Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6564/21.8T8LRS.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I) O processo de inventário comporta especificidades, que determinaram que o legislador o tenha erigido como um dos processos especiais regulados no CPC (cfr. o Título XVI do Livro V do CPC).
II) Nos artigos 1082.º a 1135.º do CPC - introduzidos pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro – consta a regulação normativa dos processos de inventário instaurados nos tribunais judiciais a partir de 1 de janeiro de 2020 (cfr. artigo 15.º da referida Lei) e dos processos pendentes nessa data nos cartórios notariais que venham a ser remetidos a tribunal judicial, de harmonia com o disposto nos artigos 12.º e 13.º da mesma Lei.
III) De acordo com o disposto no artigo 1084.º, n.º 1, do CPC, “ao inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditária aplica-se o disposto no capítulo II” (artigos 1097.º a 1130.º do CPC), enquanto que, de harmonia com o n.º 2 do mesmo artigo 1084.º do CPC, “ao inventário destinado à realização dos demais fins previstos no artigo 1082.º aplica-se o disposto no capítulo III” (artigos 1131.º a 1135.º do CPC) “e, em tudo o que não estiver especificamente regulado, o regime definido para o inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditária”.
IV) No caso de o requerente do inventário se arrogar a qualidade de cabeça-de-casal da herança cuja partilha pretende, o requerimento inicial que apresente deverá observar as prescrições contidas no artigo 1097.º do CPC, ou seja, deve:
- Identificar o autor da herança, o lugar do seu último domicílio e a data e o lugar em que haja falecido;
- Justificar a qualidade de cabeça de casal;
- Identificar os interessados diretos na partilha, os respetivos cônjuges e o regime de bens do casamento, os legatários e ainda, havendo herdeiros legitimários, os donatários;
- Juntar a certidão de óbito do autor da sucessão e os documentos que comprovem a sua legitimidade e a legitimidade dos interessados diretos na partilha;
- Juntar os testamentos, as convenções antenupciais e as escrituras de doação;
- Juntar a relação de todos os bens sujeitos a inventário, ainda que a sua administração não lhe pertença, acompanhada dos documentos comprovativos da sua situação no registo respetivo e, se for o caso, da matriz;
- Relacionar os créditos e as dívidas da herança, acompanhada das provas que possam ser juntas;
- Juntar o compromisso de honra do fiel exercício das funções de cabeça de casal (com assinatura reconhecida, salvo se junto aos autos por mandatário).
V) Este preceito contém regras especiais relativas à apresentação do requerimento inicial do processo de inventário, promovido pelo cabeça-de-casal, que, no seu âmbito, derrogam as prescrições genéricas, previstas no artigo 552.º do CPC - para o articulado inicial da forma de processo comum - que não se ajustem ao processo de inventário.
VI) Neste processo, a “exposição dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação” deve conformar-se e compatibilizar-se com a regra especial contida no artigo 1097.º do CPC, em termos tais que, o elenco dos factos essenciais atinentes à causa de pedir do processo de inventário se traduz na alegação pelo requerente dos factos correspondentes ao facto jurídico determinativo da pretensão de partilha da herança peticionada, de acordo com os elementos de conformação legalmente previstos no artigo 1097.º do CPC.
VII) Pela especificidade do processo de inventário, configurado por lei como um processo especial, o requerimento inicial encontra-se sujeito a disciplina particular que impõe, no âmbito da normatividade consignada no artigo 1097.º do CPC, a sua prevalência relativamente à estrita aplicação do artigo 552.º do CPC (regra inserida na forma de processo comum de declaração – cfr. artigo 546.º do CPC), nos aspetos que sejam regulados numa e noutra disposições.
VIII) O incumprimento pelo cabeça-de-casal dos deveres impostos pelos n.ºs. 2 e 3 do artigo 1097.º do CPC poderá determinar a prolação de despacho de aperfeiçoamento – apenas devendo o processo de inventário avançar para a fase das citações, no caso de o processo conter todos os elementos relevantes para o exercício do contraditório, em alguma das modalidades previstas no artigo 1104.º, n.º 1, do CPC - , nos termos do artigo 1100.º, n.º 1, al. a), do CPC, sendo que, as deficiências passíveis de causarem convite ao aperfeiçoamento são aquelas que ocasionariam, nos termos gerais elencados no artigo 590.º, n.ºs. 2 a 4, do CPC, aquele convite.
IX) Na decorrência da prolação de despacho de aperfeiçoamento e da notificação do requerente para proceder a tal aperfeiçoamento poderá resultar a seguinte alternativa: Ou o requerente aperfeiçoa o requerimento inicial, o qual, complementado com o resultado do aperfeiçoamento, permitirá o prosseguimento dos autos; ou o requerente não aperfeiçoa o requerimento inicial, variando a consequência de tal comportamento, de acordo com a natureza da falta que se verificar e, designadamente, se tal se mostrar possível, determinando-se a supressão do vício correspondente com a prática dos atos, para tanto, necessários.
X) Apresentando o requerente requerimento inicial no qual se arroga a qualidade de cabeça-de-casal, mas onde apenas consta identificado o Tribunal e a relação dos bens deixados pela inventariada, aí apenas identificada com o nome, e a relação dos créditos e dívidas da herança, constando do formulário anexo, que a forma processual utilizada é do processo de inventário, que o objeto da ação é a relacionação de bens sem partilha e a identificação da requerente e do outro interessado, justifica-se a prolação de despacho de aperfeiçoamento, convidando o requerente a completar o requerimento, com as demais menções a que se reporta o artigo 1097.º do CPC (designadamente, a indicação do lugar do último domicílio da autora da herança, da data e lugar em que faleceu, a justificação da qualidade da requerente como cabeça-de-casal, a identificação do cônjuges dos interessados e o respetivo regime de bens do casamento e, ainda, esclarecendo se foram ou não elaborados testamentos, convenções antenupciais ou escrituras de doação).
XI) Pretendendo a parte corresponder ao convite que lhe foi dirigido pelo juiz, deverá apresentar articulado/requerimento destinado a colmatar as imperfeições fácticas para as quais o juiz a alertou, sendo possível, em certos casos, que o aperfeiçoamento demande a elaboração integral de uma nova peça ou, noutros casos, que o teor da nova peça acresça ao do articulado espontaneamente apresentado.
XII) O articulado/requerimento apresentado na sequência do estímulo judicial de convite ao aperfeiçoamento, constitui um complemento do articulado inicialmente apresentado, podendo limitar-se a completar o que falta e/ou corrigir a imprecisão detectada (em linha com a previsão do n.º 4 do artigo 590.º do CPC, prevendo que o prazo fixado à parte para o convite ao suprimento se destina à “apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido”), inexistindo motivo para que o mesmo não seja atendido, na apreciação que dele se faça relativamente ao articulado espontaneamente apresentado.
XIII) Correspondendo a requerente do inventário ao convite para tanto formulado, indicando no requerimento apresentado em juízo na sequência do despacho de aperfeiçoamento, os elementos que se encontravam em falta no primeiro articulado e observando as prescrições normativas constantes dos n.ºs. 2 e 3 do artigo 1097.º do CPC, verifica-se inexistir motivo para que o Tribunal declarasse verificada a exceção dilatória de nulidade do processo, por ineptidão do requerimento inicial, com o consequente indeferimento liminar do requerimento inicial, mostrando-se observadas, cabal e suficientemente, as exigências formais legalmente estabelecidas para tal peça.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
*
1. MR, identificada nos autos, por intermédio do seu Advogado, apresentou em juízo, em 20-07-2021, requerimento para instauração de processo de inventário - para partilha da herança deixada por morte de CP –de onde consta o seguinte:
“TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA NORTE
Juízo Central de Loures
Exmo. Senhor Juiz de Direito
Relação de bens que apresenta a cabeça-de-casal, MR, à data do óbito (24/04/2021) da inventariada CP.
DEPÓSITOS BANCÁRIOS
Verba n.º 1
Conta de depósito à ordem n.º 0161009011300 na CGD, com o saldo de (doc. 1)…4.781,05 €
Verba n.º 2
Conta poupança n.º 0161009011961 na CGD, com o saldo de (doc. 1)…………….……… 10,00 €
Total em dinheiro 4.791,05 €
BENS MÓVEIS
Verba n.º 3
1 Relógio de pulso de senhora, marca Primor com o valor de…………………………………. 10,00 €
1 Relógio de pulso de senhora, marca Timex com o valor de…………………………….……. 10,00 €
1 Relógio de pulso de homem, marca Carriage com o valor de…………………………………. 8,00 €
1 Relógio de pulso de homem, marca Cetezin com o valor de………………………….……….. 8,00 €
Total 36,00 €
Verba n.º 4
1 Par de brincos de senhora, argolas finas em ouro com o valor de………………………... 15,00 €
BENS IMÓVEIS
Verba n.º 5
Prédio urbano em propriedade total, sito na Quinta das Pereiras, na união de freguesias de Belmonte e Colmeal da Torre, concelho de Belmonte, composto de casa de rés-do-chão, primeiro andar e dependência com área coberta de 62 m2 e logradouro com 59 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Belmonte sob o n.º …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo … (anterior artigo …), com o valor patrimonial de (doc. 2 e 3)......... 4.110,00 €
Verba n.º 6
Quatro (4/6) indivisos de um prédio rústico, sito na Quinta das Pereiras, na união de freguesias de Belmonte e Colmeal da Torre, concelho de Belmonte, composto de terra de semeadura, olival, cultura arvense, vinha e instalações agrícolas com a área de 40.000 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Belmonte sob o n.º …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo … (anterior artigo … e …), encontrando-se aqui descrita com uma área total de 18.690 m2, com o valor patrimonial de (doc. 4 e 5)........................... 1.210,98 €
Total dos imóveis 5.320,98 €
CRÉDITOS
Verba 1
Reembolso de despesas de funeral pelo ISS, Centro Nacional de Pensões de CP (doc. 6), no valor de …………………………………………………….……….1.316,43 €
Total 1.316,43 €
DÍVIDAS
Verba 2
Pagamento efectuado pela cabeça de casal para a abertura de sepultura, desmontagem e recolocação para (doc. 7), no valor de …………………………………..…….492,00 €
Verba 3
Pagamento efectuado pela cabeça de casal à agência funerária Luz Branca para o funeral da de cujus (doc. 8), no valor de ……………………………………………………………. 1.966,00 €
Verba 4
Pagamento efectuado pela cabeça de casal à agência da Caixa Geral de Depósitos para obtenção de certidão (doc. 9), no valor de ……………………………………………………………. 67,65 €
Verba 5
Pagamento efectuado pela cabeça de casal ao Cartório Notarial e Rosa Correia para escritura de habilitação de herdeiros (doc. 10), no valor de………………………………….349,49 €
Total das despesas 2.875,14 €
Valor: 8.000,00 €
Junta: 10 documentos, assento de óbito, habilitação de herdeiros, compromisso de honra e procuração.
O Advogado,
(…)”.
*
2. Em 07-10-2021 foi proferido despacho judicial do seguinte teor:
“(…) Da apreciação liminar do requerimento inicial:
Resulta do artigo 1097.º do CPC:
1 - O processo destinado a fazer cessar a comunhão hereditária inicia-se com a entrada em juízo do requerimento inicial.
2 - O requerimento inicial apresentado pelo cabeça de casal deve:
a) Identificar o autor da herança, o lugar do seu último domicílio e a data e o lugar em que haja falecido;
b) Justificar a qualidade de cabeça de casal;
c) Identificar os interessados diretos na partilha, os respetivos cônjuges e o regime de bens do casamento, os legatários e ainda, havendo herdeiros legitimários, os donatários;
Compulsado o requerimento inicial apresentado pela requerente, constata-se, de imediato, que a mesma não alega quaisquer factos essenciais que integram a causa de pedir de um processo de inventário, (subsistindo mesmo uma total inobservância do disposto na norma legal acima referida), ónus que lhe incumbe nos termos dos artigos 5.º n. º1 e 552.º n. º1 d), limitando-se a juntar vários documentos.
Ora, ainda que não se negue que tais documentos se possam revelar importantes ou mesmo fundamentais para a prova dos factos essenciais de que depende o prosseguimento dos presentes autos, impõe-se não confundir dois planos distintos: o do ónus da prova e o do ónus de alegação, não podendo o primeiro substituir, em caso algum, o segundo.
(…)
Assim, uma vez que se verifica uma total ausência de alegação de factos essenciais de que depende a prossecução dos presentes autos, o que, em abstrato, pode configurar uma exceção dilatória de nulidade de todo o processo por ineptidão da Petição Inicial (artigo 186.º n. º 1 e 2. a) e 577.º b) do CPC)., notifica-se a requerente para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre a referida exceção (…)”.
*
3. Na sequência, a requerente apresentou em juízo, em 11-10-2021 requerimento de onde consta, designadamente, o seguinte:
“(…) TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA NORTE
Juízo local Cível de Loures – Juiz 2
Proc. 6564/21.8T8LRS
Exma. Senhora Juiz de Direito
No dia 24 de Abril de 2021, faleceu, sem testamento ou disposição de última vontade, CP, no estado de viúva de MP, com residência habitual na Rua Principal, Lote …, (actual n.º …) R/C, Dt., Bairro …, 2695-615 S, João da Talha, local onde faleceu, como consta da certidão de assento de óbito com código de acesso …-…-…, junta à relação de bens e também arquivada no Cartório Notarial de Rosa Correia, local onde, no dia …/…/2021, foi elaborada a habilitação de herdeiros, documento oficial com valor probatório, também junta à relação de bens.
Assim, nos termos do artigo 2031.º, n.º 1 do CC - A sucessão abre-se no momento da morte e no lugar do último domicílio dele”
E do artigo 72.º-A, n.º 1 do CPC diz que – Em matéria sucessória é competente o tribunal do lugar da abertura da sucessão”
A de cujus deixou como seus únicos herdeiros seus filhos:
MR, nascida em 28/11/1959, casada no regime da comunhão de adquiridos com FP, Cartão de Cidadão …, NIF …, Cartão de Cidadão …, NIF …, respetivamente, residentes na Rua …, n.º … R/C, Dt., Bairro da …, 2695-615 S, João da Talha, e
RP, nascido em 15/09/1963, casado no regime da comunhão de adquiridos com OP, Cartão de Cidadão …, NIF …, residentes na Rua …, n.º …, 6250-038 Belmonte, não havendo quem com eles concorra (declarações constantes na habilitação de herdeiros, documento oficial, com valor probatório, que foi junto à relação de bens).
De acordo com as datas de nascimento de MR, em 28/11/1959 e de RP, nascido em 15/09/1963, facilmente se constata que aquela é a mais velha dos herdeiros, o que, de acordo com os artigos 2032.º, n.º 1, 2079.º e 2080.º, n.ºs 2 e 3 todos do CC, deverá ser nomeada cabeça-de-casal de acordo com a declaração sob compromisso de honra que foi junta à relação de bens.
O Advogado,
(…)”.
*
4. Em 15-11-2021 foi proferido o seguinte despacho judicial: “Fixa-se o valor da causa em € 8.000,00 nos termos dos artigos 296.º n. º1, 299.º n. º1, 302.º n.º3 e 306.º n. º1 e 2, todos do CPC.
Por despacho datado de 07-10-2021, o tribunal determinou o seguinte:
“Compulsado o requerimento inicial apresentado pela requerente, constata-se, de imediato, que a mesma não alega quaisquer factos essenciais que integram a causa de pedir de um processo de inventário, (subsistindo mesmo uma total inobservância do disposto na norma legal acima referida), ónus que lhe incumbe nos termos dos artigos 5.º n. º1 e 552.º n. º1 d), limitando-se a juntar vários documentos. Ora, ainda que não se negue que tais documentos se possam revelar importantes ou mesmo fundamentais para a prova dos factos essenciais de que depende o prosseguimento dos presentes autos, impõe-se não confundir dois planos distintos: o do ónus da prova e o do ónus de alegação, não podendo o primeiro substituir, em caso algum, o segundo.
Assim, uma vez que se verifica uma total ausência de alegação de factos essenciais de que depende a prossecução dos presentes autos, o que, em abstrato, pode configurar uma exceção dilatória de nulidade de todo o processo por ineptidão da Petição Inicial (artigo 186.º n. º 1 e 2. a) e 577.º b) do CPC)., notifica-se a requerente para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre a referida exceção[”].
Nessa sequência, veio a requerente apresentar um novo requerimento inicial não se tendo pronunciado sobre a ineptidão do seu requerimento inicial.
Cumpre decidir.
Nos termos dos artigos 5.º e 552.º n. º1 d), incumbe as partes alegar os factos essenciais que integram a causa de pedir (in casu do processo de inventário), prescrevendo o artigo 1097.º que o requerimento inicial deve, obrigatoriamente, conter as menções indicadas nas alíneas a) a c) desse artigo.
Resulta, por demais evidente, que o requerimento apresentado em 20-07-2021 não observou, minimamente, o disposto nas normas legais a que acabou de se fazer referência, uma vez que o mesmo não contém uma única alegação de facto, não se vislumbrando, de igual a forma, a existência de um pedido concreto que o tribunal possa apreciar.
De outra perspetiva, a requerente também não cumpriu com os aspetos formais ínsitos no artigo 552.º n. º1 a) o que constitui, aliás, sempre constituiria fundamento de recusa da petição inicial (cfr. artigo 558.º do CPC).
Encontra-se, por isso, preenchido o disposto no n. º1 e 2.º al. a) do artigo 186.º do CPC o que faz com que o requerimento inicial seja totalmente inepto e se encontre verificada a exceção dilatória de nulidade de todo o processo (cfr. artigos 186.º n. º1 a), 576 n. º1 e 2, 577.º b), todos do CPC).
É de notar que estamos perante deficiências que são graves e que, portanto, não podem ser colmatadas com um convite ao aperfeiçoamento, convite esse que, não obstante a Requerente ter procedido à junção de novo requerimento inicial, não foi feito pelo tribunal e nem o poderia ser uma vez que não estamos perante um caso em que subsistam pequenas omissões ou imprecisões na matéria alegada pela requerente, mas antes perante uma situação em que essa alegação pura e simplesmente não existe.
Com efeito, como se escreve no Ac. do TRL de 19-04-2014, relativo ao processo n.º 802/12.5TBLNH.L1-2, disponível em www.dgsi.pt: “1. O âmbito do aperfeiçoamento do articulado, em regra, apenas pode ter por objecto o suprimento de pequenas omissões ou meras imprecisões ou insuficiências na alegação da matéria de facto, sob pena de completa subversão do princípio dispositivo, o que justifica as limitações impostas pelo nº 6 do artigo 590º do nCPC (artigo 508.º, nº 5 do CPC).”.
No mesmo sentido, veja-se o AC. do TRL, datado de 24-01-2019, relativo ao processo n.º 573/18.1T8SXL.L1-6, disponível em www.dgsi.pt: II - O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir. III - Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada. IV - As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC).
Isto implica que o novo requerimento inicial junto pela requerente (11-10-2021, ref.ª 11451960) não possa ser atendido e deva ser dado sem efeito.
De todo o modo, sempre se dirá que este novo requerimento continua a padecer de várias (e graves) deficiências, verificando-se que, mais uma vez, a requerente não atendeu, de todo, aos aspetos formais a que alude o artigo 552.º n.º 1 a) do CPC o que justificaria o seu indeferimento.
Desta forma, impõe-se julgar verificada a exceção dilatória de nulidade de todo o processo por ineptidão do requerimento inicial e, consequentemente, indeferir liminarmente o requerimento inicial apresentado pela requerente.
Custas a cargo da Requerente.
Registe e notifique (…)”.
*
5. Não se conformando com a referida decisão, dela apela a requerente, pugnando pela revogação da mesma, com o prosseguimento dos autos e citação do interessado RP e, caso assim não se entenda, seja ordenado o aperfeiçoamento da p.i. e anulada a condenação em custas, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A) A apelante não concorda com sentença por se ancorar essencialmente, em aspectos formais, contrariando a orientação jurisprudencial e a reforma processual que visou, exatamente, pôr termo a esses formalismos na deficiente apreciação das provas e na aplicação das normas, pugnando por melhor aplicação do direito e realização da Justiça pelo tribunal a quo.
A) Ao contrário do que o tribunal a quo advoga na sentença, não deve a petição inicial ser liminarmente indeferida por ineptidão e por preencher exceção dilatória, zurzindo no requerimento que completou a pi, afirma: (…) sempre se dirá que este novo requerimento continua a padecer de várias (e graves) deficiências, (…)
B) Embora não sustente, nem de facto, nem de direito quais são as deficiências. A apelante não se pronunciou sobre a excepção invocada pelo tribunal a quo que deveria, sim, formular um convite ao aperfeiçoamento da pi, o que a apelante fez remetendo aos autos o requerimento, ref. 40089822, através do qual completou a pi e identificou os elementos formais exigidos nas alíneas do n.º 2, do artigo 1097.º, do CPC.
C) E, no corpo da pi, consta, parcialmente, o que estatuem as alíneas do n.º 2, do artigo 1097.º, do CPC, quanto à identificação dos interessados na partilha.
D) Ao invés do que o tribunal a quo afirma não foi remetido aos autos um novo requerimento inicial, mas, sim, um requerimento que completa a pi e que contém a identificação completa dos interessados, cumprindo e preenchendo o formalismo exigido pelas alíneas do artigo citado.
E) A apelante discorda do Juiz estagiário do tribunal a quo quando afirma: “não atendeu, de todo, aos aspetos formais a que alude o artigo 552.º n. º1 a) do CPC”
F) Isto por que o processo se insere no âmbito dos processos especiais, também designados por “processos de jurisdição voluntária”, sendo aplicáveis aos processos regulados neste capítulo (artigo 1097.º) as disposições dos artigos 302.º a 304.º do CPC.
G) A apelante, cabeça de casal, deu início ao processo de inventário, por óbito de sua mãe, a inventariada CP e no dia 24/04/2021 apresentou a relação de bens, como flui do cabeçalho do pi.
H) E, no formulário de início de processo, de que é parte integrante, vão identificados os interessados no inventário, MR, casada, NIF …, residente na Rua …, n.º … R/C, Dt., Bairro da …, 2695-615 S. João da Talha, e o interessado RP, casado NIF …, residente na Rua …, n.º …, 6250-038 Belmonte.
I) A economia processual, o aproveitamento da pi e dos documentos remetidos aos autos, conduz a que o juiz a quo a providencie pelo suprimento de exceções dilatórias, pelo aperfeiçoamento dos articulados, determine a junção de documentos e convide as partes a suprir as irregularidades nos termos do n.º 2, do artigo 6.º, do CPC.
J) A boa gestão processual e o princípio da adequação formal e a economia processual romperam com o apertado regime da pura legalidade formalista, visando remover o obstáculo de acesso à justiça.
K) A simplificação e a agilização processual, suprindo a falta de pressupostos processuais, suscetíveis de sanação, convidando as partes, a aproveitar os atos (artigos, 6.º, 28.º, 146.º, 547.º e 590.º, n.º 2, todos do CPC).
L) Impõe-se, pois, a necessária intervenção do Tribunal ad quem, no sentido de uma melhor aplicação do direito, revogando a sentença, ordenando o prosseguimento dos autos e mandando citar o interessado RP, o que requer (…)”.
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6. O recurso foi liminarmente admitido- como apelação, a subir imediatamente e efeito devolutivo - por despacho de 30-11-2021.
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7. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , a única questão a decidir é a de saber:
A) Se a decisão recorrida – que julgou verificada a exceção dilatória de nulidade de todo o processo por ineptidão do requerimento inicial – deverá ser revogada?
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3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso os elencados no relatório.
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4. Fundamentação de Direito:
De acordo com o disposto no artigo 637.º, n.º 2, do CPC, “versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Vejamos, pois, o recurso apresentado, apreciando as questões supra enunciadas.
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A) Se a decisão recorrida – que julgou verificada a exceção dilatória de nulidade de todo o processo por ineptidão do requerimento inicial – deverá ser revogada?
A questão a apreciar é a de saber se a decisão que, após prévio despacho de aperfeiçoamento, julgou verificada a exceção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão do requerimento inicial, indeferindo liminarmente o requerimento apresentado, deverá ser revogada, como pugna a recorrente.
A decisão recorrida, prolatada na sequência de prévio despacho de aperfeiçoamento, considerou que o requerimento inicial padece de ineptidão por não ter observado o disposto nos artigos 5.º, 552.º, n.º 1, als. a) e d) e 1097.º, als. a) a c) do CPC, não contendo “uma única alegação de facto, não se vislumbrando, de igual a forma, a existência de um pedido concreto que o tribunal possa apreciar” e considerou, citando a jurisprudência dos acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-04-2014 (Pº 802/12.5TBLNH.L1-2) e de 24-01-2019, (Pº 573/18.1T8SXL.L1-6), que “estamos perante deficiências que são graves e que, portanto, não podem ser colmatadas com um convite ao aperfeiçoamento, convite esse que, não obstante a Requerente ter procedido à junção de novo requerimento inicial, não foi feito pelo tribunal e nem o poderia ser uma vez que não estamos perante um caso em que subsistam pequenas omissões ou imprecisões na matéria alegada pela requerente, mas antes perante uma situação em que essa alegação pura e simplesmente não existe”, concluindo no sentido de que, “o novo requerimento inicial junto pela requerente (11-10-2021, ref.ª 11451960) não possa ser atendido e deva ser dado sem efeito”, entendendo, de todo o modo, que o novo requerimento “continua a padecer de várias (e graves) deficiências, verificando-se que, mais uma vez, a requerente não atendeu, de todo, aos aspetos formais a que alude o artigo 552.º n. º1 a) do CPC o que justificaria o seu indeferimento”.
Vejamos, ainda que em termos sumários, em que termos deve ser considerado o princípio de alegação das partes, a que se reporta o artigo 5.º do CPC e quais as circunstâncias e requisitos a que deve obedecer a apresentação em juízo de um requerimento inicial e quais as especificidades da apresentação de requerimento inicial para a promoção de um processo de inventário.
Referia Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, 1976, p. 372) que “o processo só se inicia sob o impulso da parte, mediante o respectivo pedido"; "as partes é que circunscrevem o thema decidendum. O juiz não tem de saber se, porventura, à situação das partes conviria melhor outra providência que não a solicitada, ou se esta poderia fundar-se noutra causa petendi. Alguns (Calamandrei) falam aqui de correspondência entre o requerido e o pronunciado".
Surpreendem-se, pois, dois sentidos do aludido princípio do dispositivo: o princípio da iniciativa ou impulso processual da parte e o princípio da correspondência ou congruência entre o pedido deduzido e a decisão; não se concebe, na verdade, que, na jurisdição contenciosa cível, não haja correspondência entre o conteúdo da decisão e a vontade expressa pela parte no pedido formulado.
O princípio do pedido tem consagração expressa no n.º 1 do artigo 3.º do CPC: O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes.
É ao demandante/autor que, naturalmente, incumbe definir a sua pretensão, requerendo ao tribunal o meio de tutela jurisdicional adequado a satisfazê-la. Será na petição inicial que o autor deve formular esse pedido – art. 552º/1, e) do CPC –, dizendo "com precisão o que pretende do tribunal – que efeito jurídico quer obter com a acção" (assim, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora; Manual de Processo Civil, 1985, p. 234, nota 2).
É o pedido, assim formulado, que vinculará o tribunal quanto aos efeitos que pode decretar a final.
Neste sentido, dispõe o art. 609,º, n.º 1, do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
Como salienta Lopes do Rego (“O princípio do dispositivo e os poderes de convolação do juiz no momento da sentença”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 788) “não suscita, em regra, problema relevante a existência de um limite quantitativo à decisão de mérito”.
Já assim não sucede, porém, relativamente ao limite qualitativo.
“O processo civil é obviamente regido pelo princípio dispositivo: a iniciativa do processo e a conformação do respectivo objecto incumbem às partes; pelo que – para além do processo só se iniciar sob o impulso do autor ou requerente – tem este o ónus de delimitar adequadamente o thema decidendum, formulando o respectivo pedido, ou seja, indicando qual o efeito jurídico, emergente da causa de pedir invocada, que pretende obter e especificando qual o tipo de providência jurisdicional requerida, em função da qual se identifica, desde logo, o tipo de acção proposta ou de incidente ou providência cautelar requerida.
Daqui decorre naturalmente um princípio de correspondência ou congruência entre o pedido deduzido e a pronúncia jurisdicional obtida pela parte, devendo o decidido pelo juiz adequar-se às pretensões formuladas, ser com elas harmónico ou congruente, sob pena de se verificar a nulidade da sentença por excesso de pronúncia” (cfr. Lopes do Rego; “O princípio do dispositivo e os poderes de convolação do juiz no momento da sentença”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 789).
Assim, quanto ao conteúdo, a sentença deve ater-se aos limites definidos pela pretensão formulada na acção, o que é considerado "núcleo irredutível" do princípio do dispositivo (assim, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Ob. Cit., p. 657).
É a essa pretensão assim definida que o tribunal está adstrito, não podendo decretar um outro efeito, alternativo, apesar de legalmente previsto.
Como afirma Paula Costa e Silva, "o acto (postulativo) tem não só uma eficácia vinculante para o tribunal, como também uma função delimitadora da actuação do tribunal"; esse acto tem uma "função constitutiva insubstituível" (Acto e Processo - O Dogma da Irrelevância da Vontade na Interpretação e nos Vícios do Acto Postulativo; Coimbra Editora, 2003, p. 263.).
É o princípio do pedido, como sublinha a mesma Autora, que "determina que o tribunal se encontra vinculado, no momento do proferimento da decisão, ao decretamento das consequências que o autor do acto postulativo lhe requerera. Não pode decidir-se por um maius, nem por um aliud" (ob. Cit., p. 583).
Procurando determinar as “exactas balizas” à actuação nesta sede do juiz, admitindo casos de convolação do objecto do pedido para a providência ou efeito jurídico judicialmente decretado, tido como mais adequado aos interesses em confronto e à justa composição do litígio, Lopes do Rego (“O princípio do dispositivo e os poderes de convolação do juiz no momento da sentença”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 790) identifica, algumas situações particulares, designadamente, as referenciadas nos n.ºs. 2 e 3 do artigo 609.º e do n.º 3 do artigo 376.º do CPC, concluindo, todavia, que inexiste um princípio geral de adequação da sentença ao pedido.
O princípio do dispositivo manifesta-se, desde logo, em face do ónus de alegação das partes, a que se reporta o artigo 5.º do CPC.
De acordo com o n.º 1 do artigo 5.º do CPC, “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”.
Conforme se deu nota no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-05-2020 (Pº 7397/17.1T8ALM.L1-2, rel. GABRIELA CUNHA RODRIGUES), “ainda que o artigo 5.º do CPC tenha deixado de mencionar na epígrafe o princípio dispositivo (epígrafe do anterior artigo 264.º do CPC), é dele que trata quando determina que incumbe às partes a formação da matéria de facto da causa, mediante a alegação, nos articulados, dos factos essenciais que integram a causa de pedir e as exceções”.
Os factos essenciais são aqueles integram a causa de pedir ou fundamentam as exceções: “os factos que concretizam a norma jurídica em que se fundamenta o direito invocado pelo autor ou em que se baseia a defesa do réu, ou seja, são os factos que, se vierem a ser provados, são decisivos para que a ação ou a exceção possa ser julgada procedente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-10-2021, Pº 1924/17.1T8PNF.P1, rel. NELSON FERNANDES).
Na decorrência do fundamental ónus de alegação que incumbe às partes – e que, desde logo, se encontra previsto no n.º 1 do artigo 5.º do CPC (“às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”) – estabelece o artigo 552.º do CPC quais os requisitos relativos à apresentação em juízo do articulado inicial do processo declarativo comum, em que se traduz a “petição inicial”.
Com efeito, dispõe o referido artigo 552.º do CPC (com a redação dada pelo DL n.º 97/2019, de 26 de julho) o seguinte:
“1 - Na petição, com que propõe a ação, deve o autor:
a) Designar o tribunal e respetivo juízo em que a ação é proposta e identificar as partes, indicando os seus nomes, domicílios ou sedes e, obrigatoriamente, no que respeita ao autor, e sempre que possível, relativamente às demais partes, números de identificação civil e de identificação fiscal, profissões e locais de trabalho;
b) Indicar o domicílio profissional do mandatário judicial;
c) Indicar a forma do processo;
d) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação;
e) Formular o pedido;
f) Declarar o valor da causa;
g) Designar o agente de execução incumbido de efetuar a citação ou o mandatário judicial responsável pela sua promoção.
2 - Para o efeito da identificação das partes que sejam pessoa coletiva nos termos da alínea a) do número anterior, o mandatário judicial constituído pelo autor que apresente a petição por via eletrónica indica o respetivo número de identificação de pessoa coletiva ou, relativamente às entidades não abrangidas pelo regime jurídico do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, o seu número de identificação fiscal, ficando esta identificação sujeita a confirmação no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, o qual devolve, para validação, os dados constantes das bases de dados do ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas ou da Autoridade Tributária e Aduaneira, consoante os casos.
3 - Para efeito do disposto no número anterior, e visando garantir a identificação unívoca da parte, o mandatário judicial pode efetuar, através do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, pesquisas nas bases de dados do ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas ou da Autoridade Tributária e Aduaneira.
4 - Sendo a identificação da parte efetuada nos termos dos n.os 2 e 3, a informação prevista na alínea a) do n.º 1 é transmitida ao sistema informático de suporte à atividade dos tribunais pelas bases de dados do ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas ou da Autoridade Tributária e Aduaneira, podendo a mesma ser atualizada, de forma automática, durante o processo, sempre que ocorrer alteração nas referidas bases de dados.
5 - Caso a parte a identificar seja pessoa coletiva cuja informação não conste das bases de dados do ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas ou da Autoridade Tributária e Aduaneira, ou caso por motivos técnicos não seja possível a identificação nos termos dos números anteriores, a identificação é efetuada através do preenchimento do formulário disponibilizado no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, nos termos a definir na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, a qual regulamenta, igualmente, o disposto nos números anteriores.
6 - No final da petição, o autor deve apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova; caso o réu conteste, o autor é admitido a alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado, podendo fazê-lo na réplica, caso haja lugar a esta, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação.
7 - O autor deve, com a apresentação da petição inicial, comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º
8 - Quando, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 144.º, a petição inicial seja apresentada por mandatário judiciário por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do mesmo artigo, o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.
9 - Sendo requerida a citação nos termos do artigo 561.º, e faltando, à data da apresentação da petição em juízo, menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade ou ocorrendo outra razão de urgência, deve o autor comprovar que requereu o pedido de apoio judiciário mas este ainda não foi concedido, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º ou, sendo a petição inicial apresentada por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do artigo 144.º, através da junção do respetivo documento comprovativo.
10 - No caso previsto no número anterior, o autor deve efetuar o pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão definitiva que indefira o pedido de apoio judiciário, sob pena de desentranhamento da petição inicial apresentada, salvo se o indeferimento do pedido de apoio judiciário só for notificado depois de efetuada a citação do réu.
11 - Para o efeito da alínea g) do n.º 1, o autor designa agente de execução inscrito ou registado na comarca ou em comarca limítrofe ou, na sua falta, em outra comarca pertencente à mesma área de competência do respetivo tribunal da Relação, sem prejuízo do disposto no n.º 9 do artigo 231.º.
12 - A designação do agente de execução fica sem efeito se ele declarar que não a aceita, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
13 - O disposto nos n.os 2 a 5 é aplicável, com as necessárias adaptações, quando haja que proceder à identificação de qualquer outra parte processual que seja pessoa coletiva em qualquer peça a apresentar por mandatário judicial por via eletrónica.
14 - A alteração do domicílio profissional do mandatário judicial pode ser comunicada ao processo, automaticamente, pelas bases de dados das respetivas associações públicas profissionais.”.
O legislador previu, contudo, diversas consequências decorrentes da apresentação em juízo de petição inicial sem os requisitos legalmente previstos, conforme o requisito que se encontre em falta/inobservância.
No que respeita à falta de indicação de causa de pedir ou do pedido, a petição será inepta.
Assim, nos termos do artº 186º do CPC:
“1. É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2. Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (…)”.
De acordo com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 552.º do CPC, na petição, com que propõe a ação, deve o autor: “Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação”.
Todavia, como bem advertem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil; Almedina, 2.ª ed., 1985, p. 244), “na fundamentação da acção, é mais premente a menção das razões de facto do que das razões de direito. Enquanto, na matéria de facto, o juiz tem de cingir-se às alegações das partes (…), na indagação, interpretação e aplicação do direito o tribunal age livremente”.
O nosso direito adjetivo adota, quanto à causa de pedir, a chamada “teoria da substanciação”, perante a qual pode a “causa de pedir” constitui o ato ou facto jurídico, simples ou complexo, de que deriva o direito que se invoca ou no qual assenta o direito invocado pelo autor e que este se propõe fazer valer – cfr. artº 581º nº4 do CPC.
Tem-se em vista não o facto jurídico abstrato, tal como a lei o configura, mas um certo facto jurídico material concreto, conciso e preciso, cujos contornos se enquadram na definição legal.
A causa de pedir é, pois, o facto material apontado pelo autor e produtor de efeitos jurídicos e não a qualificação jurídica que este lhe emprestou ou a valoração que o mesmo entendeu dar-lhe.
Como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-09-2017 (p.º 1608/16.8T8FAR.E1, rel. TOMÉ RAMIÃO): “A causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido e corresponde ao núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido. A ineptidão da petição inicial decorrente de contradição entre o pedido e causa de pedir pressupõe a ausência de um nexo lógico entre a causa de pedir e o pedido formulado”.
A ideia primordial no que concerne à figura da ineptidão da petição inicial, é a de impedir o prosseguimento duma ação viciada por falta ou contradição interna da matéria ou objeto do processo, que mostre desde logo não ser possível um correto, coerente e unitário ato de julgamento (cfr. Castro Mendes, Direito Processual Civil, ed. AAFDL, Vol. 3º, p. 47).
Secundariamente – na perspetiva das partes – o instituto da ineptidão da petição inicial permite o cabal conhecimento, por banda do réu, das razões fácticas que alicerçam o pedido do autor para, assim, o réu poder exercer cabalmente o contraditório.
Por isso, se compreende o estatuído no nº 3 do artº 186º do CPC.
Os factos que podem enformar os articulados podem-se integrar em três espécies, a saber:
- Factos essenciais ou estruturantes, aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da exceção.
- Factos complementares, que concretizam a causa de pedir ou a exceção complexa.
- Factos instrumentais, probatórios ou acessórios, que indiciam os factos essenciais e/ou complementares.
Apenas a falta dos factos essenciais na petição inicial determina a inviabilidade da ação por ineptidão daquela.
Ou seja: “A causa de pedir corresponde ao conjunto dos factos constitutivos da situação jurídica que o autor quer fazer valer, mas só alguns destes factos – os essenciais – é que servem a função de individualização da causa de pedir, sendo esta que interessa à verificação da excepção de caso julgado” (assim, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-07-2014, p.º 16/13.7TBMSF.P1, rel. PEDRO MARTINS).
“Os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a pretensão material, integrando o núcleo essencial da causa de pedir. Visto noutro ângulo, são essenciais os factos de cuja verificação depende o atendimento do pedido. A sua falta importa que o pedido não possa ser julgado procedente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-12-2020, Pº 22665/19.0T8PRT.P1, rel. JERÓNIMO FREITAS).
Já os factos complementares são indispensáveis à sua procedência, não contendendo a sua falta com aquele vício, mas com a questão de mérito a dilucidar a final (cfr., Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., p. 70).
Assim, em regra, se se formula um pedido com fundamento em facto aduzido e inteligível, mas que não pode ser subsumido no normativo invocado, o caso será de improcedência e não de ineptidão da petição.
O que interessa, no ponto de vista da apreciação da causa de pedir é que o ato ou o facto de que o autor quer fazer derivar o direito em litígio esteja suficientemente individualizado na petição.
“Se o autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter, a petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta.
Importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente…quando…sendo clara quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstancias necessárias para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta: o que então sucede é que a acção naufraga” (assim, Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 2º vol., pp. 364 e 371).
A jurisprudência tem vindo a defender, uniformemente, que a insuficiência ou incompletude do concreto factualismo consubstanciador da causa de pedir, não fulmina, em termos apriorísticos e desde logo formais, a petição de inepta, apenas podendo contender, em termos substanciais, com a procedência ou a atendibilidade do pedido.
Por outro lado, petição prolixa não é o mesmo que petição inepta e causa de pedir obscura, imprecisa ou inadequada não é o mesmo que causa de pedir inexistente ou ininteligível.
No fundo só existe falta de causa de pedir quando o autor não indica o “facto genético” ou matricial, a causa geradora do núcleo essencial do direito ou da pretensão que aspira a fazer valer (cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 12-03-1974, in BMJ 235º, p. 310, de 26-02-1992, proc.º 082001, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-06-1985, in BMJ 348.º, p. 479 e de 01-10-1991, in BMJ 410.º, p. 893) “ficando-se sem saber qual o facto ou acto concreto de que emerge o direito que o Autor pretende fazer valer na acção” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-05-2021, Pº 8272/19.0T8SNT.L1-A-4, rel. CELINA NÓBREGA).
Nesta conformidade, só haverá falta de indicação da causa de pedir determinante da ineptidão quando, de todo em todo, falte a indicação dos factos invocados para sustentar a pretensão submetida a juízo, ou tais factos sejam expostos de modo tal que, seja impossível, ou, pelo menos, razoavelmente inexigível, determinar, qual o pedido e a causa de pedir (cfr., entre muitos outros, os Acs. do STJ de 30-04-2003, proc.º 03B560, de 31-01-2007, pº 06A4150, de 26-03-2015, pº 6500/07.4TBBRG.G2.S2; o Ac. do TRC de Coimbra de 27-09-2016, pº 220/15.3T8SEI.C1, rel. CARLOS MOREIRA; a decisão do Tribunal da Relação de Évora de 25-11-2011, pº 99/10.1TBMTL-E1, rel. JOSÉ LÚCIO; e o Acórdão do TRL de 06-02-2020, Pº 28975/19.9YIPRT.L1, relatado pelo ora relator).
Como se sintetizou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-02-2010 (Pº 6178/07.5TBOER.L1-1, rel. PEDRO BRIGHTON), “há falta de causa de pedir quando não são alegados os factos em que se funda a pretensão do autor; há insuficiência da causa de pedir quando aqueles factos são alegados, mas são insuficientes para determinar a procedência da acção”.
Ou ainda, dito de outro modo: “A petição inicial é inepta quando falte a indicação da causa de pedir, consubstanciada nos factos concretos que preenchem a previsão da norma jurídica na qual a parte funda o seu direito” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27-06-2019, Pº 30491/18.7YIPRT.G1, rel. MARIA AMÁLIA SANTOS).
Por seu turno, na petição inicial o autor deve, igualmente, “formular o pedido”, prescrição constante do artigo 552.º, n.º 1, al. e) do CPC.
O pedido traduz, na decorrência da previsão do n.º 3 do artigo 581.º do CPC, o efeito jurídico pretendido pelo demandante.
Conforme referia Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil; reimp., Coimbra Editora, 1993, p. 111), ainda hoje com atualidade, o pedido “é a pretensão do Autor (…); o direito para que ele solicita ou requer a tutela judicial e o modo por que intenta obter essa tutela (a providência judicial requerida); o efeito jurídico pretendido pelo Autor”.
“A formulação do pedido reveste também a maior importância, porque o juiz “não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir” (assim, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora; Manual de Processo Civil; Almedina, 2.ª ed., 1985, p. 244).
Ou seja: “O pedido, não só conforma ou molda o objeto do processo, como condiciona o conteúdo da decisão de mérito a emitir pelo tribunal competente; isto porque o juiz, na sentença, «deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se de outras» (art.º 608º, n.º 2) e «não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (art.º 609.º, n.º 1), sob pena de nulidade da decisão por omissão de pronúncia, excesso de pronúncia ou condenação ultra-petitum, respetivamente” (assim, Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil; Vol. II, Almedina, 2015, p. 81).
Para além destes preceitos legais importa ter, todavia, em conta que estamos perante um processo especial de inventário.
Tal forma processual especial contém especificidades, que determinam que o legislador tenha erigido o processo de inventário como um dos processos especiais regulados no CPC (cfr. o Título XVI do Livro V do CPC).
Efetivamente, nos artigos 1082.º a 1135.º do CPC - introduzidos pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro – consta a regulação normativa dos processos de inventário instaurados nos tribunais judiciais a partir de 1 de janeiro de 2020 (cfr. artigo 15.º da referida Lei) e dos processos pendentes nessa data nos cartórios notariais que venham a ser remetidos a tribunal judicial, de harmonia com o disposto nos artigos 12.º e 13.º da mesma Lei.
De acordo com o disposto no artigo 1084.º, n.º 1, do CPC, “ao inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditária aplica-se o disposto no capítulo II” (artigos 1097.º a 1130.º do CPC), enquanto que, de harmonia com o n.º 2 do mesmo artigo 1084.º do CPC, “ao inventário destinado à realização dos demais fins previstos no artigo 1082.º aplica-se o disposto no capítulo III” (artigos 1131.º a 1135.º do CPC) “e, em tudo o que não estiver especificamente regulado, o regime definido para o inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditária”.
No caso, a requerente, arrogando-se a qualidade de cabeça-de-casal da herança em questão, visa instaurar inventário para cessação da comunhão hereditária, em razão do falecimento de sua mãe, CP.
Nessa medida, importa ter em conta a prescrição contida no artigo 1097.º do CPC, a respeito da apresentação de requerimento inicial de inventário, apresentado por cabeça-de-casal.
Dispõe o mencionado artigo 1097.º do CPC o seguinte:
“1 - O processo destinado a fazer cessar a comunhão hereditária inicia-se com a entrada em juízo do requerimento inicial.
2 - O requerimento inicial apresentado pelo cabeça de casal deve:
a) Identificar o autor da herança, o lugar do seu último domicílio e a data e o lugar em que haja falecido;
b) Justificar a qualidade de cabeça de casal;
c) Identificar os interessados diretos na partilha, os respetivos cônjuges e o regime de bens do casamento, os legatários e ainda, havendo herdeiros legitimários, os donatários;
3 - O requerente deve juntar ao requerimento inicial:
a) A certidão de óbito do autor da sucessão e os documentos que comprovem a sua legitimidade e a legitimidade dos interessados diretos na partilha;
b) Os testamentos, as convenções antenupciais e as escrituras de doação;
c) A relação de todos os bens sujeitos a inventário, ainda que a sua administração não lhe pertença, acompanhada dos documentos comprovativos da sua situação no registo respetivo e, se for o caso, da matriz;
d) A relação dos créditos e das dívidas da herança, acompanhada das provas que possam ser juntas;
e) O compromisso de honra do fiel exercício das funções de cabeça de casal.
4 - A assinatura do compromisso de honra referido na alínea e) do número anterior deve ser reconhecida, exceto se o compromisso for junto aos autos por mandatário”.
Este preceito contém, pois, regras especiais relativas à apresentação do requerimento inicial do processo de inventário, promovido pelo cabeça-de-casal, que, no seu âmbito, derrogam as prescrições genéricas previstas no artigo 552.º do CPC - preceito referente ao articulado inicial da forma de processo comum -  que não se ajustem ao processo de inventário.
Comentando a previsão normativa com inegável clareza, refere Carla Câmara (O Processo de Inventário Judicial e o Processo de Inventário Notarial; Almedina, Coimbra, 2021, pp. 54 e 57) que, o requerimento inicial apresentado pelo cabeça-de-casal “deverá conter sempre a identificação do autor da herança, o lugar da sua última residência habitual e a data do lugar em que haja falecido, bem como o documento comprovativo destes factos (assento de óbito do autor da herança).
De igual modo, deverá o cabeça de casal alegar os factos atinentes à qualidade que se arroga.
Assim, deverá alegar as razões porque o cargo lhe deverá ser deferida e fazer prova delas, juntando os documentos respetivos (…).
Apresentado o requerimento inicial pelo cabeça de casal, onde identificou o autor da herança, o lugar do seu último domicílio e a data e o lugar em que haja falecido, justificada a qualidade invocada cabe-lhe, ainda, identificar os interessados diretos na partilha, os respetivos cônjuges e o regime de bens do casamento, os legatários e ainda, havendo herdeiros legitimários, os donatários, juntando aos autos os documentos tendentes à prova de tais factos (artigo 1097.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), do CPC).
Identificado o autor da herança e aqueles por quem a mesma haverá que ser repartida, cabe-lhe, naturalmente, pois a tal se destina o inventário, relacionar os bens que constituem objeto da sucessão e que serão objeto da partilha entre aqueles identificados interessados.
Juntará ao requerimento inicial, a relação de todos os bens sujeitos a inventário, ainda que a administração não lhe pertença, acompanhada dos documentos comprovativos da sua situação no registo respetivo e, se foro o caso, da matriz (artigo 1097.º, n.º 3, c), do CPC), bem como a relação dos créditos e das dívidas da herança, acompanhada das provas que possam ser juntas (artigo 1097.º, n.º 3, d), do CPC), obedecendo tal relação (de bens, créditos e dívidas), ao preceituado no artigo 1098.º do CPC (…).
Deverá o cabeça de casal juntar, ainda, ao requerimento inicial, compromisso de honra do fiel exercício das funções de cabeça de casal, cuja assinatura deve ser reconhecida, exceto se o compromisso for junto aos autos por mandatário (artigo 1097.º, n.º 3, e) e n.º 4, do CPC)”.
Por seu turno, salientam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil; Vol. II, Almedina, Coimbra, 2020, p. 553) que, “a regulamentação do processo de inventário que constava do CPC de 1961 destacava-se pela simplicidade ou até pela frequente inocuidade do requerimento inicial que, na prática, se resumia à alegação do evento determinante da abertura da sucessão, à justificação da legitimidade do requerente e à indicação de quem deveria exercer o cargo de cabeça de casal. Era uma peça processual que se destinava, no essencial, a desencadear a nomeação do cabeça de casal e a sua convocação para prestar juramento e declarações relacionadas com a identificação dos outros interessados e demais factos relevantes para a realização da partilha e para a apresentação da relação de bens”.
Na nova configuração do processo de inventário, na decorrência da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, “o requerimento inicial assemelha-se, agora, a uma verdadeira petição inicial: para além dos elementos de natureza formal previstos no art. 552.º que se mostrem ajustados ao processo de inventário (v.g. designação do tribunal e juízo, identificação dos sujeitos, forma de processo, valor processual, etc.), o requerente, em função da qualidade que assuma, isto é, como interessado direto (art. 1099.º) ou invocando, simultaneamente ou não, a qualidade de cabeça de casal (art. 1097.º), tem o ónus de expor e demonstrar os elementos referidos em cada uma dessas disposições, tomando designadamente posição sobre as quotas ideais de cada interessado, em função do regime de bens existente no casamento do de cujus ou dos herdeiros, da existência de algum testamento ou das regras sobre a sucessão concretamente aplicáveis, a fim de que possam ser sujeitas ao contraditório.
(…) O requerimento inicial deve conter a identificação do autor da herança, a comprovação do seu óbito, através da respetiva certidão, e a indicação do último domicílio e lugar do óbito (elementos relevantes para determinação, quer dos herdeiros, quer da competência internacional e territorial – art. 72.º-A, aditado pela Lei n.º 117/19). Arrogando-se o requerente a qualidade de cabeça de casal, deve justificar tal alegação, em função das regras de direito substantivo, e identificar os interessados diretos na partilha (…), os cônjuges dos herdeiros e os regimes de bens que vigoram nos respetivos casamentos, assim como deve identificar possíveis legatários e, havendo herdeiros legitimários, eventuais donatários. De tudo isso juntará os elementos documentais que forem relevantes” (cfr., Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil; Vol. II, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 553-554).
No caso de não dispor de todos os elementos – sendo inegáveis, por vezes, as dificuldades com que pode defrontar-se no desempenho do cargo - o cabeça-de-casal deverá requerer prazo suplementar para apresentar a relação de bens ou os documentos necessários.
Apresentado o requerimento inicial de inventário, o mesmo é submetido a despacho liminar do juiz, de harmonia com o previsto no artigo 1100.º do CPC.
De facto, atenta a especificidade do processo de inventário, mostrando-se essencial para o seu desenvolvimento, a verificação ou a confirmação de quem irá desempenhar o cargo de cabeça de casal e a necessidade de se proceder a uma apreciação dos factos alegados e dos documentos apresentado, o legislador previu que ocorra a intervenção liminar do juiz, sendo o requerimento inicial de inventário submetido a despacho liminar.
“Prevista essa intervenção liminar, cabe ao juiz proferir as decisões que concretamente se ajustarem às circunstâncias, sendo de destacar o indeferimento liminar (art. 590.º, n.º 1, quando se verificar a manifesta inviabilidade do inventário ou for detetada alguma exceção dilatória insuprível” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil; Vol. II, Almedina, Coimbra, 2020, p. 563).
O incumprimento pelo cabeça-de-casal dos deveres impostos pelos n.ºs. 2 e 3 do artigo 1097.º do CPC poderá determinar, ainda, a prolação de despacho de aperfeiçoamento – apenas devendo o processo de inventário avançar para a fase das citações, no caso de o processo conter todos os elementos relevantes para o exercício do contraditório, em alguma das modalidades previstas no artigo 1104.º, n.º 1, do CPC - , nos termos do artigo 1100.º, n.º 1, al. a), do CPC, sendo que, as deficiências passíveis de causarem convite ao aperfeiçoamento são aquelas que ocasionariam, nos termos gerais elencados no artigo 590.º, n.ºs. 2 a 4, do CPC, aquele convite (neste sentido, Carla Câmara; O Processo de Inventário Judicial e o Processo de Inventário Notarial; Almedina, Coimbra, 2021, p. 60 e Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil; Vol. II, Almedina, Coimbra, 2020, p. 555).
Ou seja: Não sendo caso de indeferimento liminar e não possuindo o processo todos os elementos para a confirmação/nomeação do cabeça-de-casal, o juiz deverá, de harmonia com o disposto nos n.ºs. 2 a 4 do artigo 590.º do CPC, emitir despacho de aperfeiçoamento tendo em vista:
- O suprimento de exceções dilatórias, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, do CPC (cfr. artigo 590.º, n.º 2, al. a) do CPC);
- O suprimento das irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento/correção do vício, “designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa” (cfr. artigo 590.º, n.º 2, al. b) e n.º 3, do CPC);
- A junção de documentos para permitir a apreciação de exceções dilatórias/conhecimento do mérito (cfr. artigo 590.º, n.º 2, al. c) do CPC); ou
- O suprimento das insuficiências/imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, “fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido” (cfr. artigo 590.º, nºs. 2, al. b) e n.º 4, do CPC).
Na decorrência da prolação de despacho de aperfeiçoamento e da notificação do requerente para proceder a tal aperfeiçoamento poderá resultar a seguinte alternativa: Ou o requerente aperfeiçoa o requerimento inicial, o qual, complementado com o resultado do aperfeiçoamento, permitirá o prosseguimento dos autos; ou o requerente não aperfeiçoa o requerimento inicial, variando a consequência de tal comportamento, de acordo com a natureza da falta que se verificar e, designadamente, se tal se mostrar possível, determinando-se a supressão do vício correspondente com a prática dos atos, para tanto, necessários.
Conforme esclarece, neste sentido, Carla Câmara (O Processo de Inventário Judicial e o Processo de Inventário Notarial; Almedina, Coimbra, 2021, p. 61):
“Assim, apresentado requerimento inicial:
a. Não padecendo o mesmo de vício que determine o seu indeferimento liminar ou o convite ao aperfeiçoamento, e proferido despacho de confirmação ou designação do cabeça de casal.
Caberá ao juiz confirmar o cabeça de casal, quando aquele que se apresentou em condições de lhe serem deferidas tais funções, efetivamente cumpre os requisitos do artigo 2080.º do Código Civil.
Designará cabeça de casal, quando quem assim se apresentou a requerer o inventário nessa qualidade, não preenche as condições para exercer as funções, bem como no caso em que o requerimento inicial foi apresentado por outro interessado (que não se atribuísse as funções de cabeça de casal).
b. Sendo caso de indeferimento liminar do requerimento inicial, é proferido despacho que fundamenta tal indeferimento, extinguindo-se os autos (artigo 277.º, a), do CPC).
c. Sendo proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento, notifica-se o requerente do processo de inventário, para proceder a tal aperfeiçoamento, suprindo as deficiências assinaladas no despacho de convite formulado.
Aperfeiçoado o requerimento, é proferido despacho que confirma ou designa o cabeça de casal nos termos já enunciados (artigo 1100.º, n.º 1, a), do CPC).
Não sendo aperfeiçoado o requerimento, persistindo o vício que lhe deu causa, a consequência de tal inércia variará de acordo com a natureza do vício e com a possibilidade de ser suprido, designadamente, oficiosamente (se a irregularidade, por exemplo, advier da falta de junção de um documento essencial)”.
Admite-se, pois, que, em função do vício que ainda persista, mas passível de suprimento, que, não obstante a prévia prolação de despacho de aperfeiçoamento, seja emitido novo despacho no sentido do suprimento da deficiência que - sendo suprível- ainda persista.
Revertendo as considerações precedentes para o caso que nos ocupa, da análise do requerimento inicial, apresentado em juízo em 20-07-2021, verifica-se que nele, a requerente, por intermédio do seu mandatário, apresentou requerimento por via eletrónica, constando do respetivo formulário a seguinte caraterização: “Finalidade: Iniciar Novo Processo. (…) Forma de Processo/Classificação: Acção de Inventário. Espécie: Inventário (Competência Facultativa) Objeto de Acção: Relacionar bens sem partilha [Cível (Local)](…)”.
Para além disso, a requerente figura em tal formulário como cabeça-de-casal e nele vem identificado como interessado, RP.
No requerimento inicial propriamente dito, consta para além da identificação do Tribunal, apenas a relação dos bens deixados pela inventariada, aí apenas nomeada – depósitos bancários, bens móveis e imóveis – e a relação dos créditos e dívidas da herança.
No despacho de 07-10-2021, o Tribunal recorrido, depois de fazer alusão ao artigo 1097.º do CPC considerou que, no requerimento inicial não constam alegados “quaisquer factos essenciais que integram a causa de pedir de um processo de inventário (subsistindo mesmo uma total inobservância do disposto na norma legal acima referida), ónus que lhe incumbe nos termos dos artigos 5.º n.º 1 e 552.º n.º 1 d), limitando-se a juntar vários documentos”.
Ora, como se viu, o requerimento inicial de inventário deve conter elementos de natureza formal, previstos no artigo 552.º do CPC, na medida em que os mesmos se mostrem ajustados ao processo especial em questão (por exemplo, sobre a não adequação ao processo de inventário da exigência de duplicados prevista para a petição inicial no artigo 148.ºdo CPC, vd. Augusto Lopes Cardoso; Partilhas Judiciais; Vol. I, Almedina, 2018, p. 404), onde se encontram a designação do tribunal e juízo, a identificação dos sujeitos, a forma de processo, o valor processual.
Estes elementos formais encontram-se presentes no requerimento inicial apresentado pela requerente.
Para além disso, atendendo a que foi apresentado por quem se arroga a titularidade do cabeçalato, o requerimento inicial de inventário deveria observar as prescrições contidas no artigo 1097.º do CPC, contendo a identificação do autor da herança, o lugar do seu último domicílio, a data e o lugar em que tenha falecido, a justificação da qualidade de cabeça-de-casal, a identificação dos interessados diretos na partilha, os respetivos cônjuges e o regime de bens do casamento, os legatários e, ainda, havendo herdeiros legitimários, os donatários e juntar os elementos mencionados no n.º 3 desse preceito legal.
No despacho de 07-10-2021 afirmou-se singelamente o incumprimento do artigo 1097.º do CPC, sem, contudo, se concretizar quais os aspetos concretos em que tal inobservância se verificava.
Importa sublinhar que o convite do juiz no sentido do suprimento de insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada (cfr. artigo 590.º, n.º 4, do CPC) manifesta “um verdadeiro dever legal do juiz (despacho de aperfeiçoamento vinculado), no sentido de identificar os aspetos merecedores de correção. Não se trata, como é óbvio, de salvar petições afetadas por ineptidão resultante da falta ou da ininteligibilidade da causa de pedir (art. 186.º), mas apenas de corrigir articulados que, cumprindo os requisitos mínimos, se revelem, contudo, insuficientes, deficientes ou imprecisos em termos de fundamentação da pretensão” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil; Vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 678).
Todavia, se atentarmos no requerimento de 20-07-2021 verificamos que, para além do referido, nele consta identificado o autor da herança – a referida CP – e a identificação do outro interessado direto na partilha, mas, não se vislumbra no requerimento em questão, nem o lugar do último domicílio da autora da herança, nem a data e lugar em que faleceu, nem igualmente, a justificação da qualidade da requerente como cabeça-de-casal, nem a identificação do cônjuges dos interessados (que são identificados no formulário como “casado[s]”) e o respetivo regime de bens do casamento (admitindo-se serem prescindíveis as demais menções legais constantes do n.º 2 do artigo 1097.º do CPC, atenta a existência de apenas dois interessados na partilha em questão e não ser mencionada a existência de legatários/donatários).
Quanto aos elementos a que se refere o n.º 3 do artigo 1097.º do CPC (certidão de óbito do autor da sucessão, documentos que comprovem a legitimidade do requerente e a legitimidade dos interessados diretos na partilha, testamentos, convenções antenupciais e as escrituras de doação, relação de todos os bens sujeitos a inventário com os documentos comprovativos da sua situação no registo respetivo e, se for o caso, da matriz, relação dos créditos e das dívidas da herança, acompanhada das provas que possam ser juntas e o compromisso de honra do fiel exercício das funções de cabeça de casal) verifica-se, pela análise dos documentos anexos com o requerimento de 20-07-2021 que a requerente juntou a certidão de assento de óbito da falecida, apresentou a relação de bens da inventariada (nos termos que descreveu, tendo anexado os documentos comprativos da sua situação no registo) e a relação dos créditos e dívidas da herança, tendo ainda junto aos autos documento intitulado “DECLARAÇÃO SOB COMPROMISSO DE HONRA”, onde se lê: “MR, casada Cartão do Cidadão (…), NIF(…), residente (…), declara sob compromisso de honra, que cumprirá com rigor e fielmente as funções de cabeça de casal no inventário e partilha de bens por falecimento de sua mãe CP”. Faltou, todavia, à requerente esclarecer se foram ou não elaborados testamentos, convenções antenupciais ou escrituras de doação.
Como se disse, no referido despacho de 07-10-2021 foi ainda assinalada a inobservância pela requerente das normas dos artigos 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, al. d) do CPC.
Contudo, conforme decorre do que se vem dizendo, no que ao processo especial de inventário respeita, a “exposição dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação” deve conformar-se e compatibilizar-se com a regra especial contida no artigo 1097.º do CPC, em termos tais que, o elenco dos factos essenciais atinentes à causa de pedir do processo de inventário se traduz na alegação pelo requerente dos factos correspondentes ao facto jurídico determinativo da pretensão de partilha da herança peticionada, de acordo com os elementos de conformação legalmente previstos no artigo 1097.º do CPC.
Ou seja: Entende-se que se deve efetuar uma leitura restritiva da consideração do disposto no artigo 552.º, n.º 1, al. d) do CPC, por forma a que a exposição factual necessária efetuar pelo requerente do inventário se deva coadunar com as prescrições contidas no artigo 1097.º do CPC, no caso de o requerimento de inventário ser apresentado por cabeça-de-casal.
É que, precisamente, pela especificidade do processo de inventário, configurado por lei como um processo especial, o requerimento inicial encontra-se, como se viu, sujeito a disciplina particular que impõe, no âmbito da normatividade consignada no artigo 1097.º do CPC, a sua prevalência relativamente à estrita aplicação do artigo 552.º do CPC (regra inserida na forma de processo comum de declaração – cfr. artigo 546.º do CPC), nos aspetos que sejam regulados numa e noutra disposições.
Trata-se, no fundo, da genérica relação de prevalência da regra especial face à regra geral.
“A regra especial tem um âmbito de aplicação delimitado, comparativamente com a regra geral, estabelecendo uma solução que não contraria substancialmente a prescrita na regra geral” (assim, Pedro Romano Martinez; Introdução ao Estudo do Direito; AAFDL, 2021, p. 236).
Para além destas considerações, cumpre assinalar que, na decorrência do referido despacho de 07-10-2021, a requerente apresentou nos autos o requerimento de 11-10-2021, no qual veio aportar para os autos as seguintes considerações:
- Que no dia 24 de Abril de 2021, faleceu, sem testamento ou disposição de última vontade, CP, no estado de viúva de MP, com residência habitual na Rua …, Lote …, (actual n.º …) R/C, Dt., Bairro da …, 2695-615 S, João da Talha, local onde faleceu, como consta da certidão de assento de óbito com código de acesso …-…-…, junta à relação de bens e também arquivada no Cartório Notarial de Rosa Correia, local onde, no dia 26/05/2021, foi elaborada a habilitação de herdeiros, documento oficial com valor probatório, também junta à relação de bens”; e
- Que ade cujus deixou como seus únicos herdeiros seus filhos:
MR, nascida em 28/11/1959, casada no regime da comunhão de adquiridos com FP, Cartão de Cidadão …, NIF …, Cartão de Cidadão …, NIF …, respetivamente, residentes na Rua …, n.º … …, Dt., Bairro …, 2695-615 S, João da Talha, e
RP, nascido em 15/09/1963, casado no regime da comunhão de adquiridos com OP, Cartão de Cidadão …, NIF …, residentes na Rua …, n.º …, 6250-038 Belmonte, não havendo quem com eles concorra (declarações constantes na habilitação de herdeiros, documento oficial, com valor probatório, que foi junto à relação de bens).
De acordo com as datas de nascimento de MR, em 28/11/1959 e de RP, nascido em 15/09/1963, facilmente se constata que aquela é a mais velha dos herdeiros, o que, de acordo com os artigos 2032.º, n.º 1, 2079.º e 2080.º, n.ºs 2 e 3 todos do CC, deverá ser nomeada cabeça-de-casal de acordo com a declaração sob compromisso de honra que foi junta à relação de bens”.
Conforme resulta do exposto, constata-se que a requerente procedeu ao suprimento de todas as omissões que, relativamente ao requerimento inicialmente apresentado, constavam do mesmo, mostrando-se – na conjugação do requerimento inicial, com o que resultou do despacho de aperfeiçoamento – cabalmente observadas as prescrições normativas constantes dos n.ºs. 2 e 3 do artigo 1097.º do CPC.
De todo o modo, o Tribunal recorrido, nos termos do despacho de 15-11-2021 veio a – diga-se, de modo surpreendente e contrastante com o precedente convite ao aperfeiçoamento – a considerar, por um lado, a não observância do disposto nos artigos 5.º, 552.º, n.º 1, al. d) e 1097.º do CPC, relativamente ao requerimento de 20-07-2021 (o que já tinha observado no despacho de 07-10-2021); bem como, que “a requerente não cumpriu com os aspetos formais ínsitos no artigo 552.º n.º 1 al. a)” do CPC; e, ainda, assinalando que, na sua perspetiva, se tratam de “deficiências que são graves e que, portanto, não podem ser colmatadas com um convite ao aperfeiçoamento, convite esse que, não obstante a Requerente ter procedido à junção de novo requerimento inicial, não foi feito pelo tribunal e nem o poderia ser uma vez que não estamos perante um caso em que subsistam pequenas omissões ou imprecisões na matéria alegada pela requerente, mas antes perante uma situação em que essa alegação pura e simplesmente não existe”, concluindo que, tal situação “implica que o novo requerimento inicial junto pela requerente (11-10-2021, ref.ª 11451960) não posa ser atendido e deva ser dado sem efeito”, reiterando, também quanto a este requerimento a inobservância do disposto no artigo 552.º, n.º 1, al. a) do CPC.
Ora, em face destas considerações, cumpre desde logo questionar: Qual o sentido de não ser atendido o vertido no requerimento de 11-10-2021, apresentado – repita-se – na sequência de o Tribunal ter considerado necessário convidar a requerente para aperfeiçoar o seu requerimento inicial, se o mesmo se destinou, precisamente, a corrigir as “inobservâncias” assinaladas quanto ao requerimento de 20-07-2021?!
A questão da configuração do novo articulado como autónomo do inicialmente apresentado ou como complemento daquele foi já apreciada na doutrina e na jurisprudência.
Assim, Paulo Pimenta (A Fase Do Saneamento No Processo Após A Vigência Do Novo CPC, Almedina, 2003, pp. 165-166) esclarece que, pretendendo a parte corresponder ao convite que lhe foi dirigido, deverá apresentar um articulado destinado a colmatar as imperfeições fácticas para as quais o juiz a alertou. “Tal articulado servirá para completar ou para corrigir o que fora produzido originariamente”. “Este novo articulado terá a extensão e o desenvolvimento que forem aconselhados pela situação em concreto, em função, designadamente, da maior ou menor influência ou imprecisão da alegação inicial. Em certos casos, é possível que o aperfeiçoamento demande a elaboração integral de uma nova peça (v.g. uma nova petição ou uma nova contestação), na qual, aproveitando embora alguma alegação fáctica anterior, se reformule a exposição ou concretização da matéria de facto primitivamente alegada. Nessas hipóteses, o articulado judicialmente estimulado como que consume (ou substitui) o espontaneamente apresentado. Noutros casos, a nova peça poderá ter um carácter mais cirúrgico, visando, somente acrescentar um determinado ponto de facto, corrigir certa imperfeição expositiva, concretizar ou esclarecer uma afirmação. Aí, o teor da nova peça acresce ao dos articulados espontaneamente apresentados. A versão fáctica da parte constitui um todo, que se determina pela conjugação das duas peças apresentadas, a original e a judicialmente estimulada”.
O novo articulado a apresentar em momento ulterior pode, consequentemente, ser entendido como um “articulado judicialmente estimulado”, como o designam A. Montalvão Machado e Paulo Pimenta (O Novo Processo Civil, 4ª ed., pp. 120 e 196).
Ora, conforme bem se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-09-2009 (Pº 803/08.8TJLSB.L1-2, rel. ONDINA CARMO ALVES), “independentemente da designação que possa ser atribuída a este articulado, não pode deixar de se entender que o mesmo constitui um complemento dos articulados normais (petição inicial e contestação) ou dos articulados eventuais (réplica e tréplica) do processo, podendo limitar-se a completar o que falta e/ou corrigir a imprecisão detectada – v. neste sentido LEBRE DE FREITAS, ob. cit, 355 e Revisão do Processo Civil, ROA, ano 55, II, 479”: “Qualquer articulado apresentado na sequência do convite do julgador constitui um complemento dos articulados normais (petição inicial e contestação) ou dos articulados eventuais (réplica e tréplica), podendo limitar-se a completar o que falta e/ou corrigir as imprecisões detectadas pelo juiz”.
É, aliás, nesse sentido, que caminha a previsão do n.º 4 do artigo 590.º do CPC, ao prever que o prazo fixado à parte para o convite ao suprimento se destina à “apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido”.
Ou seja: Em termos formais, deverá ser encontrada plena complementaridade entre o requerimento inicial da requerente e o requerimento ulteriormente apresentado pela mesma, na sequência do estímulo, nesse sentido, do Tribunal, em plena harmonia com o previsto nos artigos 590.º, n.º 4 e 1100.º, n.º 1, al. a), do CPC.
E, se assim é, não poderá subsistir a ilação que foi retirada pelo Tribunal recorrido: A de não atendibilidade do requerimento apresentado em 11-10-2021.
Por outro lado, não se mostra congruente a afirmação do Tribunal recorrido, no sentido de que as deficiências patenteadas no requerimento inicial são de tal modo graves que não podem ser colmatadas com um convite ao aperfeiçoamento, quando, certo é, que foi precisamente por entender ser viável o aperfeiçoamento, que o Tribunal recorrido entendeu proferir o despacho de 07-10-2021.
Finalmente, tendo em conta a aludida complementaridade (entre o requerimento inicial de 20-07-2021 e o apresentado em 11-10-2021), bem como, a circunstância de os mesmos terem sido apresentados por via do formulário disponível e preenchido para o efeito – no qual já consta preenchido o campo destinado à identificação do tribunal e juízo, à identificação da cabeça-de-casal e dos interessados, com a indicação dos seus nomes, domicílios e respetivo número de identificação fiscal (decorrendo, aliás, do previsto no artigo 6.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, que a apresentação da peça processual é efetuada pelo preenchimento do formulário disponibilizado, ao qual se anexa “ficheiros com a restante informação legalmente exigida…”, sendo, por isso, dispensável neste a informação que redundantemente já constar daquele formulário) – verifica-se que não ocorre a aludida inobservância do disposto no artigo 552.º, n.º 1, al. a) do CPC, relativamente ao requerimento da requerente.
Ou seja, conclui-se que, o requerimento inicial apresentado pela ora recorrente cumpriu, cabal e suficientemente, as exigências formais legalmente estabelecidas.
Em face do exposto, verifica-se que inexistia motivo para que o Tribunal recorrido concluísse pela existência de exceção dilatória de nulidade do processo, por ineptidão do requerimento inicial e pelo consequente indeferimento liminar do requerimento inicial, decisão que não poderá subsistir devendo ser revogada e substituída por outra, que determine o prosseguimento dos autos em conformidade com a tramitação que lhe cabe, procedendo, pois, a apelação.
*
A responsabilidade tributária inerente ao presente recurso deverá incidir sobre os interessados do processo de inventário, de harmonia com o previsto no artigo 1130.º, n.º 4, do CPC.
*
5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível em, na procedência da apelação, revogar a decisão recorrida (despacho de 15-11-2021), que deverá ser substituída por outra, que determine o prosseguimento dos autos em conformidade com a tramitação que lhe cabe.
Custas pelos interessados do processo de inventário, de harmonia com o previsto no artigo 1130.º, n.º 4, do CPC.
Notifique e registe.
*
Lisboa, 27 de janeiro de 2022.
Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento
Maria José Mouro Marques da Silva