o factor potenciador de risco/incerteza é o carácter de novidade da actividade, e

- por outro lado, afirmar a sentença que a R. não demonstrou nestes autos que as funções da autora eram temporárias nem quaisquer factos de onde resulta que a referida actividade foi externalizada pela incerteza do início da laboração”, daí concluindo que nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 147º do Código de Trabalho, e não tendo ficado demonstrado que o contrato de trabalho foi celebrado para satisfazer necessidades temporárias, se teve por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo” e deve o vínculo estabelecido entre a autora e ré ser considerado de duração indeterminada.

Este segundo momento da fundamentação da sentença e a subsequente decisão são totalmente incongruentes com a fundamentação jurídica que os precedeu.

Na verdade, considerando a Mma. Juiz da 1.ª instância que os casos de lançamento de nova actividade do artigo 140.º, n.º 4, alínea a) do Código do Trabalho são distintos das situações clássicas marcadas pela nota da satisfação das necessidades temporárias da empresa e o factor potenciador de risco/incerteza é o carácter de novidade da actividade, nunca poderia depois vir a julgar que, justamente por a R. não provar o carácter temporário da actividade, nem que ela foi externalizada pela incerteza do início da laboração, a contratação visou iludir as disposições do contrato de trabalho sem termo e o contrato deve ser considerado sem termo.

A oposição entre os fundamentos e a decisão da sentença releva como vício formal, para os efeitos da nulidade cominada na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, quando se traduzir numa contradição nos seus próprios termos, num dizer e desdizer desprovido de qualquer nexo lógico positivo ou negativo, que não permita sequer ajuizar sobre o mérito do julgado[4].

Como ensina o Prof. Alberto dos Reis, esta nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão verifica-se quando na construção da sentença existe realmente um vício lógico, pelo facto do juiz chegar a um resultado diferente daquele a que os fundamentos invocados logicamente conduziriam[5]. Nestas situações, o julgador elabora uma construção viciosa, pois os fundamentos invocados conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto, pelo que a proposição final (conclusão) se revela incompatível com as proposições logicamente antecedentes (fundamentos), o que traduz um vício de raciocínio[6].

É o que ocorre no caso sub judice em que a relação entre a fundamentação e a decisão não é de mera inconcludência, mas de oposição manifesta, sem que se vislumbre uma explicação susceptível de fazer compreender o salto lógico que se verifica entre a indicada fundamentação e a decisão que depois vem a ser proferida, pelo que é de considerar neste aspecto verificada a arguida nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão.
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3.2. Nos termos do preceituado no artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do artigo 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação.

Em conformidade com este comando normativo, cabe ao Tribunal da Relação sanar a constatada contradição entre os fundamentos e a decisão e conhecer do demais que é objecto do recurso, uma vez que dispõe dos elementos necessários para o efeito.

É o que se fará, no momento próprio.
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4. Fundamentação de facto
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4.1. A despeito de a recorrente impugnar a decisão de facto quanto ao alegado no artigo 15.º da contestação, defendendo que o seu teor deve considerar-se provado, e de a decisão de facto dever preceder a decisão de direito, pois que é aos factos antecipadamente provados que se aplica o regime jurídico adequado, no caso vertente o facto em causa assume relevância apenas caso se considere que é necessário demonstrar o nexo de causalidade entre a opção de externalização das tarefas a que se dedicava a trabalhadora (que motivou a comunicação da caducidade do contrato) e a incerteza do lançamento da nova actividade para afirmar a validade da estipulação do termo resolutivo aposto no contrato de trabalho que se estabeleceu entre as partes em 1 de Abril de 2016 com fundamento no lançamento de uma nova actividade de duração incerta.

Assim, por uma questão de precedência lógica, analisaremos a questão jurídica essencial que se suscita em face dos factos considerados provados na sentença, apenas se avançando para a apreciação da suscitada questão de facto caso a mesma se revele necessária, observando a ordem em que se elencaram as questões a decidir na apelação.
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4.2. Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:

«[...]

1. Em 1 de Abril de 2016, ré e autora subscreveram o escrito por elas designado por “contrato de trabalho a termo certo”, junto a folhas 11 a 14 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente o seguinte:

“Considerando único:

O Primeiro Contratante foi, em 24 de Agosto de 2015, objecto de uma transformação societária, por via da qual ficou habilitado ao desenvolvimento da actividade bancária, tendo-se já concluído o processo atinente à obtenção de registo especial junto do Banco de Portugal por forma a dar início ao exercício da sua actividade bancária.

É livremente e de boa-fé, celebrado o presente contrato de trabalho a termo certo, nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 140º do Código de Trabalho, (...), que se regerá pelo regime de direito comum do trabalho e pelas cláusulas seguintes:

Cláusula Primeira
O Segundo Contratante compromete-se a prestar ao Primeiro Contratante a sua actividade profissional, desempenhando as funções correspondentes à categoria profissional de Quadro, designadamente funções técnicas, na área de Reclamações, sita na Avenida D. (…) Lisboa.

Cláusula Segunda
O Segundo Contratante fica sujeito a um período normal de trabalho, com a duração semanal de 40 horas, máxima diária de 8 horas e a todos os horários praticados na área de Operações/Testes, de acordo com a escala que consta do mapa de horários de trabalho, afixado no local de trabalho, ficando desde já reconhecida ao primeiro contratante a faculdade de transferir para o segundo contratante para instalações que possua, ou venha a possuir, localizadas em zona diferentes das actuais, sem prejuízo das deslocações e instalações que este venha a realizar para cumprimento das funções.

Cláusula Terceira
A primeira contratante pagará ao segundo contratante, a retribuição de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros) mensais, sendo o pagamento efectuado mensalmente.

Cláusula Quarta
O contrato é celebrado ao abrigo da alínea a) do n.° 4 do artigo 140° do Código do Trabalho pelo prazo de 6 meses, com início em 1 de Abril de 2016 e término em 30 de Setembro de 2016, podendo o mesmo renovar-se por igual período, nos termos da lei, com fundamento no início e desenvolvimento da actividade bancária, na sequência da alteração do objecto social da primeira contratante, que concretiza a motivação de lançamento de nova actividade incerta.

(...).”

2. Em 30 de Setembro de 2016, autora e ré subscreveram o escrito por elas designado por “Acordo de Renovação de Contrato de Trabalho a Termo Certo”, com início a 1 de Outubro de 2016, junto a folhas 15 a 18 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente o seguinte:

“Cláusula Segunda
1. A presente renovação do contrato é celebrada nos termos da alínea a), do n.° 4, do art.° 140°, do Código do Trabalho, justificando-se pelo lançamento de nova actividade de duração incerta, na sequência da alteração do objecto social do primeiro contratante, concretizando-se pelo início e desenvolvimento da actividade bancária daquele.
2. Ambos os contratantes declaram conhecer, concordar e dar como verdadeiros o motivo e enquadramento referido no número anterior.”
3. A autora sempre desempenhou as suas funções sob a autoridade, direcção e fiscalização da ré.
4. A autora auferia a retribuição base mensal de € 1.600,00.
5. A autora foi contratada para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Quadro, designadamente funções técnicas, na área de reclamações, bem como as funções afins ou funcionalmente ligadas.
6.  As funções referidas anteriormente sempre foram exercidas no mesmo local local de trabalho, sito nas instalações da ré sita na Av. (…)
7.  Por carta datada de 20 de Janeiro de 2017, junta a folhas 19, a ré comunicou à autora a “vontade de fazer cessar o contrato de trabalho a termo certo celebrado com V. Exa. em 1 de abril de 2016 e renovado em 1 de outubro de 2016, pelo que o mesmo caducará no dia 31 de março de 2017”.
8. Encontra-se inscrita pela Ap. 25/20150824 aumento de capital, alterações ao contrato de sociedade e designação consignando como objecto:

 “1. A sociedade tem por objecto o exercício da actividade bancária, incluindo todas as operações acessórias, conexas ou similares compatíveis com essa actividade e permitidas por lei. 2. No período que medeia entre a data de início da sua actividade e 31 de dezembro de 2017, a actividade pela Sociedade através do canal presencial correspondente às lojas dos (…), SA que sejam estações do correio, tal como definidas na alínea i) da Base I da concessão do serviço postal universal, (...). 3. A sociedade pode participar em contratos de consórcio ou contratos de associação em participação, em agrupamentos europeus de interesses económico, e, bem assim, adquirir, originária e subsequentemente, acções ou quotas em sociedades de responsabilidade limitada e participações em sociedade de responsabilidade ilimitada, qualquer que seja o respectivo objecto e mesmo se sujeitas a leis especiais.”

10. No período compreendido entre 1 de Abril de 2016 e 31 de Março de 2017, a autora, no âmbito da função de “Gestor de Reclamações”, desempenhou as seguintes tarefas:

a) Tratamento de processos não regulatórios: assegurar, de forma eficiente, o correcto tratamento, documentação e resposta dos processos não regulatórios. Apresentar elevada performance qualitativa, com o objectivo de assegurar o melhor tratamento e resposta para a totalidade dos processos;

b) Tratamento de processos regulatórios: assegurar, de forma eficiente, o correio tratamento, documentação e resposta dos processos não regulatórios. Apresentar elevada performance qualitativa, com o objectivo de assegurar o melhor tratamento e resposta para a totalidade dos processos;

c) Resposta a mensagens de Homebanking: Assegurar, de forma eficiente, o correcto tratamento e resposta das mensagens de correio homebanking. Apresentar elevada performance qualitativa, com o objectivo de assegurar o melhor tratamento e resposta para a totalidade das referidas mensagens.

11. A ré decidiu externalizar por completo, os processos de tratamento e resposta de reclamações, então assegurados pela autora.
12.  A ré decidiu externalizar os aludidos processos de tratamento e resposta de reclamações numa empresa de prestadora de serviços, denominada Reditus, em regime de outsourcing.
13. Em 6 de Fevereiro[7] de 2017, réu e (…)  subscreveram o escrito junto a fls. 46 v.º a 51 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente o seguinte:

“Cláusula Primeira
(Objecto e Categoria Profissional)
1.  A Segunda Contraente é admitida ao serviço da Primeira Contraente para exercer, sob a sua autoridade e direcção, funções técnicas na Direcção de CRM e Canais Não Presenciais, correspondentes à categoria profissional de Quadro.
2. A actividade profissional referida no número anterior compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, designadamente actividades compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional.
 (...).
Cláusula Quinta
(Início, Termo e Motivo Justificativo)
1.  O presente contrato de trabalho a termo certo é celebrado pelo prazo de 6 (seis) meses, com início em 6 de fevereiro de 2017 e término em 5 de agosto de 2017, desde já manifestando as partes a intenção de não renovação do mesmo, não havendo lugar a qualquer comunicação nem à compensação legal previstas no artigo 344° do Código do Trabalho, pelo que o contrato caducará, salvo acordo em contrário, na data acima mencionada.
2.  O presente contrato a termo certo é celebrado nos termos da alínea g), do n.° 2, do artigo 140° do Código do Trabalho, justificando-se pela necessidade de o Primeiro Contraente pretender executar um serviço determinado, precisamente definido e não duradouro, mais precisamente um projecto-piloto no Serviço de Apoio ao Cliente do Banco, que consiste na reorganização e automatização dos processos e procedimentos de resposta a clientes, com um nível superior de complexidade, incluindo o modo de articulação com os diferentes departamentos do Banco envolvidos e, bem assim, com os reguladores (se necessário), por forma a melhorar os indicadores de tempo e qualidade de resposta do Banco perante os seus clientes, o que decorrerá, previsivelmente, até 5 de Agosto de 2017. Como tal, o Banco tem uma necessidade temporária, pelo menos até ao dia 5 de Agosto de 2017, de contratar uma trabalhadora para desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de Quadro, de modo a assegurar o funcionamento regular e sem qualquer perturbação da sua actividade, entendendo-se que o prazo estipulado para a vigência do presente contrato é o estritamente necessário para a conclusão do referido projecto, estabelecendo-se assim a relação entre o termo estabelecido e o respectivo motivo justificativo, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 141º do Código do Trabalho. (...).”

14. Em 6 de Agosto de 2017, réu e (…) subscreveram o acordo escrito por eles designado por “Acordo de Renovação de Contrato de Trabalho a Termo Certo”, junto a folhas 51 verso a 52 verso e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

15. Em 6 de Fevereiro de 2018, réu e (…), subscreveram o acordo escrito por eles designado, por “Acordo de Renovação de Contrato de Trabalho a Termo Certo”, junto a folhas 53 e 54 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

16. A trabalhadora (…), na qualidade de “Coordenadora da Área de Gestão de Reclamações”, foi contratada para desempenhar as seguintes funções:

a) Validação de processos não regulatórios. Assegurar a validação, por amostragem, do tratamento, documentação e resposta dos processos não regulatórios. Monotorizar diariamente as volumetrias, o cumprimento de SLAs e organizar a distribuição de tarefas sempre que necessário;
b) Validação de processos regulatórios. Assegurar a validação e a assinatura de todos os processos regulatórios. Apoiar a equipa nas diligências necessárias para obter esclarecimentos das áreas da ré e as validações das áreas de Controlo. Controlar diariamente o cumprimento de prazos e respostas e as actividades pendentes. Antecipar riscos decorrentes dos temas reclamados. Organizar a distribuição de tarefas sempre que necessário;
c) Produção de informação de gestão: Assegurar o controlo das actividades da área, resposta, volumetria e níveis de serviço de resposta;
d) Monitorização de Qualidade: Realizar a monitorização mensal, por amostragem, dos processos tratados pela área com a Coordenação de Linhas de Suporte e respectiva área de qualidade. [provado o]
e) Tratamento de processos regulatórios e não regulatórios: Sempre que (i) se verifiquem volumetrias atípicas; (ii) ocorram ausências não programadas das Equipas de Gestores de Reclamações e (iii) sempre que exista o risco de não cumprimento de SLAs estabelecidos, o Coordenador da Área de Reclamações contribui activamente para o tratamento e resposta de processos regulatórios e não regulatórios.
17. A trabalhadora (…) é licenciada em Direito.

[...]».
                                                                                                               *
5. Fundamentação de direito
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5.1. A questão da validade do termo a analisar nos presentes autos deverá sê-lo à luz do regime jurídico constante do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro, uma vez que o contrato que integra a causa de pedir da presente acção foi celebrado em 1 de Abril de 2016, em plena vigência daquele código.
                                                                                                               *

5.2. As partes celebraram o “Contrato de Trabalho a Termo Certo” documentado a fls. 11-14, de acordo com o qual a A. se obrigou a prestar à R., a actividade correspondente à categoria profissional de Quadro, mediante o pagamento de uma retribuição mensal. O referido contrato foi celebrado por 6 meses, com início em 1 de Abril de 2016, e a estipulação do termo ficou fundamentada na cláusula 4.ª do escrito do seguinte modo:

«O contrato é celebrado ao abrigo da alínea a) do n.° 4 do artigo 140° do Código do Trabalho pelo prazo de 6 meses, com início em 1 de Abril de 2016 e término em 30 de Setembro de 2016, podendo o mesmo renovar-se por igual período, nos termos da lei, com fundamento no início e desenvolvimento da actividade bancária, na sequência da alteração do objecto social da primeira contratante, que concretiza a motivação de lançamento de nova actividade incerta (...).»

No mesmo escrito ficou a constar um considerando prévio com o seguinte teor:

«O Primeiro Contratante foi, em 24 de Agosto de 2015, objecto de uma transformação societária, por via da qual ficou habilitado ao desenvolvimento da actividade bancária, tendo-se já concluído o processo atinente à obtenção de registo especial junto do Banco de Portugal por forma a dar início ao exercício da sua actividade bancária.»

5.2.1. Nos termos do preceituado no artigo 140.º do Código do Trabalho de 2009, “[o] contrato de trabalho a termo só pode ser celebrado para satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades (n.º 1), considerando-se, nomeadamente, necessidades temporárias da empresa as exemplificadas nas alíneas do seu n.º 2.

O n.º 4 do artigo 140.º admite, ainda, “[a]lém das situações previstas no n.º 1 a possibilidade de ser celebrado um contrato a termo nos seguintes casos:

“a) Lançamento de uma nova actividade de duração incerta, bem como início de laboração de empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa com menos de 750 trabalhadores;

b) Contratação de trabalhador à procura de primeiro emprego, em situação de desemprego de longa duração ou noutra prevista em legislação especial de política de emprego.”

Nestes casos, os motivos que justificam a contratação a termo não dão ao intérprete qualquer indicação do prazo para o contrato na medida em que, subjacentes a esta possibilidade de contratação a termo, estão motivos de diminuição do risco empresarial e de política de emprego. Assim, a limitação temporal da contratação decorre não da natureza dos motivos justificativos, mas do juízo do legislador expresso no artigo 148.º, n.º 1, alíneas a) e b), quanto à duração máxima de um vínculo precário deste tipo, no caso, dois anos[8].

Como decorre expressamente do corpo do n.º 4 do artigo 140.º do Código do Trabalho, nestas situações o contrato não depende dos requisitos constantes da cláusula geral do n.º 1 do mesmo artigo, o que significa que estes trabalhadores podem ser contratados para a satisfação de necessidades permanentes da empresa[9].

5.2.2. Para que se possa afirmar a validade do termo resolutivo aposto ao contrato é necessário que se explicitem suficientemente no texto do contrato factos recondutíveis a uma das hipóteses previstas no artigo 140.º do Código do Trabalho (em que o legislador considera lícita a celebração do contrato de trabalho a termo) – cfr. o artigo 141.º, n.º 1, alínea e) e n.º 3 do Código do Trabalho.

Se por acaso o empregador tiver razões válidas para proceder à contratação a termo, mas não fizer constar tais razões do documento que titula o contrato (ainda que venha a alegá-las e demonstrá-las em tribunal), a consequência será a conversão do contrato em contrato sem termo[10]

Além disso, é necessário que esses factos tenham correspondência com a realidade.

Se, apesar de devidamente concretizado no contrato um motivo recondutível às hipóteses em que é lícita a contratação precária, o mesmo é inverídico, é de convocar o comando legal do artigo 147.º, n.º 1, alínea b), nos termos do qual a celebração de contrato a termo “fora dos casos previstos nos n.ºs 1, 3 ou 4, do artigo 140.º implica se considere o contrato celebrado como um contrato de trabalho sem termo.

5.2.3. No caso sub judice mostra-se satisfeita, com a transcrita cláusula 4.ª, a exigência da indicação e concretização dos motivos da contratação no texto do contrato de trabalho celebrado entre recorrente e recorrido.

Assim o afirmou a sentença em segmento que não foi questionado por qualquer das partes e que teve o seguinte teor:

“A autora diz que o motivo justificativo aposto no contrato não indica factos concretos donde resulte que é uma actividade incerta.

Não assiste razão à autora neste ponto. Com efeito, a incerteza resulta do próprio início de actividade e, por isso, do termo (e neste caso há que ter em conta o “considerando” prévio) só tem de resultar que é efectivamente o início de uma nova actividade o que resulta da alusão ao registo da alteração societária e obtenção junto do Banco de Portugal para obter os respectivos registos.

Decorre de forma evidente e concreta o motivo da celebração do contrato que é o início de actividade bancária decorrente da transformação societária.

Do ponto de vista formal, o motivo está concretamente identificado não existindo qualquer imprecisão ou generalidade.»

Subscrevemos este juízo, nada se nos oferecendo acrescentar uma vez que o mesmo vincula as partes.

5.2.4. Mas o julgador não pode quedar-se por esta análise do texto contratual, impondo-se-lhe, ainda, averiguar se o motivo invocado e o prazo previsto têm correspondência com a realidade prestacional do trabalhador contratado e com a conjuntura da empresa (pressuposto a analisar à face da prova produzida)[11].

Sendo de notar que o ónus da prova dos factos que justificam a celebração do contrato de trabalho a termo incumbe ao empregador, como resultava da regra geral do artigo 342.º do Código Civil e se mostra expressamente prescrito no artigo 140.º, n.º 5 do Código do Trabalho.

Na sentença recorrida analisou-se esta questão partindo do princípio de que, além da prova do lançamento da nova actividade – que a sentença anteriormente referiu ser o início da actividade bancária decorrente da transformação societária, dando mesmo como provado que a Recorrente alterou o seu objecto social, passando a prever o exercício de actividade bancária (facto 8.) –, a R. empregadora teria ainda que provar que as necessidades para que foi contratada a trabalhadora são “temporárias” e que a actividade que ele desempenhava foi externalizada pela incerteza do início da laboração”.

É o que resulta do seguinte excerto:

«Por outro lado, invoca a autora que as necessidades para que foi contratada são permanentes e não temporárias.

E neste ponto assiste-lhe razão. Não pelo facto que invoca – contratação de outra trabalhadora para as funções que eram por si exercidas – mas sim pelo facto de as funções continuarem a existir sendo que apenas foram externalizadas. Acresce que não ficou demonstrado que a externalização das funções da autora decorrido da incerteza do início de actividade.

De acordo com o artigo 140º, n.º 5, CT, cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo.

A ré não demonstrou nestes autos que as funções da autora eram temporárias nem quaisquer factos de onde resulta que a referida actividade foi externalizada pela incerteza do início da laboração.

Nesta conformidade, atento o disposto nas alíneas a) do n.º 1 do artigo 147º do Código de Trabalho não tendo ficado demonstrado que o contrato de trabalho com a autora foi celebrado para satisfazer a necessidades temporárias, tendo-se por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo, deve o vínculo estabelecido entre a autora e ré ser considerado de duração indeterminada.»

A recorrente discorda, alegando, quanto a este aspecto, que nos casos elencados no mencionado n.º 4 do artigo 140.º do CT, o contrato a termo não visa fazer face a uma necessidade temporária de mão-de-obra da empresa, mas antes a uma necessidade permanente de mão-de-obra e que, nestes casos, o contrato a termo é motivado em razões objectivas, nomeadamente políticas de incentivo ao investimento e de diminuição do risco empresarial pelo início de uma nova actividade, pelo que não se lhe impunha demonstrar necessidades temporárias, contrariamente ao entendimento do tribunal a quo.

Vejamos.

A admissibilidade da contratação a termo no caso de uma nova empresa que lança uma nova actividade ou inicia a sua laboração não se relaciona, em rigor, com a ideia de transitoriedade,  mas antes com a probabilidade ou não de subsistência da nova empresa ou da nova actividade, em virtude da imprevisibilidade das circunstâncias económicas, sociais e políticas do mercado.

Trata-se de segmentos da actividade do empregador não consolidados”, em que o empregador não tem base segura de calculabilidade quanto aos recursos humanos[12].

Na óptica do legislador, a novidade da actividade (que o empregador vai lançar na sua empresa) ou da própria empresa ou estabelecimento (que inicia a sua laboração) implica a incerteza da sua viabilidade e, daí, a admissibilidade da contratação a termo.

É o especial riscoou incertezapresente nestas situações que constitucionalmente justifica a excepção à regra da duração indeterminada dos contratos de trabalho (cfr. o artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa).

Cabe aqui lembrar o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 581/95, proferido em sede de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade da correspondente norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea e), da LCCT. Este aresto fundou o seu juízo de não inconstitucionalidade da norma no entendimento de que as situações de lançamento de uma nova actividade de duração incerta e de início de laboração de uma empresa ou estabelecimento”, porque relativas a segmentos da actividade do empregador não consolidados”, justificavam a admissibilidade do contrato a termo”, porquanto “[o] legislador teve ali em conta a «natureza das coisas» e adequou a essa natureza o sentido da lei: a entidade empregadora que se propõe uma actividade por tempo incerto ou que abre a empresa, pela primeira vez, aos riscos do mercado, não tem base segura de calculabilidade quanto aos recursos humanos. Por isso que lhe não é exigível – e não é assim exigível ao legislador que determine – a adopção da modalidade-regra do contrato de trabalho por tempo indeterminado.”

No caso sub judice, nada impunha, pois, que a R. tivesse que demonstrar serem temporárias as necessidades para que a A. foi contratada, nem tem qualquer influência na análise da validade do termo de seis meses estipulado no contrato que se firmou entre as partes em 1 de Abril de 2016, renovado por uma vez (factos 1. e 2.), que a R. tenha decidido externalizar por completo os processos de tratamento e resposta de reclamações então assegurados pela autora, numa empresa de prestadora de serviços, denominada Reditus, em regime de outsourcing (factos 11. e 12.).

Menos se impondo ainda que a R. provasse factos de onde resultasse que a referida actividade foi externalizada pela incerteza do início da laboração.

Mostram-se provados factos demonstrativos de que à data da contratação da A., a R. se lançava numa nova actividade bancária (factos 1. e 8.) – o que, aliás, a A. nunca pôs em causa –, com a inerente incerteza quanto ao resultado económico da mesma. Por outro lado, a actividade laboral para que a A. foi contratada inscreve-se nesta nova actividade a que a R. passou a dedicar-se (factos 1., 2., 5., 6. e 10.). Assim, e estando observados os limites temporais previstos no artigo 148.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho, nada obsta à afirmação da validade da contratação a termo que se subsume à fattispecie legal do art, 140.º, n.º 4 alínea a), primeira parte, do Código do Trabalho.

5.3. Deve acrescentar-se que, como se induz já da sentença, não se verifica in casu a hipótese de sucessão de contratos de trabalho a termo prevista no artigo 143.º do Código do Trabalho com a contratação da trabalhadora (…), pois que esta hipótese legal pressupunha o desempenho de funções correspondentes ao mesmo posto de trabalho por parte da recorrida e da referida trabalhadora, o que não resulta dos factos provados (vide os factos 1., 10., 13. e 16.).

5.4. Tendo-se por verificada a validade da contratação a termo certo da A., bem como a observância da duração máxima prevista na lei, o contrato de trabalho sub judice não se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado, pelo que a comunicação da R a pôr fim ao contrato, sob a alegação de caducidade, não constituiu um despedimento ilícito e operou validamente a extinção do vínculo [vide os artigos 340.°, alínea a), 343.º, alínea a) e 344.°, n.º 1, do Código do Trabalho].

Merece provimento o recurso, devendo absolver-se a recorrente dos pedidos contra si formulados pela recorrida na sua petição inicial, todos eles pressupondo a conversão do contrato celebrado entre as partes em contrato de trabalho sem termo.
                                                                                                               *
5.5. Em consequência da decisão a que se chegou quanto à validade do termo estipulado, mostra-se prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso, que tinham como pressuposto ser necessário, para afirmar a validade da estipulação do termo resolutivo aposto no contrato de trabalho que se estabeleceu entre as partes em 1 de Abril de 2016 com fundamento no lançamento de uma nova actividade de duração incerta, demonstrar o nexo de causalidade entre a opção da R. de externalização das tarefas a que se dedicava a trabalhadora e a incerteza do lançamento da nova actividade (cfr. o artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 663.º do mesmo diploma legal e este por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).
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5.6. Porque ficou vencida no recurso, deverá a recorrida suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). Mostrando-se paga a taxa de justiça e não havendo encargos a contar neste recurso que, para efeitos de custas processuais, configura um processo autónomo (artigo 1.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais), a condenação é restrita às custas de parte que haja.
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6.–Decisão

Em face do exposto:

- declara-se a nulidade da sentença da 1.ª instância por, nos termos sobreditos, nela haver em parte contradição entre os fundamentos e a decisão;
- concede-se provimento à apelação e revoga-se a sentença da 1.ª instância, absolvendo a recorrente Banco BBB, S.A. dos pedidos formulados pela recorrida AAA, na sua petição inicial.

Condena-se a recorrida nas custas de parte que haja a contar.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.


Lisboa, 2 de Maio de 2019


(Maria José Costa Pinto)
(Manuela Bento Fialho)
(Sérgio Almeida)


[1]Vide o Prof. J.A. Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol 5º, p. 141.
[2]Vide o Prof. Antunes Varela, Miguel Bezerra e S. Nora, in “Manual de Processo Civil”, p. 671.
[3]Vide o Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol . V, p., 151.
[4]Vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2011.11.29, Processo n.º 514/09.7TBLGS.L1-7, in www.dgsi.pt.      
[5]In Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 4.ª edição, reimpressão, Coimbra. 1985, pp. 141-142.
[6]Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2008.05.07, Recurso n.º 3380/07 e de 2003.02.05, Revista n.º 1193/02, ambos da 4.ª Secção e sumariados in www.stj.pt.
[7]Rectifica-se a data do documento uma vez que o mesmo foi dado por reproduzido no ponto 13. e efectivamente se mostra datado de Fevereiro antes das assinaturas (e não de Agosto como constava da sentença), sendo a este mês que se reporta a cláusula 5.ª referente ao início da sua produção de efeitos. Atenta-se ainda em que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 663.º, n.º 2 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, ambos aplicáveis ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho, os factos relevantes plenamente provados por documento devem ser atendidos pelo Tribunal da Relação.
[8]Vide Luís Miguel Monteiro e Pedro Madeira de Brito, in Código do Trabalho Anotado, sob a coordenação de Pedro Romano Martinez e outros, 8.ª edição, Coimbra, 2009, p. 383.
[9]Vide o Acórdão da Relação de Lisboa de 2005.04.06, in Colectânea de Jurisprudência, tomo II, p. 151
[10]Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2005.03.03 (Recurso n.º 3952/04, da 4.ª Secção).
[11]Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.06.09, Recurso n.º 1389/07.6TTPRT.S1, in www.dgsi.pt.
[12]Vide Lobo Xavier in Curso de Direito do Trabalho, Lisboa,
1992, p. 468.