Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4154/15.3T8LSB-D.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: DISPENSA DO PAGAMENTO DE TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE
TEMPESTIVIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA UMA DECISÃO E ANULADA OUTRA
Sumário: A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo, pelo que o pedido de dispensa desse pagamento, formulado no requerimento de reclamação da conta de custas onde foi contado o remanescente em questão, mostra-se extemporâneo, não se revelando inconstitucional tal interpretação do referido preceito legal.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

RJ___ propôs acção declarativa com forma de processo comum contra C., Ld.ª e S., Ld.ª, pedindo:
- a execução específica dos contratos de trespasse com a 1ª R. nos termos acordados e de arrendamento comercial com a 2ª R. também nos termos acordados, condenando-se as RR. a reconhecer a efectivação de tais contratos;
- subsidiariamente, para o caso de não proceder este pedido,
- a condenação solidária das RR. a pagar ao A. a quantia de € 50.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais;
- a condenação solidária das RR a pagar ao A. a quantia de € 2.368.509,00 a título de indemnização por lucros cessantes;
- acrescidos de juros de mora à taxa legal que se vencerem sobre as quantias em que a final forem condenadas, desde a citação e até integral pagamento.
Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, sendo as RR. condenadas a pagar ao A. a quantia de € 2.000,00, acrescida de juros de mora, e mais sendo fixado o valor da causa em € 2.418.509,00.
O A. interpôs recurso dessa sentença, tendo este Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão que julgou o mesmo improcedente, confirmando a sentença recorrida.
O A. interpôs recurso desse acórdão, tendo o Supremo Tribunal de Justiça proferido acórdão que julgou o mesmo improcedente, confirmando o acórdão recorrido.
Voltando os autos à primeira instância, aí foram elaboradas as contas de custas da responsabilidade de cada uma das partes, sendo apurada em € 38.658,00 a quantia a pagar pelo A.
Por requerimento de 25/9/2017 (ref. 268501323) veio o A. reclamar da conta de custas, tendo em vista a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça aí contado, e nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais.
Após promoção do Ministério Público, no sentido do indeferimento da reclamação, foi proferido despacho, datado de 4/7/2018, com o seguinte dispositivo:
Destarte, e sem necessidade de considerandos acrescidos, por serem despiciendos, o Tribunal indefere a reclamação apresentada, por ausência de fundamento legal”.
O A. interpôs recurso deste despacho, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1.ª-O cálculo da taxa de justiça não depende exclusivamente do valor da acção, antes da conjugação deste valor com o grau de complexidade em concreto do processo, num sistema misto e correspectivo de fixação da taxa de justiça;
2.ª-Porque de taxa se trata e não de imposto ou se sanção pecuniária, o montante da taxa de justiça há-de estar estreitamente relacionado com o custo efectivo do serviço prestado pelo sistema de administração de justiça ao cidadão que a ele recorre e não à mera consideração cega do valor da acção na parte excedente a € 275.000,00, sob pena de violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, igualdade e do Estado de direito;
3.ª-A dispensa ou redução da taxa de justiça, na parte que exceda o valor da acção em € 275.000,00 não pode ser vista como excepcional, devendo o julgador, em todas as acções judiciais proceder sempre a um juízo de conformidade da taxa com o valor do serviço prestado, quer oficiosamente, quer a requerimento das partes;
4.ª-No caso dos autos a taxa de justiça que se pretende cobrar ao recorrente excede clamorosamente o custo do serviço prestado, atendendo à normal complexidade jurídica das questões tratadas, ao diminuto processamento material, principalmente na 1ª instância, quer, ainda, ao comportamento processual do ora recorrente;
5.ª-Quer nas instâncias quer no Supremo Tribunal de Justiça o recorrente sempre propugnou pela decisão da causa por recurso a critérios de equidade, o que demonstra bem que para si o valor da acção não tinha correspondência com o valor que considerou ser o valor económico da acção;
6.ª-No caso dos autos, tendo em conta que o recorrente pagará a taxa de justiça devida pelo recurso de revista considerando o valor total atribuído à acção, sem qualquer dispensa, justifica-se, plenamente, que seja dispensado do remanescente da taxa de justiça devida nas instâncias, sob pena de violação da lei adjectiva e dos princípios constitucionais referidos na conclusão 2.ª;
7.ª-Atendendo às especificidades da acção em cada um dos níveis decisórios, não existe qualquer fundamento legal, para não se poder aplicar às taxas devidas nas instâncias critério diverso daquele que foi utilizado no STJ, no que à dispensa do remanescente da taxa de justiça diz respeito;
8.ª-A decisão recorrida violou as normas dos artigos 530.º, n.º 7 do CPC, 6.º, n.º 7 do RCP e 2.º, 18, n.º 2 e 20.º da Constituição da República Portuguesa.
9.ª-Pelo que, na procedência do presente recurso, deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, que dispense o recorrente do pagamento da taxa de justiça nas instâncias, na parte remanescente a que alude o n.º 7 do art.º 6.º do RCP.
O Ministério Público apresentou alegação de resposta, terminando a mesma com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1.O ora recorrente apresentou, de novo, ao abrigo do disposto do n.º 7 do art.º 6.º, do RCP, o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça em causa, unicamente após se ter procedido à elaboração de conta final nos presentes autos.
2.Sendo certo que, em nenhum momento prévio ao da elaboração da conta tinha sido proferida qualquer decisão judicial em que tivesse sido determinada a dispensa, total ou parcial do pagamento do remanescente da taxa de justiça em causa.
3.No entanto, é na sentença ou no acórdão final, que o juiz ou o colectivo de juízes, conforme os casos, verificados os respectivos pressupostos, deve declarar a dispensa do remanescente a que se reporta o citado n.º 7 do art.º 6.º, do RCP.
4.A não dispensa do referido remanescente, justifica o pedido das partes da reforma da sentença ou do acórdão, nos termos do art.º 616.º, ns. 1 e 3, do CPC, no caso de se entender que se verificam os respectivos pressupostos legais.
5.Sucedendo que o ora recorrente não veio requerer a reforma da decisão quanto a custas proferida quer pelo juiz de primeira instância quer pelos Tribunais Superiores.
6.A reclamação do acto de contagem não constitui meio idóneo de suscitar a questão da existência de pressupostos da dispensa do pagamento do mencionado remanescente.
7.O teor literal do n.º 7 do art.º 6.º do RCP aponta indubitavelmente para o acerto da interpretação que se orienta no sentido de que o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem que ser formulado pela parte (caso o não tenha feito anteriormente o juiz) em momento anterior à elaboração da conta de custas.
8.A interpretação do n.º 7 do art.º 6.º do RCP, sustentada pela ora recorrente, levaria a sufragar a prática de actos (a feitura de uma conta final, a sua notificação e, eventualmente, até mesmo algum pagamento entretanto feito) que teriam depois que ser destruídos, o que é legalmente proibido (v. art.º 130.º do CPC).
9.Acresce que, essa mesma interpretação, perfilhada pela ora recorrente, conduziria ao absurdo da dispensa do pagamento poder ser equacionada sem qualquer limitação inclusivamente quando estivesse já a correr execução para pagamento da taxa de justiça a dispensar.
10.Não sendo correcto, por outro lado, afirmar-se que só após a notificação da conta a parte tem conhecimento dos montantes eventualmente excessivos que lhe são imputados a título de taxa de justiça.
11.Na verdade, pelo menos após a prolação da decisão final, a parte dispõe de todos os dados de facto necessários ao exacto conhecimento prévio das quantias em causa: sabe o valor da causa, a repartição das custas e o valor da taxa de justiça previsto na tabela I do RCP, por referência ao valor da acção.
12.Assim sendo, e face ao actual sistema legal, o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, apresentado pelo Autor, ora recorrente, não pode, portanto, deixar de ser indeferido, atenta a sua extemporaneidade.
13.De qualquer modo, “a dispensa do remanescente da taxa de justiça a cobrar às partes e, assim, a correcção a efectuar, em obediência à aplicação de princípios constitucionais, só deverá ocorrer em situações de manifesta injustiça, de intolerável desequilíbrio entre o montante a satisfazer e a actividade desenvolvida pelo sistema de justiça” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de Novembro de 2016).
14.No presente caso, porém, é manifesto que não se verifica qualquer fundamento que justificasse a pretendida dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.
15.Por outro lado, não se pode esquecer que o Supremo Tribunal de Justiça havia indeferido já a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso de revista interposto pelo autor.
16.Sendo que, na base de tal indeferimento, o Supremo Tribunal de Justiça salienta, nomeadamente, a dificuldade das questões que foram suscitadas em torno da delimitação do direito de indemnização e da ponderação ou não do interesse contratual positivo, não havendo motivos para a referida dispensa que deve ser encarada com excepcionalidade.
17.Pelo que o ora recorrente acaba por pugnar pela prolação de uma decisão que iria divergir, de forma inadmissível, do teor decisão tomada, sobre tal questão, pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Por despacho de 21/11/2018 não foi admitido o recurso interposto pelo A., tendo o A. apresentado reclamação, nos termos do art.º 643º do Código de Processo Civil.
Neste Tribunal da Relação de Lisboa foi proferida decisão singular em 17/1/2019, que confirmou a decisão de não admissão do recurso interposto pelo A.
O A. reclamou para a conferência, tendo sido proferido acórdão pela conferência em 14/3/2019, que indeferiu a reclamação e confirmou a decisão singular.
O A. recorreu deste acórdão da conferência, tendo o Supremo Tribunal de Justiça proferido acórdão em 10/12/2019, com o seguinte dispositivo:
Face ao exposto, concede-se a revista e revoga-se o acórdão recorrido”.
Voltando os autos à primeira instância, aí foi proferido o seguinte despacho, em 28/1/2020:
Por legal, tempestivo, o Autor ter legitimidade e o despacho de 4 de julho de 2018 ser recorrível, o Tribunal admite o recurso interposto para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, o qual é de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo (cfr. artigos 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 637.º, n.ºs 1 e 2, 638.º, n.º 1, 644.º, n.º 2, al. g), 645.º, n.º 2, e 647.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil; em conjugação com o disposto no artigo 31.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais).
Concedemos ao Autor o prazo de 10 dias para dar cumprimento ao disposto no artigo 646.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, pois que nada foi indicado/observado a esse nível no final das conclusões do recurso.
O Autor vai sancionado na multa processual mínima de 1 UC (incidente anómalo), por ter, sem nenhuma justificação, accionado o disposto no artigo 144.º, n.º 7, al. b), do Código de Processo Civil.
Notifique”.
O A. interpôs recurso deste despacho, na parte em que foi condenado no pagamento da multa processual de uma UC, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1.ª-Com a prolação do despacho que indeferiu a reclamação contra a conta de custas, esgotou-se o poder jurisdicional do Sr. Juiz de Direito, no que a essa questão diz respeito;
2.ª-Ao admitir o mesmo recurso, na sequência de decisão nesse sentido do STJ e, ao mesmo tempo, condenando o A. em multa por ter, sem justificação, accionado o disposto no art.º 144.º, n.º 7, al. b) do CPC, cometeu o Sr. Juiz de Direito, quanto a esta última decisão, um acto nulo, por não admitido legalmente;
3.ª-A decisão recorrida violou o disposto no art.º 613.º, n.º 1 do CPC.
O Ministério Público apresentou alegação de resposta, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
O tribunal recorrido pronunciou-se nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 617º, nº 1, do Código de Processo Civil, concluindo pela não verificação da nulidade arguida pelo A. Mais determinou a subida de ambos os recursos num único processo, nos termos do art.º 645º, nº 3, do Código de Processo Civil.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, a questão suscitada no primeiro recurso respeita, tão só, à dispensa do pagamento do remanescente de taxa de justiça que foi contado na conta de custas, enquanto a questão suscitada no segundo recurso respeita, tão só, à nulidade da decisão que condenou o A. em multa processual, por excesso de pronúncia.
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A materialidade com relevo para o conhecimento do objecto de cada um dos recursos é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede.
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Da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça
Como resulta do requerimento de 25/9/2017, a coberto do disposto no art.º 31º, nº 3, do Regulamento das Custas Processuais veio o A. pedir a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, por entender que as decisões das instâncias que o condenaram em custas “não constituem caso julgado quando ao montante em concreto dessas custas, uma vez que o seu cálculo não depende exclusivamente do valor da acção, antes da conjugação deste valor com o grau de complexidade em concreto do processo, num sistema misto e correspectivo de fixação da taxa de justiça. Como resulta do nº 7 do art.º 6º do Regulamento das Custas Processuais”.
Ou seja, previamente ao apuramento das circunstâncias que justificam a aplicação do disposto no art.º 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais, importa verificar se a pretensão do A. podia ser apresentada no momento processual em que o foi, sob o pretexto de que o cálculo do montante concreto das custas (aí se integrando o remanescente da taxa de justiça) só na conta final é determinado.
Na sua alegação de resposta o Ministério Público contraria tal entendimento do A., defendendo a extemporaneidade do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, por entender que este devia ter sido feito em momento anterior ao da elaboração da conta de custas, desde logo nos termos dos nº 1 e 3 do art.º 616º do Código de Processo Civil, e apelando para tanto, não só ao teor literal do nº 7 do art.º 6º do Regulamento das Custas Processuais, mas igualmente à circunstância de, após a prolação da decisão final, a parte que pretende obter essa dispensa dispor já de todos os dados de facto necessários à sustentação da verificação dos pressupostos da dispensa em questão, não precisando de aguardar pela elaboração da conta de custas para conhecer tais dados de facto.
Sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça dispõe o art.º 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais que “nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Como se refere no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 16/6/2015 (relatado por Afonso Henrique e disponível em www.dgsi.pt), “sabemos que o nº 7 supra enunciado “foi aditado pela Lei 7/2012, de 13-2 e permite que nas causas de valor elevado - concretamente, quando ultrapassar os € 275.000,00 - o remanescente da taxa de justiça deixe de ser objecto de cálculo para pagamento segundo as regras gerais, sendo considerado apenas a final, desonerando as partes do seu pagamento a prestações a que se refere o artº 14º do RCP” - cfr. Joel Timóteo R. Pereira, em anotação ao artº 7 do RCP e legislação complementar, com “Nótulas Explicativas”, Quid Juris, pag.43.
É ainda explicado na mesma anotação que, “se nada for decidido em contrário, a parte terá que proceder ao pagamento do remanescente apenas após a elaboração da conta final, mas oficiosamente ou a requerimento da parte, pode esta ser dispensada de tal pagamento”.
E, tal aditamento aconteceu na sequência da decisão do Tribunal Constitucional, o qual chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade do artºs. 6º e 11º, do RCP, na redacção anterior do DL nº 52/2011, de 13 de Abril julgou essas normas inconstitucional “quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição - vide, Acórdão do TC nº 421/2013, de 15/7/2013, disponível, in www.tribunalconstitucional.pt).
Face à ratio do preceito em discussão, entendemos que até à notificação da conta final, pode a parte, no caso, a A. requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no artº 6º nº 7 do RCP.
E, como anteriormente se consignou, competirá ao Tribunal recorrido – uma vez que, não teve a iniciativa oficiosamente e que a regra é o pagamento em função do valor atribuído à acção - anuir, ou rebater os fundamentos invocados pela recorrente”.
Ou seja, segundo este entendimento, a parte pode requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça até à notificação da conta final de custas. Pelo que, a ser assim, não há que afirmar a inutilidade da realização da conta em questão, já que a mesma se destina, desde logo, à liquidação desse valor remanescente da taxa de justiça.
Todavia, nos acórdãos deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa de 15/10/2015 (relatado por António Martins), de 22/2/2018 (relatado por Cristina Neves) e de 12/4/2018 (relatado por António Valente), todos disponíveis em www.dgsi.pt, afirmou-se a extemporaneidade do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado após a notificação da conta final de custas.
Igual entendimento decorre dos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/3/2017 (relatado por Luís Cravo) e de 15/5/2018 (relatado por Pires Robalo), também disponíveis em www.dgsi.pt.
E também no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26/4/2018 (relatado por Filipe Caroço e igualmente disponível em www.dgsi.pt) foi decidido que “formulado após a notificação da conta de custas, devemos concluir que é extemporâneo o pedido das partes de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, pelo que a decisão recorrida – de indeferimento, por manifesta extemporaneidade, merece confirmação”.
Tal jurisprudência está em consonância com o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 13/7/2017 (relatado por Lopes do Rego e disponível em www.dgsi.pt), quando aí refere:
Não nos parece, na verdade, que a recorrente não tenha tido oportunidade processual para, antes da feitura e notificação da conta de custas, requerer a dispensa do remanescente da taxa de justiça: na verdade, importa salientar que esta dispensa decorre necessariamente de uma decisão constitutiva proferida pelo juiz, podendo naturalmente inferir-se – se nada se disser sobre esta matéria na parte da sentença atinente à responsabilidade pelas custas – que o julgador considerou que os pressupostos de que dependeria tal dispensa não estão verificados - sendo, neste contexto, consequentemente previsível para a parte, total ou parcialmente vencida, que a conta de custas a elaborar não irá contemplar seguramente essa dispensa: implica isto que o direito a reiterar perante o juiz a justificabilidade da dispensa do remanescente da taxa de justiça deverá ser exercitado durante o processo, ou seja, no caso, nomeadamente, mediante pedido de reforma do segmento da sentença que se refere, sem excepções ou limitações, à responsabilidade das partes pelas custas da acção, não podendo aguardar-se pela elaboração da conta para, só então, reiterar perante o juiz da causa a justificabilidade da dispensa…
É que o incidente de reclamação da conta sempre foi reportado à existência de erros ou ilegalidades na elaboração material da conta de custas, não sendo – perante os princípios definidores da tramitação do processo civil - instrumento processual adequado para enunciar, pela primeira vez, questões ou objecções que têm a ver com a decisão judicial sobre as custas (e não com a sua materialização ou execução prática).”.
Também no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/10/2017 (relatado por José Rainho e disponível em www.dgsi.pt) resulta a conclusão que “II - A dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente a que se reporta o nº 7 do art. 6º do Regulamento das Custas Processuais só pode ter lugar, seja por determinação oficiosa do juiz seja a requerimento da parte interessada, até ser efectuada a conta final. III - A lei, assim interpretada, não padece de qualquer inconstitucionalidade”.
Igualmente no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/10/2018 (relatado por Olindo Geraldes e disponível em www.dgsi.pt) resulta a conclusão que “é intempestiva a pretensão de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça feita na reclamação da conta”.
Também do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/11/2018 (relatado por Hélder Almeida e disponível em www.dgsi.pt) resulta a conclusão que “I - É intempestiva a pretensão de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do art. 6.º, n.º 7, do RCP, feita na reclamação da conta. II - Considerar como momento preclusivo para a dedução do pedido de dispensa a elaboração da conta final não constitui qualquer interpretação inconstitucional (…)”.
Também no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/12/2018 (relatado por Pinto de Almeida e disponível em www.dgsi.pt) resulta a conclusão que “I - O pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a liquidar na elaboração da conta final, ao abrigo do art. 6.º, n.º 7, do RCP, pressupõe que o processo já se mostre transitado em julgado, mas tem que ser formulado pela parte (caso o não tenha feito anteriormente o juiz) em momento anterior à elaboração da conta de custas. II - Não é inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13-02, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas”.
E, por último, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/2/2019 (relatado por Henrique Araújo e disponível em www.dgsi.pt) resulta a conclusão que “o requerimento de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 7 do RCP, deve ser formulado antes da elaboração da conta de custas”.
Por outro lado, e como também se refere no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/7/2017 (e em todos os demais acima referidos), o Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se sobre a conformidade constitucional desta interpretação, tendo decidido, no seu acórdão 527/2016, de 4/10/2016 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), “não julgar inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas”.
Sendo certo que os fundamentos aí exaustivamente elencados, e que se mostram renovados no acórdão de 2/5/2018 do mesmo Tribunal Constitucional (igualmente disponível em www.tribunalconstitucional.pt), que confirmou decisão sumária do seu relator, no mesmo sentido do já referido acórdão de 4/10/2016, apontam para a correcção da posição no sentido da extemporaneidade do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado após a elaboração da conta de custas e no prazo para reclamação da mesma.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça subsistia, é certo, a divergência sobre o concreto momento até quando podia ser apresentado o pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente (ou seja, o momento que faz precludir o direito de pedir tal dispensa), pois que já havia sido decidido que tal preclusão ocorria na data do trânsito em julgado da decisão final e já havia sido igualmente decidido que tal preclusão ocorria no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão final.
Essa contradição de decisões levou à uniformização da jurisprudência, através do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/11/2021 (AUJ 1/2022, publicado no DR Série I, de 3/1/2022), no seguinte sentido:
A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.
Ou seja, não se pode afirmar que só após o apuramento do valor remanescente de taxa de justiça a pagar (liquidado na conta final de custas), e sua subsequente notificação à parte, é que assiste à mesma o direito a requerer a dispensa do pagamento em questão, invocando as circunstâncias que conduzem à aplicação do disposto no nº 7 do art.º 6º do Regulamento das Custas Processuais, antes se devendo afirmar que o exercício do mesmo está limitado temporalmente, devendo ocorrer até ao trânsito em julgado da decisão final do processo.
E, no caso concreto, esse momento mostrava-se há muito ultrapassado quando o A. veio requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais.
Pelo que, acompanhando a posição do Ministério Público e a jurisprudência acima referida, há que afirmar a preclusão do direito do A. a requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, assim sendo de manter o despacho recorrido que indeferiu a reclamação apresentada pelo A., embora com fundamentação distinta da aí utilizada, e improcedendo, por esta via, o primeiro recurso do A.
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Da nulidade por excesso de pronúncia
Decorre da conjugação dos art.º 613º, nº 1 e 3, e 620º, ambos do Código de Processo Civil, que a autoridade do caso julgado formal impede o juiz do processo de conhecer de questão que já haja sido objecto de conhecimento.
A respeito do esgotamento do poder jurisdicional, após a prolação da decisão, ensina Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 126/127):
O juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu; nem a decisão, nem os fundamentos em que ela se apoia e que constituem com ela, um todo incindível.
(…)
Convém atentar nas palavras «quanto à matéria da causa». Estas palavras marcam o sentido do princípio referido. Relativamente à questão ou questões sobre que incidiu a sentença ou despacho, o poder jurisdicional do seu signatário extinguiu‑se. Mas isso não obsta, é claro, a que o juiz continue a exercer no processo o seu poder jurisdicional para tudo o que não tenda a alterar ou modificar a decisão proferida”.
No caso em apreço verifica-se que o tribunal recorrido entendeu não ser admissível o primeiro recurso, pelo que proferiu despacho de não admissão do mesmo.
Apesar de tal despacho não ser recorrível, do mesmo cabe reclamação, nos termos do art.º 643º do Código de Processo Civil, a decidir pelo tribunal superior.
E como resulta do nº 6 do referido art.º 643º, se a reclamação for deferida, o relator requisita o processo principal ao tribunal recorrido, que o fará subir em 10 dias.
Por outro lado, e face ao disposto no nº 4 do mesmo art.º 643º, da decisão singular do relator é admissível reclamação para a conferência, onde é proferido acórdão que decide da reclamação, deferindo a mesma e admitindo o recurso, ou confirmando a não admissão do recurso.
E se a decisão saída da conferência for no sentido da procedência da reclamação e da consequente admissão do recurso, apenas há que requisitar ao tribunal recorrido o processo, para ser atribuído ao mesmo relator da reclamação, sem nova distribuição.
Ou seja, no caso de o recurso ser admitido, o tribunal recorrido nada mais tem a fazer que não seja remeter o processo do recurso (caso o mesmo haja de subir em separado, é o apenso respectivo que terá de ser remetido).
O que significa que todas as questões que se prendiam com o recebimento do recurso ficam definitivamente decididas, desde a recorribilidade da decisão, a tempestividade do recurso ou a legitimidade do recorrente, até ao modo e efeito do recurso, passando pela verificação da observância das regras procedimentais que regulam o acto de interposição do recurso.
Ou seja, o poder jurisdicional do juiz do tribunal recorrido tem-se por esgotado, relativamente a todas e cada uma dessas questões, e mesmo que a decisão singular do relator, ou o acórdão da conferência, não se tenham pronunciado expressamente em relação a cada uma delas.
Regressando ao caso concreto, verifica-se que, embora a reclamação do A. não haja sido deferida pelo relator, nem tão pouco pela conferência (no acórdão aí proferido face à reclamação apresentada pelo A.), foi concedida a revista interposta do acórdão da conferência, com a revogação do mesmo.
No dispositivo do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que concedeu a revista refere-se, tão só, que se concede a revista e se revoga o acórdão recorrido.
E na fundamentação desse acórdão afirma-se, não só que “um acto processual praticado de forma irregular, por erro do mandatário judicial, não deve ser, sem mais, desconsiderado”, mas igualmente que “quando (…) a irregularidade não esteja coberta por um justo impedimento, a parte faltosa será (deverá ser) sancionada: em primeiro lugar, deverá ser condenada nas custas do incidente processual e, em segundo lugar, desde que estejam preenchidos os pressupostos das alíneas c) ou d) do art. 542º, nº 2, do Código de Processo Civil, poderá ser condenada como litigante de má fé”, sendo essa solução “mais poupada quanto ao direito fundamental de acesso ao direito do que rejeitar o recurso, por causa da sua irregularidade”.
Como explica António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pág. 32-33), “à semelhança da generalidade dos ordenamentos jurídicos da União Europeia, o nosso sistema jurídico-processual assenta fundamentalmente num modelo de substituição. Mesmo o Supremo Tribunal de Justiça não se limita, em regra, a anular ou a revogar a decisão recorrida, (juízo rescindente), envolvendo-se ainda no objecto da causa”. E mais explica que “com a adopção, como regra, de um regime de substituição, sai valorizada a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, já que em lugar da mera revogação da decisão recorrida, é levado a assumir a concreta solução do caso, atalhando o caminho e evitando o arrastamento do processo e o desperdício de meios”.
Ou seja, tendo presente que, por força do recurso de revista interposto pelo A., passou o Supremo Tribunal de Justiça a substituir-se a este Tribunal da Relação de Lisboa, no que respeita à decisão da admissibilidade (ou não) do recurso interposto pelo A. do despacho de 4/7/2018, daí decorre que ficaram definitivamente decididas as questões que se prendiam com a admissão desse recurso, incluindo aquela (suscitada em sede de fundamento do acórdão) da condenação nas custas do incidente processual correspondente à prática irregular do acto de interposição de recurso.
Só que o disposto conjugadamente nos art.º 679º, 663º e 607º, todos do Código de Processo Civil, não autoriza o entendimento de que o Supremo Tribunal de Justiça condenou o A. em qualquer sanção pecuniária, não só porque do dispositivo do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nada consta nesse sentido, mas igualmente porque do restante teor do mesmo acórdão (designadamente aquelas passagens acima reproduzidas) não se obtém tal comando decisório.
E, assim sendo, a questão do (não) sancionamento do A., por ter interposto o recurso do despacho de 4/7/2018 sem justificação bastante para a prática de tal acto nos termos do nº 7 do art.º 144º do Código de Processo Civil, ficou definitivamente decidida com a prolação do referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, fazendo caso julgado formal a ausência da condenação do A., fosse nas referidas “custas do incidente processual”, fosse em “multa processual mínima de 1 UC (incidente anómalo)”.
O que significa que a qualquer uma das instâncias estava vedada a possibilidade de condenar o A. na referida multa processual ou nas referidas custas do incidente.
Ou seja, ao proferir o despacho de 28/1/2020 o tribunal recorrido conheceu de uma questão que lhe estava vedado conhecer (a condenação do A. na referida multa processual), porque já se havia esgotado o seu poder jurisdicional para tanto, o que havia ocorrido com a prolação do despacho de 4/7/2018.
Nessa medida, a decisão constante da última parte do despacho em questão padece do vício da nulidade que lhe é apontado pelo A., face ao disposto no art.º 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil, assim procedendo as conclusões do segundo recurso, com a declaração da nulidade em questão.
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DECISÃO
Em face do exposto julga-se improcedente o primeiro recurso, mantendo-se a decisão de 4/7/2018 que indeferiu a reclamação da conta apresentada pelo A.
Mais se julga procedente o segundo recurso, declarando-se nula a decisão de 28/1/2020 que condenou o A. na multa processual de uma UC.
Custas do primeiro recurso pelo A.
Sem custas, quanto ao segundo recurso.

Lisboa, 24 de Março de 2022
António Moreira
Carlos Castelo Branco
Orlando Nascimento