Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA PAULA BOULAROT | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS CASO JULGADO DIREITO DE RETENÇÃO ACÇÃO DE CONDENAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/04/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I- O credor que tenha o direito de crédito reconhecido por decisão definitiva tem de o reclamar no processo de insolvência a fim de, querendo, nele obter pagamento, e dentro do przo fixado na sentença declaratória de insolvência, artigo 128º do CIRE. II- Passado o prazo aludido naquele apontado normativo ainda há lugar a verificação de outros créditos e através de acção declarativa a propor contra a massa insolvente, os credores e o devedor nos termos do artigo 146º, nº 1, do CIRE (Sumário da Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I J e A, intentaram acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, por apenso à insolvência n° (…), na qual, por sentença de 04/05/05, transitada em julgado, foi declarada insolvente Construções (…), Lda, requerendo seja verificado o crédito de € 64 879,78, crédito correspondente a condenação judicial da requerida, garantido por direito de retenção. Alegaram, em síntese, o trânsito em julgado de decisão em acção por si interposta contra a insolvente, condenando no pagamento do sinal em dobro por si prestado no âmbito de contrato de promessa de compra e venda celebrado com a insolvente e benfeitorias por efectuadas na fracção respectiva, sendo que tal fracção foi entregue aos AA. em 26/07/01, pelo que gozam de direito de retenção. A final foi proferida sentença a julgar a acção integralmente procedente, reconhecendo o crédito reclamado por J e A no montante de € 64 879,78, a graduar tendo em atenção que goza de direito de retenção sobre o produto da venda da fracção "A", correspondente à cave, com entrada pela Rua (…) destinada a estacionamento, composta por 5 lugares de parqueamento, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua (…)da freguesia e concelho de (…), descrita na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n° (…), da freguesia de (…), inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o n° (…), da qual inconformada recorreu a C, apresentando as seguintes conclusões: - Os Apelados, optaram pela via declarativa, reclamar direito de crédito que detêm sobre a Insolvente, quando o deveriam ter feito em sede de reclamação de créditos - A sentença que declarou insolvente Construções (…), Lda foi publicada no Diário da República, II Série, n° (…) de (…) 2005, fixando-se o prazo para reclamações de crédito em 30 dias, tendo precludido tal prazo em (…) de Junho de 2006, sem, no entanto, que os Apelados tivessem reclamado os seus créditos. - Os Apelados pretenderam obter uma sentença, que lhe reconhecesse um crédito sobre a massa insolvente, quando a já tinham obtido, em acção declarativa que correu seus termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do (…), 1° Juízo, Processo n° (…), onde a Sociedade Insolvente foi condenada a pagar-lhes a quantia de € 64. 79,7 acrescida de juros moratórios. - Tal decisão proferida, em 27.05.2005, transitou em julgado em 13.06.2005, o que significa que tal sentença produziu seus efeitos em data anterior ao prazo concedido para reclamação de créditos; - Uma vez que os Apelados não reclamaram, no prazo fixado, os seus créditos, não podiam instaurar nova acção declarativa, uma vez que a decisão onde lhe foi reconhecido o seu crédito sobre a ora Insolvente há muito que tinha transitado em julgado, constituindo-se assim caso julgado, não podendo, em consequência, os Apelados, requerer, uma vez mais, em sede declarativa o reconhecimento de um crédito, quando este já se encontrava reconhecido por sentença transitada em julgado; - Por força do caso julgado, a lei não permite nova apreciação jurisdicional da mesma causa. - Na decisão ora recorrida, é reconhecido aos Apelados direito de retenção sobre o imóvel prometido comprar e vender. - Constando, também, da referida decisão que a ora Apelante que "o crédito em si, tal como a entrega da coisa aos AA não foi especificamente impugnado". - A Apelante impugnou especificamente a matéria vertida no artigo 6° da p.i., ou seja, impugnou a existência de qualquer direito de retenção. - De qualquer modo, não foram alegados, pelos Apelados, quaisquer factos que, ao julgador, permitam concluir pela existência do direito de retenção limitando-se aqueles a remeter, também neste domínio para uma decisão, para a qual a ora Apelante não foi chamada atenta a sua qualidade de credora hipotecária, pelo que tal decisão em relação à ora Apelante não pode constituir caso julgado, sendo-lhe por isso inoponivel; - Afigura-se assim à ora Apelante que, não obstante o haver efectuado, não haveria necessidade de impugnar tal pretenso direito uma vez que o mesmo não havia sido fundamentado, o que deveria ter importado consequente ineptidão da p.i., por falta de causa de pedir; - Mas mesmo que a tradição se tivesse dado, tal não significa que os Apelados tenham a posse efectiva do imóvel, quanto muito teriam a posse precária do Imóvel, por expressa boa vontade da sociedade insolvente; - Até, porque, a posse efectiva só se dá com a realização da escritura de compra e venda; - A ora Apelante, não foi chamada aos autos, na sua qualidade de credora hipotecária, que correram seus termos pelo Tribunal judicial da Comarca do (…), 1° juízo, Processo n° (…), onde a Sociedade Insolvente foi condenada a pagar aos Apelados a já mencionada quantia de € 64.879,78 acrescida de juros moratórios, pelo que, tal decisão nunca poderá constituir caso julgado em relação à Apelante, sendo-lhe por esse motivo inoponível; - Sendo inoponível à Apelante tal decisão, os Apelantes teriam que demonstrar que gozam de direito de retenção sobre o imóvel prometido comprar e vender, ou seja, não alegaram o incumprimento contratual que sempre haveria de ser definitivo e culposo, uma vez que este, a par da tradição da fracção são requisitos essenciais ao reconhecimento do direito de retenção os quais inexistem nestes autos de insolvência - Ora, o tribunal "a quo" não poderia ter conhecido do que não é invocado na PI, o que configura nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 668°, n° 2 alínea d) do CPC, excesso de pronúncia, que importa na nulidade da sentença, pelo que é ilegal a decisão recorrida. Não foram produzidas contra alegações. II A sentença sob recurso deu como assentes os seguintes factos: - Construções (…), Lda, pessoa colectiva n° (…), com sede na Rua (…), matriculada na Conservatória do Registo Comercial de (…) sob o n° 5, foi declarada insolvente por sentença de 04/05/05, transitada em julgado, conforme teor de fls. 64 a 71 dos autos principais, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. - Por sentença de 27/05/05, transitada em julgado em 13/06/05, Construções (…), Lda, foi condenada no pagamento a J e mulher A da quantia de € 64 879,78, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento, sendo a absolvida da instância quanto ao pedido de declaração de direito de retenção a favor dos AA., conforme certidão de fls. 6 a 17 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. - A R. não procedeu ao pagamento da quantia referida. - Tal quantia respeita ao dobro do sinal prestado pelos AA. no âmbito d contrato promessa de compra e venda celebrado com a insolvente em 26/07/01 e a benfeitorias por aqueles efectuadas na fracção predial objecto do contrato promessa. - A fracção predial em causa foi entregue aos AA. no dia 26/07/01. Insurge-se a Apelante contra a sentença recorrida uma vez que, na sua tese, a sentença que declarou insolvente a Sociedade (…), Lda foi publicada no Diário da República, II Série, n° (…) de (…) de 2005, fixando-se o prazo para reclamações de crédito em 30 dias, tendo ficado precludido tal prazo em 22 de Junho de 2006. Vejamos. Dispõe o normativo inserto no artigo 128º do CIRE: «1 - Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem: (…) 3 - A verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.». Daqui se abarca que o credor que tenha o direito de crédito reconhecido por decisão definitiva, “não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento”, de onde ser obrigatória a reclamação de créditos. Todavia a Lei permite que passado o prazo aludido naquele apontado normativo ainda haja lugar a verificação de outros créditos e através de acção declarativa a propor contra a massa insolvente, os credores e o devedor nos termos do artigo 146º, nº1 do CIRE no qual se predispõe «Findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de acção proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor, efectuando-se a citação dos credores por éditos de 10 dias.», desde que se verifiquem os condicionalismos a que aludem as alíneas a) e b) do seu nº2, isto é « a) Não pode ser apresentada pelos credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129.º, excepto tratando-se de créditos de constituição posterior; b) Só pode ser feita no prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respectiva constituição, caso termine posteriormente.». A presente acção foi instaurada ao abrigo daquele normativo, mostrando-se tempestiva, falecendo as razões que ex adverso são esgrimidas pela Apelante. Impugna ainda a Apelante a sentença recorrida uma vez que não tendo os Apelados reclamado, no prazo fixado, os seus créditos, não poderiam instaurar nova acção declarativa, pois a decisão onde lhe foi reconhecido o seu crédito sobre a ora Insolvente há muito que tinha transitado em julgado, constituindo-se assim caso julgado, não podendo, em consequência, os Apelados, requerer, uma vez mais, em sede declarativa o reconhecimento de um crédito, quando este já se encontrava reconhecido por sentença transitada em julgado. Também neste ponto não tem razão a Apelante. Dispõe o artigo 497º, nº1 do CPCivil que «As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado.» acrescentando o artigo 498º, do mesmo diploma o seguinte «1. Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.». Ora, in casu, não estamos perante uma repetição de causa, uma vez que os sujeitos, o pedido e a causa de pedir nesta acção divergem daqueloutra. Se não. Naqueloutra acção os aqui Autores/Apelados demandaram a devedora, antes de declarada a sua insolvência, desenrolando-se agora a acção entre aqueles, a insolvente, a massa insolvente e todos os credores da insolvente, mostrando-se, desta sorte, diferentes os sujeitos passivos. Também o pedido é diverso, pois enquanto naquela acção o pedido era o da condenação da agora insolvente no pagamento de uma quantia, bem como a declaração de existência do direito de retenção sobre o imóvel objecto do contrato promessa, enquanto nesta acção o que os Apelados pretendem é o reconhecimento e verificação do seu crédito em sede de concurso de credores. A causa de pedir também é diversa, pois enquanto naquela acção declarativa a mesma residia no incumprimento do contrato promessa, esta acção tem o seu fundamento na declaração de insolvência da devedora. Improcedem também, neste particular, as conclusões de recurso. Por último não se conforma a Apelante com a sentença recorrida na medida em que na mesma é reconhecido aos Apelados direito de retenção sobre o imóvel prometido comprar e vender, constando, também, da referida decisão que o crédito em si, tal como a entrega da coisa não foi especificamente impugnado, sendo que a Apelante impugnou especificamente a matéria vertida no artigo 6° da Petição Inicial, ou seja, impugnou a existência de qualquer direito de retenção. Neste conspectu também não tem razão a Apelante. Como deflui inequivocamente da contestação apresentada oportunamente pela Apelante, após deduzir a excepção de caso julgado e em sede de impugnação, nos artigos 20º e 21º daquele articulado e no que à economia do presente recurso concerne, limitou-se a afirmar que «Na certidão da sentença que os Autores juntam, não lhes é reconhecido qualquer direito de retenção.» (20º) e «Pelo que se impugna para os devidos e legais efeitos toda a matéria vertida pelos Autores no artigo 6º da petição inicial.» (21º). Certo é que na sentença proferida na acção declarativa não foi reconhecido o direito de retenção aos Apelados, tendo a devedora, aqui insolvente, sido absolvida da instância quanto a este pedido, todavia, nesta acção é expressamente peticionado o reconhecimento de tal direito tendo aqueles alegado, especificamente, os factos em que fizeram assentar a sua existência, vg o artigo 5º da Petição Inicial («A fracção predial em questão foi entregue aos AA. no referido dia 26/7/2001»), sendo o alegado no artigo 6º uma conclusão de direito, insusceptível, por isso, de qualquer contraditório. Daqui resulta que a Apelante, para além de não ter posto em causa o crédito dos Apelados sobre a insolvente, também não questionou que a fracção predial lhes tivesse sido entregue aquando a celebração do contrato promessa, pelo que bem andou a sentença recorrida ao dar por confessado tal circunstancialismo fáctico, daí retirando as devidas consequências jurídicas. Aliás, veja-se que a factualidade alegada pelos Apelados em sede de Petição Inicial apenas vem a ser especificamente contestada pela Apelante em sede de alegações de recurso, extemporaneamente, pois. As conclusões estão assim condenadas ao insucesso. III Destarte, julga-se improcedente a Apelação confirmando-se a sentença sob recurso. Custas pela Apelante. Lisboa, 4 de Junho de 2009 (Ana Paula Boularot) (Lúcia de Sousa) (Luciano Farinha Alves) |