Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RUI DA PONTE GOMES | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO RURAL MORA RESOLUÇÃO DO CONTRATO ABUSO DO DIREITO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/30/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERAR A DECISÃO | ||
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Sumário: | 1. O arrendamento de campanha é um contrato pelo qual, uma parte, mediante retribuição, transfere para outra, chamada campanheiro ou seareiro, a exploração de culturas num ou mais prédios rústicos ou parte deles, por um ou mais anos, até ao limite máximo de um ano agrícola por cada folha de cultura. 2. Tendo a renda vencida em 31 de Agosto de 2007 sido paga em 5 de Outubro de 2007, período menor aos 90 dias após a data de vencimento, que a Lei estipula, inexiste o direito a obter a resolução do contrato, não obstante se prever, contratualmente, que a falta de pagamento da renda, nos termos estabelecidos, implica a cessação imediata do contrato de arrendamento, pois tal cláusula não derroga o que por Lei se impõe. 3. A conduta do senhorio, ao vir invocar, e pedir a resolução do contrato de arrendamento para campanha, não é abusiva. (AMPMR) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I – Estado da Causa 1.1. – A sociedade P, S.A. intentou, no Juízo do Tribunal Judicial, acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra a sociedade M, S.A., pedindo___ na sua procedência___ esta seja condenada a reconhecer a validade do contrato de arrendamento e exploração de campanha, celebrado entre as partes em 1 de Abril de 2005, e, consequentemente, a invalidade de resolução do mesmo invocada pela R.; a condenação da R. no pagamento da quantia de 43 947,20 €, a título de indemnização, que venha a ser liquidada em execução de sentença, pelos danos que possam vir a ser reclamados pela sociedade A S.A, quantias estas acrescidos de juros moratórios à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento. A R. contestou___ Para além de pugnar pela ilegitimidade da demandante para esta acção, deduz pedido reconvencional na condenação da A. a pagar-lhe uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelo valor correspondente aos frutos pendentes à data da comunicação da R. à arrendatária do contrato dos autos da cessação do mesmo, conforme documento nº2 junto pela A. com a providência cautelar e pelo tempo em que a estiver privada da utilização do terreno e prejuízos daí advenientes. Por douto despacho interlocutório de 15 de Julho de 2009 (fls. 187/188), conhecendo especificamente da atendibilidade da reconvenção, a Senhora Juiz a quo, fundamentando-se em que a causa de pedir daquela cifra-se no decretamento da providência apensa e as consequências da mesma a nível da detenção do imóvel continuar a ser feita pela A., não admitiu tal pretensão. De seguida ao sobredito despacho, conhecendo do mérito da acção, proferiu decisão final, também com data de 15 de Julho de 2009 (fls. 190/200), pela qual a julgou totalmente improcedente e absolveu a R. dos pedidos formulados contra ela. 1.2. - È do despacho interlocutório de 15 de Julho de 2009 (fls. 187/188) que agrava a sociedade M, S.A. ____ Concluindo: 1º) - A A., P, S.A., funda os seus pedidos de condenação na invalidade da cessão do contrato de arrendamento de exploração de campanha que celebrou com a R., por parte desta. A R. ora reconvinte funda a sua reconvenção na validade da cessão do contrato de arrendamento de exploração de campanha que celebrou com a A., o que se evidência nos artigos 61º, 62º, 63º e seguintes da contestação, com particular ênfase para os artigos 65º a 75º. Ora. O que neste articulado se desenvolva e destaca mostra claramente que o pedido reconvencional tem a mesma causa de pedir que serve de suporte ao pedido da acção. 1.3. – Por sua vez, é da sentença de 15 de Julho de 2009 (fls. 190/200) que a sociedade P, S.A. apela ___ Concluindo: 2º) - A mora no cumprimento da prestação pecuniária, como é a do contrato de arrendamento, não é susceptível, objectivamente, de levar o credor a perder nela o interesse___ o simples incumprimento de uma obrigação não pode ter como resultado, sem mais, a rotura contratual. O objecto deste litígio pode enunciar-se como em saber se, não tendo o inquilino pago uma parte da renda, atempadamente, tal confere ao senhorio, por si só, o direito à resolução do contrato de arrendamento rural. Ora. Na vertente situação, o Senhorio não perdeu o interesse na prestação, passou foi a ter interesse por uma prestação de valor superior; 3º) – A recorrida actuou em manifesto abuso de direito ao invocar a resolução do contrato, 35 dias depois do decurso do prazo de pagamento da renda, e num momento em que aquela já tinha sido liquidada, com fundamento num incumprimento reiterado da A., que, aliás, este rejeita. II – Questão Prévia 2.1. – Quanto à 1ª Conclusão: Dispõe o art. 274.º, do C. P. Civil, sob a epigrafe, “Admissibilidade da reconvenção”, que: - “…1. O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor. 2. A reconvenção é admissível nos seguintes casos: a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa…”. Como esclareceu o Alberto dos Reis (“Código de Processo Civil Anotado”, Volume III, pp. 99-100), os pedidos reconvencionais devem ser conexos com o pedido do A., porque seria inadmissível que ao R. fosse lícito enxertar na acção pendente uma outra que com ela não tivesse conexão alguma. A questão é de grau ou de natureza da conexão: nuns casos o nexo é mais estreito, noutros é mais remoto. O pedido do R. tanto pode emergir do acto ou facto que serve de fundamento à acção, como do acto ou facto que serve de fundamento à defesa. A frase “…quando o pedido emerge…” é susceptível de duas interpretações diferentes. Pode entender-se no sentido de que o pedido do R. há-de ter por fundamento o acto ou facto, base da acção ou da defesa. E pode entender-se num sentido mais amplo para significar que o pedido do R. há-de ser atinente ao acto ou facto/fundamento da acção ou da defesa. Segundo Alberto dos Reis, a interpretação que tem por exacta é a primeira. Um pedido só pode, em verdade, considerar-se emergente de determinado acto ou facto jurídico quando tem o seu fundamento nesse acto ou facto (Ob. cit.). A conexão que deve existir entre o pedido principal e o pedido reconvencional traduz-se, no caso previsto na alínea a), do n.º 2, do artigo 274.º, na ligação através do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa. São os casos em que o pedido reconvencional brota do facto jurídico (real, concreto) que serve de fundamento, seja à acção, seja à defesa (Antunes Varela e J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in, “Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pp. 327-328). Toda a acção tem como causa de pedir um certo acto ou facto jurídico. Para que a reconvenção seja admissível ao abrigo da alínea a) do n.º 2 é necessário que o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir, que serve de suporte ao pedido da acção ou emerja do acto ou facto jurídico que serve de fundamento à defesa, embora desse acto ou facto jurídico se pretenda, nesse caso, obter um efeito diferente (Rodrigues Bastos, in, “Notas ao Código de Processo Civil”, Volume II, 3.ª edição, pp. 32). Ora___ Não situação sub judicio não nos parece que tal aconteça. A pretensão reconvencional formulada pela agravante a sociedade M, S.A., em sede de oposição, cifra-se no seguinte: - “…condenar-se a A. a pagar à R. uma indemnização a liquidar em execução de sentença, pelo valor correspondente aos frutos pendentes à data da comunicação da R. à arrendatária do contrato dos autos da cessação do mesmo conforme documento 2 junto pela A. com a providência cautelar (8 de Outubro de 2007), e pelo tempo em que a R. estiver privada da utilização do terreno e prejuízos advenientes…”. A razão da sobredita pretensão radica em a reconvinte ter ficado privada de colher os frutos pendentes uma vez que foi decretada providência cautelar (art. 63º da contestação – fls. 29) e ter de suportar o encargo da A. continuar a explorar dos seus terrenos até à decisão da mesma (art. 64º da contestação – fls. 29). Por outro lado, não prevê por quanto tempo estará privada dos terrenos em consequência da demora a ser julgada a acção principal (art. 70º da contestação – fls. 29). Diz a agravante que o que acima se desenvolva e destaca mostra claramente que o pedido reconvencional tem a mesma causa de pedir que serve de suporte ao pedido da acção. Ou seja___ que a sociedade M, S.A. impediu a sociedade P, S.A. de colher arroz na Herdade …. invocando a resolução do contrato de arrendamento de exploração de campanha por falta de pagamento de um mês de renda. Salvo o devido respeito___ não nos parece. O fundamento da reconvenção está em a agravante ter ficado privada de colher os frutos e não saber quando a acção principal rirá ser julgada em definitivo. Não está ligada a qualquer falta de pagamento de renda, nem as implicações jurídicas decorrentes. Portanto. Não brotando deste fundamento, não se pode afirmar que “…o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa…”. Neste conspecto___ não aceitamos a argumentação doutamente expendida na conclusão em apreciação. III – Os Factos 3.1. – A 1ª instância deu como provados os factos constantes na douta sentença impugnada, a fls. 193/197, que aqui se dão por integralmente reproduzidos (art. 713º, nº6, do C. P. Civil). 3.2. – Aceitamos os factos fixados (art. 712º do C. P. Civil). IV – O Direito 4.1. – Quanto à 2ª Conclusão: Resulta contratualmente do arrendamento exclusivamente para as campanhas 2005 a 2013, a que as partes estão vinculadas, e no que releva para apreciação da conclusão em análise, o seguinte: - “…3ª…A renda anual é de 250,00 € por Ha…”; “…4ª…A renda será paga mediante apresentação de factura de 50% da renda anual em 28 de Fevereiro, e a parte restante em 31 de Agosto do ano a que o arrendamento respeitar…”; “…9º…Fica acordado que a falta de pagamento da renda nos termos estabelecidos implica, além do mais, a cessação imediata do contrato de arrendamento…”; “…10º…Face ao incumprimento reiterado no pagamento da renda, o que ora se verifica relativamente à renda vencida em 31 de Agosto de 2007, declaramos resolvido o contrato de arrendamento…”; “12º…A renda referente à 2ª prestação do ano de 2007 foi paga em 5 de Outubro de 2007…). Diz apelante, sociedade P, S.A., que a mora no cumprimento da prestação pecuniária, como é a do contrato de arrendamento, não é susceptível, objectivamente, de levar o credor a perder nela o interesse___ o simples incumprimento de uma obrigação não pode ter como resultado, sem mais, a rotura contratual. O objecto deste litígio pode enunciar-se como em saber se, não tendo o inquilino pago uma parte da renda, atempadamente, tal confere ao senhorio, por si só, o direito à resolução do contrato de arrendamento rural. Ora. Na vertente situação, o Senhorio não perdeu o interesse na prestação, passou foi a ter interesse por uma prestação de valor superior. Como iremos ver de seguida, assiste alguma razão apelante, ainda que por outros motivos___ que não que o Senhorio não perdeu o interesse na prestação, passou foi a ter interesse por uma prestação de valor superior. Como é juridicamente noticiado, estamos perante um arrendamento de campanha, contrato pelo qual uma parte, mediante retribuição, transfere para outra, chamada campanheiro ou seareiro, a exploração de culturas num ou mais prédios rústicos ou parte deles, por um ou mais anos, até ao limite máximo de um ano agrícola por cada folha de cultura. Trata-se, pois, de um negócio jurídico que, obviamente, envolve direitos e obrigações para ambas as partes. No que a este tópico particularmente interessa, dispõe art. 12.º, do Decreto-lei, n.º 385/88, de 25-X, Regime Geral do Arrendamento Rural, sob a epígrafe, “Mora do arrendatário”, que “…1 – Se o arrendatário não pagar a renda no tempo e lugar próprios, o senhorio, decorridos 90 dias após a data de vencimento, tem direito a obter a resolução do contrato, sem perda da renda em falta, acrescida de juros de mora à taxa prevista no artigo 559.º do Código Civil... 3 – O arrendatário poderá obstar à resolução do contrato desde que até ao encerramento da discussão em 1.ª instância proceda ao pagamento da renda ou rendas em falta acrescidas de juros de mora à taxa oficial das operações passivas respeitantes ao período de um ano e um dia…”. Ora. Tendo a renda vencida em 31 de Agosto de 2007 sido paga em 5 de Outubro de 2007, período menor aos “…decorridos 90 dias após a data de vencimento…” que a Lei estipula, nunca, em caso algum, haveria “… direito a obter a resolução do contrato…”. Cremos que houve alguma precipitação na comunicação da resolução, posto que, não obstante se prever contratualmente que “…Fica acordado que a falta de pagamento da renda nos termos estabelecidos implica, além do mais, a cessação imediata do contrato de arrendamento…”, tal cláusula nunca poderá derrogar o que por Lei se impõe. Como já dissemos___ ainda que com outra fundamentação___ aceitamos a conclusão aqui em apreciação. 4.2. – Quanto à 3ª Conclusão: Como se escreveu no douto Acórdão do S.T.J. de 21 de Setembro de 1993 (C.J., S.T.J., 1993, Tomo III, pp. 21), “…a complexa figura do abuso do direito é uma cláusula geral, uma válvula de segurança, uma janela por onde podem circular lufadas de ar fresco, para obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalente na comunidade social, à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico inoperante em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito por lei conferido; existirá abuso do direito quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, aparece, todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito; dito de outro modo, o abuso do direito pressupõe a existência e a titularidade do poder formal que constitui a verdadeira substância do direito subjectivo mas este poder formal é exercido em aberta contradição, seja com o fim económico e social a que esse poder se encontra adstrito, seja com o condicionalismo ético-jurídico (boa-fé e bons costumes) que, em cada época histórica, envolve o seu reconhecimento…”. Revertendo ao caso dos autos, afigura-se-nos evidente que não decorre dos factos provados que a conduta da R., ao vir invocar e pedir a resolução do ajuizado contrato de arrendamento para campanha, seja abusiva e, muito menos, manifestamente abusiva. Pelo contrário. A R. só veio exercer o direito que o contratado lhe confere: - a resolução. Só que não lhe era exigível saber o que a Lei dispunha e a interligação desta com o acordado entre as partes. Neste ponto, como é notório, também, não atenderemos a conclusão em apreciação, a saber, que a recorrida actuou em manifesto abuso de direito ao invocar a resolução do contrato, 35 dias depois do decurso do prazo de pagamento da renda, e num momento em que aquela já tinha sido liquidada, com fundamento num incumprimento reiterado da A., que, aliás, este rejeita. V – Em Consequência – Decidimos: a) – Não dar provimento ao douto agravo da sociedade M S.A. e manter o despacho interlocutório de 15 de Julho de 2009 (fls. 187/188). b) – Outrossim, julgar parcialmente procedente a apelação da sociedade P, S.A., revogar a sentença de 15 de Julho de 2009 (fls. 190/200) e condenar a R., M, S.A., a reconhecer a validade do contrato de arrendamento e exploração de campanha, celebrado entre as partes em 1 de Abril de 2005, e, consequentemente, a invalidade de resolução do mesmo invocada pela R. c) – Finalmente, condenar a agravante, M, S.A., no pagamento das custas pelo decaimento do mesmo, sendo que o da apelação será suportado por ambas as recorrentes a 50% cada, Lisboa, 30 de Setembro de 2010 Rui da PONTE GOMES LUIS Correia de MENDONÇA Maria AMÉLIA AMEIXOEIRA |