Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3696/09.4YIPRT.L1-8
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
ACÇÃO
OPOSIÇÃO
REPRESENTAÇÃO EM JUÍZO
INJUNÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Ocorrendo divergência entre os respectivos sócios, no tocante à dedução de oposição a acção movida contra sociedade comercial, a circunstância de, atenta a distribuição do capital social, não ser possível a obtenção da maioria, para o efeito necessária, não traduz situação equiparável àquela a que se reporta o art. 21º, nº2, do C.P.Civil
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa :

1. C, Lda, deduziu, contra D, Lda, requerimento de injunção, pedindo o pagamento da quantia de € 5.972,56, acrescida de juros, alegadamente devida por virtude de contrato de prestação de serviços celebrado entre ambas.
Na qualidade de sua sócia gerente, veio A requerer a nomeação de representante especial à requerida, a fim de ser deduzida oposição.
Proferida decisão, indeferindo a requerida nomeação e conferindo força executiva à petição, daquela interpôs a requerente o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões :
- De acordo com o despacho recorrido, o Tribunal entendeu que, muito embora a sociedade requerida se obrigue com duas assinaturas conjuntas da gerência, poderia validamente representar-se em juízo e até constituir mandatário pela vontade de um só dos gerentes.
- O regime do mandato, aplicável ao mandato forense, encontra-se previsto no art. 1157° e segs. do Código Civil, onde se prevê que o mandante só pode conferir ao mandatário poderes de que disponha, sob pena de o mandato ser irregular.
- Além disso, nos termos do disposto no art. único do Dec. Lei 267/92, de 28/11, compete ao advogado mandatado aferir se o mandante pode validamente conferir o mandato forense, e recusá-lo caso aquele não disponha de poderes para o acto, como seria o caso.
- É evidente que, se a requerida se obriga com a vontade conjunta de dois gerentes, é necessária essa conjugação de vontades da gerência para poder intervir validamente em juízo, seja através da atribuição de um mandato forense ou não.
- Quem intervém em juízo como legal representante de uma sociedade necessita de possuir os poderes bastantes para confessar desistir ou transigir nos autos.
- Deste modo, resulta claro que mal andou o Tribunal recorrido ao não entender o sentido do regime juridico aplicável ao mandato forense e previsto nos arts 1157° e ss. do CC. e concluir que, muito embora uma sociedade se obrigue com a assinatura de dois dos gerentes, basta um deles para a representar em juízo e conferir mandato forense a advogado.
- No despacho recorrido refere-se ainda que o que existe na sociedade requerida é um conflito entre os sócios e os gerentes e não entre a sociedade e o seu representante.
- Da factualidade invocada no requerimento, sobre o qual recaiu o despacho ora recorrido, resulta que a sociedade requerida não tem quem a represente validamente, pois a gerência é bipartida e não existe qualquer entendimento entre os titulares daquele orgão social.
- Além disso, a ora recorrente invocou também a existência de conflitos entre os sócios e os represen- tantes da sociedade.
- Assim, não restam dúvidas sobre a aplicabilidade neste caso do regime previsto no art. 21º, nº2, do CPC, pelo que deveria o tribunal recorrido ter determinado a nomeação de um representante especial à sociedade requerida, possibilitando a esta a dedução regular da sua oposição nos autos, e não o fazendo violou aquela norma legal.
- Finalmente, entende ainda o tribunal recorrido que, a existir alguma impossibilidade de a sociedade se representar validamente em juízo, tal questão teria de ser levada ao Tribunal do Comércio e não poderia ser apreciada no tribunal da causa.
- A norma do art. 21º do CPC é c1arissima ao determinar que é ao juiz da causa que cabe nomear um representante especial à sociedade, caso este se mostre necessário.
- Assim, nos termos daquela norma, seria desnecessária a interposição de uma acção junto de um outro tribunal, nomeadamente o Tribunal do Comércio de Lisboa, pelo que o despacho contém um flagrante erro na interpretação e aplicação da lei, nomeadamente do art. 21º do CPC, ao não entender que cabe ao juiz da causa a nomeação do representente especial.
- Ainda que assim fosse, o que não se concebe, sempre deveria o tribunal recorrido ter proferido despacho nesse sentido, convidando a requerida a proceder desse modo, ao invés de indeferir liminar- mente o pedido de nomeação de representante especial e passar rapidamente a proferir a decisão de condenação da requerida nos autos.
- No tocante a esta, é evidente que o tribunal mal andou ao proferir a sentença nos termos em que o fez, pois considerou que não houve oposição da requerida e condenou-a de preceito.
- Sucede porém que, como vimos, a requerida foi impedida de apresentar a sua oposição, ou seja nem sequer lhe foi concedido o completo direito ao contraditório, pelo que o tribunal ao decidir como o fez violou a norma constante dos arts. 3º e 3º-A do CPC.
- Pelo que deverão o despacho e a sentença ser revogados, substituindo-se o primeiro por outro que determine a nomeação de um representante especial à requerida, e seguindo-se os demais termos do processo até final.
Em contra-alegações, pronunciou-se a apelada pela confirmação do julgado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Nos termos dos arts. 684º, nº3, e 690º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente.
A questão a decidir centra-se, pois, na apreciação do pedido de nomeação de representante especial à sociedade requerida.
Estabelece o art. 21º, nº1, daquele diploma que as sociedades são representadas em juízo por quem a lei, os estatutos ou o pacto social designarem.
Dispondo o nº2 do mesmo preceito que, sendo demandada sociedade que não tenha quem a represente, ou ocorrendo conflito de interesses entre a ré e o seu representante, designará o juiz da causa repre- sentante especial, salvo se a lei estabelecer outra forma de assegurar a respectiva representação em juízo.
No caso concreto, não ocorre uma situação de ausência de representante ou de conflito de interesses entre aquele e a sociedade, mas de divergência, entre os respectivos sócios, no tocante à dedução de oposição à requerida injunção.
Devendo entender-se que a circunstância de, atenta a distribuição do capital social, não ser possível a obtenção da maioria para o efeito necessária, de forma alguma, traduz situação equiparável àquela a que se reporta o invocado dispositivo legal.
Caso contrário, estaria afinal o tribunal, ao nomear representante com poderes especiais para a prática da pretendida intervenção processual a, interferindo arbitrariamente em deliberação dos órgãos sociais, fazer prevalecer voto que ali não logrou obter vencimento.
Como decidido, impor-se-ia, assim, indeferindo o requerido, desde logo conferir força executiva ao requerimento de injunção.

3. Pelo acima exposto, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando-se, consequentemente, a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 4 de Março de 2010

Ferreira de Almeida - relator
Silva Santos - 1º adjunto
Bruto da Costa - 2º adjunto