Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA CRISTINA CARDOSO | ||
Descritores: | OBJETO BUSCA AUTO SELOS IRREGULARIDADE RECURSOS QUESTÕES NOVAS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/22/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I – Não tem qualquer utilidade a requerida diligência de desselagam e nova selagem de objetos quando, tendo ocorrido a quebra de selos nas caixas que continham tais objetos, o Ministério Público ordenou que lhe fossem apresentados os itens descritos no auto de busca, tendo verificado que todos se encontravam presentes e confirmado que se encontravam inviolados os sacos-prova onde tinha sido acondicionados os equipamentos e cópias digitais recolhidos durante a busca, tendo de imediato colocado todos os itens em nova caixa, na qual apôs selo com vista a preservar o estado dos objetos a partir do momento em que se teve conhecimento do sucedido. II - Estabelece o art.º 184º do Código de processo Penal que “sempre que possível, os objetos apreendidos são selados. Ao levantamento dos selos assistem, sendo possível, as mesmas pessoas que tiverem estado presentes na sua aposição, as quais verificam se os selos não foram violados nem foi feita qualquer alteração nos objetos apreendidos”. III – A inobservância do preceituado neste artigo não acarreta qualquer nulidade, sanável ou insanável, mas apenas uma irregularidade juridicamente irrelevante. IV- Em caso de quebra de selos nada impede a “produção de prova sobre a integridade da coisa apreendida e, em consequência, sobre a bondade do resultado probatório deste modo conseguido”. V - Os recursos visam apreciar questões efetivamente decididas pelo Tribunal recorrido e não questões novas, que estes não tenham abordado, a não ser que se trate se algum vício de conhecimento oficioso. VI - O despacho recorrido nada disse ou decidiu sobre a reclamação feita nos termos do art.º 77º do Estatuto da Ordem dos Avogados ou sobre o segredo profissional, matérias essas que não foram aliás submetidas à sua apreciação, inexistindo, assim, nesta parte, decisão que importe analisar para confirmar ou revogar. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO I. No Tribunal Central de Instrução Criminal foi proferido despacho, em 03.12.2024, mediante o qual, na parte que aqui importa, a fls. 10.428 e 10.429, se indeferiu o requerimento do Ministério Público no sentido de ser designada data para desselagem e nova selagem de objetos físicos apreendidos nas buscas efetuadas na sede da AA. II. Inconformado, recorreu BB, formulando as seguintes conclusões (transcrição): A. Incide o presente recurso sobre a decisão proferida pelo Tribunal a quo no seu despacho de 03.12.2024, mais concretamente, no segmento que se contém em fls. 10428 e 10429 dos autos, através da qual o Tribunal indeferiu a pretensão manifestada pelo Ministério Público a fls. 8634 e ss. B. Por via de tal promoção, o Ministério Público requereu, em face da descoberta da violação dos selos apostos em três caixas contendo a prova apreendida no escritório de advogados do Recorrente em 07.11.2023 (cfr. fls. 5905 e ss.), fosse pelo Tribunal designada a realização de uma diligência ad hoc destinada a "reconstituir o estado dos objetos àquele em que se encontravam no momento da busca", e, bem assim, a aferir que os elementos atualmente constantes dos autos "correspondem aos que foram apreendidos no decurso da busca". C. Sobre tal pretensão, o Recorrente pronunciou-se através de requerimento datado de 12.07.2024, onde manifestou "nada ter a opor à sua realização", reservando-se, sem prejuízo, "o direito a pronunciar-se quanto ao que vier a ser decidido no âmbito ou na sequência da aludida diligência". D. Porém, o Tribunal recorrido rejeitou tal pretensão com fundamento na sua falta de fundamento legal, considerando tratar-se a referida diligência de um ato inútil e asseverando, ainda, "tudo se reconduzi[r], afinal, e sem prejuízo das vicissitudes relatadas, à livre apreciação da prova". E. O Tribunal recorrido nada mais determinou quanto aos elementos de prova em apreço - repita-se, apreendidos em escritório de advogado, e, como tal, acondicionados em volumes devidamente selados após reclamação nos termos do disposto no artigo 77.° do EOA -, resultando da decisão recorrida, nessa medida, que os mesmos passarão a integrar livremente os presentes autos, sem o devido procedimento legal, sujeitos apenas à livre apreciação pelo julgador. F. Assim, ao permitir que os mesmos permaneçam nos autos e ao não ter logo determinado o seu desentranhamento, a decisão do Tribunal a quo afigura-se contra legem, na medida em que, tendo a sua recolha e selagem sido efetuada nos termos do disposto no artigo 77.° do EOA, a sua desselagem teria inevitavelmente de obedecer ao que aí igualmente se mostra determinado. G. Tal, porém, não sucedeu até à data da quebra dos selos, e, em face de tal quebra, é manifesto que não mais o poderá ser, violando-se, assim, irremediavelmente, o aludido regime legal. H. Isto é, a violação dos selos apostos nas caixas em questão aconteceu antes mesmo de proferida qualquer decisão sobre as invalidades arguidas e a reclamação apresentada no ato da busca e apreensão do aludido dia 07.11.2023, nos termos constantes de fls. 5910 a 5923 e 5933 a 5948 dos autos. I. Do que decorre, pois, que não foi a Presidente do Tribunal da Relação, nem sequer o Juiz de Instrução Criminal titular do processo, quem tomou em primeiro lugar conhecimento do material pretendido apreender, mas terceiros desconhecidos, com intervenção criminosa, J. Com a consequente violação dos artigos 75.°, 76.° e 77° do EOA, e 126.°, n.° 3, 179.°, n.° 3, e 180.°, n.° 3, do CPP, e o imanente desrespeito pelos princípios constitucionais e de ordem pública em que o segredo profissional se fundamenta. K. Isto é, em consequência da quebra indevida - por mão desconhecida e, portanto, criminosa - dos selos apostos nos volumes da prova pretendida apreender a coberto do sigilo profissional de advogado, e, doutro modo dito, da atuação negligente do Ministério Público no respeitante ao cumprimento dos seus deveres de cuidado e zelo para com a prova recolhida, que se encontrava à sua guarda até ser aberta em primeira mão pelo órgão jurisdicional competente, o segredo profissional do Recorrente viu-se gravemente violado nos presentes autos. L. Tal violação é reconhecida pelo Ministério Público na sua promoção - através da qual visou, ainda que indevidamente, lograr a sua sanação -, mas o facto é que o acusador acaba por ver-se, afinal, com a decisão recorrida, que lhe indefere o requerido, premiado com um resultado que vai muito para além do que o próprio requeria, isto é, na prática, a integração nos autos de toda aludida prova recolhida em escritório de advogados, sem qualquer escrutínio e sem o mínimo cumprimento do devido processo legal no que respeita ao modo de introdução de tais elementos no processo. M. O Ministério Público violou, pois, de forma objetiva, o seu dever de salvaguardar a cadeia de custódia da prova e, com ela, não apenas a sua fidedignidade dos elementos pretendidos apreender, mas a garantia de que o que hoje se integra nos autos corresponde, de facto, ao que foi apreendido no escritório do Recorrente. N. Tendo a salvaguarda da cadeia de custódia da prova como função última e pressuposto a conservação da integridade e da autenticidade da prova apreendida ou pretendida apreender, é evidente que a mesma não pode admitir qualquer tipo de ingerência ou perturbação à revelia de prévia determinação ou decisão habilitadora por parte da autoridade judiciária competente. O. Na formulação de Rudoplh Von Jhering, "[a] forma é inimiga jurada do arbítrio, irmã gémea da liberdade". P. Pelo que verificada a ausência de controlo jurisdicional ou de controlo efetivo na tutela e garantia da identidade e autenticidade da prova, está-se perante autênticas proibições de produção de prova: inadmissibilidade da prova e, caso seja submetida a julgamento, inadmissibilidade de valoração da prova. Q. Pelo exposto, a decisão recorrida não poderá ser mantida no processo, por manifestamente ilegal, e sob pena, ademais, de se poder mesmo afirmar que estaria então descoberto o mecanismo para se contornar o formalismo dos artigos 76.° e 77.° do EOA e 180.°, n.° 3, do CPP: bastaria qualquer violação dos selos apostos na prova recolhida para, desde logo, se passar a considerar inviabilizada e inútil a prossecução do procedimento previsto na lei, passando a prova a integrar automaticamente os autos, e livremente apreciável pelo julgador! R. Pelo contrário, os elementos de prova em apreço, recolhidos no escritório de advogados do Recorrente e presentemente integrados nos autos em manifesta violação do segredo profissional, mostram-se, de todo, inutilizáveis, sendo de valoração proibida nos presentes autos, impondo- se, nessa medida, o seu justo desentranhamento do processo e restituição a quem de direito, S. Ou, no limite, devendo a realização da diligência de reconstituição pretendida pelo Ministério Público ser admitida pelo douto Tribunal ad quem, concedendo-se ao Recorrente a oportunidade de aí exercer a sua defesa no que tange à sua efetiva apreensão de tais elementos para os presentes autos, seguindo o processo os seus ulteriores trâmites, nos termos do disposto nos artigos 76.° e 77° do EOA. Termos em que, e nos melhores de Direito que V. EX.AS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, E, EM CONSEQUÊNCIA, SER: A. Declarada a proibição de valoração da PROVA EM APREÇO, NOS TERMOS EXPOSTOS E COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, DETERMINANDO-SE O SEU JUSTO DESENTRANHAMENTO E A SUA IMEDIATA RESTITUIÇÃO A QUEM DE DIREITO; B. Sem conceder e subsidiariamente, ser ADMITIDA A REALIZAÇÃO DA DILIGÊNCIA DE RECONSTITUIÇÃO DA PROVA REQUERIDA PELO Ministério PÚBLICO na sua promoção de 18.04.2024, SEGUINDO O PROCESSO OS SEUS ULTERIORES TRÂMITES, NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 76.° E 77.° DO EOA». III. Admitido o recurso, em 30.01.2025, foi determinada a sua subida imediata, nos próprios autos de apenso, e com efeito suspensivo. IV. Respondeu o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso, sem apresentar conclusões. V. Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público, que emitiu parecer concluindo pela improcedência do recurso. VI. No cumprimento do artº 417º, nº 2, do CPP, o recorrente pugnou pela procedência do recurso. VII. Feito o exame preliminar, foram colhidos os vistos e teve lugar a conferência. OBJECTO DO RECURSO O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995). São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respetiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar. Desta forma, tendo presentes tais conclusões, as questões a decidir passam por: Apurar da invalidade do despacho recorrido por do mesmo decorrer a admissão da violação da cadeia de custódia, a valoração de prova proibida e a violação do artº 77º do Estatuto da Ordem dos Advogados e do segredo profissional do recorrente. DO DESPACHO RECORRIDO É o seguinte o teor do despacho recorrido, cujo teor se transcreve: « Fls. 8634 a 8636: I. O Ministério Público requereu que o processo seja concluso à juiz que presidiu à busca na sede de AA, para que: • Designe data para o acto de desselagem e nova selagem dos objectos físicos; • Convoque para tal acto todas as pessoas presentes na busca, conforme identificadas a fls. 5905 e segs., bem como os Ilustres Mandatários dos arguidos CC e DD; • Proceda à desselagem das caixas contendo os objectos apreendidos; • Confira, juntamente com os demais presentes, que os objectos correspondem aos que foram apreendidos no decurso da busca-, • Proceda a nova selagem das caixas contendo tais objectos; • Por forma a garantir a plena verificação do conteúdo da caixa selada a fls. 8509, mais se promove que os representantes da AA sejam convocados para tal diligência, com a advertência de que deverão comparecer munidos das cópias que lhes foi autorizado extrair aos documentos em papel apreendidos durante a busca de fls. 5905. II. Para tanto, o Ministério Público alegou que: • (...) foram quebrados os selos existentes nas 3 caixas contendo os objectos apreendidos no decurso da busca na sede da “AA"; • Conforme resulta do auto de fls. 8509, assim que foi detectada tal quebra de selos, o magistrado do Ministério Público que acompanhou tais buscas - e que igualmente co-titula o presente inquérito -, ordenou que lhe fossem apresentados os itens descritos no auto de busca, tendo verificado que todos se encontravam presentes e confirmado que se encontravam inviolados os sacos-prova onde tinha sido acondicionados os equipamentos e cópias digitais recolhidos durante a busca-, • De imediato, o mesmo magistrado procedeu à colocação de todos os itens em nova caixa, na qual apôs selo, isto com vista a preservar o estado dos objectos a partir do momento em que se teve conhecimento do sucedido até à apresentação a V.Exa-, - (...) embora os dispositivos e suportes digitais se mantenham preservados em sacos selados, importa todavia reconstituir o estado dos demais objectos àquele em que se encontravam no momento da busca. III. A pretensão do Ministério Público, tendo em vista reconstituir o estado dos demais objectos àquele em que se encontravam no momento da busca, carece de fundamento legal que, de resto, aquele não invoca, tudo se reconduzindo, afinal, e sem prejuízo das vicissitudes relatadas, à livre apreciação da prova (art. 127.º do Código de Processo Penal). IV. Por seu turno, prevê o art. 184.º do Código de Processo Penal: sempre que possível, os objectos apreendidos são selados. Ao levantamento dos selos assistem, sendo possível, as mesmas pessoas que tiverem estado presentes na sua aposição, as quais verificam se os selos não foram violados nem foi feita qualquer alteração nos objectos apreendidos. Sem prejuízo de a violação deste dispositivo legal, de acordo com o decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.06.2024, se traduzir numa ilegalidade juridicamente irrelevante (ECLI:PT:TRL:2024:63i.i6.7TELSB.t.Li.5.bb), em face do alegado pelo Ministério Público, concretamente, que foram quebrados os selos existentes nas 3 caixas contendo os objectos apreendidos no decurso da busca na sede da "AA", o acto de desselagem, com referência aos selos apostos aquando da busca, mostra-se inviabilizado, por impossibilidade superveniente. Na verdade, após terem sido quebrados os selos existentes nas 3 caixas, foi o magistrado do Ministério Público que procedeu à colocação de todos os itens em nova caixa, na qual apôs selo. Em suma, a desselagem agora pretendida não teria correspondência com o acto inicial, pelo que, por falta de objecto da diligência, traduzir-se-ia na prática de um acto inútil. V. Pelo exposto, indefere-se o requerido. VI. Notifique». INCIDÊNCIAS PROCESSUAIS COM RELEVO 1. Em ... de ... de 2023, foram realizadas buscas nas instalações da AA, sitas na Rua ..., seguidas de apreensão. 2. No gabinete do ora recorrente BB, foram apreendidos: Item 2 - Cartão de visita da ... em nome de DD; Item 3 - Crachá de identificação com a menção "DD Item 4 - Cartão SIM ... correspondente ao n.° ... (com PIN e PUK); Item 5 - Cartão de visita do ...; Item 6 - Cartão de visita da ...; Item 7 - Talão da ... em ..., na ..., de .../.../2023; Item 8 - Fatura do Restaurante "..." com o contribuinte da ..., de .../.../2023; Item 9 - Fatura do Restaurante "..." com o contribuinte da ..., de .../.../2023; Item 10 - Cartão com PIN (...) e PUK (...) de cartão SIM da ...que, de acordo com o buscado, será o que está em uso na presente data; Item 11 - Bloco de notas com apontamentos sobre reuniões (sendo a primeira página referente a reunião de .../.../2023); Item 12 - Documento com "Agenda para Reunião de Direção", em .../.../2023, com a ..., com menções a evento com a ... (no dia .../.../2023 à ..., e ao ... verde; Item 13 - Listagem de horas imputáveis, com menção à ..., desde .../.../2023 até .../.../2023; Item 14 - Bloco de notas, cuja primeira página refere "modelo de governo"; Item 15 - Bloco do escritório "...", cujos primeiros apontamentos dizem respeito a tema ..., de .../.../2019; Item 16 - Bloco de notas com a menção "...", cujos primeiros apontamentos dizem respeito a reunião com o ... (...) de .../.../2022; Item 17 - Conjunto de 10 folhas A5 e 3 folhas A4 com apontamentos avulsos sobre vários temas e reuniões; Item 18- Conjunto de 3 folhas, uma com anotações e duas com texto intitulado "...; 3. Toda a prova, apreendida no gabinete do recorrente e na posse ou no gabinete de EE, e ainda na direção financeira, foi selada em três caixa seladas com fita azul a isso destinadas, tendo sido rubricada e datada pela Exma. Sra. Juiz de Instrução Criminal que presidiu à diligência. 4. Na sequência de tais apreensões, e no decurso da diligência, como resulta do respetivo auto, o Ilustre Mandatário do ora recorrente, simultaneamente representante da sociedade AA, arguiu diversas invalidades processuais e ainda apresentou reclamação com fundamento nos artigos 76º e 77.° do Estatuto da Ordem dos Advogados. 5. Face a tal reclamação, o Ministério Público pediu prazo de 5 dias para se pronunciar. 6. Seguidamente, a Exma. Sra. Juiz de Instrução proferiu o seguinte despacho: “Considerando que, aquando da entrega da presente reclamação, ao abrigo do artigo 77 do EOA, já se havia procedido à extração, gravação e selagem dos suportes que contêm as caixas de correio profissional melhor identificadas no presente auto ..., ...), e que já estão em curso diligências de selagem de toda a documentação selecionada, em momento anterior à apresentação da presente reclamação., nada mais há a determinar ao abrigo do disposto no artigo 77º, nº 2, do EOA. No que concerne à conta pessoal do arguido DD no ..., por não ser endereço eletrónico profissional, não está englobada pela reclamação do artigo 77.º, do EOA. Quanto ao demais, determina-se que o requerimento apresentado pelos arguidos e a promoção do Ministério Público sejam apresentados ao Exmo. Juiz de Instrução Criminal titular para apreciação”. 7. No dia ... de ... de 2024, o Chefe da UOIP/... lavrou informação de serviço com o seguinte teor: « No dia ... de ... de 2023, no piso 0 do edifício sede do DCIAP, elementos desta Unidade, nomeadamente os Agentes FF, GG, HH, II e JJ, sob a coordenação do signatário, começaram a proceder à receção da prova apreendida nos autos com o NUIPC em epígrafe e resultante da execução de Mandados de Busca, o que se prolongou até ao dia ... de ... de 2023. Posteriormente, tal prova foi objeto de catalogação e confirmação, sendo reconfirmada por três vezes ao longo do período de tempo até esta data. No dia de hoje, fui alertado pelo Agente Principal GG de que o Auto de Apreensão resultante da Busca efetuada ao escritório da AA, sito na Rua ..., detinha um parágrafo que mencionava que "Toda a prova foi selada em três caixas seladas com fita azul a isso destinada, a qual foi rubricada e datada pela Exma. Juiz de Instrução Criminal", no entanto não se verificava que alguma caixa com a dita prova se encontrava selada, tanto mais que toda a prova referente á mencionada apreensão já se encontrava catalogada. Face ao descrito foram efetuadas diligências, tendo sido localizada uma caixa, presumivelmente uma das que era mencionado que se encontrava selada, já aberta, sendo ainda visível partes da fita azul de segurança, no entanto não foram localizadas outras caixas em iguais circunstancias ou que apresentassem indícios de terem sido "seladas" com a dita fita azul de segurança. Assim, foi de imediato contactado o Digníssimo Magistrado do MP, Dr. KK, que havia estado presente na mencionada Busca, informando-o de todos os factos supra descritos, bem como foi posteriormente dado conhecimento a V. Exa.. De referir que: • toda a prova foi rececionada pelos elementos supra identificados, foi guardada em sala própria, ficando a chave à guarda desta Unidade, posteriormente foi transferida para o arquivo utlizado pela Unidade, a que só a mesma tem acesso e, quando da catalogação, foi transferida gradualmente para uma sala onde foi confirmada e catalogada, regressando novamente ao arquivo, onde se encontrava neste momento. • toda prova que se encontra descrita no auto de apreensão encontra-se à guarda desta Unidade, bem como a prova digital se encontra acondicionada em sacos prova selados; • a catalogação da prova tem sido efetuada por um único elemento da Unidade - Agente Principal GG e só este tem conhecimento do seu conteúdo. Muito embora tenham sido pelo signatário efetuadas todas as diligências no sentido e apurar as circunstâncias que levaram à quebra da fita azul de segurança, bem como da existência das restantes caixas (duas) com indícios de terem sido seladas com tal prova, não foi possível encontrar outras caixas com esses indícios nem apurar como foi quebrada a fita, pois mesmo instados todos os elementos com intervenção na receção da prova estes, face ao hiato temporal já decorrido, não se recordam dos pormenores que pudessem auxiliar de alguma forma a esclarecimento dos factos» - fls. 8507-8508. 8. No dia ... de ... de 2024, foi lavrado um “auto de selagem”, a fls. 8.509-8.512, onde consta escrito que: «Consigna-se que, no dia ... de ... de 2024, o Exmo. Senhor Chefe LL, chefe da UOIP deste ..., transmitiu ao signatário que os objectos apreendidos no decurso da busca na "AA" foram, por lapso ocorrido no decurso dos procedimentos de recepção, confirmação ou catalogação de todos os objectos apreendidos, retirados do interior das "três caixas seladas com fita azul" em que foram acondicionados no decurso de tais buscas, conforme auto de fls. 5905. Perante isto, o signatário determinou que imediatamente fosse elaborada informação documentando o sucedido e lhe fossem apresentados todos os Itens apreendidos durante a referida busca, o que sucedeu pelas 15h30m. De seguida, o signatário confirmou que, efetivamente, lhe tinham sido apresentados todos os 27 itens descritos no auto de fls. 5905, concretamente: Item 1 - Um iphone 8 plus; com o número de série ..., com o IMEI ..., o qual foi acondicionado em saco-prova n.° 30332230; Item 2 - Cartão de visita da ... em nome de DD; Item 3 - Crachá de identificação com a menção "DD; Item 4 - Cartão SIM ...correspondente ao n.° ... (com PIN e PUK); Item 5 - Cartão de visita do ...; Item 6 - Cartão de visita da ...; Item 7 - Talão da ... em ..., na ..., de .../.../2023; Item 8 - Fatura do Restaurante "..." com o contribuinte da ..., de .../.../2023; Item 9 - Fatura do Restaurante "..." com o contribuinte da ..., de .../.../2023; Item 10 - Cartão com PIN (...) e PUK (...) de cartão SIM da ...; Item 11 - Bloco de notas com apontamentos sobre reuniões (sendo a primeira página referente a reunião de .../.../2023). Item 12 - Documento com "Agenda para Reunião de Direcção", em .../.../2023 com a ..., com menções a evento com a ... (no dia .../.../2023, à ..., e ao ... verde. Item 13 - Listagem de horas imputáveis, com menção à ..., desde .../...23 até .../.../2023. Item 14 - Bloco de notas, cuja primeira página refere "modelo de governo"; Item 15 - Bloco do escritório "...", cujos primeiros apontamentos dizem respeito a tema ..., de .../.../2019. Item 16 - Bloco de notas com a menção "...", cujos primeiros apontamentos dizem respeito a reunião com o ...) de .../.../2022; Item 17 - Conjunto de 10 folhas A5 e 3 folhas A4 com apontamentos avulsos sobre vários temas e reuniões. Item 18 - Conjunto de 3 folhas, uma com anotações e duas com texto intitulado "...". Item 19 - Um dossier com impressão do Decreto-Lei n.° 11/2023, de 10/02, da Declaração de Retificação n.° 12-A/2023, de 10/04, e da Declaração de Retificação n.° 12-B/2023, de 10/04; Item 20 - Um dossier com a menção "..."; Item 21 - Um dossier com a menção "... Item 22 - Um dossier com a menção "... Item 23 - Uma Pen da marca ..., com 4Gb de capacidade, que continha, entre outros, um ficheiro Powerpoint designado "...", a qual foi acondicionada no saco-prova 30332229; Item 24 - Contrato de Avença tom a "..."; Item 25 - Extrato de conta de cliente completo entre as datas de .../.../2021 até .../.../2023; Item 26 - Faturas de despesas e honorários emitidas pelos serviços prestados à ..., entre .../.../2021 a .../.../2023, acondicionadas em envelope; Item 27 - Listagem de horas imputáveis ao cliente ..., no âmbito dos assuntos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10. O signatário verificou que os sacos-prova n.°s 30332230 (Item 1) e 30332229 (Item 23) permaneciam fechados, sem quaisquer indícios de violação ou abertura. O signatário confirmou ainda que o saco-prova n.° 30332233 - onde foi acondicionado o disco da marca ..., para onde foram copiadas as caixas de correio..., ... e ... - permanecia fechado, sem quaisquer indícios de violação ou abertura. E, finalmente, verificou que lhe tinham sido apresentadas as listagens extraídas, a pedido dos buscados, dos ficheiros copiados durante as pesquisas informáticas descritas no auto de fls. 5905. Confirmada a apresentação de todos os 27 Itens apreendidos durante a busca documentada a fls. 5905, do disco da marca ... e das mencionadas listagens, e uma vez que as caixas em que os mesmos tinham sido colocados e selados foram indevidamente abertas, procedi, acto contínuo, à sua colocação em nova caixa, com a aposição do selo n.° ... (fornecido pela PSP) e fita azul selante, sobre os quais coloquei a minha rubrica. Para os devidos efeitos, consigna-se que a caixa ora selada irá permanecer em armário fechado no gabinete do signatário». 9. A fls. 8634-8636, o Ministério Público escreveu o seguinte: «Nos termos já referidos no ponto 3 supra, e no enquadramento descrito pela informação de serviço elaborada pelo Chefe da UOIP, junta a fls. 8507 a 8509, foram quebrados os selos existentes nas 3 caixas contendo os objectos apreendidos no decurso da busca na sede da "AA". Conforme resulta do auto de fls. 8509, assim que foi detectada tal quebra de selos, o magistrado do Ministério Público que acompanhou tais buscas - e que igualmente co-titula o presente inquérito -, ordenou que lhe fossem apresentados os itens descdtos no auto de busca, tendo verificado que todos se encontravam presentes e confirmado que se encontravam inviolados os sacos-prova onde tinha sido acondicionados os equipamentos e cópias digitais recolhidos durante a busca. De imediato, o mesmo magistrado procedeu à colocação de todos os itens em nova caixa, na qual apôs selo, isto com vista a preservar o estado dos objectos a partir do momento em que se teve conhecimento do sucedido até à sua apresentação a V. Exa Atento o disposto no artigo 77° do Estatuto da Ordem dos Advogados, os objectos apreendidos em escritório de advogado, relativamente aos quais tenha sido apresentada reclamação, deverão permanecer selados desde a busca até à apresentação ao Tribunal da Relação de Lisboa. Assim, embora os dispositivos e suportes digitais se mantenham preservados em sacos selados, importa todavia reconstituir o estado dos demais objectos àquele em que se encontravam no momento da busca. Para tal efeito, promovo que se determine que os autos sejam conclusos à Mma. Juiz de Instrução Criminal Dra. MM para que, caso concorde com tal entendimento: a. Designe data para o acto de desselagem e nova selagem dos objectos físicos; b. Convoque para tal acto todas as pessoas presentes na busca, conforme identificadas a fls. 5905 e segs., bem como os Ilustres Mandatários dos arguidos CC e DD; c. Proceda à desselagem das caixas contendo os objectos apreendidos; d. Confira, juntamente com os demais presentes, que os objectos correspondem aos que foram apreendidos no decurso da busca; e. Proceda a nova selagem das caixas contendo tais objectos. Por forma a garantir a plena verificação do conteúdo da caixa selada a fls. 8509, mais se promove que os representantes da AA sejam convocados para tal diligência, com a advertência de que deverão comparecer munidos das cópias que lhes foi autorizado extrair aos documentos em papel apreendidos durante a busca de fls. 5905». 10. Na sequência dessa promoção, foi proferido o despacho recorrido, em 03.12.2024. 11. Em 19.02.2025, foi proferido, pelo Exmo. Sr. Juiz de Instrução Criminal, despacho (que não é o aqui recorrido) sobre as invalidades e reclamação nos termos do artº 77º do EOA. No que tange à reclamação, decidiu-se, por falta de objeto, considerar sem efeito esse incidente. FUNDAMENTAÇÃO 1. Da invalidade do despacho recorrido por do mesmo decorrer a admissão da violação da cadeia de custódia, a valoração de prova proibida e a violação do artº 77º do Estatuto da Ordem dos Advogados e do segredo profissional do recorrente É pacífico que os recursos visam apreciar questões efetivamente decididas pelo Tribunal recorrido e não questões novas, que estes não tenham abordado, a não ser que se trate se algum vício de conhecimento oficioso. A questão colocada ao Exmo. Sr. Juiz de Instrução Criminal, através do requerimento do Ministério Público de fls. 8634-8636, era, em síntese, no sentido de este: a) Designar data para o ato de desselagem e nova selagem dos objetos físicos; b) Proceder à desselagem das caixas contendo os objetos apreendidos; c) Conferir, juntamente com os demais presentes, que os objetos correspondem aos que foram apreendidos no decurso da busca; d) Proceder a nova selagem das caixas contendo tais objetos. Com tais procedimentos, pretendia o Ministério Público, como se extrai de tal requerimento, reconstituir o estado dos objetos (que não os dispositivos e suportes digitais) àquele em que se encontravam no momento da busca. O Tribunal recorrido indeferiu esse requerimento do seguinte modo: «(…) II. Para tanto, o Ministério Público alegou que: • (...) foram quebrados os selos existentes nas 3 caixas contendo os objectos apreendidos no decurso da busca na sede da “AA"; • Conforme resulta do auto de fls. 8509, assim que foi detectada tal quebra de selos, o magistrado do Ministério Público que acompanhou tais buscas - e que igualmente co-titula o presente inquérito -, ordenou que lhe fossem apresentados os itens descritos no auto de busca, tendo verificado que todos se encontravam presentes e confirmado que se encontravam inviolados os sacos-prova onde tinha sido acondicionados os equipamentos e cópias digitais recolhidos durante a busca-, • De imediato, o mesmo magistrado procedeu à colocação de todos os itens em nova caixa, na qual apôs selo, isto com vista a preservar 0 estado dos objectos a partir do momento em que se teve conhecimento do sucedido até à apresentação a V.Exa-, - (...) embora os dispositivos e suportes digitais se mantenham preservados em sacos selados, importa todavia reconstituir o estado dos demais objectos àquele em que se encontravam no momento da busca. III. A pretensão do Ministério Público, tendo em vista reconstituir o estado dos demais objectos àquele em que se encontravam no momento da busca, carece de fundamento legal que, de resto, aquele não invoca, tudo se reconduzindo, afinal, e sem prejuízo das vicissitudes relatadas, à livre apreciação da prova (art. 127.º do Código de Processo Penal). IV. Por seu turno, prevê o art. 184.º do Código de Processo Penal: sempre que possível, os objectos apreendidos são selados. Ao levantamento dos selos assistem, sendo possível, as mesmas pessoas que tiverem estado presentes na sua aposição, as quais verificam se os selos não foram violados nem foi feita qualquer alteração nos objectos apreendidos. Sem prejuízo de a violação deste dispositivo legal, de acordo com o decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.06.2024, se traduzir numa ilegalidade juridicamente irrelevante (ECLI:PT:TRL:2024:631.16.7TELSB.T.L1.5.BB), em face do alegado pelo Ministério Público, concretamente, que foram quebrados os selos existentes nas 3 caixas contendo os objectos apreendidos no decurso da busca na sede da "AA", o acto de desselagem, com referência aos selos apostos aquando da busca, mostra-se inviabilizado, por impossibilidade superveniente. Na verdade, após terem sido quebrados os selos existentes nas 3 caixas, foi o magistrado do Ministério Público que procedeu à colocação de todos os itens em nova caixa, na qual apôs selo. Em suma, a desselagem agora pretendida não teria correspondência com o acto inicial, pelo que, por falta de objecto da diligência, traduzir-se-ia na prática de um acto inútil. VII. Pelo exposto, indefere-se o requerido». Refira-se liminarmente que o Ministério Público não recorreu deste despacho. Recorre BB, por a decisão o afetar, na medida em que os seus direitos foram prejudicados ou podem vir a ser prejudicados (artº 401º, nº 1, al. b), do CPP). E esses direitos podem ter sido beliscados (ou poderão vir a ser) na parte em que a decisão recorrida se refere a objetos apreendidos na pessoa do recorrente ou no seu gabinete, i.e., quanto aos objetos que lhe dizem respeito e que são aqueles que estão descritos no auto (cfr. ponto 1 das incidências processuais acima aludidas). O caso em apreço é, em síntese, o seguinte: 1. Foram feitas buscas e apreensões em escritório de Advogados no dia ........2023 2. Toda a prova, apreendida no gabinete do recorrente e na posse ou no gabinete de EE, e ainda na direção financeira, foi selada em três caixa seladas com fita azul a isso destinadas, tendo sido rubricada e datada pela Exma. Sra. Juiz de Instrução Criminal que presidiu à diligência. 3. Em ........2024, foi lavrada informação nos autos dando conta que caixa alguma se encontrava então selada, dando-se conta da forma como a prova tinha estado, até então, guardada e a identidade de quem a tinha catalogado. 4. Ainda em ........2024, foi, pelo Ministério Público, lavrado um auto de selagem, precedido da apresentação de todos os items apreendidos em 07.11.2023 e da constatação de que os sacos prova referentes aos items 1 e 23 permaneciam fechados, sem quaisquer indícios de violação ou abertura. Em tal auto consignou-se que «Confirmada a apresentação de todos os 27 Itens apreendidos durante a busca documentada a fls. 5905, do disco da marca ...e das mencionadas listagens, e uma vez que as caixas em que os mesmos tinham sido colocados e selados foram indevidamente abertas, procedi, acto contínuo, à sua colocação em nova caixa, com a aposição do selo n.° ... (fornecido pela PSP) e fita azul selante, sobre os quais coloquei a minha rubrica. Para os devidos efeitos, consigna-se que a caixa ora selada irá permanecer em armário fechado no gabinete do signatário». Atentemos nos seguintes preceitos do Código de Processo Penal: Artigo 180º Apreensão em escritório de advogado ou em consultório médico 1 - À apreensão operada em escritório de advogado ou em consultório médico é correspondentemente aplicável o disposto nos nsº 5 e 6 do artigo 177.º 2 - Nos casos referidos no número anterior não é permitida, sob pena de nulidade, a apreensão de documentos abrangidos pelo segredo profissional, ou abrangidos por segredo profissional médico, salvo se eles mesmos constituírem objeto ou elemento de um crime. 3 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo anterior.
Reclamação
A aposição de selos não é obrigatória. É esse o sentido do artigo 184º do CPP, ao referir “sempre que possível, os objetos são selados”. No caso em concreto, a aposição de selos foi efetuada mesmo antes da apresentação da reclamação a que alude o artigo 77º do EOA, feita para preservar o segredo profissional. Essa reclamação seguiu depois os seus termos, com o exercício do contraditório, e foi objeto de despacho judicial que a conheceu, em 19.02.2025. É este o despacho que se pronunciou sobre a reclamação, do qual, naturalmente, pode ser interposto o competente recurso. O despacho recorrido, de 03.12.2024, nada disse ou decidiu sobre a reclamação ou sobre o segredo profissional, matérias essas que não foram aliás submetidas à sua apreciação, inexistindo, assim, nesta parte, decisão que importe analisar para confirmar ou revogar. Contrariamente ao que sustenta o recorrente, nem o despacho recorrido nem a quebra de selos impediram que a reclamação feita nos termos do artº 77º do EOA prosseguisse a sua tramitação e fosse decidida (noutro momento, por outro despacho). O que o despacho recorrido diz é que: - a requerida reconstituição do estado dos objetos àquele em que se encontravam antes da busca carece de fundamento legal e o requerido ato de desselagem é inútil porque, tendo sido quebrados os selos, o Magistrado do Ministério colocou todos os items em nova caixa, que selou; - tudo se reconduz à livre apreciação da prova. Efetivamente, não se encontra fundamento para a reconstituição do estado dos objetos àquele em que se encontravam antes da busca. E, em face do realizado auto de selagem em ........2024, em que o Digno Magistrado do Ministério colocou todos os items em nova caixa, que selou, não se vê qualquer utilidade no requerido ato de desselagem, pois esta, como bem refere o despacho recorrido, não teria correspondência com o ato inicial. Sobre o artigo 184 do CPP pronunciou-se já esta 5ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, através do – mencionado na decisão recorrida - acórdão de 18.06.2024, publicado na dgsi (processo nº 631/16.7TELSB-T.L1-5, Relatora Alda Tomé Casimiro), que concluiu que «Não se pode considerar que a irregularidade decorrente da circunstância de o JIC não ter presidido ao acto de levantamento do selo aposto no saco-prova onde se encontrava acondicionado o telemóvel apreendido, e de o recorrente não ter sido notificado para o acto, tenha afectado o valor daquele acto – enquanto elemento essencial para a perfeição desse mesmo acto – sendo antes uma ilegalidade juridicamente irrelevante». Na fundamentação de tal aresto, que se segue e acolhe, pode ler-se que: «Em causa estão as formalidades do levantamento dos selos apostos em objectos apreendidos, com previsão no art. 184º do Cód. Proc. Penal. Estabelece o mencionado art. 184º que “sempre que possível, os objectos apreendidos são selados. Ao levantamento dos selos assistem, sendo possível, as mesmas pessoas que tiverem estado presentes na sua aposição, as quais verificam se os selos não foram violados nem foi feita qualquer alteração nos objectos apreendidos”. O art. 184º transcrito não comina a sua inobservância com nulidade, nem tal inobservância tem cabimento na previsão dos arts. 119º (nulidades insanáveis) ou 120º (nulidades sanáveis), ambos do Cód. Proc. Penal – aliás a delimitação daquele art. 184º ao cumprimento das formalidades prescritas “sendo possível”, é sintomático de que o acto praticado sem a referida formalidade não é nulo. Ora, nos termos do nº 1 do art. 118º do Cód. Proc. Penal, “a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei” e “nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular” (nº 2), ressalvando o nº 3 que “as disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova”. Ou seja, o facto de o JIC não ter presidido ao acto de levantamento do selo aposto no saco-prova onde se encontrava acondicionado o telemóvel apreendido, e de o recorrente não ter sido notificado para o acto, não constitui uma nulidade. Trata-se, então, de uma irregularidade. E de uma irregularidade que encerra uma invalidade? Dispõe o art. 123º do Cód. Proc. Penal que: “1 - Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado. 2 - Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado”. Porém, há que considerar que nem todas as irregularidades processuais constituem invalidades. Efectivamente, “o ato irregular só é inválido quando o desvio à legalidade processual afetar o seu valor (Germano Marques da Silva, 2008, p. 103). Para o efeito, a fim de determinar quando é que uma irregularidade afeta o valor do ato, a doutrina distingue entre elementos necessários e elementos úteis, cuja falta dá origem a vícios essenciais e a vícios marginais, respetivamente. Os primeiros, devido à sua importância, influem sobre a validade da atividade processual empreendida; os segundos, por causa da sua menor relevância, não têm qualquer influência sobre a validade daquela (João Conde Correia, 1999, p. 111). De todo o modo, este critério, por ser baseado numa mera distinção dogmática, acaba por pouco acrescentar. Será necessário procurar, de forma casuística, na regulamentação estabelecida pelo legislador para cada um dos atos processuais qual a função desempenhada por um determinado elemento: se esse elemento for essencial o ato é inválido; se for útil, o ato, apesar de imperfeito, não é inválido (Idem, 1999, p. 112 e ainda p. 145)” (João Conde Correia, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo I, p. 1293). No mesmo sentido defende Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição actualizada, p. 326) o princípio da relevância material da irregularidade, afirmando que “este critério de relevância material, que está fixado no final do nº 2 do artigo 123º para a irregularidade oficiosamente conhecida, vale também para a arguição de irregularidade por interessado, pois não se compreenderia que o poder de sindicância material do juiz fosse neste caso menor do que naquele outro (…). Portanto, se for cometida uma irregularidade que não possa afectar o valor do acto praticado, não se verifica o vício previsto no artigo 123º, isto é, a ilegalidade do acto é inócua e juridicamente irrelevante”. No caso em análise, o saco-prova em questão já se mostra aberto pela PJ, tendo o conteúdo do telemóvel sido extraído sem visionamento. Ainda que a cópia do equipamento efetuada pela Polícia Judiciária (sem visionamento) não tenha sido apresentada ao JIC, nem aberta, pesquisada ou manuseada pelo OPC e/ou pelo MP, encontrando-se o DVD gravado fechado, o disposto no art. 184º do Cód. Proc. Penal não foi observado. Contudo, não se pode considerar que a irregularidade decorrente da circunstância de o JIC não ter presidido ao acto de levantamento do selo aposto no saco-prova onde se encontrava acondicionado o telemóvel apreendido, e de o recorrente não ter sido notificado para o acto, tenha afectado o valor daquele acto – enquanto elemento essencial para a perfeição desse mesmo acto. Tal resulta da redacção do próprio art. 184º do Cód. Proc. Penal, ao referir que ao levantamento dos selos assistem, sendo possível, as mesmas pessoas que tiverem estado presentes na sua aposição. Pelo que não pode afirmar-se que a irregularidade verificada constitua uma invalidade, sendo antes uma ilegalidade juridicamente irrelevante. Ao contrário do que parece defender o recorrente, o acto de levantamento do selo aposto no saco-prova onde se encontrava acondicionado o telemóvel não é confundível com o acto de tomar conhecimento do conteúdo armazenado nesse telemóvel. O facto de o Acórdão da Relação, proferido no Apenso M, ter decidido que a razão de ser de a exigência de o acto de levantamento de selo aposto no saco-prova ter de ser levado a cabo sob a presidência do JIC é por ser ele que tem competência para tomar conhecimento do conteúdo das comunicações eletrónicas, em primeira mão, realça apenas o fundamento da competência para presidir a determinado acto. Mas já não pode afirmar-se que é o acto de levantamento do selo que garante que é o JIC a primeira entidade a tomar conhecimento do conteúdo das comunicações existentes no telemóvel – aliás, de acordo com o disposto no art. 184º do Cód. Proc. Penal, o acto de levantamento do selo tem apenas em vista a verificação de que os selos não foram violados nem foi feita qualquer alteração nos objectos apreendidos». Analisando as consequências da violação dos formalismos do artº 184º do CPP, João Conde Correia (in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo II, 4ª edição, Coimbra, Almedina, julho de 2024, pág. 742), expende que “O mesmo acontece nas situações de quebra dos selos regularmente apostos. Nada impede, nestes casos, a produção de prova sobre a integridade da coisa apreendida e, em consequência, sobre a bondade do resultado probatório deste modo conseguido. Se assim não for, uma qualquer violação dos selos, ainda que meramente fortuita e inconsequente, impedirá a valoração probatória de provas porventura decisivas. Em termos práticos, não seria, aliás, difícil encontrar situações de violação dolosa dos selos apenas para evitar a valoração probatória que se pode extrair dos animais, das coisas e dos objetos selados. Por si só, embora desencadeie um dever acrescido de esclarecimento e de fundamentação, a quebra dos selos não é decisiva” (sublinhados da ora relatora). Isto é, nada impede a produção de prova sobre a integridade dos objetos apreendidos e oportunamente selados. Aqui chegados, no caso dos autos, os elementos atuais disponíveis constam: 1. Na informação de serviço de ... de ... de 2024: «(…) não se verificava que alguma caixa com a dita prova se encontrava selada, tanto mais que toda a prova referente á mencionada apreensão já se encontrava catalogada. (…) De referir que: - toda a prova foi rececionada pelos elementos supra identificados, foi guardada em sala própria, ficando a chave à guarda desta Unidade, posteriormente foi transferida para o arquivo utlizado pela Unidade, a que só a mesma tem acesso e, quando da catalogação, foi transferida gradualmente para uma sala onde foi confirmada e catalogada, regressando novamente ao arquivo, onde se encontrava neste momento. - toda prova que se encontra descrita no auto de apreensão encontra-se à guarda desta Unidade, bem como a prova digital se encontra acondicionada em sacos prova selados; - a catalogação da prova tem sido efetuada por um único elemento da Unidade - Agente Principal GG e só este tem conhecimento do seu conteúdo». 2. No auto de selagem com a mesma data: «(…) o signatário confirmou que, efetivamente, lhe tinham sido apresentados todos os 27 itens descritos no auto de fls. 5905. (…) O signatário verificou que os sacos-prova n.°s 30332230 (Item 1) e 30332229 (Item 23) permaneciam fechados, sem quaisquer indícios de violação ou abertura. O signatário confirmou ainda que o saco-prova n.° 30332233 - onde foi acondicionado o disco da marca ..., para onde foram copiadas as caixas de correio ..., ... e ... - permanecia fechado, sem quaisquer indícios de violação ou abertura. E, finalmente, verificou que lhe tinham sido apresentadas as listagens extraídas, a pedido dos buscados, dos ficheiros copiados durante as pesquisas informáticas descritas no auto de fls. 5905. Confirmada a apresentação de todos os 27 Itens apreendidos durante a busca documentada a fls. 5905, do disco da marca ... e das mencionadas listagens, e uma vez que as caixas em que os mesmos tinham sido colocados e selados foram indevidamente abertas, procedi, acto contínuo, à sua colocação em nova caixa, com a aposição do selo n.° ... (fornecido pela PSP) e fita azul selante, sobre os quais coloquei a minha rubrica. Para os devidos efeitos, consigna-se que a caixa ora selada irá permanecer em armário fechado no gabinete do signatário». Daqui resulta que nada indicia, por ora, que estejamos perante a violação da cadeia de custódia ou face a prova proibida ou que tenha sido violado qualquer dispositivo legal que tutele os direitos do recorrente. Improcede, destarte, o recurso. DECISÃO Nestes termos, e face ao exposto, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar não provido o recurso interposto por BB, confirmando assim o despacho recorrido. Taxa de justiça pelo arguido, que se fixa em 4 Ucs – artigos 513.º e 514.º, ambos do Código de Processo Penal e artigo 8.º/9 do Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, por remissão para a tabela III ao mesmo anexa. O presente acórdão foi integralmente processado a computador e revisto pela signatária relatora, seguindo-se a nova ortografia excetuando na parte em que se transcreveu texto que não a acolheu, estando as assinaturas todas apostas eletronicamente – art. 94º, nº 2, do CPP. Lisboa, 22 de abril de 2025 Ana Cristina Cardoso Rui Poças Alda Tomé Casimiro |