Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5/11.6YRLSB-4
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: GREVE
SERVIÇOS MÍNIMOS
TRIBUNAL ARBITRAL
QUESTÃO NOVA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I- Sendo a empresa Águas do Centro Alentejo, S.A. uma sociedade de capitais públicos, maioritariamente participada pelas Águas de Portugal SGPS, S.A. e concessionária do sistema multimunicipal de abastecimento de água e saneamento de águas residuais de diversos municípios do centro Alentejo e não tendo havido acordo entre esta e o STAL sobre a prestação desses serviços mínimos durante o período de 24 horas de greve por este anunciada não obstante a reunião entre as partes convocada pela DGERT do MTSS com vista à definição dos aludidos serviços mínimos, uma vez que o STAL não se fez representar nessa reunião impõem-se o recurso à intervenção de tribunal arbitral, nos termos da lei específica sobre arbitragem obrigatória, para definição dos aludidos serviços mínimos em período de greve.
II- Tratando-se de questão nova não suscitada perante o Tribunal Arbitral, não pode o Tribunal da Relação apreciar a invocada caducidade do direito da empresa Águas do Centro Alentejo, S.A. solicitar a fixação de serviços mínimos distintos dos mencionados no pré-aviso de greve.
III- A nulidade do Acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso, sob pena de o Tribunal da Relação dela não conhecer.
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
Nos presentes autos que correram termos pelo Conselho Económico e Social (CES) Portugal sob o n.º 60/2010-SM com vista à definição, através de Tribunal Arbitral, de serviços mínimos a prestar durante a greve dos trabalhadores da empresa Águas Centro Alentejo, S.A. e a concretizar no âmbito da greve geral designada pelas estruturas sindicais, entre elas o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local (STAL), para o dia 24 de Novembro de 2010, estabelecida a composição do referido Tribunal e cumprido o disposto no n.º 2 do art. 27º do Decreto-Lei n.º 259/2009 de 25.09, foi proferido Acórdão que terminou com a seguinte:
Decisão
Este Tribunal arbitral decide por unanimidade definir a seguinte afectação de técnicos operativos para cumprimento dos serviços mínimos:
1. No âmbito do saneamento, dois técnicos por cada Centro Operacional (Alandroal/Borba, Évora, Redondo e Reguengos/Mourão).
2. No âmbito do abastecimento de água dois técnicos por cada turno, em Évora.
3. Afectação de um técnico a serviços de manutenção.
Os meios humanos necessários para assegurar os serviços mínimos decididos são designados, nos termos legais, pelo Sindicato que declarou a greve até 48H00 antes do início do período de greve ou, se este não o fizer, deve a empresa proceder a essa designação. Porém, tendo em atenção os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, o recurso ao trabalho dos aderentes à greve para prestação daqueles serviços mínimos só deverá ser feita quando as necessidades correspondentes não poderem razoavelmente, serem satisfeitas através do recurso ao trabalho de eventuais não aderentes à greve”.
Inconformado com esta decisão, dela veio o STAL interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina com a formulação das seguintes:
Conclusões:
(…)
A Recorrida águas Centro Alentejo, S.A. não contra-alegou.
Admitido o recurso na espécie própria e com adequados regime de subida e efeito, subiram os autos a este Tribunal da Relação.
Foi dado cumprimento ao disposto no art. 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitido parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida.
Colhidos os vistos, cabe, agora, apreciar e decidir.

II – APRECIAÇÃO
Tendo em consideração as conclusões do recurso interposto e que, como se sabe, delimitam o respectivo objecto (art. 684.º n.º 3 e art. 690.º n.º 1 do C.P.C.), colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes:
Questões:
§ Desnecessidade de intervenção do Tribunal Arbitral;
§ Caducidade do direito e consequente falta de legitimidade da Águas do Centro Alentejo, S.A. para solicitar a fixação de serviços mínimos distintos dos constantes do pré-aviso de greve;
§ Nulidade do Acórdão recorrido.

Resulta, com interesse, dos presentes autos que:
1. Em 4 de Novembro de 2010 o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local (STAL) emitiu um pré-aviso de greve para uma greve de âmbito nacional a efectuar entre as 0h00 e as 24h00 do dia 24 de Novembro de 2010, abrangendo todos os trabalhadores da Administração Local e Regional, independentemente do respectivo tipo de vínculo, incluindo as empresas municipais, intermunicipais, multimunicipais e outras, designadamente concessionárias e prestadoras de serviços de natureza pública ou privada;
2. No que aqui releva, o pré-aviso a que se alude no ponto anterior mencionava que “Para efeitos do disposto no art. 396.º, n.º 3, do citado RCTFP, bem como no art. 534.º, n.º 3, do citado Código do Trabalho, informa-se que os serviços mínimos são assegurados nos sectores referidos no art. 399.º do RCTFP e no art. 537.º do Código do Trabalho, que funcionem ininterruptamente 24 horas por dia, nos sete dias da semana, propondo-se, indicativamente, em termos de efectivos, um número nunca superior àquele que garanta o funcionamento aos Domingos, no turno da noite, durante a época normal de férias.
Relativamente à segurança e manutenção de instalações a que também se refere o mencionado art. 396.º, n.º 3 do RCTFP e o art. 534.º, n.º 3 do Código de Trabalho, propõe-se:
- Nos serviços que não funcionem ininterruptamente ou que não correspondam a necessidades sociais impreteríveis, a segurança e manutenção do equipamento e instalações serão asseguradas nos mesmos moldes em que o são nos períodos de interrupção do funcionamento ou de encerramento;
- Nos serviços que funcionem ininterruptamente e que correspondam a necessidades sociais impreteríveis, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações serão assegurados no âmbito dos serviços mínimos
3. Com data de 11 de Novembro de 2010 a empresa Águas do Centro Alentejo, S.A. (ACA, S.A.) remeteu um fax para o STAL através do qual lhe apresentava uma proposta de concretização de serviços mínimos, já que entendia que os serviços mínimos propostos no pré-aviso, o eram de forma genérica, referindo que aguardaria por uma resposta até ao dia 15 de Novembro;
4. A ACA, S.A. informou a Direcção Geral do Emprego das Relações de Trabalho (DGERT) do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (MTSS), que considerava necessária a definição de serviços mínimos e dos meios necessários para os assegurar e que os mesmos não foram regulados por acordo com os representantes dos trabalhadores;
5. A DGERT convocou a ACA, S.A. e o STAL para uma reunião de negociação de um acordo sobre serviços mínimos e meios necessários para os assegurar, reunião a realizar no dia 16 de Novembro de 2010;
6. Por ofício datado de 15 de Novembro de 2010, o STAL informou a DGERT que não iria comparecer à reunião a que se alude no ponto anterior, com o fundamento de que em sede de pré-aviso de greve se encontravam definidos os serviços mínimos que apresentara e por, em seu entender, já terem sido ultrapassados os prazos para a convocação dessa reunião,
7. À reunião a que se alude nos pontos anteriores apenas compareceu um representante da ACA, S.A., razão pela qual não foi estabelecido qualquer acordo sobre serviços mínimos;
8. Em 16 de Novembro de 2010 a DGERT remeteu para o Conselho Económico e Social (CES) Portugal o aviso prévio de greve subscrito pelo STAL, a acta da reunião a que se alude no ponto 5., bem como a proposta de serviços mínimos da ACA, S.A., com vista à definição desses serviços mínimos durante a mencionada greve, através de tribunal arbitral;
9. A empresa Águas do Centro Alentejo, S.A. é uma sociedade de capitais públicos maioritariamente participada pelas Águas de Portugal, SGPS, S.A. e é concessionária do sistema multimunicipal de abastecimento de água e saneamento de águas residuais dos municípios de Alandroal, Borba, Évora, Redondo, Reguengos de Monsaraz e Mourão.

Posto isto e apreciando-se as suscitadas questões de recurso, diremos, em relação à primeira, que, sendo a empresa Águas do Centro Alentejo, S.A. uma sociedade de capitais públicos, maioritariamente participada pelas Águas de Portugal SGPS, S.A. e concessionária do sistema multimunicipal de abastecimento de água e saneamento de águas residuais de diversos municípios do centro Alentejo, sem dúvida que a sua actividade se integra no sector empresarial do Estado e no âmbito da satisfação de necessidades sociais impreteríveis respeitantes aos sectores de abastecimento de águas e de salubridade pública, razão pela qual, em situação de greve que abranja os respectivos trabalhadores e durante a mesma, importa que seja assegurada a prestação de serviços mínimos indispensáveis à satisfação daquelas necessidades. É o que resulta do disposto no art. 537.º do Código do Trabalho
Por outro lado, resulta dos factos anteriormente enunciados a existência de desacordo entre a referida empresa e o Sindicato agora apelante – enquanto representante dos trabalhadores ao serviço daquela – sobre a prestação desses serviços mínimos durante o período de 24 horas de greve por este anunciada para o dia 24 de Novembro de 2010, entendendo o Sindicato que esses serviços mínimos já se mostravam definidos no pré-aviso de greve por ele subscrito, enquanto que a ACA, S.A. entendeu que havia necessidade de definição dos mesmos, pois, os serviços mínimos propostos pelo Sindicato eram-no apenas de uma forma genérica.
Acresce que dos mencionados factos também resulta que, não obstante a reunião entre as partes convocada pela DGERT do MTSS com vista à definição dos aludidos serviços mínimos, o que é certo é que tal desacordo subsistiu, uma vez que o Sindicato não se fez representar nessa reunião.
Deste modo e tendo em consideração o disposto no art. 538.º n.º 4 al. b) do Código do Trabalho, havia necessidade da intervenção de tribunal arbitral, nos termos da lei específica sobre arbitragem obrigatória, para definição dos aludidos serviços mínimos em período de greve.

Quanto à segunda questão de recurso, importa referir, antes de mais, que se não pode confundir caducidade com legitimidade para exercício de um direito. Estamos perante realidades jurídicas bem distintas, sendo que a legitimidade, ou melhor, a falta desta, não decorre da eventual verificação daquela.
 Posto isto, cabe afirmar constituir entendimento unânime na jurisprudência que, para além de estar limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das alegações de recurso – salvo questões de conhecimento oficioso – o Tribunal ad quem tem ainda uma outra limitação que condiciona a própria apreciação dessas questões e essa limitação é a própria decisão recorrida. Ou seja, é necessário que as questões suscitadas pelas partes em sede de recurso, hajam já sido colocadas perante o Tribunal a quo.
Na verdade, como se sabe, os recursos visam apenas a modificação ou alteração de decisões proferidas pelo Tribunal recorrido e não a criação de soluções sobre matéria nova não suscitada perante os mesmos.
Ora, a segunda questão suscitada no presente recurso não foi colocada pelo recorrente à apreciação do Tribunal Arbitral. Nada emerge nesse sentido quer do relatório da decisão recorrida, quer dos factos anteriormente enunciados.
Tratando-se, portanto, de uma questão nova, na medida em que atinente a matéria não colocada à apreciação do Tribunal Arbitral, não pode este Tribunal da Relação conhecer da mesma.

Como terceira e última questão de recurso, o recorrente argui a nulidade do Acórdão proferido por aquele Tribunal e que fixou os serviços mínimos a cumprir pelos trabalhadores da ACA, S.A. no dia de greve designado para 24 de Novembro de 2010.
Alega o recorrente que a decisão recorrida é nula ao abrigo do disposto no art. 668.º n.º 1 al. b) do C.P.C., por falta de fundamentação quer em termos de matéria de facto, quer em termos de direito.
Sucede, porém, que a arguição da mencionada nulidade se mostra extemporânea ou intempestiva uma vez que não foi feita nos termos previstos no art. 77.º n.º 1 do Cod. Proc. Trabalho. Com efeito, estabelecendo este normativo legal que «A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso», verifica-se que, no caso em apreço, o recorrente apenas arguiu essa nulidade nas alegações de recurso dirigidas a este Tribunal da Relação.
Ora, a razão de ser desta norma, prende-se com motivos de economia e celeridade processuais, já que a arguição das nulidades de sentença no próprio requerimento de interposição de recurso, permite que o Tribunal a quo sobre elas se possa pronunciar, sanando-as se for caso disso antes do processo subir em recurso.
É entendimento uniforme da jurisprudência, mormente deste Tribunal da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça, que a inobservância da aludida norma, pelo recorrente, conduz a que a arguição de nulidades da sentença pelo mesmo feita seja extemporânea ou intempestiva e, como tal, não deve ser objecto de apreciação pelo Tribunal ad quem ([1]).
Dado que também nós vimos assumindo o mesmo entendimento, não conhecemos, aqui, da invocada nulidade do Acórdão recorrido.

III – DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 13 de Abril de 2011

(Texto processado em computador, revisto e rubricado pelo Relator)

José Feteira
Filomena de Carvalho
Ramalho Pinto
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([1]) Cfr., entre muitos, os doutos Acórdãos do STJ de 20-09-2006 e 15-09-2010, proferidos, respectivamente, nos processos n.ºs 06S574 e 646/09.1YFLSB e publicados em www.dgsi.pt.
Decisão Texto Integral: